P.O.V. (point of view - ponto de vista) Annie

Minha cabeça estava à mil. Os pensamentos voavam desgovernados em minha mente, que latejava. Isso não poderia ser verdade, nada disso. Não conseguia pensar direito com Lauren e Frederick discutindo se iriam ou não morrer. Peguei meu casaco e saí do quarto dele o mais rápido possível, desci a escada e parei no último degrau, onde vi a casa girar. Senti duas mãos me segurarem rapidamente. E lá estava o Simon, segurando-me com um olhar preocupado.
– Precisa descansar, Annie. Você esta sob estresse. - Ele falou enquanto me guiava para o sofá. - Sente-se um pouco.
– Eu preciso de explicações. - Falei, quase implorando.

Ele ergueu a cabeça e seu olhar foi além de mim. Logo ouvi a voz de Lauren.
– Vou preparar um lanche. - Ela falou passando por nós. - Deve estar faminta.
– Obrigada. - Disse apenas.
– Sobre o que, exatamente, quer saber? - Simon perguntou, sentando-se ao meu lado.
– Tudo. Desde o início. - Murmurei. - Quero saber como essa coisa entrou em minha família.
– Por que não conta como conheceu o Dan, Simon? - Frederick sentou-se em minha frente, na mesa de centro.

Simon hesitou um pouco, pensativo.
– Bom... Conheci o Dan através do seu avô, Annie. Seu avô, Daniel, quase matou a Lauren. Eu a salvei e o convenci que não fazíamos mal a mais ninguém, que estávamos limpos. Então, ele nos apresentou o Dan ainda criança e pediu proteção. Contou-nos toda a história.
– Que história? - Perguntei.
– Durante uma caçada, Daniel foi transformado em um de nós. Ele já era casado com sua avó, mas ainda não possuíam filhos. Porém, depois de alguns meses, ela engravidou. Nesse mesmo período, tivemos a notícia de que um novo Herdeiro estava a caminho. Era seu pai, Annie. - Simon sussurrou.
– Meu pai?
– Annie, ontem eu te falei... É, praticamente, nula a possibilidade de uma vida ser gerada entre um semidemônio e um humano. Você e seu pai. Seu pai deveria ter ascendido ao trono na época, mas seu avô o escondeu. Ninguém sabia quem era o verdadeiro Herdeiro. - Disse Frederick. - Apenas Simon e Lauren.
– E nunca falamos nada à ninguém. - Simon disse.
– E como ele sabe? - Perguntei apontando para o Frederick.
– Depois de um tempo, Daniel foi assassinado pelo mesmo demônio que o transformou. E Dan foi criado por um tio... Eu. - Simon ficou de pé, visivelmente afetado pelo assunto. - Ele soube, claro, quem era o pai dele. Muitas vezes chegaram até a caçar juntos. Uma noite, Dan achou Frederick caído no chão de uma viela...
– Ele havia sido agredido e o meu pai o ajudou... Eu já sei dessa história. - Suspirei.
– Então, depois de alguns anos convivendo conosco, Frederick ganhou a confiança de todos nós, inclusive, a do seu pai. Em uma dessas caçadas, Dan conheceu a Melissa, que era filha de um caçador. Depois de alguns anos, tivemos a notícia que Dan iria ser pai. Ele pediu proteção para você, Frederick sempre cuidou de você, desde pequena. Ele assim como nós, se preocupou pelo fato de saber o quão iria ser perigoso para vocês, principalmente para você, Annie.

Fitei Frederick por um momento. Ele esteve o tempo todo ao meu lado e eu nunca havia percebido.
– Por que perigoso? - Continuei.
– Bom, nós temos uma hierarquia. Se eu fosse o líder, não iria gostar de sair do poder. - Frederick foi franco. - Eu aniquilaria meu suposto inimigo.
– Que palavras fortes. - Disse Lauren, ela deixou sobre a mesa uma bandeja com suco e alguns aperitivos.
– Então, vão tentar me matar. - Concluí.
– Não precisa se preocupar. Ninguém sabe quem é você. - Frederick tentou me acalmar. - Não vou deixar ninguém te machucar, nunca.

Simon e Lauren haviam desaparecido. Frederick e eu estávamos novamente à sós. Ele sorriu ao perceber minha expressão.
– Não posso te obrigar a ficar comigo, Annie. - Ele levantou e caminhou em direção à escada. - A porta esta aberta.
– Espera. - Disse e logo fui até ele. - Eu vou ficar.

