Quem é Papai Noel? escrita por Em White


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem da história tanto quanto gostei de escrevê-la!



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– Agora vamos falar sobre o caso que tem assustado pessoas de todo o mundo. Papai Noel sumiu um dia antes da véspera de Natal, na qual se entrega os presentes, e por enquanto não há vestígios de seu paradeiro. Nossa enviada especial, Joana, está no Polo Norte em frente à mansão de Noel. E ai, Joana?

Após o breve atraso, Joana recebeu a deixa da repórter brasileira.

– É isso mesmo, Cláudia, o último dia em que ele foi visto, foi na tarde de 23 de Dezembro, e nós encontramos a mulher que viu o Papai Noel pela última vez. Como foi isso Dona Inês?

– Eu estava fazendo as minhas coisas na minha casa, ali na frente. Quando terminei, fui varrer a neve do jardim, já que meu marido é um preguiçoso que não gosta de ajudar... – a senhora desatou a reclamar do marido usando palavras locais estranhas e esquecendo-se do principal.

– Dona Inês, foca no Noel... – pediu Joana.

– Ah é, então, eu estava varrendo e ele saiu da mansão, sempre muito educado me cumprimentou e foi fazer uma revisão no trenó, ele faz isso todo ano, depois disso vêm os elfos com a sacola de presentes, porém, esse ano foi diferente.

– A senhora notou alguma anormalidade?

– Eu não, só sei que quando deu umas sete da noite começou a loucura, era elfo pulando para um lado desesperado, a polícia saindo até do ralo e a sacola de presente não estava lá.

– Ok, muito obrigada. A Mamãe Noel, que estava preparando a decoração da outra mansão na Lapônia, já está no avião a caminho. O mistério de Noel afetou muito os moradores da mansão, tentamos contato com Rudolf, a rena do nariz vermelho, mas ele estava muito abalado e se manifestou por uma nota:

“Por anos Noel alegrou o Natal de crianças boazinhas em todo o mundo. Eu o acompanhei fielmente em muitas dessas viagens. Hoje, tenho a tristeza de dizer que meu companheiro não está mais entre nós. Mas eu acredito na justiça natalina, sei que você está por ai! A gente vai te encontrar Noel, meu caro. E quem fez isso para você vai pagar.”

Houve uma movimentação de policiais e elfos no plano de fundo, o cinegrafista fez um sinal para Joana, a moça se virou e correu, parando na faixa de contenção.

– Este é o comandante das investigações, Coronel Raj Lavi da Interpol. Estamos ao vivo para todo o Brasil, e queremos saber, já temos alguma novidade?

– Como já faz quarenta e oito horas do desaparecimento, já podemos considerar um sumiço e até um possível crime. Pedimos a ajuda dos civis de todas as regiões, a vítima é gorda com barba e cabelos brancos, estava usando roupas vermelhas. Atende por: Papai Noel, Papá Noel, Babbo Natale, Santa Claus, Joulupukki,...

O homem continuou falando nomes pelos quais Noel atenderia em outros idiomas.

– Se alguém tiver informações, favor entrar em contato. Infelizmente este não é um feliz Natal. Cláudia.

A gravação foi finalizada e Joana desligou o microfone.

– Que absurdo né, Caju? Isso vai destruir o sonho de um monte de crianças...

– É, mas a gente tem que pensar, ele já é velho, alzheimer deve ser consequência da idade. – Caju passou a mão nos cachos e sacudiu a cabeça, incrédulo; jamais imaginaria fazer uma cobertura dessas.

Os dois colocaram as coisas dentro da van da emissora e entraram, rumando para o hotel. O motorista olhou pelo retrovisor e viu Joana puxando as roupas para bloquear o frio enquanto Caju desembaçava o vidro sem muito êxito.

– Estão entregues, – ele falou quando chegaram ao hotel que não era cinco estrelas, porém muito aconchegante. – Eu vou guardar o carro, subo depois.

Eles entraram no elevador em silêncio, Caju porque não tinha o que dizer e Joana tentando achar respostas para tal mistério. O elevador parou no andar que ficavam os quartos e abriu, passaram pelo carpete azul e chegaram às portas que ficavam uma na frente da outra.

