Netflix Guy escrita por Roni Ichiro


Capítulo 8
Um final digno de protagonista de livro de mulherzinha




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Não acho justo uma pessoa passar por tantos momentos de tensão psicológica quanto eu passei naquele dia. Eu achava que depois de finalmente derrotar aquele vilão de filme que era o meu chefe – mas não um vilão foda tipo o Coringa, um vilão escroto tipo o Capitão Bumerangue – eu poderia ter um pouco de paz com a minha ruiva, podíamos ir curtir um filminho no Netflix juntos comendo pipoca e debaixo do mesmo edredom... e bem, fazendo outras coisas que acontecem debaixo do edredom.

(...)

Cinco horas antes

Depois de ter deixado Merida cheia de dúvidas naquele fórum, acordei no dia seguinte entrando em uma profunda crise existencial. Não queria deixa-la na mão quando tudo o que ela estava fazendo era querer me ajudar. Ao mesmo tempo, tinha levado tanto esporro no dia anterior que não sabia se tinha coragem para escapar de casa mentindo pro meu pai outra vez.

Não tinha muito tempo para pensar e precisava de uma luz, senão perderia o horário do julgamento. Estava deitado na cama deixando meus miolos fritarem enquanto eu pensava no que fazer, até que ouvi uma batida na porta:

– Jack ! – era minha irmãzinha falando alegre como sempre, e abriu a porta sem eu nem dar permissão. Tudo bem que não tinha nada demais dessa vez em ela entrar, mas sei lá... e se eu estivesse pelado ?! – Eu tenho que ir pra aula, você viu o meu cordão de... – e parou ao me ver naquele estado

– Não vi nada seu, Tooth. – respondi, sem-saco.

Ela se sentou na minha cama com o olhar preocupado.

– Eu soube o que aconteceu com você e o papai. Sinto muito.

Virei para o lado, resmungando de leve.

– Seria tudo tão mais fácil se eu simplesmente tivesse atendido outra ligação naquele dia... – suspirei – Por quê, por que eu tive conhecer uma garota tão legal mas tão... complicada ?! – soquei o travesseiro.

Ela colocou uma mecha de seu cabelo curto para trás da orelha e tocou meu ombro de leve.

– Porque o amor é, por definição, complicado. – ela riu levemente, tentando descontrair um pouco o clima.

– Tooth, por favor. – retruquei, sem paciência – Sem frases dos seus livros de mulherzinha.

– Desculpe... – ela deu de ombros – Mas pensando bem, você meio que se parece com um protagonista dos meus livros de m... dos meus livros.

– Como é que é ? – ergui uma sobrancelha – Tooth, não sei se você percebeu, mas eu sou um fracassado. Eu estou mais para aqueles figurantes que morrem de uma maneira bem escrota.

– Pense comigo, Jack ! – ela segurou meus ombros- Um garoto solitário que quer companhia no Dia dos Namorados – ela enfatizou bem as palavras – E que poderia receber a ligação de qualquer pessoa no universo e recebeu a da garota da vida dele ! E não só isso ! – agora ela estava empolgada – Você foi atrás dela, mas vocês foram impedidos de serem felizes pelo sr. Pitch ! E ela está disposta a lutar por você ! Lute junto com ela, Jack ! Faça a sua história acontecer !

Então, tirando aquele lenga-lenga romântico que ela adora enfiar em qualquer história, ela estava basicamente dizendo para eu desobedecer todas as regras outra vez e ir atrás de Merida.

E nesse momento, meu celular apitou. Peguei e, como se fosse por obra do destino, recebi a seguinte mensagem de Merida:

Jack, eu sei que as coisas estão difíceis pra você, e sei que nem mil desculpas fariam você me perdoar.. mas queria te avisar que ontem eu descobri um jeito de ganhar esse caso, então queria que você aparecesse por lá. Eu sei que não mereço esse voto de confiança, mas preciso que confie em mim uma última vez. Lembre que eu ainda sou a sociopata sozinha do dia dos namorados, e que eu gosto muito de você, mesmo.

Depois de puxar o telefone da minha mão e ler, ela deu um gritinho animado e disse:

– Irmãozinho, você já tem sua resposta ! Vai querer ser, como você diz, um figurante que morre no esquecimento... ou um protagonista ?

Pensei em Merida e as coisas que passamos juntos naquele final de semana. Como fiquei nervoso em chegar na porta dela e acabei sendo recebido por litros de vômito verde, como deixei sua cadelinha gorda escapar e tivemos que ir atrás dela no frio, como brigamos feio mas depois nos acertamos, como quase morri de susto com aquele viking imenso que era o pai dela... como ela me olhou de coração partido ao me ver saindo daquele fórum.

