Tortured - One escrita por LadyMikaelson


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Escrevi com muito carinho, então espero que gostem. Boa leitura.



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Os olhos de cobra do homem fitavam a garota, encolhida, abraçada aos seus joelhos. Tentara estabelecer uma conversa, chamou-a algumas vezes, mas percebeu que naquele dia em particular não receberia muitas palavras. Os orbes claros, sem foco algum, pareciam perdidos, mergulhados em um mundo completamente e inevitavelmente dela.

O arrastar da cadeira de metal no piso fora o que a fez despertar, enquanto o homem de cabelo branco e lábios exageradamente inchados ajeitava seu terno para ir embora.

– Ele não me contaria. – murmurou a morena com sua voz fraca, agora fitando o chão. – E você sabe disso, não entendo porque continua vindo aqui.

Um sorriso generoso surgiu em meio ao rosto de Snow, completamente fora de contexto quando ele encarava com benevolência a morena.

– Algumas companhias são simplesmente melhores do que outras. – Declarou simplesmente, com a rusticidade característica de sua voz.

– Sem mentiras. – Respondeu de imediato, pela primeira vez encarando o homem de frente.

Annie desenlaçou seus braços das pernas e ergueu seu corpo, ficando de pé. Todos as suas juntas arderam, duras por terem permanecido na mesma posição por um tempo que ela não sabia, mas passava de dois dias.

A aparência dela não era tão ruim quanto se esperava de uma garota aprisionada, nem mesmo sua cela. Annie recebia comida duas vezes por dia, além de roupas ocasionais e algumas visitas que não a agradavam. Snow era uma delas. Ele aparecia com uma certa frequência, em alguns dias lhe fazia perguntas sobre os esquemas de rebeldes, outros se esforçava para manter uma conversa sobre amenidades, lhe contando sobre o mundo e, naqueles onde ela estava completamente fora da realidade, apenas observava a garota por alguns minutos, horas as vezes.

Um comportamento estranho, vindo de um homem estranho. Seus olhos ainda a assustavam.

– Sem mentiras. – Repetiu o mais velho, assentindo. Era o acordo proposto por ele no primeiro dia que a visitou. – Imagino que não saiba de nada realmente.

– E por que me mantém aqui? Por ser uma boa companhia? – As palavras saiam sofridas da sua boca. Por mais que sua cela não fosse das piores, ainda era uma cela para alguém que odiava espaços pequenos.

O sorriso de Snow enviou arrepios por toda a espinha dela que involuntariamente deu um passo para trás. É claro que suas razões nunca seriam especificadas, porém não era muito difícil imaginar. Annie representava o único trunfo que o presidente podia usar contra o vitorioso mais querido da Capitol, ela lhe valia muito mais viva do que morta.

Com as mãos já um pouco enrugadas, Snow retirou a flor branca de sua lapela, abaixando e a deixando a alguns passos de Annie, com as pétalas voltadas para ela, assim como sempre fez desde a primeira ocasião.

– Para você, o amor do Tridente.

Depois disso ele simplesmente se foi. Os guardas fecharam a porta branca que apenas possuía um visor na altura mediana dos olhos das pessoas. Não sabia se todas as portas eram assim ou colocaram isto na dela para ter certeza que não atentaria contra sua própria vida.

O cheiro de perfume de flores e sangue ainda estava no ar insipido enojando a garota. Annie andou a passos lentos e rígidos até a ventilação. O duto de ar com grades triplamente fortificadas ficava uns bons 2 metros e meio acima da cabeça dela, mas era o suficiente para que pudesse virar o rosto para cima e respirar o ar um pouco mais puro.

Ela nunca tocava as flores, sentia como se pudesse ser infectada pelo veneno de Snow só de chegar perto delas. Na maior parte das vezes elas somente perdiam suas pétalas uma a uma até alguém que entrasse na cela a retirasse.

