Quebrando as correntes do destino escrita por Jose twilightnmecbd


Capítulo 12
Bebedeira de Sinhazinha


Notas iniciais do capítulo

POV - Edward



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Edward

Depois de passar o dia inteiro para cima e para baixo com minha madrinha e a sinhazinha Isabella, às compras, na Corte, dormi mais do que deveria depois do almoço. Um dia atípico. Dona Esme, já não saía às compras há muitos anos. Pude também conhecer um lado peralta da sinhazinha que me enviava olhares e sorrisos cúmplices a me ver seguir ordens.

Olho para o espelho e me surpreendo sorrindo com essas lembranças. Sacudo a cabeça e limpo a navalha na toalha. Confiro o rosto. Barba feita sem arranhões estou ficando bom com isso.

Hoje haveria mais uma festa de Senzala, porém era uma comemoração, aniversário do pai Billy. Pego o cachimbo que madrinha comprara de presente para entregar a ele, calço minhas sandálias de tiras de couro e olho pela pequena janela do meu casebre que em geral chamo de quarto. Na realidade é meu refúgio. A chuva de fato dera uma trégua, mas ainda fazia frio.

Estou cantarolando uma sonata, quando percebo, entre às árvores, nos arbustos próximos à cerca, um vulto negro. Aproximo-me com cautela. Seria o feitor? Não. Ele sabe que não é bem-vindo em nossas festas. Chego mais perto para pegar o intruso de surpresa, assim seria mais fácil no caso de precisar golpear.

O intruso “espião” estava vestido com um longo manto negro de capuz. Num supetão puxo o capuz e...

─ Sinhazinha?!

Ela põe as mãos tapando a boca e fica lívida de susto. O cabelo estava solto por entre o manto, o rosto sem pó, os lábios sem pintura. Ao natural, sinhazinha Isabella parecia um anjo.

─ O que fazes aqui? E... a essa hora? – tento falar em baixo tom, mas meu desespero fala mais alto.

─ Edw... senhor Edward, por favor, deixe-me ficar... – ela dá uma rápida olhadela para trás. Para onde a festa acontecia. Eu não tiro os olhos dela.

─ De modo algum! Se madrinha, ou pior, o Comendador descobre a sinhazinha numa festa de senzala, eu iria parar no tronco com toda certeza! – hesito em pegar-lhe o braço, mas resolvo deixar de lado minha condição de escravo, afinal, ela já sabia mesmo como eu era na realidade. Seguro firme seu cotovelo por cima do manto.

─ Edward, por favor... – ela sussurra em súplica, fazendo força para não sair do lugar.

O som do meu nome saindo de seus lábios enfraquece minhas forças. Mas é então que noto algo em sua voz.

─ A senhorita estavas a tomar bebidas destiladas? – pergunto quase enfurecido.

─ Somente alguns cálices... – ela pisca e suas bochechas começam a ficar vermelhas. – Não tem com o que se preocupar... – bufo. Mas quando vou forçar seu braço novamente para que me acompanhe de volta, ela apela. – Edward... posso lhe chamar assim não é mesmo? – lanço-a um olhar entediado e ela prossegue. – Não consigo dormir, mamãe se recolhe muitíssimo cedo e fico... – ela morde o lábio inferior. – Sinto-me tão só naquele casarão. – Sinhazinha Isabella olha para baixo, eu continuo a segurar seu braço. – Então eu escutei a música, de longe, parecia tão animado... fui atraída para cá. Por favor... prometo que só darei um beijo no pai Billy e irei embora. Também eu tenho saudades dele, ainda não o vi desde que cheguei.

Eu sabia que o pai Billy vivera a maior parte de seu tempo aqui na chácara, depois que perdeu a visão, provavelmente teria participado bastante da infância da sinhazinha. Solto seu braço. Ela parece cambalear um pouco, mas se mantém de pé.

─ Um beijo. – engulo seco ao dizer isso. Estranhamente as palavras parecem fazer sentido olhando para ela. Os olhos dela cintilam. Olho para minhas mãos e me lembro de que segurava o cachimbo para o pai Billy. – Tome. Foi sua mãe que comprara, podes entregar-lhe o presente a senhorita mesma e depois irá embora.

Ela segura o cachimbo com as duas mãos, como se fosse a peça mais valiosa do mundo, e assente fervorosamente. Prende um sorriso no canto dos lábios. Peço que coloque novamente o capuz. Pai Billy era cego, portanto não precisava que mais ninguém visse seu rosto.

─ Pai Billy? – chamo quando nos aproximamos de onde ele estava sentado.

─ Edward! O pai aqui tava pensando que ocê num vinha mais!

─ Jamais deixaria de vir numa comemoração em seu nome, pai Billy. Eu só tive... – passo a mão na nuca, sem saber exatamente o que dizer – alguns contratempos.