– A gente se vê no jantar. – ele disse.

– Até lá.

Ela fechou a porta atrás de si e sentou na mesinha simples que apoiava o notebook. Digitou no site de buscas: “Papai Noel” e obteve milhares de resultados, inclusive, alguns indesejados.

“Papai Noel some e deixa crianças desoladas.”

“Shoppings estão decorados, mas a cadeira vermelha está vazia.”

– Isso é muito estranho. – soltou em voz alta e depois levantou de sobressalto, pois ouviu uma voz do outro lado do corredor, as paredes finas permitiam ouvir o menor ruído.

– Filha, eu já falei que o presente vai chegar, mas o Papai Noel foi viajar, vai demorar só um pouquinho. Eu vim buscar o presente na casa dele. – era a voz do motorista que sempre fora tão bondoso.

Joana sentiu apertar o coração, e mesmo sabendo que não se tratava de um hábito educado, saiu do seu quarto e colou o ouvido na porta do que pertencia aos rapazes. Já não ouvia mais nada, depois a porta se abriu.

– Precisando de alguma coisa, mocinha?

– Eu... Não! Só vim chamar vocês para jantar, estou com fome!

– Opa! Estou morto de fome. – a voz ao fundo acabava de salvar Joana.

– Tudo bem, seus esfomeados, vamos descer.

***

Todo o salão de jantar estava decorado com motivos natalinos, até o chapéu do chef havia se tornado o gorro vermelho do Papai Noel. Pedimos de entrada saladas, que chegaram rapidamente, e também estavam em clima festivo, as folhas faziam uma perfeita árvore de natal, decorada com tomates cereja e alcaparras, incluindo um pedaço de canela fazendo o papel de tronco.

– Engraçado, eles não parecem muito afetados com o sumiço do grande símbolo do Natal. – pontuou Caju seguido de uma garfada que destruiu a arvorezinha.

– O que vale nessa época é o dinheiro e não que o velho sumiu; o espírito do Natal foi perdido há séculos... – disse Zé, o motorista que não acreditava em nada que não envolvesse dinheiro. – Nem sei por que minha filha ainda acredita nisso.

A menina era a única que ao invés de falar, observava com olhos inquietos todo o canto à espera de alguma coisa. Puxou um guardanapo de papel, o apoiou na coxa e tirou do bolso uma caneta. Quase furando o guardanapo, ela terminou de escrever e finalmente, o que ela esperava aconteceu, Zé se virou para pedir o prato principal, passou o papel para Caju e se levantou.

– Não estou me sentindo muito bem, vou deitar.

– Não vai nem comer? – o motorista a encarou preocupadamente, tinha o olhar e as atitudes de um pai.

Sacudindo a cabeça, Joana se afastou da mesa. Enquanto o menino lia o bilhete.

“TEMOS QUE CONVERSAR.

MEU QUARTO.

O QUANTO ANTES!”

Ele acompanhou a saída da garota com uma interrogação estampada no rosto.

***

Joana caminhava de um lado para o outro nos limites do quarto, de vez em quando bufava e prendia e soltava os cabelos castanhos um pouco queimados pelo sol do Brasil. Sentia uma pontada no estômago, talvez pelo frio incessante que ela nunca passara antes, ou pela decisão que tinha tomado mais cedo.

Ouviu o bater na porta e pulou.

– Por que você demorou tanto? Só faltava eu roer os dedos! – puxou-o pelo braço e trancou a porta.

– Foi o que deu para fazer, mas você pode ir logo para o assunto? Fiquei com um pouco de medo depois que você trancou a porta.

– É o seguinte, eu não aguento mais, não dá!

– Olha, eu não sou formado em psicologia, aliás, eu nem sou formado ainda, mas se quiser minha ajuda... Como eles dizem...? Ah, há quanto tempo isso começou?

– O quê?! Eu não... Não quero falar sobre mim. – ao contrário de explicar, puxou a cadeira e indicou para que ele se sentasse de frente para a tela do notebook.

Analisou a página de buscas e constatou.

– É, não te avisaram? Estamos trabalhando nisso...

– Se não vai ajudar, sai daqui.