A presença do homem lhe perturbava, principalmente porque ele não se daria ao trabalho de vir sem um objetivo aparente. Talvez estivesse esperando somente seu próximo surto... Pra quê? As palavras dele ainda rodopiavam por sua mente, ricochetando de um lado para o outro com uma força impressionante. ‘Amor do tridente’. Tridente era o apelido recebido por Finnick no momento que o mais caro dos presentes fora utilizado por ele. Uns tantos na Capitol até mesmo tatuavam a arma em suas peles, não que isto fosse tão absurdo assim para eles.

Poucos minutos depois dele ir uma mulher de cabelos verdes apareceu no vão da porta, uma bandeja de comida nas mãos. Ela estranhou o fato da garota estar de pé, parecendo lúcida. As últimas cinco refeições que trouxera fora obrigada a levar de volta, intocadas, pois Annie continuava na mesma posição, reclusa no seu mundo.

– Oi. – Ela cumprimentou a mulher, saindo do jato de ar do duto. – Obrigada pela comida.

A outra, com seus cabelos perfeitamente pintados puxados em um coque elaborado, assentiu, colocando a bandeja por sobre a mesa no canto direito. Depois de esticar seu corpo, unindo as mãos para cima, ela caminhou para a mesa e se sentou na cadeira, tomando um garfo na mão esquerda. Por estar há dias sem comer, ela só notou dispersamente que o que comia tinha gosto de carne e algum molho estranho da Capitol.

A mulher de cabelo verde permaneceu ali, apoiada em um dos pés e brincando com o salto da bota em outro. Não tinha muito o que fazer enquanto comia, por isso se dedicava a perceber os detalhes das pessoas que a maioria não perceberia. Como a pinta natural em uma das bochechas em meio a muitas sardas artificiais que fez.

Em pouco tempo havia terminado, bebendo sua água em goles pequenos, só percebendo quando sentiu o liquido na língua o quanto sua boca estava seca de desidratação. Após beber quase uma garrafinha inteira, a apoiou sobre a mesa.

– Você não pode falar comigo? – Finalmente questionou.

Annie gostava dela, na verdade. Não como se conhecesse algo a respeito da mulher de cabelos verdes, nem mesmo sabia o nome dela, porém era uma das poucas pessoas que vinham ao seu quarto e não lhe provocavam memórias ruins. Além do que era sempre ela que lhe trazia comida e roupas, causando uma ligação boa no coração da morena.

– Na verdade posso. – Moveu os ombros. – Você nunca foi muito falante.

A frase foi dita com uma suave entonação de alguém que talvez estivesse disposto a um dialogo com ela. Encolheu os ombros, se desculpando pelo comportamento. Costuma ser muito amigável em outras ocasiões.

– Sou Annie. – Ergueu seu corpo da cadeira, andando alguns passou na direção dela.

Parou a precisamente quatro passos da flor, próxima demais aos pés dela para que Annie se aproximasse. Não gostava nem um pouco daquele símbolo imaculado de Snow. Estendeu sua mão no ar, depois percebeu que aquilo poderia parecer uma cena extremamente estranha se vista por qualquer um que passava, principalmente quando a mulher ignorou a mão dela, mas lhe soprou um beijinho típico dos capitólios.

– Katrina.

Ela recolheu sua mão, aproveitando para passa-la nos seus cabelos. Não conseguiu descer os dedos nem um centímetro pelos fios, então começou lentamente a desembaraça-los com os dedos. Devagar e com paciência foi desembolando os nós formados pelos dias sem pentear, quando a mulher, quer dizer, Katrina, fosse embora ela tomaria um banho para resolver este problema.

– É bom conhecer alguém, sabe? – Comentou distraída com seu próprio serviço nos cabelos.

– Imagino. – recebeu como resposta. – Piraria aqui dentro.

Então um silêncio se instalou quando Katrina percebeu o que havia falado. Ela não era da guarda ou um dos treinados de Snow, estes estavam na guerra. Provavelmente somente uma cidadã da Capitol que está ajudando levando algumas coisas aos presos menos ‘perigosos’. Ao menos era isto que diziam pelos corredores a fora. Qualquer um sabia que ela não seria violenta.

