Canção noturna

Os tênis surrados quase desmanchavam, embora ainda oferecessem certo conforto aos pés. A mochila nas costas mal era sentida, o peso tendo se tornado quase parte orgânica de seu corpo nas últimas centenas de quilômetros.

Mabaruma, e com ela a Guiana, ficavam para trás. Mais alguma distância pela estrada de terra batida e estaria na Venezuela. O clima abafado fatigava-o; e o mero olhar sobre as lagunas que se desenhavam ao longo do percurso, suas águas esverdeadas ondulando sob o luar, bastaram para refrescá-lo. Ainda assim, sentiu vontade de arrancar as roupas e saltar dentro de uma delas, deixando-se levar pelas marés até o vasto Caribe e suas ilhas longínquas...

Súbito, outro olhar pareceu responder ao seu, a silhueta da jovem morena de cabelos longos desenhada pelas águas e pelo vento – uma Iara convidando-o a se afogar em seu leito, cantando cheia de paixão. Compreendeu a razão de sentir-se tão atraído pelo mar...

...mas não a de encontrar naquelas águas justo o olhar dela.