Contos em Miniatura escrita por Goldfield


Capítulo 6
Previsão




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Previsão

(Originalmente publicado na antologia “Dias Contados”, Editora Andross)

Revirou-se no sofá, buscando uma posição confortável. As notícias incomodavam. Passeou os dedos pelo controle remoto, mudando a sintonia da tevê em frenéticos cliques.

Os noticiários davam as mesmas informações, a macabra manchete.

Deveriam imprimir as profecias de Nostradamus junto com os livros escolares, pensou ele.

Andou em círculos pela sala. Na tela, um âncora repetia o mesmo aviso enrugado, frisando a 11 de agosto de 1999.

O último eclipse que a Terra veria em sua existência porque o mundo acabaria. Menos de uma semana pela frente, era preciso se preparar.

Algumas seitas já se adiantaram para a ocasião com as pessoas vivendo como nunca haviam feito antes. Não teriam nova oportunidade.

Já imaginava um sinistro dragão engolindo boa parte das estrelas do céu, os terremotos, incêndios, até os próprios deuses se autoaniquilando no Ragnarök. O que ele poderia fazer? Como conviver com aquela expectativa?

Morava em um modesto apartamento, situado no nono andar, e de lá conseguia observar o centro da cidade com seus altos arranha-céus, viadutos congestionados, pessoas se acotovelando nas calçadas. Era fim de tarde e todos estavam voltando do trabalho. O movimento era ainda mais intenso.

De início, ele, contemplando a paisagem, procurando afastar os pensamentos do fim, perdendo-se em meio ao céu alaranjado do poente.

De enferrujado o céu passou a ser sangue. Labaredas despencavam, chocando-se nas construções, consumindo-as, convertendo-as em esqueletos carbonizados. Os carros, ônibus e caminhões tornavam-se montes retorcidos de ferro, as pessoas retornavam ao pó. Varrendo tudo, um cruel vento impregnado dos odores do suplício. Ele assistia a tudo do camarote de sua janela, um César vendo sua Roma consumida.

Fechou os olhos por segundos e, ao abri-los, o pavoroso cenário desaparecera. Os edifícios, os veículos, os pedestres, o céu e a brisa, tudo normal.

Ainda não acontecera, era uma imagem antecipada do que aguardava a todos. Maldito Nostradamus! Por que tinha de revelar a sua profecia? Nada poderia impedir o fim, então porque viver antecipadamente o suplício?

Limpou o suor do rosto nas costas da mão. Na tevê, um repórter perguntava às pessoas na rua o que fariam antes que o mundo acabasse, e as pessoas riam como se fosse uma piada.

Ele sabia a verdade, como Cassandra conhecia o fim, conhecia a dor que viria. Não, ele não presenciaria tudo aquilo novamente, era livre, poderia fugir do inferno que se aproximava.

Debruçou-se junto ao parapeito da janela, olhando para baixo. Na porta do prédio, o porteiro conversava com uma mulher. Talvez eles se assustassem com o que iria acontecer. Não importava, precisava se libertar. Subiu no parapeito, olhou para a rua mais uma vez e saltou, abrindo suas asas.

No dia 11 de agosto de 1999, os vizinhos do apartamento 42, no Edifício Magnólia, se reuniram na capela do cemitério para a missa de sétimo dia.

A profecia não se realizou. O agente que a iniciaria estava morto.

Nós teremos de aguardar outra oportunidade.

Luiz Fabrício de Oliveira Mendes – “Goldfield”.


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