Special Christmas Delivery escrita por LiKaHua


Capítulo 1
Capítulo Único




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Special Christmas Delivery

- Um conto de Natal –

Sede da milícia secreta das comemorações – 72 horas para o Natal

- Tragam Jack para cá IMEDIATAMENTE!

O comandante da Milícia Secreta das Comemorações – MSC –, Arrow Cruise, bradou a ordem para os agentes enquanto batia com as duas mãos na mesa de sua sala. O motivo de tanto alvoroço era o que se espalhava pelo mundo das comemorações: Noel havia desaparecido naquela mesma manhã do dia 22 de Dezembro, exatamente 72 horas antes do Natal. A terra das comemorações estava em pânico e completa desordem: Calvin Rabbit, o coelho da páscoa, havia sido interrogado aquela manhã tão logo o desaparecimento foi notificado; Thomas Turquey, o senhor peru da ação de graças, também havia sido interrogado pelo comandante; e até mesmo o cupido, Flag Angel, havia sido posto na lista de suspeitos. Cada segundo que se passava era precioso e tenso. Vários agentes tentavam conter o pânico dos habitantes de Partytown, todos se indagavam para onde Noel poderia ter ido e a chance de que ele poderia ter sido levado, embora completamente assustadora, não podia ser descartada.

Havia acontecido em 1993, quando Jack Skellington, o rei de Halloweentown, havia planejado controlar a terra do Natal e apossar-se da comemoração no lugar de Noel. Cansado da mesmice de sua própria comemoração, depois do Halloween daquele ano Jack vagou a esmo pela noite até se deparar com Partytown, foi assim que encontrou o caminho para Christmastown. Encantado com a magia e as luzes do Natal, apresentou a proposta na sua cidade e, por unanimidade, decidiram tomar conta de uma comemoração diferente da sua. Noel foi sequestrado e levado para Halloweentown, o Natal daquele ano quase fora completamente arruinado quando o monstro verde tentou matá-lo. Atentar contra a vida de Noel não era a intenção de Jack, então o esqueleto, com a ajuda de Sally, o resgatou a tempo de contornar a situação. Agora o comandante Cruise mandara buscá-lo sob a suspeita de tentar repetir a façanha.

Em outra sala a esposa de Noel aguardava ansiosa e aflita por notícias satisfatórias sobre o desaparecimento, alguma pista que lhe desse a certeza de que o marido estava bem. Mas as boas novas pareciam não chegar.

- É impossível! – Afirmava Cruise enquanto passava as mãos nos fartos cabelos loiros, e olhava para o agente Max à sua frente. – Como ele pode haver desaparecido dessa forma? As renas e o trenó no mesmo lugar, os presentes sumiram, mas como ele foi? Por quê? Não faz nenhum sentido.

- Vamos encontrá-lo comandante. – Afirmou Max colocando mais uma xícara de cappuccino na frente do superior. – Ele não pode ter ido longe. Como observado, o trenó e as renas estão intactos.

- Sem sinal de luta, sem sangue, sem nenhum mínimo indício de que algo tenha acontecido. Nenhuma pista Max! A plenas 72 horas do Natal!

- Acha que o esqueleto está por trás disso?

- Não sei o que pensar, até a minha avó Mirtrude é suspeita a esta altura! Espero realmente que aquele esqueleto maluco não tenha nada a ver com isso, mas se não tiver, aonde o papai Noel enfiou-se, Max?

O trânsito constante de agentes secretos e criaturas mágicas representantes das comemorações de todo o mundo aumentava ainda mais o nervosismo da mãe Noel, que esperava aflita por novidades que nunca chegavam. Tão logo avistou Jack Skellington aproximar-se acompanhado de dois agentes e aparentemente confuso com tudo que estava acontecendo, ela ergueu-se da cadeira e deu alguns passos apressados indo ao seu encontro enquanto alimentava a esperança de que ele estivesse envolvido novamente com o desaparecimento de Noel. Se assim fosse, logo as coisas ficariam bem e o Natal estaria salvo.

- Jack, por favor, você está com Noel? – Ela perguntou com a voz trêmula.