– Não foi isso que eu quis dizer, eu... – Parecia procurar justificativas.

– Tudo bem, eu já era pirada, não faz tanta diferença assim, aqui, lá fora. É tudo igual sem ele.

Uma declaração quebrada de uma garota quebrada. As pessoas da Capitol sempre foram exageradas em tudo e naquele momento Katrina se dispôs a chorar de uma forma caótica, saindo do quarto tão rápido que parecia ter visto um fantasma.

Annie passou alguns minutos parada, em pé, analisando o que exatamente havia acontecido. Tudo para que sua mente não vagasse para a dor da perda. Não, já bastavam os dias que a forçavam a isto, ela não precisava se induzir também. Não precisava. Não precisava. Não precisava. O pensamento se repetia tantas vezes em sua cabeça até ela o estar dizendo em voz alta, começando a andar de um lado para o outro.

{...}

Alguns andares abaixo, em uma sala mais hostil, uma outra vitoriosa enlouquecia pela dor. Porém não era a dor interna, era a dor dos choques elétricos distribuídos por seu corpo. Johanna pressionou os olhos com força, sem poder conter o grito de pavor que lhe subia a garganta.

Uma longa mesa de metal colocada no meio de uma sala bem iluminada tinha as bordas altas. A água era despejada, fria, aos poucos na mesa. Uma fina camada, um lençol d’água se formava. O suficiente para conduzir os choques, porém não o suficiente para que em uma virada de cabeça ela se afogasse. Seus tornozelos e pulsos, presos por hastes de metal, a impossibilitavam uma maior locomoção.

A dor impulsionava a raiva já natural de Johanna a níveis catastróficos. O desejo assassino fluía nela como a corrente dos choques e naquele momento ela faria qualquer coisa por uma chance com Snow, o homem que arquitetava isso tudo de seu escritório bem decorado. Ah ele ia se ver com ela um dia, não só ele, como toda a sua família.

Mais um choque, este tão forte que a fez se contorcer por minutos. Todo o seu corpo tremia em espasmos. Os olhos se arregalaram, quase virando nas orbitas com a intensidade gritante. Sua voz nem mesmo funcionou para gritar ou xingar. O ar deixara seus pulmões e agora custava a voltar, já que seu coração afetado pelos choques batia descompassado. Ela mal ouviu a repreensão que veio em seguida, seu corpo foi completamente desligado para extirpar a dor.

Respire Johanna, respire. Disse para si mesma, sem conseguir se mover da posição que se encontrava, deitada no chão do que imaginou ser sua cela. Aqueles filhos da puta desgraçados. Os xingou de todos os nomes que conseguiu lembrar, tentando manter seu foco na fúria e não no sofrimento. Aquela não era uma tarefa fácil.

Inspirações profundas, uma após a outra. O tórax dela reclamava, sendo pressionado contra o chão a cada vez. Precisava se virar. Só mover um dos braços para impulsionar seu corpo já a fez gemer de dor. Assim que começou a rotacionar seu corpo, alguns gritinhos escaparam-lhe. Ela parou, de barriga para cima, ofegante e cansada com o movimento que deveria ser simples. Cada grão do seu corpo esfolava, doía e queimava. Um pouco de morfina, era tudo que precisava. Ninguém lhe daria e ela sabia.

O motivo de sua tortura era evidente. Ela participou ativamente de todo o plano para destruir a Capitol, tinha informações sobre todos os planos feitos até então além de ser um membro importante da equipe de vitoriosos que idealizou a revolução. Johanna era uma ameaça e tudo que a mantinha viva eram os segredos que ela se recusava a contar.

– Johanna? – A voz da garota da cela ao lado da sua soou.

Talvez ela respondesse se pudesse. Annie não era uma das suas pessoas preferidas naquele momento. Na verdade, ninguém era. Porém eles a mudaram de cela por causa da garota de Finnick. Nos primeiros dias ela não imagina o porquê, porém depois de pouco tempo começou a notar um ciclo peculiar. Os gritos que ela dava atiçavam algo na garota da cela ao lado que logo entrava em seu estado de loucura.