– Você é um tanto contraditória, o que aconteceu com “o quanto antes”? – notou que ela não tinha achado graça. – Tá, fala o que essas notícias têm de especial.

– Nada. – a dúvida pairou na expressão de Caju. – E essa é a questão. Quem está cuidando disso não está fazendo direito.

– Ei, você não está pensando em... – não houve tempo para acabar.

– Não estou pensando, eu vou investigar esse sumiço.

– Como assim?! Você é jornalista, seu dever é apenas dizer o que os outros descobriram.

– Era para eu ser detetive, só que aparentemente não há faculdade para isso.

O garoto se levantou e inclinou a cabeça, não sabia se deveria levar aquilo a sério. Percebendo a confusão gerada, Joana tentou esclarecer o máximo que pode.

– Acho que poderíamos começar com conversas informais com as últimas pessoas que o viram, não digo aquela senhora louca, e sim os que foram mais próximas dele, como animais e ou elfos. Se conseguirmos algo produtivo, continuamos nessa linha, se não, plano B.

– E este seria...? – Caju ficava cada vez mais curioso.

– Partir para a ação, invadir o escritório dele, câmeras de segurança... Tem algo de podre na mansão do Polo Norte.

– Ok Sherlock, sem citar obras literárias, por favor.
– Então, você está dentro?

– Sei lá, eu... Tanto faz. Tá bom. Sério, porque todo esse interesse, algum trauma?

– É sobre as crianças, muitas não tem nada, não posso deixar que percam a esperança.

Durante horas, discutiram o que fariam durante a semana que gravariam reportagens para o canal brasileiro, anotaram os horários em que poderiam agir, Caju até conseguiu as rondas e rotações dos policiais no local. O plano tomava vida a cada passo. Joana chegou perto para checar os últimos detalhes e acabou parando com os olhos no relógio do cantinho do monitor. Passava da meia noite.

– Volta pro quarto, agora!

– Como é?

– Olha que horas são, o Zé vai achar estranho!

– Então é assim Jô... – o jovem fez a melhor voz de mágoa. – Você me seduz até aqui e me despacha como um cachorrinho. Saiba que eu vou, mas de coração partido.

Fazendo uma cena dramática, a menina levou uma mão à testa e esticou a outra para ele, depois jogou um travesseiro, este acertou a porta que se fechava.

Ela rolou da direita para a esquerda o resto da madrugada, não conseguia conter a ansiedade, o que resultou em olheiras enormes na manhã seguinte. Apoiada na pia, Jô encarava seu reflexo cansado e tentava resolver algo com água gelada e sabonete, tudo que dispunha o banheiro. Batidas apressadas na porta a desconcentraram.

Caju entrou antes que alguém pudesse piscar.

– Você está horrível!

– Isso é muito legal da sua parte... – ironizou ela.

Tanto faz, – disse colocando a mão no bolso. – aqui, tem uma barrinha energética e uma caixinha de gemada, tá meio amassada, mas foi o que deu pra trazer.

Comeu a barrinha em duas mordidas, afinal, havia jantado apenas salada, no entanto, não avançou na tal gemada. Contraiu o rosto com certo estranhamento.

– Pode tomar, faz o maior sucesso por aqui. – depois de mais uma olhada, Joana tomou a gemada num gole só.

– Até que é bom. – constatou.

– O Zé ficou todo duvidoso sobre ontem, mas deu pra enrolar. Desci com ele hoje, comemos e eu disse que se pintar reportagem, ligo pra ele levar os materiais, nós vamos “conhecer as redondezas”, também disse que você já tinha saído, então é melhor não aparecer por ai.

– Rápido você, hein? Tá bom, vou me trocar, volto em cinco minutos. – com isso se fechou no banheiro com roupas quentinhas, um casaco extra e coturnos para a neve.

***

Demoraram cerca de meia hora até a Mansão Noel, não puderam ir de carro por causa de Zé e mesmo não sendo um caminho tão longo, a neve era um grande empecilho. Encararam o suntuoso casarão enquanto se recuperaram, era cercado de pinheiros e no jardim da frente um trenó coberto até a metade de branco.

– E agora? – perguntou Caju ainda esbaforido.