- Não... Juro-lhe que não tenho nada com isto. – Assegurou o esqueleto que vinha acompanhado de Sally e dois pequenos esqueletinhos.

- Jack não está envolvido em nada disso mãe Natal, eu lhe asseguro! – Sally reforçou e ela assentiu.

- Vamos encontrá-lo mãe Natal. – Afirmou um dos agentes que logo retomou seu percurso, levando Jack para a sala de interrogatório. Sally sentou-se ao lado da mãe Noel e tentou confortá-la, sem muito sucesso.

- Eu não entendo... – Começou. – Por que ele faria isso às vésperas da comemoração? Deve ter acontecido algo muito ruim.

- Não se aflija dessa forma mãe Natal. Tudo acabará bem, você verá.

- Seus filhos? – Perguntou, referindo-se aos pequenos esqueletos confusos e assustados com todo o alvoroço que não entendiam direito e que se agarravam à mãe com toda a força que tinham.

- Sim. Estes são Jaques e Maya.

Os pequenos cumprimentaram a boa senhora, que sorriu em resposta. Um dos agentes veio até elas e cumprimentou-as.

- Senhora esqueleto, Mãe Natal.

- Olá Sam.

- Sally, o comandante pediu que fosse para casa com as crianças, Jack só será interrogado pela manhã.

48 Horas para o Natal

- Onde estava na manhã de ontem, esqueleto? – Cruise perguntou aparentando não estar muito paciente.

- Já lhe disse, estava com o prefeito de Halloweentown organizando os eventos do próximo Halloween!

- Há alguém que possa comprovar o que está dizendo?

- Meus filhos, minha esposa Sally, o próprio prefeito, qualquer um na cidade.

- E os capangas daquele tal monstro verde?

- O monstro verde não é mais problema comandante. Ele se foi há muitos anos, os três meninos estão sob custódia do doutor e sua nova esposa. Não há nenhuma possibilidade que alguém de Halloweentown esteja envolvido nisso, não permitiria que nenhum deles se metesse em mais nenhuma comemoração.

- Muito bem. – O comandante abaixou a cabeça quase puxando os próprios cabelos e virou-se para os agentes com um suspiro. – Confirmem o álibi dele e liberem!

- Sim senhor.

Jack acompanhou os agentes e o comandante ficou sozinho na sala por alguns minutos.

- 48 horas. Onde você está Noel? Onde está o Natal?

- Senhor, - um agente apareceu na porta. – o tenente Miles deseja sua presença na sala de planejamento.

- Estou indo Danf.

Quanto mais as horas passavam, menos pistas apareciam sobre o paradeiro de Noel. Todas as hipóteses levantadas pareciam vagas ou careciam de algo que as fundamentasse. O fato de ele ter desaparecido com os presentes levava os agentes a crer, cada vez mais, que ele havia sido levado por alguém, mas não conseguiam provas ou pistas que apontassem um culpado. Cruise entrou na sala de planejamentos, onde encontrou o tenente Miles.

- Tenente.

- Comandante. As tropas voltaram do mundo dos mortos. A noiva cadáver, Emily, garantiu que Noel não está lá. Fizemos nova perícia na casa e na fábrica dele, encontramos a lista de crianças boas e levadas deste ano.

Ele falou passando a lista para Cruise, que a olhou atentamente, sem conseguir enxergar ali nada além de uma pilha de nomes organizados em coluna, a maioria deles com um sinal positivo ao lado, havia no mínimo dez com um X representando os que foram levados e assim não poderiam ser visitados. Alguns dos nomes que encabeçavam a lista estavam escritos em caneta dourada, poderia significar alguma coisa, mas nada que ficasse aparentemente claro.

- Algum dos duendes sabe por que há nomes escritos com caneta de destaque?

- Não, eu esperava que a senhora Noel soubesse. Também não deram nenhum sinal da lista de presentes. E segundo as cartas recebidas e a lista de crianças, nove cartas estão faltando.

- De alguma forma ele tem de ter se locomovido com aquele saco, se as renas e o trenó continuam aqui... Como ele pode ter ido?

- Tem alguém com ele comandante, é a única explicação lógica para isso. Noel é um senhor de idade, não tem mais disposição para sair por ai andando com saco de presentes como se fosse um garotinho de vinte!

