Como me tornei uma mentira - Parte Um escrita por Somenone


Capítulo 7
Capítulo 5 - Conhecendo nossos chuchus




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–Mas espero que não seja tão má assim — Nath continuou, levantando-se e sentando-se do meu lado no sofá — Já temos problemas demais com gente maldosa.

–O que quer dizer?

–Temos em comum uma coisa, Leogere. Somos vítimas de sequestro, mas não somos os reféns.

–Bem, se você estivesse na minha posição, talvez não dissesse isso.

–Talvez – ele desviou os olhos da tela por um segundo para sorrir.

–Vai mostrar pra ela?

–Não agora. Estou batendo o recorde na Paciência.

–Estamos perdendo tempo! — Theo levantou o tom de voz.

–Na verdade, descobri que hackearam meu computador semana passada. Mas se eu abrir o jogo ‘Paciência’, eles não conseguem invadir. Não me pergunte o motivo. Por isso, estou tentando chegar à parte mais difícil do jogo para poder abrir os outros arquivos.

–Isso é sério?

–Você escolhe — ele desdenhou.

–Ele falou sério? — Theo sussurrou para mim.

–Por que está me perguntando?

–Um mentiroso reconhece o outro. Ele me ensinou isso.

Como eu não sabia se ficava ofendida ou concordava com a teoria, suspirei e deixei essas miudezas de lado.

–O que importa? Mentindo ou não, ele assegurou que vai mostrar alguma coisa que, mais uma vez, eu não sei o que é.

–Tá certo. Ouça: eu conheci esse narcisista há um ano, mais ou menos. Estava numa situação como a sua.

–Como assim?

–Ainda não, Theo – Nath sibilou sem tirar os olhos da tela.

–Por onde eu começo então? – ele trincou os dentes. Sua paciência tinha limites bem definidos. Sendo honesta (coisa rara), não era todos os dias que ele era questionado por ser do jeito que era e, convenhamos, lidar com Nath devia ser pelo menos oito vezes mais difícil para ele do que era para mim.

–Fale da coisa. Conte a história e depois fale deles.

–Certo. Há um ano — Theo suspirou —– Fiquei sabendo da existência de uma arma poderosa o suficiente para espalhar o caos em Carginthan e em suas províncias, destronar o rei, causar pânico geral.

–Uau. Dá para você ser mais vago?

–Não tem como ser mais exato sem te contar a história toda, e Nath acabou de me proibir! —– dessa vez, ele gritou.

–Proibi mesmo —–os olhos movendo-se rapidamente ao encarar o laptop —– E Leogere, não interessa agora. Entenda apenas que é poderoso o suficiente para acabar com a sua vidinha medíocre e a de todos os habitantes.

–Tá bom. Saquei. Continue Theo —– não era insensível a ponto de não perceber que ele estava cansado de ser tratado como capacho; portanto acrescentei —– Por favor.

–Foi criada por inimigos do trono, anarquistas, há séculos. Esteve escondida, porém, um grupo de pesquisadores a encontrou recentemente sob uma antiga caverna há cerca de dois anos.

–E o que aconteceu com eles?

–Ficaram tão espantados com aquilo que discutiram até a morte. Literalmente.

–Típico de pesquisadores...

–Durante essa discussão, porém, um traidor roubou a arma e levou até um grupo de descendentes dos anarquistas. Seja como for, Nath apareceu por lá e recuperou a arma.

–Assim do nada?

–Aparentemente.

–Mas como? Tipo, os pesquisadores não iriam sair contando que encontraram alguma coisa que podia acabar com a vida do rei. Não apareceu nada desse tipo nos jornais. Como ele entrou lá?

Antes mesmo de o sardento abrir a boca, Nath automaticamente murmurou com os olhos ainda grudados na tela:

–Sigiloso.

Odiei-o insanamente por quinze segundos.

–Ele também não me contou. Mas o fato é que ele descobriu o que o grupo já havia notado antes: existem mais quatro destas espalhadas pela metrópole e pelas províncias.

–Me deixe adivinhar o resto: de alguma maneira, você foi envolvido e estão procurando as outras quatro para salvar o mundo.

–Não diga como se fosse algo banal! —– ele fez um beicinho.