– Acho que a Mamãe Noel já chegou. – ela respondeu apontando para uma janela da possível cozinha com luz acesa e um bolo apoiado visível mesmo pelo vidro embaçado.

Pularam a faixa amarela e preta que já estava mais frouxa do que no primeiro dia, e chegando à entrada, tocaram a campainha. Após um tempo, ouviu-se o barulho de uma chave.

– Bom dia, desejam alguma coisa? – era uma velinha fofa, com um avental costurado a mão que perguntou.

– Bom dia, senhora Noel, certo? – Joana tentou e a Mamãe Noel assentiu com a cabeça. – Somos de um jornal do Brasil e gostaríamos de falar um pouco sobre o seu... Marido.

– Ah, esse assunto. Entrem crianças, tem bolo fresquinho. –encaminhou todos para cozinha que estava ocupada pelo vapor quentinho do bolo. Os jovens não deixaram de reparar que fora eles a casa estava vazia e caixas se espalhavam em todo o lado.

A senhora era como uma avó, não parava de encher o prato e o copo dos dois. Caju olhou para a colega de trabalho e ela encarou de volta com um pouco de vontade de desistir, claro que seria difícil para alguém que está passando por isso, tocar na ferida, ele a encorajou com o olhar de “talvez possamos ajudá-la e não caminhamos até aqui para nada”.

– Vocês iam me perguntar algo? – havia um tom de urgência na questão.

– Sim, só se não for incômodo. – Joana deu a chance de Mamãe Noel se livrar da ideia maluca dos dois.

– Terei que lidar com isso mais cedo ou mais tarde.

– Tá certo, – ela endireitou sua postura. – a senhora não estava aqui quando aconteceu, né?

– Não, não.

– Chegou a falar com ele no dia do suposto desaparecimento?

– Suposto não, ele sumiu, não precisa amenizar. – a frieza causou uma crise de tosse em Caju.

– Claro, é... Vocês se falaram?

– Ele me ligou todos os dias desde que fui para nossa outra casa, inclusive no dia 23. Estava tudo normal; mas depois me ligaram dizendo que ele havia desaparecido.

– E por acaso, a senhora notou algum detalhe ou qualquer coisa que pudesse contar-nos?

– Querida, venhamos e convenhamos, não achei nada e não irei achar; ninguém vai. Ele se foi, está bem?

Com os olhos arregalados, o garoto se levantou e perguntou após pigarrear:

– Com licença, onde fica o banheiro?

– Bem ali, – ela indicou com a mão que segurava um pano de prato. – segunda porta à esquerda.

***

Saindo do corredor, minutos mais tarde, notou que a senhora estava encaminhando Joana para a porta.

– Infelizmente, se me procurarem aqui de novo, de certo não me encontrarão; essa casa tem muitas lembranças, vou vendê-la.

– Sentimos muito. – Jô disse pelos dois e a porta se fechou sem um “tchau”.

Até a metade do caminho não falaram uma palavra, estavam pasmos pela “receptividade” da mulher do bom velinho.

– Estraguei tudo, não foi? – disse ela, cobrindo o rosto com as mãos. Joana parou o percurso, não só por estar derrotada como também extremamente cansada.

– Não diria tudo. Você foi uma boa distração enquanto eu vasculhava o resto da “cena do crime”.

– Você o quê?!

– Isso mesmo querida, – ele passou o braço pelos ombros da garota e tirou uma folha amassada do bolso. – esta é uma declaração dos bens do Sr. Papai Noel.

– Não folga. – ela tirou o braço. – Inacreditável! Isso é incrível.

A notícia revigorou as energias, transformando os próximos quinze minutos numa maratona e os dois em corredores profissionais.

De volta ao hotel, encontraram Zé jogando cartas com um segurança, não que eles conseguissem entender um ao outro.

– Os pombinhos estão de volta? Agora faz sentido o porquê do pobre velho aqui não poder acompanhar...

– Não. Estamos. Juntos. – disseram em uníssono, provocando risadas.

Subiram para os aposentos e trocaram as roupas molhadas, aproveitando para meia hora de folga. O combinado foi de se encontrarem para confirmar as informações presentes no documento.