- Levem mãe Noel para a sala de interrogatório! – O comandante Cruise ordenou.

Amelie Noel foi levada para sala de interrogatório, confusa. Acompanhava os agentes quando viu o momento em que Sally e Jack abraçaram as crianças, tentando inutilmente paliar a preocupação que se espalhava por todos os lugares. Logo entrou na sala pequena e de claridade débil, avistou o comandante Cruise sentado e só então percebeu nele o ar de cansaço e preocupação, vê-lo abatido a fez perceber que ele não dormira desde que foi informado sobre o sumiço de Noel. Por um momento ela sentiu-se ingrata por não lhe ter expressado o merecido agradecimento ao seu esforço.

- Amelie – ele começou – sente-se, por favor.

- Obrigada. – Obedeceu. – Algo em que eu possa ajudar?

- Sim. Sabe onde está a lista dos presentes? Não a encontramos na sua casa.

- Normalmente Noel a deixa junto à lista de crianças. Não imagino o porquê de ele ter feito nova lista separada. As cartas das crianças não estão lá?

- Estão, mas nos comparativos com a lista de crianças feita por ele presumimos que estão incompletas. Faltam nove cartas.

- Nove? – Ela sentiu um calafrio. – O que isso quer dizer?

- Que elas podem ter alguma conexão com o lugar onde ele possa estar. Cinco delas são do Brasil, Duas da França e duas da África o que, pela distância existente, nos leva a poucas deduções e com menos fundamentos ainda. Acreditamos que ele pode estar com alguém ou sendo ajudado por alguém, faz ideia de quem possa ser?

- Não. Noel é muito ligado ao trabalho, passamos o ano inteiro preparando as coisas para o Natal, observando e recebendo as notificações dos comportamentos das crianças nas demais comemorações, avaliando os progressos nas fábricas de brinquedos, e ele também está constantemente envolvido em filantropia. Não tem amigos íntimos, na verdade ele é amigo de todo e qualquer um que se disponha a dar-lhe amizade.

- Não pode cogitar a ideia nem mesmo de algum gnomo?

- Duendes. - Ela o corrigiu antes de prosseguir - Temos em torno de nove mil duendes trabalhando conosco, quer mesmo interrogar todos eles? Isso sem contar as quase vinte e cinco mil pessoas que moram em Christmastown.

- Todos os representantes das demais comemorações estão sob custódia e vigilância, estamos ficando sem tempo e sem saber que direção tomar.

- Sabe comandante, eu quero meu marido de volta tanto quanto você. O Natal é a segunda comemoração mais importante do ano, mas significa muito mais que entrega de presentes. Não estou preocupada com Noel porque sem ele não tem Natal, claro que tem. Estou preocupada porque o amo e me importo com ele. Se quer uma razão para achá-lo dou-lhe uma: ele é seu amigo.

Levantando-se da cadeira ela deixou a sala. Um confuso comandante deu um longo suspiro largando a caneta sobre a mesa e controlando a aflição dentro de si. Amelie tinha razão, mas isso ainda não resolvia o problema: precisavam achar Noel.

Entrando no pequeno carrinho vermelho Amelie respirou fundo e dirigiu devagarzinho para casa, tentava conter o aperto no peito que a fazia duvidar do bem-estar do marido idoso, Noel não era fraco e ela tentava apegar-se a isso para não entrar em desespero.

Christmastown estava quieta, as luzes apagadas, as famílias recolhidas. Não havia a animação rotineira, não havia a alegria nem o barulho do riso das crianças, as fábricas estavam paradas, os sonhos de Natal pareciam distantes, destruídos. Suspirou e desceu do carro se dirigindo para sua casinha, entrou e fechou a porta, assim podia render-se às lágrimas que tentara tão bravamente reprimir. Deixou o corpo cair sobre o assento e observou a poltrona de Noel vazia à sua frente, vislumbrava a imagem dele tomando chocolate quente há quatro dias enquanto analisava a lista de crianças. Fechou os olhos e repreendeu-se, não podia permitir-se cair em desespero. No fundo algo lhe dizia que ele estava bem e que tudo daria certo. Era nisso que ela precisava acreditar.