Johanna evitava gritar por esse motivo, ela gostava de Finnick o suficiente para tentar não enlouquecer mais o amor dele. Não que ela entendesse de verdade o tipo de relação que os dois tinham, aquele tipo de amor ia além de sua compreensão prática.

De qualquer forma, pensar neles a distraia o suficiente, bem como quando Annie começava a falar com ela, sem obter nenhuma resposta em uma espécie de monologo. Ao menos ela sabia que a morena tinha acordado, não escutara nem um pio do lado nos últimos três dias e estava se preparando para possíveis modos de dar a noticia da morte dela quando viessem regatá-los.

– Não vou perguntar se está bem, porque sinto que não está. Só quero que saiba que... Você não está sozinha.

Certo, talvez ela fosse uma das suas pessoas preferidas no momento, já que suas opções eram Annie, seus torturadores e as paredes. Mesmo sem admitir, uma companheira louca era melhor que nenhuma companheira. Johanna não podia ver, mas do outro lado daquela grossa parede clara, Annie permanecia com a mão aberta, tocando a divisão como se quisesse realmente remediar alguma dor.

{...}

Alguns dias eram melhores que os outros, este era um daqueles dias para Johanna. Mais cedo, o que ela imaginou ser as primeiras horas da manhã, trouxeram-lhe um banquete maior do que se acostumou a receber, além de um singelo comprimido. É claro que ela o tomou de imediato, antes mesmo de comer, precisando aliviar a dor que, após horas e horas, ainda persistia.

Não era este, no entanto, o efeito do pequeno comprimido esverdeado. Os últimos choques haviam provocado uma arritmia cardíaca, razão pela qual ela sentira tanta dificuldade para respirar. Eles não a deixariam simplesmente morrer, seria fácil demais e os planos dos rebeldes morreriam com ela.

Tudo que a Capitol conseguira com Johanna foi palavrões, ameaças e gritos de dor e fúria. Ela não se renderia facilmente, contudo entre a enlouquecida Annie, o telesequestrado Peeta e a furiosa Johanna, ainda era a melhor opção. Às vezes, em suas seções de tortura, podia ouvir gritos masculinos que não eram os seus, palavras desconexas, sussurros de dor. Não poderia imaginar o que estavam fazendo com ele, mas imaginava que fosse tão ruim quanto os hidrochoques.

Só aquele pensamento já a fazia estremecer, como se uma nova corrente invisível passasse por ela. A respiração dela se normalizou poucos minutos depois do remédio. Uma coisa precisava ser dita, quando a Capitol não a queria morta, você não morreria até que eles a permitissem.

A comida praticamente evaporou do prato direto para o estômago dela. Um grande homem vestido de branco veio recolher a bandeja. Mais um estava na porta, com a arma apontada prontamente para ela. Depois do primeiro ataque que a morena fez ao homem que lhe trouxera roupas, passaram a enviar guardas bem armados e vigiar a saída pelo lado de fora, para garantir que ela não tentasse nada.

Naquele momento, não era como se ela tivesse força para estabelecer uma luta, nem seria idiota o suficiente para ir contra aquela arma. Não morrer não significava que ela não poderia ficar pior, com uma bala enfiada no corpo sem nenhuma anestesia. Revoltada sim, suicida nem tanto. Ainda havia um quintal que precisava ser queimado.

Arrastou os pés pelo chão gelado, não se preocupando em vestir alguma roupa, eles sempre tiravam mesmo para dar-lhe choques. Passou as mãos pelos cabelos, que ficavam cada vez mais ralos e quebradiços. A alimentação descontrolada e a agressão violenta dos choques estavam afetando o organismo dela de dentro para fora. Internamente seus órgãos estavam sendo comprometidos, bem como os músculos e tendões.

Geralmente, ela não sofria choques dois dias seguidos. Segundo ouvira dos próprios doutores Frankensteins, o ‘coração poderia falhar’. Como assim poderia falhar? Eles estão falando do que me mantêm viva!