***

– Eu me lembro disso, foi o maior bafo quando descobriram que ele tinha essa casa na Lapônia... Entretanto, ainda não entendi em que isso ajuda a gente, quero dizer, o que tem a ver com o desaparecimento do Noel?

– Que desaparecimento? Comecei a achar estranho quando aquela velha louca tratou com tanto desdém sobre o caso, quando pedi para ir ao banheiro quis saber o que tinha na primeira porta, para a minha sorte era o escritório, já estava tudo encaixotado, menos alguns papeis, dentre eles este ai. – Caju falou tudo muito rapidamente sem pausa para perguntas ou descrença da menina. E continuou. – Posso estar enganado, mas forjar o próprio sumiço está se formando uma opção.

– Temos uma bomba e não podemos explodi-la, frustrante... De todo modo, deveríamos falar com mais alguém, estava pensando no Rudolf, será que ele está envolvido?

– Saberemos assim que ele atender.

– Você está sendo demais!

– Tanto faz, não foi só você que queria fazer uma coisa e acabou aqui, queria ter feito cinema e isso parece bastante com o roteiro de um filme; serve por enquanto...

Com um caderninho em mãos, Joana anotou cada detalhe da conversa entre o amigo e a rena que estava de prontidão para atendê-los. Quando repousaram o telefone no gancho, sentiram-se mal por saberem que Rudolf talvez tivesse sido tão fiel a alguém que não merecia. Pelo menos ele se comprometeu a não deixar o Natal morrer, contou que os elfos estavam trabalhando a todo o vapor para fazerem novos presentes que seriam entregues assim que possível.

– É a decepção da minha vida... – Jô sublinhava partes importantes da conversa e Caju mandava e-mails para um amigo advogado que explicaria para eles todas as questões “burocráticas” do que estava acontecendo.

– Esperava que uma criança malvada e mimada tivesse sequestrado o Papai Noel por não estar na lista dos bonzinhos? –arquejou a sobrancelha sem se virar.

– Não seria tão ruim se fosse o caso. O único absurdo é ele deixar as crianças na mão, justo na véspera do Natal...

– Foi uma mancada mesmo.

Bateram na porta.

– Deus, esse quarto parece pensão, toda hora!

– Você me obrigou da primeira vez e da segunda estávamos fugindo, a culpa é inteiramente sua...

Zé surgiu apoiado na porta segurando dois sacos de papel, um cheiro de tempero invadiu o cômodo, certamente um lanche. Para o motorista, comer era bem importante, isso se via na silhueta redonda dele.

– Sei lá o que tanto vocês fazem aqui, mas sem comida vão acabar doentes. – entregou um pacote para cada um e entrou.

Nada que exija esforços físicos. – falou Caju abocanhando o sanduíche.

– Me contem do que se trata, então.

– Não iria se interessar, só “crianças tentando salvar o mundo”, como você sempre diz.

– Melhor não se meterem em encrenca, podem ter um salário, mas com certeza não tem juízo.

– Consideraria sair do Polo Norte rumo à Finlândia, uma encrenca?

– Deve estar doente... Pretende sair daqui e ir para a Finlândia?! Nem sei onde fica esse negócio.

Entre gargalhadas, o garoto respondeu. – Se trata de um país, e está contextualizado no tema: “o sumiço do Noel” já que o velho tem casa lá. Você topando, já comprei as passagens, e um amigo meu estará nos esperando no aeroporto.

– Eu tenho algum direito de escolha? – Zé jogou as mãos para o alto, se rendendo.

– Creio que não. – Joana riu.

***

As malas já estavam arrumadas no quarto de Joana, ela já esperava sentada na beira da cama alguém chamá-la. Encarando a parede azul clara, reviu tudo que levou a esse momento. Na reunião da redação expuseram a história de Noel; naquele instante a garota implorara para ficar com a reportagem, pois ninguém deveria sofrer nessa época, principalmente os pequenos. Depois disseram que ela poderia viajar para o Polo Norte, ela aceitou com a promessa de que descobriria a verdade, fosse um sequestro ou até um acidente. Conheceu a equipe que iria com ela, um garoto de cachinhos com vinte e poucos e cara de criança, e o motorista Zé com jeito de pai. Por fim, estava lá olhando para a parede e desvendando um mistério inimaginável.