24 horas para o Natal

- Comandante, os agentes estão organizados como pediu.

- Obrigado Danf, mande que esperem enquanto repasso algumas coisas com o tenente.

- Sim senhor.

Há dois dias o comandante Cruise não dormia. O cansaço começava a atrapalhar sua capacidade de raciocínio e sua saúde, mas não era o momento para fraquejar, seu dever ainda não fora cumprido. Ele saiu com um copo de café fumegante se dirigindo à sala do tenente Miles, que analisava novamente as cartas e a lista de crianças. Por alguma razão as palavras de Amelie não saíam da sua cabeça, sentou-se.

- Não consigo ver nenhuma ligação entre as cartas faltantes e o desaparecimento dele, mas tenho certeza de que em uma delas está a resposta para o enigma. – Comentou o tenente.

- Vou enviar homens aos lugares onde vivem as crianças das cartas faltantes.

- É como enfiar uma agulha num palheiro Cruise, como vai saber onde elas moram?

- Enviarei dez homens a cada cidade. Faltam apenas vinte e quatro horas para o Natal tenente! Não temos mais tempo para hipóteses, precisamos de alguma ação.

- Tem razão. Irei com o grupo que vai cobrir o Brasil, há cinco cartas de lá.

O comandante aquiesceu. Ambos saíram da sala rumo ao enorme grupo de agentes da MSC que se encontravam dispostos em filas impecáveis na pista de pouso da sede. O comandante adiantou-se e, depois de esfregar os olhos cansados, se dirigiu aos homens.

- Quero dez de vocês em cada cidade de cada país envolvido nas nove cartas faltantes. As cidades foram divididas pelo agente Danf, percorram cada lugar, interroguem quem for preciso, se for necessário peçam reforços locais e façam contato frequente conosco. É nossa medida de emergência para encontrar Noel, temos vinte e quatro horas antes do Natal por isso apressem-se! Usem os transportadores porque são mais rápidos do que um meio de transporte comum. Boa sorte a todos, a central já está a postos para os atender.

Os homens da milícia fizeram continência e partiram aos seus transportadores em grupos de dez, o comandante Cruise se dirigiu à sala da central e se posicionou. Tudo que lhe restava agora era a esperança.

Enquanto isso, em casa, Amelie Noel orava fervorosamente pelo bem-estar do marido, fosse o que fosse que estivesse acontecendo ela pedia que ele estivesse bem, que houvesse uma digna razão para seu desaparecimento e que todo aquele pesadelo tivesse um desfecho positivo.

Dia de Natal

Todos os agentes da milícia secreta das comemorações espalharam-se pelo mundo, estavam em alerta. No transportador rumo ao Brasil o tenente Miles tentava dormir um pouco enquanto o restante da equipe (quatro detetives e cinco agentes) mapeava todas as cidades e vilarejos que percorreriam.

- Podemos começar por este ponto... – Falou um dos agentes apontando para uma parte do mapa. – E assim viabilizamos o percurso de maneira mais ampla e simples.

- Eu concordo. – Comentou um detetive.

Havia nove transportadores com homens rumo ao Brasil, para alguns deles a esperança de recuperar Noel a tempo para o Natal era uma possibilidade quase nula. Três equipes (entre elas a de Miles) ficaram com a região Nordeste do Brasil, uma terra seca, castigada pela falta d’água, mas muito receptiva e de gente simples e sempre sorridente. Começaram as buscas pelas cidades maiores, passaram por praças enfeitadas e iluminadas nas quais crianças andavam de bicicleta; outras estavam em carroças de burro carregadas de baldes, de mato para alimentar animais ou mesmo de outras crianças raquíticas, mas ainda assim alegres e ativas. Conforme adentravam e seguiam em direção aos povoados mais afastados da “civilização” das cidades, se deparavam com a seca de maneira mais nítida, o solo rachado e a vegetação escassa, carcaças de animais espalhadas sob galhos secos, alguns restos animais jaziam perto de casas de barro, revelando uma vida dura e a realidade de pessoas rechaçadas e esquecidas pelo resto do mundo.

- Por Deus! Como alguém consegue viver em um lugar como esse?

