Let It Snow escrita por Elizabeth Darcy


Capítulo 1
Uniqué




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O sol apareceu no céu de NY, mas não esquentou o dia, as temperaturas eram congelantes e o vento cortante, mas mesmo com esse clima inóspito de inverno, as pessoas pegavam seus casacos e cachecóis e saiam para as ruas. A cidade não parava. E a mente de Vallentina também não.

A dois dias ela não encostava um dedo se quer em suas telas brancas, ou nas tintas que a empregada se encarregava de organizar todos os dias, ela iria enlouquecer com aquilo, mas toda sua inspiração tinha se esvaído, não lhe restara uma gota em seu sangue, ela tinha sido drenada de seu ser, era isso que a pequena moça de cabelos negros pensava sentada diante da grande tela em branco. Qualquer barulho a estressava, somente nas últimas três horas Dania tinha tentado ajudar a patroa primeiro ligando o som, mas antes que a primeira música terminasse Vallentina já havia arrancado o aparelho de som da tomada e voltava a se sentar na banqueta do estúdio, que mantinha no pequeno apartamento no centro da cidade. Depois foi a vez da televisão e então Vallentina gemeu de tédio e quase dor por causa do comercial que passava e somente com um olhar Dania entedeu que deveria desligar aquilo antes que fosse demitida.

A empregada tentou então fazer um lanche com sanduíches e biscoitos acompanhados de um chocolate quente e levar até o ateliê, encontrando Vallentina ainda observando a tela da mesma forma como fazia quando ela trouxe o almoço, mas dessa vez a patroa se recusou a comer.

- Chega Dania, eu estou muito frustrada para comer. - Disse sobre os esforços da empregada para fazer tudo retornar ao normal.

- É só um bloqueio, menina, logo passa.

- Já fazem dois dias completos e nada, nenhuma ideia me vem em mente. - Olhou frustrada para a tela novamente enquanto balançava a pernas compulsivamente, mesmo não tendo TOC.

- Então porque você não sai e vai encontrar essa inspiração? Se ficar ai parada nunca vai encontrar!

- A única coisa que eu vou conseguir saindo de casa é um resfriado.

- Mas é teimosa...

- Quer que eu faça o que? Inspiração não é como um pássaro para eu sair caçando, ela devia estar bem aqui - Vallentina aponta para a testa e então desce com o dedo pelos lábios, pescoço e vai até o lado esquerdo do peito - e não tem nada aqui dentro. Chegou meu fim, nunca mais pintarei.- Disse com uma expressão de cólera.

- Fique aqui, eu já volto. - Dania fez um sinal para ela permanecer daquela forma, mesmo que Vallentina não tivesse intenção de mudar, e foi em direção ao telefone na bolsa da patroa torcendo para que Matthew atendesse.

O estado de Vallentina era tão crítico que ela não teve nem a curiosidade de saber o que Dania havia ido fazer, e ficou naquela banqueta pelo que poderia ter sido uma hora ou duas, nada importava muito, ela apenas via a vida que levava como pintora ruir tão repentinamente como começara. Quis pegar as telas e escondê-las, pegar os pincéis e as bisnagas e potes de tinta e jogá-los em um saco de lixo, tampar seus últimos trabalhos que ainda não tinham sido levados para a galeria em Manhattan. Porém não tinha força para isso, não tinha vontade para nada, e nada faria ela pintar novamente.

A companhia tocou e mesmo assim Vallentina não saiu do lugar onde estava, seus olhos vagavam sem foco pelo pequeno lugar, só havia pensado na resposta que daria a Dania quando ela abrisse a porta do ateliê e perguntasse o que diria a pessoa que batera na porta, simples, "diga que não quero ver ninguém e não volte a me perguntar sobre visitas". E a porta se abriu vagarosamente. Mas não foi Dania que pôs a cabeça pelo espaço do vão, era um homem alto e bonito, Matthew entrava por inteiro no ateliê sem fazer qualquer menção de perguntar se podia ficar, ele estava ficando.

A observou e constatou que Dania não tinha exagerado nem um pouco sobre a situação que Vallentina estava, e então a encarou vendo como ela estava incomodada com sua presença ali, também, a dois meses ele havia virado a cara para ela e a abandonado depois de saber que ela novamente aceitara Tom de volta a sua vida, sem nunca perceber como aquele relacionamento a fazia mal.