Pai Billy apenas sorri. A música estava alta, havia duas fogueiras hoje e num canto uma roda de capoeira. Eu conseguia discernir o sonido do berimbau ao longe. As escravas haviam decorado tudo a volta com arranjos de flores e folhas. Uma velha e grande mesa de madeira estava abarrotada de comida, com certeza tinha um dedo de Renée ali. Ainda bem que ela não frequentava mais as festas de Senzala senão iria arrancar minha cabeça a dentadas por deixar a sinhazinha entrar.

─ Quem está contigo, Edward? – pai Billy pergunta virando a cabeça de lado. Seus olhos acompanhavam o movimento, nem parecia que nada viam.

─ Olá, pai Billy! – Isabella se adianta em cumprimentá-lo. – Vim trazer-lhe um presente, um presente de minha mãe.

Pai Billy sorri largamente e estica as mãos para ela, pegando o cachimbo e também as pequenas mãos da sinhazinha.

─ Sinhazinhabella! Tinha escutado que estava de volta! Que coisa boa! – fala ainda segundo suas mãos. Isabella sorri. – Deixe ver a sinhazinha!

Isabella arqueja um pouco e olha-me confusa.

─ O pai Billy enxerga com as mãos, sinhazinha... – devolvo-lhe um sorriso desafiador.

Sinhazinha Isabella não hesita, ao entender o que ele queria, abaixa-se aproximando seu rosto. Pai Billy solta suas mãos e começa a passar a mão direita pelo rosto dela. Fico surpreso. Ela sequer faz menção de sentir asno ou medo. Fecha os olhos e deixa que ele toque seu rosto. Sinto uma pontada de admiração por ela e de inveja por ele.

─ Sinhazinhabella tá moça feita, bonita... já com idade pra casar... – ela faz uma careta. Eu cruzo os braços e olho seriamente para ela. – Tá feliz por que tá em casa, mas... apesar do corpo frágil e delicado, carrega uma dor muito pesada, tem feridas que ainda num fecharam... consegue ver a luz do sol, mas ainda se sente dentro do poço escuro... – percebo que ela abre os olhos. – mas fique tranquila! – ele dá tapinhas de leve em seu rosto. Ela sequer pisca. – já tá pertinho aquele que vai te salvar!

Um calafrio percorre todo meu corpo. As palavras do pai Billy foram diretas e estranhas. Às vezes, ele conseguia ver além do que ele mesmo queria ou podia. Sinto uma necessidade muito grande de levar a sinhazinha para bem longe dali.

─ Vamos, sinhazinha, agora vamos.

A sinhazinha se levanta visivelmente atordoada pelas palavras do pai Billy. E então ela me surpreende mais uma vez. Dá um beijo no rosto dele e se ergue sorridente.

─ Edward, vá buscar fumo pra mim! Vá, vá! Quero usar esse cachimbo que dona Esme me presenteou!

─ Mas, pai...

─ Vai logo menino! Deixa que eu tomo conta de sinhazinhabella!

Não tinha como ir contra a vontade de pai Billy. Puxo sinhazinha e falo bem perto de seu ouvido.

─ Eu vou, mas quando eu voltar irás de volta a casa grande nem que eu tenha que leva-la em minhas costas. Estás a me escutar?

Olho para ela e ela solta risadinhas como se minhas palavras tivessem feito cócegas em sua orelha.

─ Quanto antes for, quanto antes iremos embora. – fala olhando bem dentro dos meus olhos.

Saio em retirada e volto o mais rápido que posso. Quando atravesso a cerca, olho para onde o pai Billy estava e então tremo.

─ Pai Billy! Onde está a sinhazinha? – grito olhando para todos os lados e não conseguindo discernir nada e ninguém. Só vejo vultos, saias rodopiantes, gargalhadas, fogueira.

Sinto um puxão em meu antebraço.

─ Ali. – pai Billy fala e puxa o saco de fumo de minha mão. E então eu a vejo.

Sinhazinha Isabella estava dançando em volta da fogueira no meio das escravas. Sorria e segurava a bainha da saia tentando imitá-las. Havia tirado o manto e vestia apenas um vestido simples de dormir que ia à altura dos joelhos. As fitas que prendiam a parte das costas do vestido, se soltavam conforme ela se movimentava. Estava descalça e sua pele alva brilhava com os reflexos da fogueira. Os cabelos, levemente ondulados, castanhos escuros, caíam até quase a cintura, em uma das mãos, uma caneca de vinho.

Ah essa não!

─ Chega! – falo ao me aproximar, tentando segurar seu braço, mas ela estava suando e escorregava. – Agora vamos sinhazinha! – pego em sua cintura, por trás.

─ Só mais um pouco... – fala melodiosa.

O vinho era o pingo que faltava para que chegasse de vez a embriaguez. Leva o copo à boca, tento tirar de sua mão, mas não consigo, ela jogara o líquido todo direto na boca. Com as bochechas infladas, tentando manter o vinho dentro da boca, ela segura o riso.

─ Já chega!