- Sinceramente tenente... Estou me perguntando o mesmo desde que chegamos.

Meio dia de 26 de Dezembro

- Bem homens, estamos na última casa, essa é nossa última chance no Brasil.

O tenente Miles, exausto, parou diante da pequena casa de barro e bateu à porta. Um senhor de idade, barrigudo, vestindo roupas sujas e suadas surgiu diante deles, um misto de espanto e alívio apossou-se de todos.

– P-P-Pai Natal?

- Tenente Miles. – O bom velhinho simplesmente sorriu indicando que os homens entrassem na pequena casinha.

- Mas... Como? O que o senhor está fazendo aqui?

- Essa é uma história um pouco longa tenente, portanto acho melhor que se sente.

Enquanto Noel conversava com o tenente, os detetives observavam a pequena casa onde ele passara o Natal: as paredes eram de barro e madeira, telhas velhas de barro (algumas queimadas ou sujas com a fuligem do fogão à lenha) cobriam a casa e ressaltavam sua simplicidade. Não havia nenhum conforto, o sofá onde o tenente estava sentado era muito velho e rasgado, uma mesa com três cadeiras (todas provavelmente artesanais) e, nos fundos da cozinha improvisada, um fogão a lenha, uma pia de pedra e um pequeno armário onde pratos e panelas de alumínio descansavam junto de copos de vidro. Nas paredes fotos dos mais diversos santos, algumas amareladas ou em molduras descascadas e manchadas.

- Posso oferecer-lhe água? Não garanto que o tenente vá degustar o sabor salobro, mas é tudo que tem aqui.

- Onde está a família que vive aqui?

- Foram buscar água, as crianças estão com os poucos animais que restaram tentando dar-lhes comida. Não precisa interrogá-los tenente... Eles não têm nada além de uma esperança muito frágil.

- Precisamos voltar Noel. Compreende o tumulto que está em Partytown desde que sumiu?

- Imagino e sinto muito por isso. – Ele falou calmamente.

O agente especial Dick Clarckson efetuou uma chamada pelo rádio anunciando o cumprimento da missão.

- Comandante, nós o encontramos! Está no Brasil, região Nordeste.

- Traga-o de volta imediatamente! – A ordem, quase gritada, fora ouvida também pelo bondoso senhor, que simplesmente sorriu olhando o relógio e assentindo com um gesto de cabeça.

- Precisamos ir papai Noel. – Disse o agente, em tom passivo.

- Sim, eu sei.

E piscou. Noel se dirigiu à mesa da casinha e sentou-se soltando um suspiro. Pegou papel e caneta e escreveu para Iago:

Meu querido amiguinho, sinto ter de me despedir dessa forma mas é hora de voltar para o meu lugar. Infelizmente, Iago, há coisas que nem mesmo eu posso realizar e novamente me desculpo por isso. Obrigado pelo tempo que dividiu comigo, você deu um novo sentido para o que eu faço. Sentirei sua falta.

Pai Natal pegou seu saco vermelho e foi em direção aos homens que o esperavam, uma sensação de vazio e apreensão dominou-o por um instante, mas tratou de afastá-la. Sorridente, o agente abriu as portas do transportador espacial e todos regressaram para a base secreta da MSC em Partytown. Ao encontrar o velhinho com roupas estranhas, o comandante Cruise arqueou a sobrancelha e revirou os olhos. Noel fora levado para uma sala e todas as “provas” recolhidas foram postas na mesa à sua frente. O tenente Miles estava em pé no canto direito da sala, quieto e imóvel. O comandante deu uma volta em torno da mesa enquanto o rechonchudo senhor segurava a lista com suas mãos frágeis.

- Então Noel, o que estava fazendo no Brasil? Mais especificamente, no Nordeste?

- O senhor leu esta lista comandante? – Ele perguntou simplesmente, com a voz frágil e levemente rouca.

- Sim, era parte do meu trabalho para finalmente encontrá-lo.