- E Tom, onde está? - Matthew quebrou o silêncio perguntando sobre o namorado indecente que julgava saber o que estava acontecendo com Vallentina e mesmo assim não tinha prestado para vir vê-la e ajudar a mudar a situação.

- Viajando, por que, Matthew? - Ela respondeu ríspida e estreitando os olhos.

- Não acredito que seu namorado é capaz de te abandonar assim. - Disse ele olhando como Vallentina tinha olheiras e parecia mais pálida que o normal.

- Grande coisa, ele está trabalhando, e você, Matthew? O que estava fazendo nesses dois meses que me ignorou? - Perguntou irada pelo abandono dele, como ele podia reclamar de Tom quando era ele que a tinha deixado de uma maneira fria e inesperada? Vallentina nunca tinha entendido o porquê daquilo, mas com o tempo não era só confusão que sentiu, foi saudade e foi ressentimento.

- Você sabe bem o porque eu fui embora. - Matthew estava visivelmente irritado.

- Não, eu nunca soube e você nunca me explicou, nunca me deixou nem um recado. Mas quer saber? Hoje eu não ligo mais, não quero mais saber o porquê e também não quero mais te ver. - Ela começou a se alterar e pela primeira vez em dia demonstrou algo mais forte que indiferença e infelicidade.

Vallentina se levantou da banqueta e se postou na frente de Matthew o encarando com raiva e superioridade, mesmo sendo pelo menos trinta centímetros mais baixa, ela sabia que era melhor, ela não tinha o abandonado como ele fizera, tinha tentado enviar e-mail, mensagens, recados e várias ligações não atendidas. Se havia um culpado segundo Vallentina, era Matthew.

- Dania! - Gritou Matthew aknda encarando Vallentina. - Pegue o casaco da Vall, a touca, o cachecol e as luvas, as botas também, nós vamos sair!

- O que? Não, não vamos não. Primeiro você não pode mandar na minha empregada, segundo, se há alguém que vai sair é você e sozinho! Não é bem vindo aqui. - Gritou.

- Sim, nós vamos! Você acha que vou te deixar nesse estado olhando para essa tela?

- Já deixou. - Respondeu sentida e com tom mais baixo.

- Esse foi meu erro e estou concertando. - Disse ele indo até a porta esperar por Dania.

- Não quero que concerte, não quero que fique aqui, não quero que tente fingir que se importa comigo.

- Não estou fingindo nem pedindo permissão. Agora se vista, ou você vai congelar lá fora. - Disse ele pegando as coisas que Dania trouxe.

- Eu não vou sair e muito menos com você! - Respondeu cruzando os braços e se postando ali no meio do ateliê sem intenção de sair.

- O.k. se você não vaz por bem, vai ser por mal. - Disse Matthew indo até Vallentina e a pegando pelas pernas e mesmo como ela se debatendo, a colocou no ombro e depois de ajeitá-la mesmo com os gritos, chutes e socos dela e saiu do ateliê pegando na mão livre as roupas de Vallentina e indo pelo corredor em direção a porta do apartamento.

Vallentina se debatia e fazia o que podia contra aquela situação, afinal "quem ele pensa que é? Não pode me arrastar de casa dessa forma", mas aparentemente ela era pequena e magra de mais para que ele tivesse alguma reação satisfatória para ela. No fundo, em algum lugar que nem ela admitia existir, ela estava feliz de Matthew ter voltado e estar cuidando dela como quando eram amigos, se não os melhores. Também se encontrava surpresa, não imaginava que um dia ele voltaria, ou faria com que ela o aceitasse de volta na sua vida com tamanha veemência.

- Dania, a mexicana mais linda que eu conheço - Matthew disse sorrindo para a empregada como fazia nos velhos tempos, diferente de Tom, ele tinha um estranho e bom apreço pela empregada e muitas vezes amiga e confidente de Vallentina - pode abrir a porta? Minhas mãos estão meio ocupadas.