–Eu não disse isso. Só estou achando previsível. Quero dizer, acontece o tempo todo em livros.

–E parece que tudo corre às mil maravilhas —– Nath se intrometeu, virando a tela para nós —– Até você estar vivendo isso.

–Acabei o jogo —– ele continuou —– Agora posso mostrar quem são nossos chuchus.

–Chuchus? Sério mesmo?

–Do que você queria que eu os chamasse? Nossos inimigos? —– ele riu, porém era óbvio para mim que estava mentindo —– Por Cristo, Leogere, você lê demais.

Ignorei o último comentário e olhei para as quatro imagens na tela.

–Esse aqui —– clicou na primeira imagem —– É o galo alfa do bando. Grande e inspirador, mas combatível. Seu nome verdadeiro é Victor Auguste Gaertner. Assassinou mais de trinta pessoas até os dezoito anos. Mestre da artilharia. Um gosto impecável para cerveja.

–Então ele é o valentão do grupo?

–Digamos que ele é o menos prudente. Forte como um touro, mas não se esforça para esconder os traços. Não pense, porém, que ele é burro. Não existem estereótipos aqui, Leogere.

–Pare de me chamar assim!

–Como eu devo te chamar então? —– ele levantou as mãos para o céu, um ato de frustração.

–Me chame de Lisa.

–Mas não tem nada a ver com ‘Melissa’.

–Podemos continuar? — Theo massageou suas têmporas.

–Desculpe. Olhe Lisa —– pude ouvir um suspiro de desgosto —– dê uma boa olhada na foto dele.

Ignorei a expressão de desgosto por me chamar daquele jeito e observei a foto na tela. Era um homem alto – atingiria facilmente os 1,80m de altura -, o rosto quadrado, queixo firme, cabelo loiro curtíssimo, olhos estreitos e lábios finos. Nada de muito chamativo.

–O próximo chuchu é o que eu mais detesto. Nós dois o chamamos de Bambi.

–É —– Theo riu ao nome —– Lembra aquela vez nas Montanhas do Norte? Foi hilário o jeito que ele ficou.

–Pois é... Só não gostei da bala na minha coxa.

–O que tem ele?

–Ele é o mais novo e o mais nervosinho. Consegue ser pior que Theo. É um atirador de elite, assim como nosso simplório aqui, tirando vantagem no quesito de computação. Foi esse bastardo que hackeou o computador, sabia? —– ele virou-se para o sardento.

–Não é de se surpreender.

–Logo, vamos saber se ele também implantou uma escuta.

Theo arregalou os olhos.

–Você está brincando!

–Por acaso te enganei alguma vez, mon ami?

Nem eu consegui evitar uma risadinha.

A foto parecia ter sido capturada de uma câmera de segurança. Um moço aparentemente normal, com um undercut típico de jovens.

–Ele é muito comum — resmunguei.

–Observe a perna dele.

–Não há nada de errado com as pernas dele.

–Olhe bem o tamanho delas.

Estreitei meus olhos, achando que não ia achar nada. Porém, subitamente...

–Uma prótese? — perguntei assustada.

–Isso aí.

–Mas é muito menor que a perna dele!

–Isso deve explicar a irritação permanente dele.

Pisquei algumas vezes. Um manco como inimigo. Dava para aguentar a barra.

–Qual é o nome dele?

–Luke Deer. Por isso escolhemos Bambi. Os dois próximos são os piores e temos pouquíssimas informações sobre eles. Edward Grave, um homem de poucas palavras, é dono de várias empresas que seguem desde o ramo da comunicação até o têxtil. Ouvi dizer que sempre anda por aí com um terno e uma rosa. Bom político como é, foi expulso do governo por ser flagrado num ato de corrupção envolvendo trinta bilhões de Gomos. Depois, exilou-se nas Províncias do Norte, liderando grupos de drogas ilícitas.

–O outro é praticamente um desconhecido. Deve ser o líder do bando. Só o conhecemos por ‘O Homem do Brinco de Pérola’. Aparentemente, foi o responsável pela morte do duque. Quase conseguiu um golpe de estado que deportaria a rainha. Não temos imagens dele.