- Então o senhor viu o número de desejos que não posso simplesmente realizar por minha vontade. Algumas crianças nessa data me pedem coisas como atenção dos pais... União na família... Coisas muito além de brinquedos e viagens que são os pedidos que costumo receber nas cartas. Amor e atenção são coisas que não se fabrica comandante. Mas este ano eu recebi um chamado especial. Não sei se o senhor olhou na minha lista prioritária, um menininho chamado Iago me pediu água. Água para o seu estado em decadência cujos animais estavam morrendo.

Fez uma pausa. O comandante observou os pequenos olhinhos castanhos do velhinho brilharem enquanto ele olhava para a lista atentamente, como se estivesse vendo alguma coisa ali além das inúmeras palavras escritas em coluna.

- É difícil quando alguém pede algo que existe no sentido de possibilidade concreta e eu não posso fazer muito. Decidi por fim ver o que eu conseguia fazer naquele lugar, eu nunca havia pisado naquela região, só agora percebi a inúmera concentração de crianças em um estado deplorável, vivendo nas ruas, sobrevivendo no meio de galhos secos e cactos, sempre em busca de água para que a única fonte de sua sobrevivência não morra com o abraço tórrido do sol. O menino Iago me pediu água para o Natal, me pediu que salvasse a vida dos animais que seu pai tenta criar naquela região quase abandonada e esquecida que tanto me lembrou a África, onde os pedidos de saúde e comida me vêm com tanta frequência. Eu sei que não deveria ter “desaparecido” dessa maneira, sem explicação. Sei bem que o Natal passou e que muitas crianças aguardaram minha visita. Mas saiba comandante, há sim em meus inúmeros pedidos uma lista prioritária, eu tenho 24 horas de Natal todo ano para atender muitas vezes crianças que têm tudo, que querem apenas um acréscimo fútil para a vida que julgam ser incompleta por sua incapacidade de ver o semelhante, outras eu não posso atender porque não fabrico novos corações e há crianças como Iago, que mais do que ninguém precisam do meu olhar compassivo, porque talvez a carta tão laboriosa que ele me dirigiu neste Natal seja sua única esperança de ser ouvido. Eu não desisti do Natal comandante... Eu simplesmente não vi sentido em sair noite afora entregando brinquedos quando não podia atender aos pedidos que realmente queria atender porque não sabia como fazê-lo, porque não posso realizar tudo.

Nesse momento a porta abriu na pequena sala de interrogatório e o agente Clarckson apareceu, atraindo a atenção do comandante.

- Libere o Noel e reúna uma equipe para ir ao Nordeste Clarckson, temos um trabalho a fazer.

Noel levantou-se e olhou-o com um sorriso, colocou em sua cabeça o gorro Natalino e tirou de suas costas uma pequena caixa de presente decorada com uma fita verde, entregou-a ao comandante.

- Este é o pedido da sua filha, dê-lhe meus cumprimentos quando chegar em casa.

E Noel, piscando o olho para o emocionado comandante, atravessou a porta rumo ao trabalho que precisava fazer. O pequenino Iago de sorriso sincero e olhar esperançoso nunca saiu do seu pensamento, o menino magricela que ele conhecera numa casinha de barro em meio à seca, numa região de cactos e árvores que tentavam resistir quase inutilmente à severa aridez. Nesse ano ele sabia com quase absoluta certeza que, mesmo atrasado, um desejo verdadeiramente prioritário seria concedido.

***

Nordeste – noite do dia 26 de Dezembro

Batidas na porta. Dona Josefa segura Iago, o filho mais novo, nos braços magros em uma tentativa de contê-lo, enquanto se dirige à porta.

- Um momento.

Um grupo de homenzarrões vestidos de azul com um uniforme da Companhia de água e saneamento de Pernambuco (COMPESA) sorri para ela, logo atrás dois caminhões. Iago olha tudo atento e deslumbrado.

- Pois não?

- Boa noite senhora, viemos implantar em sua casa um sistema de água e irrigação. Podemos entrar?

Nesse momento um arco de luz passou pelo céu, os homens e a mãe de Iago não viram, mas os olhinhos brilhantes do menino captaram cada movimento e seus ouvidos ficaram em alerta ao ouvir o “Ho Ho Ho” do bom velhinho como um prelúdio do Natal que, mesmo fora da data, enfim seria verdadeiramente feliz.


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