Deitou o corpo dolorido devagar no colchão, pretendendo acordar só na sua próxima refeição, se possível.

{...}

– Nós lhe trouxemos um vídeo. – Cantarolou uma mulher que ela não conhecia.

Ela tinha uma aparência assombrosa. Seus olhos eram de um preto estranho, tão grandes que lhe lembrava os de uma foca. O cabelo rosa, armado, para cima, enfeitado com inúmeras perolas branquíssimas que não se destacavam mais por ela ter tanta informação em si. Um terninho no que parecia ser uma variação do arco-íris competia com todo o resto.

Acostumada com a sobriedade do quarto que só se misturava duas vezes por dia ao cabelo verde de Katrina, foi um baita choque para seus olhos. Annie engoliu alto, permanecendo sentada na sua cama enquanto percebia um holo ser colocado no chão por um homem vestido de branco.

Desde a visita de Snow, no que contava ser 4 dias atrás segundo seu recebimento de alimentação, sua mente tem estado sobre um controle um pouco maior. Ela conversava com Johanna algumas vezes. Bom, ela falava, tendo respostas e resmungos ocasionais, mas já era bom o suficiente para Annie. Ao menos nenhuma das duas estava gritando e esta era uma conquista honrável. Falar com a outra lhe motivava a manter sua sanidade, pois em matéria de sofrimento, seria considerada praticamente intocada.

Seus pensamentos foram interrompidos no momento em que a imagem do holo se abriu, projetando uma grande tela em frente a ela. Era um distrito. O 8, ela se lembrava vagamente da sua turnê e do toque gostoso de alguns tecidos produzidos lá.

Havia pessoas correndo de um lado para o outro, assustadas. Em meio a toda a correria ela começou a identificar alguns rostos conhecidos. Primeiro Katniss, depois a equipe de filmagem e... Finnick! Imediatamente ela deu um pulo da cama, estendendo a mão em direção à imagem, querendo tocá-lo. Um sorriso resplandecente se formou no rosto dela ao vê-lo. Tinha um arranhão em seu belo rosto, mas ele estava bem.

Seu alivio foi tanto que ela esqueceu onde estava. A simples imagem dele, mesmo em um distrito se rebelando, instigando a revolta, lhe trazia uma sensação de livramento tão grade que poderia alimentar sua mente pelo resto de seus dias aqui.

Então a câmera saiu dele e ela pôde ver o porquê de tanta correria. Os aerobarcos da Capitol soltavam tiros, desciam mais homens para o combate, soltavam bombas ocasionais. Uma delas estourou próxima a câmera, interrompendo a imagem em um mar de fumaça por um certo período. Aos poucos um novo cenário foi se formando. Corpos estilhaçados jogados no chão duro. Um deles, com cabelos claros, atraiu sua atenção de imediato. Um deles era Finnick.

Aos poucos o foco da câmera se aproximava dele, a roupa rasgada e queimada em vários locais, a bochecha direita com uma grande marca vermelha, o nariz completamente ralado, a boca sangrando. Mesmo assim os olhos dele se abriram por um momento antes de se fecharem pra sempre.

– Finn! – Annie gritou, lançando-se contra a holografia que desapareceu assim que ela a tocou.

Tomou o aparelho entre as mãos, o sacudindo com força, querendo que algo mais saísse. Quando pareceu perceber que isto não aconteceria o jogou na parede com toda a sua força. Na mesma posição que ela o lançou permaneceu. Parada, estática, em choque.

Os olhos de Annie ficaram secos, como se ela nem mesmo piscasse. Sua respiração se tornou superficial, as mãos pararam no ar. Nenhum pensamento era registrado por ela, nenhuma ação. Era como se o mundo parasse de rodar naquele momento de choque que a preenchia. Um barulho alto soou. Uma explosão, como a do vídeo.

– Nããão. – Gritou, vendo a imagem se repetir a sua frente.

A fumaça, os corpos, Finnick morto. E então mais uma explosão.

– Finnick! ­– Correu para a frente, tentando chegar a imagem, mas assim que ela se aproximava tudo recomeçava.