***

O avião pousou tranquilamente na manhã de 14 de Janeiro e a chegada à Lapônia foi normal, lá levavam o Natal a sério, tanto quanto no Polo Norte, afinal o “bom” velhinho fixava residência lá também.

O tal amigo advogado estava no aeroporto como combinado. Levou-os até o endereço que constava no documento, era uma rua bem deserta, com algumas casas espaçadas e a de número 2512, destino do time. Parecia mais um cofre do que uma mansão, muros altos e câmeras em todo espaço livre da cerca elétrica.

Foram obrigados a aguardar a chegada do policial que cuidava do caso na Europa, chamaram-no depois do conselho do amigo de Caju, era um conselho sensato, porque se estavam prestes a invadir uma residência, ajuda policial poderia livrá-los de cometer um crime.

– Boa tarde, sou o Coronel Heinz. –cumprimentou pelo vidro aberto da viatura.

– Coronel, vocês demoraram, estava morrendo aqui! – Soltando as palavras rápidas, Joana se levantou do meio fio.

– Tivemos dificuldade de achar um heliporto. O fato é que não trago ótimas notícias.

– Poderiam ser no mínimo boas.

– Fizemos o possível... Não conseguimos uma autorização para entrar.

– Achei que você fosse o chefão de tudo isso.

– Tem sempre alguém acima. Enfim, há uma exceção para tudo isso, pelo que Raj disse, acredito que estejam na pista certa, e caso estejam, será fantástico para nós, portanto, vamos entrar.

Pulinhos de alegria e comemorações precipitadas encheram e ecoaram pela rua.

– Ainda não acabei, vocês podem estar certos, como podem estar errados, aí teremos problemas. Deixo nas mãos de vocês decidirem o que fazer.

– Ninguém quer ser preso aqui, né? Vamos embora com a graça divina do Natal! – Zé virou as costas para sair andando.

–Espera ai, meu bom senhor! – Joana interrompeu. – De maneira nenhuma vamos desistir agora.

– Vamos terminar isso. – Caju encarou uma caixinha no meio do muro. – Tão previsível...

– Muros cinza?

– Não, a senha. – retrucou no momento em que o portão começou a se abrir.

– O quê?! – Jô colocou a mão na boca que havia feito um perfeito “O”.

– “Hohoho”, bem legal para senha da casa do Papai Noel.

Entraram acompanhados de Heinz e um soldado mais novo. Antes que encontrassem a porta de entrada, Mamãe Noel os encontrou.

-Tsk, tsk, tsk. Nada educado entrar na casa de uma velha senhora assim. – apesar de provocativa, certamente havia surpresa no fundo da fala, não estava esperando aqueles dois depois da indelicadeza no último encontro.

– Quando disse que não te encontraríamos se referia ao Polo Norte. Um detalhe, acho que se esqueceu que a casa da Lapônia não era mais segredo.

– O que querem aqui? – ela aumentou o tom.

– Apenas achar o perdido. – todos quiseram socar a repórter depois do péssimo trocadilho, ela achava viável adicionar isso ao roteiro do futuro filme do amigo.

– Me mostrem o mandato de busca e sejam bem vindos. –jogar com a sorte é para poucos, Heinz pensou.

–Não temos um, senhora, mas se Noel for encontrado, terão muito para explicar.

– Antes eu chamarei a polícia, a de verdade, e vocês quem terão que explicar muita coisa.

A tensão tomou conta do time e dos policiais, parecia que a velinha tinha uma arma apontada para eles.

– Desnecessário, senhora. – o amigo advogado começou. – Conhece o ditado, quem não deve não teme, certo? Deixe-os entrar e prove que estão errados, só eles tem coisas a perder.

Ele tinha vencido a queda de braço. Revirando os olhos, Mamãe Noel disse:

– Muito bem, entrem e procurem o quanto quiserem, além de mim, a casa está vazia.

Um a um, passaram pela porta de madeira escura e imponente que dava para uma sala na qual não havia mais espaço para decoração de natal ou para comportar aquele tanto de pessoas.