- Você em paga, Dania! - Gritou depois que ela agradeceu ao elogio e ao fato de Matthew ter respondido ao seu chamado, claro que aquilo tinha sido coisa de Dania, e isso fez algo dentro da garota se quebrar enquanto ela se debatia uma última vez.

Matthew não tinha voltado por querer, essa verdade partiu o pequeno coração de Vallentina que em algum ponto pensou que quando sua raiva passasse eles poderiam voltar a ser como antes, mas ela estava enganada, ele não tinha voltado por sentir tanta falta dela como ela sentia dele. Tudo parecia tão unilateral, e por fim, Vallentina parou e deixou que o silêncio pairasse entre eles no elevador.

- Até que enfim você parou. - Comentou Matthew vendo a mulher em seu ombro parecer calma, mas na verdade derrotada. - Se eu te largar você vai vestir suas coisas e sair comigo como pessoas normais?

- Vou. - Respondeu Vallentina secamente, quando ele a desceu é que percebeu como o ar do próprio elevador já estava mais frio do que podia suportar naquela calça jeans e uma camisa fina rosada.

Sua barriga doia por ter ficado uns bons cinco minutos naquela posição constrangedora, mas não quis demonstrar aquilo, Matthew não podia saber que ele a machucara, fosse por aquela pequena dor ou por todo o emocional de Vallentina que tinha sido destruído pedaço por pedaço desde o momento em que ele resolveu por sair da sua vida. Se apoiou na parede do elevador e pôs suas botas, e viu como ele massageava o ombro onde Vallentina estivera pendurada pouco antes, e por pouco ela não teve vontade de machucá-lo mais ainda, até que estivesse em um estado tão deplorável como o dela, porém se limitou a vestir o casaco virada de costas para ele e ajeitar o cachecol antes de fechar os botões e procurar elas luvas no chão.

As portas se abriram e antes de sairem, Matthew engajou o braço no de Vallentina e com a outra mão segurou a sua em uma arranjo estranho.

- É pra ter certeza que você não vai fugir de mim. - "Novamente" completou ele mentalmente, respondendo aos olhos inquisidores.

- Onde estamos indo? - Perguntou Vallentina se encolhendo quando passaram pelas portas duplas do edifício e seguiram pela esquerda na calçada.

- Não se preocupe, vai saber quando chegarmos. - Respondeu ele seguiando-a pela rua.

O resto do percurso foi tecnicamente silencioso pois nenhum deles falou nada, porém era o barulho da cidade de NY que os rodeava e os mantinha com os pés no chão e os pensamentos muito longe dali. Entraram no Central Park e Vallentina se perguntava se aquele era o final da caminhada ou parte dela, até que percebeu que na verdade ela poderia decidir tão bem quanto ele onde era o fim e o dela era ali.

Parou na grama coberta por pequenos flocos de neve das primeiras nevascas que tinham acontecido a pouco tempo e fez força para continuar ali mesmo com Matthew ainda andando e a puxando para prosseguir, antes de dar um terceiro passo e um terceiro puxão para que Vallentina continuasse e se voltou para ela.

- Chega, eu não quero mais andar, não quero continuar esse passeio, é o fim e eu decidi ser aqui. - Disse ela.

- O fim? Você não sabe o que está dizendo. - Ele sorriu colérico.

- Então é só você que pode decidir onde é o fim?

- Não...

- Mas foi isso que fez a dois meses, deu o seu fim, mas agora é minha vez.

- Não, Vallentina.

- Sim, é o fim.

- Antes de falar bobagens pode fazer o favor de me deixar falar? - Recebendo o silêncio dela em troca, Matthew continuou. - Você acha que eu dei um fim, mas você não entendeu, não há fim para isso. Eu me manti afastado e fez tudo que pude para não responder todas as vezes que tentou falar comigo, mas eu fiz isso por você e por mim, eu não posso dar um final nisso, nem você.

- Se queria tanto falar comigo, porque não me respondeu? Porque fez eu me sentir mal e sem saber o que tinha feito? Você está dizendo que fez isso para o meu bem, mas não, não fez, não me fez bem nenhum.

- Então você não sabe mesmo porque eu te deixei? - Perguntou com escárnio e um sorriso nos lábios de puro deboche.