Os outros na sala não viam a repetição, não escutavam as explosões continuas, não estavam afetados pela imagem.

– Para! Para! – Berrava, se impulsionando nas inúmeras direções que sua mente formava e reformava a cena.

Isso aconteceu tantas vezes que ultrapassou a paciência de ambos, que tentavam fazer perguntas úteis a Annie em seu estado caótico. Pouco depois que eles saíram os sons e os cenários foram se transformando. As explosões tornaram-se canhões, o chão de corpos se tornou uma avalanche, a fumaça se tornou água.

Ela estava de volta aos seus jogos.

Uma espécie de represa rompeu, uma corrente de água vinha na direção da cornucópia. Annie agilizou o máximo que pôde em suas pernas, correndo pra onde julgava ser mais alto. Os jogos dela foram afetados pela luz constantemente, às vezes ficava completamente no escuro, às vezes ainda restava à iluminação da lua. Naquele momento ela mal enxergava 10 metros a sua frente.

A água a engoliu, submergindo completamente o corpo da morena com uma força devastadora. Ela foi girada como uma simples boneca, a força da água impedindo que ela subisse a superfície. Sentiu um forte impacto em suas costas, arqueando seu corpo e a fazendo soltar todo o ar que havia prendido. A pressão comprimia sua barriga, a impedindo de realizar qualquer movimento para sair dali.

A agonia a vinha tomando a cada segundo que ela ansiava por um ar que não tinha. Não podia acreditar que depois de sobreviver a tanta coisa nesses jogos seria destruída pelo o que fazia parte de seu ambiente natural.

Do mesmo jeito que a onda veio, ela diminuiu, acalmando a água completamente. Annie nadou para cima o mais rápido que pôde, engolindo um pouco do liquido que em sua afobação nem percebeu ter um gosto estranho. Bateu seus pés e mãos com tanta força que quando emergiu ainda estava se debatendo. Aspirou profundamente, com a boca, capturando todo o ar que podia.

Respirou uma, duas, três, até ouvir o som de um canhão. Seus olhos se arregalaram, as mãos indo em direção aos ouvidos. Cada um daqueles sons a perturbava. A imagem de cada pessoa que ela conhecera poucos dias atrás sendo morta de tantas formas diferentes. Infelizmente ela não podia se impedir de imaginar todas elas. Apertou os punhos nas orelhas, esquecendo por um momento de nadar e quase afundando.

Ela suspirou, tentando retomar o controle sobre si mesma. Finnick estava ajudando, ela sabia que ele tinha algo a ver com a enchente, tinha que ter. Que aviso mais claro poderia receber do que um cenário exatamente como seu distrito, onde ela poderia sobreviver com muito mais facilidade?

O céu estava escurecendo cada vez mais. Annie boiava, tranquila, esperando. Segundo suas contas só restavam dois tributos. Esperava que o outro se cansasse de nadar e afundasse. Ouviu um som de braçadas perto dela e imediatamente ficou na vertical, abrindo os olhos, procurando no escuro. Não via, mas isso não quer dizer que ela estava perdida. O movimento da água mudou. Tinha alguém se aproximando.

Debilmente estendeu seus braços pra frente, girando o corpo pra direção que o movimento vinha.

– Desgraçada. – Uma voz masculina soou pouco antes de uma mão surgir no seu pescoço. – O seu amorzinho fez um ótimo trabalho, mas eu tenho mais patrocinadores do que imagina.

As mãos dela agarraram as dele, tentando diminuir o aperto que a impedia de respirar. As unhas cravaram nas mãos dele ao ponto dela sentir a carne cedendo, mas isto não o faria soltá-la. Annie não teria forças para enforca-lo, além de ser impossível chutar o meio de suas pernas com eficiência na água.

Sendo assim ela fez a única coisa que podia, nadou. Ao invés de se impulsionar pra cima, fez força para baixo, com os braços e pernas em sincronia. Seu inimigo podia ser forte, porém não era um nadador, não foi difícil afundá-lo. Dentro d’água ela procurou os olhos dele com os dedos, na intenção de enfiar os dedos e provocar alguma dor, qualquer coisa que pudesse livrá-la daquele aperto.