Demorei alguns instantes para absorver as informações passadas, porém Nath não esperou.

–A primeira vez que eles se encontraram foi quando o traidor conseguiu a arma. Desde então, não se reuniram mais. Todavia, temos informações que irão discutir o próximo passo no solstício de inverno. Teremos que aproveitar a situação e tentar impedi-los ou ao menos descobrir o que querem.

–Muito bem — eu sorri, tentando parecer o mais franca possível —– E eu com isso?

Nath suspirou.

–Você não percebeu que tem alguma coisa faltando, Leogere?

–Eu disse para não me chamar assim.

–Você não percebeu? —– ele apenas repetiu.

Fiz uma recapitulação do dia: chatice da escola, beijo estranho, motoqueiro e menino malucos, casa queimada... Não, antes...

Arregalei os olhos e me levantei. Agora sim, eles tinham me deixado furiosa.

–Onde está?

–Finalmente —– Nath cruzou as pernas e os braços. Theo levantou-se e tentou me acalmar.

–ONDE?

–Não percebe que, se nós soubéssemos de fato, teríamos a recuperado e devolvido? A questão não é onde ela está, mas o que fizeram com ela e por que a pegaram.

–Então me responda!

–Eu não sei! Posso te dizer a razão de você não está em algum posto policial fazendo um BO nesse exato momento.

–Não mude de assunto, sabichão —– sibilei ácida —– Me diga agora porque a minha mãe foi levada.

O loiro suspirou. Reparei que seus ombros caíram. Com um gesto cansado, pediu que o sardento explicasse.

–Eles pegaram a sua mãe pelo mesmo motivo que levaram a minha irmã —– ele respondeu com uma doçura que me deu pena – Porque você tem o potencial de acabar com os planos deles.

–O que eu tenho?! Não tenho armas, não tenho físico, não tenho informações!

–Você tem astúcia. Por isso tentam te intimidar capturando sua mãe.

–Pode ser também... —– intrometeu-se o loiro —– Que sua mãe tenha algo escondido...

–Cale a boca, Nath —– Theo murmurou —– Tenha um pouco de tato.

Não conseguia me mover. Estava acontecendo mesmo? E logo comigo? Mas eu não era nada! Era uma fracassada na escola que falava com as flores e ganhava de uma vadia nos esportes do colégio. Minha mãe era só uma advogada que gostava de me comprar livros e tomar chá. Nós éramos invisíveis e estávamos felizes com isso.

–Eu entendo que você esteja confusa e nervosa —– os olhos verdes-bala-de-maçã me encaravam com carinho e compreensão profunda, quase como se uma cicatriz estivesse exposta ali —– Minha irmã e eu tínhamos uma vida comum quando tudo aconteceu. Eu lutei por ela, Melissa. O que você vai fazer?

Voltei-me para aqueles olhos profundos com determinação. Conseguia ver meu reflexo neles. Aquela garotinha mediana de cabelos na altura do queixo e ombros estreitos liberava fogo em sua aura.

Reconheci-me nessa imagem. Theo sorriu ligeiramente.

É assim que se faz.

–Olhem —– chamou Nath novamente entretido na Paciência —– Vocês deviam me agradecer por ter descoberto que esse jogo funciona como um firewall.

–Você se acha muito espertinho, não é mesmo?

–Minha cara mentirosa, eu não preciso achar nada de alguma coisa que eu tenho certeza —– ele riu com desdém —– Se não fosse por mim, essa sala já tinha ido aos ares.

–Como assim? —– Theo adiantou-se, a preocupação enrugando sua testa.

–Eu estava certo quanto às escutas, amigão. E quanto aos explosivos também. Preciso terminar com esse jogo em T menos cento e vinte ou a propriedade inteira vai aos ares.

Mesmo com aquele ego insuportável, percebi sua voz falhar e um filete de suor escorrer na lateral de seu rosto. Theo não esperou nem meio segundo para sentar-se ao lado dele.

–Beleza. Põe essa Dama aqui...

–Não, seu inútil. A próxima carta é de ouros.

Como quem não quer nada, abri a porta e saí lentamente.


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Notas finais do capítulo

Gomos - Moeda de Carginthan. Equivale a um euro.



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