Frederick estendeu a mão e eu logo entendi. A segurei e ele me guiou de volta ao seu quarto. Ao passar, ele deixou a porta aberta e foi até a janela, onde observou a rua quieto. Fechei a porta com uma leve batida e caminhei até o meio do quarto.
– O que estava pensando ao me testar? Não teve medo? - Ele perguntou, ainda olhava pela janela. - Eu fiquei louco quando te vi sangrando e não pude te ajudar.
– Eu sei... - Disse. - Eu estava morrendo de medo.
– Sabe?

Frederick virou-se para mim. O rosto sério, uma expressão vazia.
– Sei. - Assenti. - Deu pra perceber.
– E então seu amiguinho chegou... Não foi coincidência. - Ele afirmou. - Vocês são corajosos. Mas poderiam ter entrado numa fria.
– Você iria nos...?
– Não. - Ele suspirou. - Já disse, nunca vou lhe causar mal algum. Às vezes, eu penso em quebrar a cara daquele imbecil... - Ele sorriu. Aquele mesmo sorriso torto que me deixava boba.
– Planejamos. Tony estava esperando na garagem, caso algo tivesse dado errado. - Admiti. - E estávamos filmando a movimentação da sua casa. Não queríamos perder nada.
– Foi assim que viu quando Lauren puxou aquele homem?
– Sim. - Assenti. - Afinal, o que vocês fizeram com ele?
– Ele esta preso. Vamos matá-lo assim que amanhecer. Esperávamos que ele falasse alguma novidade, mas não há. Ele apenas queria se livrar de nós, como a maioria.

Senti minha pele se arrepiar. Suspirei pesado e sentei na cama.
– Você falaram que estavam limpos...
– E estamos. - Ele se sentou ao meu lado. - Ele é um demônio, não um humano.
– Espera... Mas se você matá-lo, pode ficar com mais tempo de vida? - Perguntei intrigada. - Você teria mais tempo...
– Poderia, mas não vamos tragar a alma dele. Isso seria um grande problema, na verdade. - Frederick cobriu o rosto.
– Por quê?
– Seríamos caçados pelo nosso governo. Não é o que queremos.
– Fred... Seis meses, é um piscar de olhos. - Sussurrei.

Toquei instintivamente a perna dele. Frederick segurou minha mão e a beijou.
– O tempo inteiro ao seu lado é um piscar de olhos. - Ele falou, olhando em meus olhos. - E eu daria tudo para passá-lo com você, Annie.
– Eu não vou à lugar algum. - Disse verdadeiramente. - Vou estar com você.

Passamos um bom tempo em silêncio. Frederick deitou-se e me aninhou em seus braços, novamente. Confesso nunca te me sentido tão segura.
– Lauren e Simon tem quanto tempo? - Sussurrei.
– Uns dois meses, talvez.
– Fred...
– Oi?
– Quero saber mais sobre ser a Herdeira.
– Você já sabe o suficiente. - Falou sério.
– Não, você me disse apenas o que julga ser suficiente. Eu tenho direito a saber mais. - Ergui minha cabeça para olhá-lo.

Suas mãos tocaram o meu rosto e o guiaram até junto do seu, selando um beijo rápido em meus lábios.
– É para sua própria proteção. - Falou, nossos lábios mantinham a proximidade.
– E se eu quiser...? - Mordi meus lábios, interrompendo-me.
– O quê?
– E se eu quiser assumir o meu trono?

Frederick olhou-me com urgência.
– Por que iria querer isso?
– Para mudar algumas coisas... Para Lauren e Simon viverem mais. Para você viver mais. - Admiti. - Se eu assumir...
– Você não vai assumir, Annie. - Disse por fim.
– Mas...
– Não. - Ele suspirou. - Você deve estar achando que é tudo mágico e fácil, mas não é. É brutal. - Frederick continuou, irritado pela ideia. - Se eles decofiarem onde você esta, saiba que nem eu poderei salvá-la. É um exército, Annie. Eles iriam nos massacrar, iríamos queimar. Você também iria.

Encolhi-me com o pensamento.
– Nunca mais fale uma besteira dessa, entendeu? - Ele acariciou meu rosto. - Prometa que não irá fazer nenhuma idiotice.
– Frederick, mas se você morrer, quem irá cuidar de mim?
– Prometa, Annie. - Ele insistiu.
– Eu prometo. - Assenti.
– Eu não vou morrer. - Disse confiante. - Eu vou viver por você.