A revista ‘La Vida’ havia feito naquele ano várias contratações arriscadas, entre elas, a de Eliana Jones. Recém formada em jornalismo na Universidade de San Antonio, Texas, e com nenhuma experiência na área de design de interiores, Eliana recebeu a contratação como um grande desafio. Nunca tivera muitas situações desafiadoras nesse sentido em sua vida, agora era hora de adicionar emoção à monotonia. Seu trabalho não era tão simples como muitos imaginavam. Aconselhar pessoas completamente desconhecidas sobre como decorar suas casas era mais que complicado, quase impossível, para uma pessoa que não tinha muito contato com o bom gosto e a requinte. A surpresa nessa experiência foi que, ao receber suas primeiras “cartas” e respondê-las, recebeu uma boa avaliação dos leitores e assim, ganhou a vaga na revista definitivamente.

Os primeiros meses de trabalho, sem dúvida, foram uma luta constante contra os velhos hábitos. Um apartamento no centro da cidade de Austin, onde passou a morar sozinha, já podia ser considerado como uma grande responsabilidade em meio a muitas outras com as quais Eliana teve que assumir, desde não atrasar-se pela manhã para chegar ao escritório, até o pagamento de contas. Chegava a sentir falta da indiferença constante de seus tios em relação a ela, mas com o tempo, aprendeu a lidar com seus sentimentos e a organizar seu tempo. Assim, Eliana criou uma nova rotina para, a qual tratava de seguir sistematicamente. Seu objetivo era, além de planejar seu dia, manter-se ocupada para não ter tempo de pensar em seu passado. Todos os dias, levantava-se às 5h e vestia-se com roupas confortáveis para caminhar por alguns minutos. Era o momento perfeito para organizar a agenda do dia. Enquanto andava até a padaria mais próxima, pensava em todos seus horários livres e encaixava suas tarefas pendentes uma a uma e, se possível, priorizava as mais urgentes. Ao sair do escritório, por volta das 16h, checava minuciosamente a lista mental feita pela manhã e, ao confirmar que havia realizado todas as tarefas profissionais, finalmente descobria o que iria jantar. Costumava voltar a sua casa pelas 18h, quando tomava um banho longo e relaxante, preparando-se para ler as novas críticas e pedidos de seus leitores. Nos fins de semana, a diferença se baseava em não sair, permanecia em casa, estudando cada possibilidade de decoração.

Após seis meses de contratação, Eliana já se havia habituado a sua nova vida. Qualquer um que a observasse trabalhando conseguia perceber que o fazia com satisfação. Concentrava-se quase completamente enquanto lia as opiniões de seus leitores e respondia o melhor possível às dúvidas sobre decoração, tema o qual já abordava com certa familiaridade. Enquanto tratava de ajudar cada leitor faminto por alguma mudança em suas casas, sentia como se toda a história de sua vida de repente escorregasse pelas mãos e desaparecesse.

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Viva la vida, Coldplay. Essa foi a música que acordou Eliana naquela quinta-feira. Sonolenta, esticou o braço tentando alcançar o rádio-relógio, sem sucesso. Entreabriu os olhos para enxergar a posição correta do aparelho que insistia, nesse momento, em reproduzir a voz animada do locutor. Forçou as pálpebras na intenção de abrir os olhos completamente, porém um raio de luz a impediu. Levantou da cama, desligou o rádio e bocejou. Definitivamente, seu corpo começava a mostrar sinais de insatisfação pela rotina que há meses havia tomado o poder em sua vida. Chegou perto da janela e finalmente percebeu que não era 5h, e sim bem mais. O relógio marcava 8h, o que a deixou em dúvida se o sentimento era frustração ou desespero. Lembrou-se das palavras do editor-chefe bem claramente quando disse que essa quinta-feira seria muito importante para a revista, que todos chegassem cedo e não atrasassem nem por decreto. Fechou os olhos e balançou a cabeça em sinal de reprovação. Os seguintes 30 minutos com certeza saíram de todo o plano de rotina.

Chegou ao escritório da revista mais atrasada do que esperava e logo avistou Eddy, o editor-chefe, sentado no lugar onde ela deveria estar. Sua cabeça calva tornava-se mais marcante à medida que Eddy fazia seu trabalho da maneira que mais lhe agradava. A implicância e o espírito competitivo eram as características que o homem emanava ao falar com qualquer pessoa que possuísse um trabalho menos conceituado que o dele. Eliana se aproximou com cautela da confortável cadeira vermelha estofada e pigarreou.

– Eliana, se deu conta de que horas são?

– Bom dia, Eddy. Não é do meu costume chegar atrasada, desculpe.

– Eu sei que não é, mas hoje era um dia diferente e todos, incluindo você, sabiam disso. A reunião que tivemos enquanto a senhorita não chegava foi de suma importância. - A expressão de poucos amigos estampada no rosto de Eddy delatava que, mesmo não querendo, teria que contar o assunto da reunião. - Acabam de abrir uma unidade em Madri e nós iremos ajudar a lançar a primeira edição de ‘La Vida en España’.

– Isso deveria ser bom - disse, indecisa. - ou não?

– Sim, para a maioria de nós. - Finalmente resolveu virar-se de costas para Eliana, deixando-a mais a vontade caso lhe escapasse alguma expressão ofensiva ao olhar de Eddy - Mas você foi escolhida para visitar a nova unidade e passar todas as instruções necessárias. Informe-se com alguém, eu preciso voltar a trabalhar.

Eliana acompanhou os passos de Eddy incrédula. Ele realmente estava convencido a não dizer os detalhes da reunião. Sentou-se na cadeira que antes estava ocupada pelo editor-chefe pensando que talvez uma viagem, mesmo que a trabalho, lhe cairia bem. A mudança apenas havia começado nesta manhã, e passaria por um longo processo nos próximos meses. Era o que esperava, longos e difíceis meses para concretizar a nova Eliana, longe da rotina e disposta a bagunçar qualquer organização. Ligou o computador que tinha a sua frente e pôs-se a ler seus e-mails, como todos os dias fazia, notando que, felizmente, um deles falava sobre os detalhes de sua viagem. Em dois dias partiria para Madri.