Decidiram se separar em dois grupos: Heinz, Zé e o amigo advogado vasculhariam no andar de cima enquanto Caju, Joana e o soldado, ficariam com a parte de baixo, acompanhados pela senhora Noel.

– Soldado Moore, qualquer suspeita nos chame, o mesmo vale para nós lá em cima. – o comandante combinou, e se direcionou para a escada.

– Senhor, sim, senhor. – Moore concordou de modo robotizado.

Iniciaram as buscas; se ele estivesse lá não seria difícil achá-lo, afinal, não há muitas coisas que reúnam as características: gordo, acima de cinquenta ou sessenta, vestido de vermelho e barbudo. A descrição tornou tudo mais difícil, já que haviam olhado tudo lá em baixo, até mesmo onde seria absurdo de caber com homem com aquelas proporções (com todo o respeito), e mesmo assim, nenhum sinal do bom velhinho.

– Querem um copo d’água? – ofereceu a Mamãe Noel com um sorriso vitorioso.

Agradeceram com a cabeça, quem sabe se naquele ponto ela não os envenenaria. Caju estava muito cansado, mas não achava posição confortável por ser muito grande e estar cercado por mini bonecos de neve, bengalas doces e todo tipo de enfeite. Deu uns passos para trás a fim de encostar na parede, e acabou acertando algo que espetava, virou-se e viu uma árvore de Natal quase trinta centímetros maior do que ele tombando para trás.

Um milésimo de segundo e várias reações em câmera lenta seguiram. O garoto deu um pulo para frente, o soldado empunhou a arma de susto, Joana se virou pasma e a senhora correu como um felino, esticando o bracinho rechonchudo para puxar a árvore.

Tarde demais...

A parede –decorada com meias, retratos, um senhor na praia usando uma sunguinha (nada legal), apoiados numa lareira falsa –se mostrou sintética e começou a girar no meio da sala. Mamãe Noel cobriu o rosto com o avental.

– Eles já... – Papai Noel, acompanhado por leite e biscoitos, estava deitado numa cama enorme, usando uma cueca samba-canção cheia de desenhos de presentes. – ...Foram? É, parece que não.

A surpresa estampou o rosto de todos. Soldado Moore pegou um radinho do cinto multiuso e chamou o comandante. Mais um minuto e todos estavam reunidos.

– Muito a explicar, hã? – zombou Heinz.

– Ora, vocês invadiram a minha propriedade particular. Posso e vou denunciá-los.

– Nos encontramos na cadeia então? – Joana sugeriu.

– Pessoal, acalmem-se, ainda não ouvimos o que o ex-procurado tem a dizer; senhor Noel, ignore aquele “o que disser pode ser usado contra você”, fique à vontade.

Ele coçou a barba e olhou para o advogado. – Então, não vai ser usado?

– Vai sim, aliás, vou até gravar para o caso de contradições no tribunal... Só quis deixar o senhor mais confortável.

– Bem, questão de interesses, sabe? –Papai Noel começou.

– Noel, cale a boca!

– Tanto faz...

– Digo isso sempre. – Caju sorriu solidário e também caçoando.

Coronel Heinz e o soldado Moore cuidaram de tirar todos da sala e deixar apenas o amigo advogado tendo uma conversa quase intimidadora com Papai Noel e um gravador.

***

Em frente à casa da Lapônia, Joana colocava o ponto na orelha, não havia texto dessa vez. Ação.

– Cláudia, depois de dias tensos, temos o desfecho dessa história, Papai Noel foi encontrado em seu “segundo lar” a Finlândia, aparentemente ele fez um seguro de vida bilionário e o sumiço era como tirar a sorte grande. Plano falho, agora terminarão de contar a história para o juiz. – Heinz e o soldado passaram carregando o casal. Logo depois Rudolf, que foi para lá assim que soube, surgiu acompanhado de Zé. – Quanto ao espírito do Natal, acho que já elegemos um novo Papai Noel e se o Papa é argentino, esse aqui é bem brasileiro. Feliz Natal!

Terminou a notícia às gargalhadas, a garota tinha uma sensação de alegria extrema, jamais deixaria tal festa morrer. Piscou para a câmera, ou para Caju já que a notícia havia terminado indecifrável.


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