- Não, seu idiota, nunca soube! Nunca entendi o que aconteceu naquela tarde e você nunca fez questão de me explicar. - Gritou em meio as árvores do parque extravasando sua raiva dele. - A única coisa que eu sei é que você me abandonou!

- É, talvez eu seja um idiota mesmo, por ter deixado você ir embora tão fácil, mas eu queria a sua felicidade e você escolheu que não seria comigo. Eu fui embora, eu não podia ficar e ver você e Tom mais uma vez felizes até que ele a machucásse novamente, mas você aprece gostar de saber que vai sofrer no fim.

- E você acha que eu nunca mais partiria meu coração? É uma coisa inevitável, eu só escolhi quem o partiria.

- Eu jamais deixaria você se partir assim.

- E você acha que eu não estou partida e machucada? Meu caro, você não sabe como você me machucou!

- Não, eu não te...

- Sim, machucou e continua machucando, não vê? Está falando como se tivesse sentido saudades de mim como eu senti de você, mas só me procurou porque Dania te implorou, ela disse o que pra fazer você vir? Que eu tinha dado um fim no meu sustento ao decidir não pintar mais?

- Como assim você decidiu não pintar mais?

- Esquece, eu estou cansada e vou embora. - Vallentina balançou a cabeça como quem custasse a acreditar que estava naquela situação e sem mais delongas se virou para voltar para casa.

- Não, você não vai partir meu coração novamente sem pelo menos saber o que eu sinto. - Agarrou o pulso da jovem e a impediu de se afastar um centímetro que fosse.

- O que você quer agora? Vai dizer o que? - ela perguntou brava como se não tivesse ouvido suas últimas palavras.

- Vou dizer o que devia ter dito a muito tempo, que eu te amo e te deixar partiu meu coração, mas eu queria você feliz, nem que fosse com o idiota do Tom.

- Você o que? - Perguntou Vallentina sem conseguir processar a última fala de Matthew.

- Eu te amo, a tanto tempo que nem sei dizer quando comecei.

- Mas porque nunca je disse? Por que me deixou fazer tantas escolhas erradas? - Vallentina perguntou desesperada.

- Como assim? - De repente tudo tinha tomado um rumo confuso de mais para eles.

- Eu voltei para o Tom porque tinha certeza que você nunca me quereria e eu não suportei ficar sozinha, estou encarando um relacionamento falido a meses por medo de ficar só, porque você me abandonou! - Ela começou s gritar enquanto as lágrimas escorriam em torrentes pelas maçãs do seu rosto.

Matthew a abraçou em choque, era natural querer consolá-la, mesmo quando agora descobria que a culpa era do próprio medo de perdê-la que havia causado toda a dor no coração de Vallentina. Tentou secar as lágrimas dela enquanto a apertava mais ainda para si.

- Tudo vai ficar bem. - Matthew sussurrou enquanto beijava sua testa e fazendo ela se acalmar um pouco. - Eu estou aqui, no lugar de onde eu nunca devia ter saído e do qual eu nunca mais irei embora. Quero continuar pelo resto da minha vida com meu coração tão perto do seu.

- Não vai quebrar meu coração novamente? - Ela perguntou com um fio de esperança ao ouvir as palavras dele.

- Nunca mais. Mas pode prometer não quebrar o meu? - Ele disse sorrindo sabendo que Vallentina nunca faria isso, se ele havia se quebrado uma vez foi por uma culpa quase que exclusiva de Matthew.

- Eu nunca faria isso.

- Eu sei, meu amor. - Ele aproximou os lábios do dela e percebeu o sorriso neles antes que os dois se beijassem como se tivessem vivido a vida inteira para esse dia e mesmo assim sabiam que não seria o último.

Os flocos de neve começaram a cair no parque, a tempestade de neve a tempo vinha se formando e ameaçando avançar pelo centro se NY, mas Vallentina e Matthew estiveram muito ocupados para se importar, mas agora que eles tentavam controlar suas respirações ainda abraçados, Vallentina percebeu como estavam começando a ter seus casacos cobertos pelas partículas brancas.

- Está negando.

- Let it sown. - Deixe que neve. - Respondeu Matthew em seu ouvido com uma voz que denunciava um sorriso genuíno.


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