Acabou por tocar uma espécie de óculos. Devia ser um daqueles que possibilitavam ver no escuro, por isto ele a achou. Annie não pensou duas vezes antes de arrancá-lo, lançando-o na água, o que só o enfureceu. Os dedos dele apertavam tão fundo a traqueia da morena que ela começou a se debater, cedendo ao desespero da dor. Ele tentava voltar para cima, mas ou ele voltava, ou a estrangulava. Pelo o que pareceu uma eternidade, mas durou apenas 1 min, o garoto a apertou.

Annie parou de se debater, sem forças, sem ar. Sentiu as mãos dele saírem, o movimento dele nadando para cima. Tentou fazer o mesmo, mas seu corpo não respondia mais tão bem. Quando chegou a superfície já estava praticamente desmaiada. Inspirou o máximo que conseguiu antes de se lançar na direção onde o som de pés batendo saia. Pulou nele, afundando os dois na água de supetão.

O som do canhão reverberou pela água, a atingindo coma constatação de sua primeira morte. Soltou o corpo, encarando as mãos no breu da água com repulsa. Ela tinha matado. O som do canhão se repetiu, cada vez mais alto, cada vez mais forte, machucando seus tímpanos.

A claridade que tomava a arena só a fez enxergar o garoto forte que subia lentamente. Os olhos esbugalhados, assustados. Então não era mais o rosto dele que via e sim o de Finnick. A água se foi como veio, deixando um mar de corpos como rastro. A respiração dela voltou a se acelerar, o coração bater tão rápido que as batidas eram audíveis ao longe. Ou seriam se houvesse alguém ali.

Andou até o corpo de Finnick, ferido, morto. As lágrimas vinham em tanta quantidade que a impediam de enxergar muito do cenário. Jogou-se por sobre seu amor, o abraçando com uma força que não tinha, tentando de alguma forma tê-lo de volta. Segurou o rosto dele entre as mãos trêmulas, percebendo que os mesmos olhos arregalados existiam nele.

O soltou com um baque, um grito fino escapuliu por seus lábios enquanto ela percebia o que tinha feito, o que tinha acontecido. Ela não conseguia inspirar, a pressão da dor em seu coração era tão esmagadora que a colocou de joelhos no chão, gritando, chorando, implorando pela morte. Teria sido mais fácil morrer na arena, tão mais fácil. Mais um canhão soou e ela tapou os ouvidos com os punhos fechados, batendo a cabeça contra o joelho repetidas vezes.

– Annie! – Johanna bateu na parede novamente, assim como fazia a cada hora.

Não sabia o que tinha acontecido ou o que desencadeou, mas já fazia horas e horas, dias em que o choro e os gritos saiam do quarto de Annie, a ponto dos pacificadores terem que intervir e amarrá-la para que não ferisse a si mesma.

– Annie, esta tudo bem! Nós estamos bem! – Tentou mais uma vez, a palma insistindo contra a parede dura.

Um homem vestido de terno entrou no quarto de Johanna, acompanhado de mais dois pacificadores que vieram em sua direção, a levantando da cama a força. Ontem ela não recebera choque algum e imaginava o interrogatório que viria hoje, seguido das punições, mas isso não a impediria de ser petulante.

– O que vocês fizeram com ela? – Se debateu, livrando-se de um pacificador e socando o outro na barriga. – O que fizeram? – Gritou, a raiva fluindo.

Logo foi imobilizada nas mãos, cada um segurando um de seus ombros, praticamente carregando para fora do quarto uma Johanna que se debatia, esperneava e xingava como se não houvesse amanhã.

– Nem perto do que vamos fazer com você. – O primeiro homem, aquele com o terno engomado, pronunciou em um tom sombrio.


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Notas finais do capítulo

Caso não tenha ficado claro, a imagem foi criada pela Capitol para torturar a Annie, assim como usaram imagens falsas com Peeta. Bom? Ruim? Mais ou menos?