Sinhazinha Isabella não se aguenta e num ataque de riso, cospe todo o vinho em cima de mim. Meu sangue começa a ferver. Minha paciência não era algo a ser testada desta maneira, eu já havia testado e definitivamente não funcionava.

─ Perdão! Perdão! – ela tenta não rir ao mesmo tempo em que passa as mãos na minha camisa como para limpar.

Seguro seus pulsos com firmeza.

Ela estaca e levanta o olhar.

─ Vamos embora. Agora.

Arrastando a sinhazinha como uma prisioneira, passo pelo manto jogado e num único movimento o tiro do chão. Felizmente a festa estava cheia e todos já embriagados demais para prestar atenção ao que acontecia. Ao chegar à cerca, passo o manto sem nenhuma delicadeza por seus ombros, puxo o capuz e amarro o cadarço fechando o manto à sua frente.

Coloco, ou jogo, a sinhazinha em meu ombro e entro pelo meio das árvores. Seria uma boa caminhada até a casa grande, sorte que ela era pequena e leve.

─ Solte-me! – ela começa a protestar e a bater com as mãos em punho nas minhas costas. – Ponha-me no chão, seu grosseirão!

─ Se a sinhazinha não se importa de acordar a senhora sua mãe há essa hora, terei um grande prazer em explicar à minha madrinha onde a encontrara.

Ouvi quando ela bufou.

─ Por favor... senhor Edward... – prendo um riso involuntário ao ouvi-la lamuriar. – Prometo comportar-me... É que... minha barriga dói nesta posição e...

Lembro-me de todo o vinho que ela bebera. Coloco-a rapidamente de pé.

─ Melhor assim? – pergunto ainda com receio de que ela pudesse vir a vomitar.

─ Óh, Jacob! Por que não se fazem mais senhores cavalheiros como tu? – fala como que dramatizando, coloca o pulso na testa e se vira, continuando a caminhada.

Quem era Jacob? E por que não senhor Jacob?

De repente ela para e vira-se bruscamente. Quase bato de encontro a ela.

─ A senhorita prometestes...

─ Dê-me um beijo.

─ Quê?

─ És escravo dos meus pais, não é? Então, dê-me um beijo. – ela tinha a fala um pouco embolada e fazia uma pose autoritária. Ou tentava. Sei que deveria me sentir insultado, mas a corrente elétrica que passava por dentro de meu peito me dizia outra coisa.

─ Sinhazinha, como já conversamos outrora, sabes que tudo o que desejares a meu respeito, deverás falar primeiro a seus pais para que então eles me repassem tal ordem. Não creio que... – aperto os lábios. A situação passava o limite do constrangimento e beirava ao cômico. – um beijo, seja algo aceitável por eles.

Quando penso que isso a constrangeria, ela apenas bufa e bate o pé com força, mostrando sua irritação.

─ De que me serve um escravo se não obedece minhas ordens? – seu rosto estava a centímetros do meu.

─ Não. Sou. Seu. Escravo. Senhorita. – sei que deveria ter dito isso a olhando nos olhos, mas quando termino a frase, me pego olhando para seus lábios.

─ És escravo dos meus pais. Eu sei. E isso é um... uma... – ela puxa o ar parecendo escolher mentalmente a palavra. Ergo uma sobrancelha em curiosidade. – Merde.

Eu tinha de admitir, ela sempre me surpreendia. Um xingamento em francês? Onde ela havia frequentado, na Europa, para conhecer tal expressão vulgar? Enquanto eu ainda estava parado, boquiaberto e admirado, a sinhazinha andava à minha frente a passos largos.

Observo enquanto ela chega próximo aos degraus da entrada. A cerração estava baixa e o vento cada vez mais frio. Descruzo os braços e parto em retirada quando vejo que ela havia tropeçado e caído de joelho no primeiro degrau. Quando me aproximo, constato que está sonolenta. Sono e bebida, bela combinação.

Eu não poderia atravessar o salão principal com ela nos braços, mesmo que o Comendador não esteja em casa, a madrinha certamente se preocuparia e não iria gostar nada.

─ Venha. – falo baixinho com ela.

Sinhazinha Isabella vem facilmente para meus braços. E como ela se encaixava bem neles! Parecem ter sido feitos especialmente para carrega-la. Ela passa os dois braços se agarrando ao meu pescoço e deita a cabeça em meu peito. Dou a volta na casa grande e pelos fundos alcanço o corredor do quarto da sinhazinha.

─ Não... – ela resmunga quando a deito em sua cama. – não me deixe.

Olho aflito para seu rosto. Seus olhos estão fechados, provavelmente está sonhando. Retiro com cuidado sua capa e coloco-a sobre uma cadeira ao lado da cama.

Vou à cozinha e quando volto, ela está na mesma posição que a deixara. Coloco uma pequena bandeja com uma xícara de chá frio na mesinha ao lado de sua cama. Ela vai precisar ao acordar.


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Notas finais do capítulo

Diário da história: Esse capítulo se passa no dia 16/06/1883, Sábado.



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