Depois pensei em como todas aquelas “aventuras” que me ferraram inúmeras vezes, mas como eu as repetiria sempre se pudesse passa-las com a ruiva baixinha por quem eu...

Por quem eu me apaixonei.

Puta merda, eu estava apaixonado.

Não dava para acreditar que só naquele momento caiu a ficha.

A vontade de estar com Merida cresceu em mim tão violentamente que eu levantei tão rápido da cama que fiquei até um pouco zonzo.

– O que eu ainda estou fazendo aqui ?! – corri até o armário e coloquei a primeira coisa que encontrei - um casaco azul escuro – e botei os tênis que estavam jogados debaixo da cama.

– Isso, Jack ! – Tooth deu pulinhos de alegria, mas depois parou e levou as mãos à boca, como se tivesse acabado de descobrir algo terrível. – Espera ! O que você vai dizer ao papai ? Ele está em casa ainda !

Olhei para o relógio. 7 e meia da manhã. Corri até minha mesa e arranquei uma folha de papel de um caderno. Com as mãos trêmulas, escrevi um bilhete explicando tudo para meu pai, rezando para que quando ele lesse eu já estivesse bem longe dali. Não queria mentir outra vez porque sabia que não ia dar certo, então queria pelo menos explicar minhas intenções. Quem sabe ele entendia ?

– Tooth. – falei, sério. – Conto com você para distrai-lo só enquanto eu saio de casa. Por favor.

Ela piscou algumas vezes com seus cílios coloridos e assentiu com a cabeça.

– Pode contar comigo. E ei, tenho uma surpresinha... – ela deu um sorriso travesso e tirou do bolso do casaco uma chave com um chaveiro de pé de coelho cinza.

– Tooth ! – arregalei os olhos – Ficou doida ?! O Mond vai te matar se descobrir que você pegou a chave do carro dele ! Espera... – falei, percebendo o que de fato ela queria com a chave. - Ele vai me matar !

– Se não for de carro nunca vai chegar a tempo ! Pega logo, Jack ! Ele foi ao trabalho de metrô hoje ! Quando chegar em casa eu me entendo com ele.

Peguei aquela chave morrendo de medo. Mond deixara claro que eu só podia pegar o carro com permissão dele, e se tivesse um arranhãozinho sequer, ele cortava meu pinto fora. A pressão estava uma beleza.

– Vai ! – ela me empurrou para fora do quarto, e fomos silenciosamente até a porta. – Papai está no escritório trabalhando. Quando ele perguntar por você eu digo que...?

– Só entregue o bilhete. – falei, convicto, e Tooth fechou a porta.

(...)

E aqui estávamos nós, depois de quase tudo resolvido, Merida e eu abraçados e felizes como protagonistas dos livros de mulherzinha da Tooth, e meu pai apareceu bem naquela hora.

Meus músculos de enrijeceram. Realmente não sabia o que ele estava pensando no momento, o que me deixava mais preocupado ainda. Se ele tivesse uma explosão que nem no dia anterior, era bem capaz de eu nunca mais poder ver Merida outra vez, e aquilo me fez ter um calafrio enorme.

Mas precisava falar com ele. Engoli todo o meu medo estava prestes a abrir a boca... mas Merida foi mais rápida do que eu.

– Senhor... – ela o olhou nos olhos. – Eu quero que saiba que tudo isso que aconteceu com o Jack foi culpa minha. – ela abaixou a cabeça – Se tem alguém para ficar com raiva, sou eu. Jack não teve nada a ver com isso.

Arregalei os olhos e segurei com força o braço dela. Lhe lancei um olhar de “Você é maluca ?!”, mas ela simplesmente deu de ombros, como se estivesse respondendo “Sou.”

E meu pai ainda sem dizer nada. Afrouxei as cordas do meu casaco em volta do pescoço.

– Pai... – engoli em seco – Eu só quero dizer que... Vencemos o processo. Pitch estava trabalhando com downloads ilegais. Eu ganhei meu emprego de volta ! – fiz uma pausa – Eu sei que não devia ter saído daquele jeito, e que eu menti e...

E ele ergueu sua enorme mão, fazendo sinal para que eu parasse de falar.

– Jack. - sua testa estava franzida – Eu estava em meu escritório hoje... Pensando se tinha agido com você da maneira correta. Fui até seu quarto para conversar, mas descobri que você tinha fugido de casa outra vez. – ele juntou as sobrancelhas. - A única explicação que tive foi isso. – e ele tirou do bolso da calça um papel de caderno dobrado.

Meu coração batia loucamente, não sabia o que fazer. Meu pai deu um passo a frente.

– Fiquei furioso quando li isso. Sabe por quê ?

Respirei fundo e balancei a cabeça negativamente, sem conseguir olhá-lo nos olhos, pronto para que ele soltasse os cachorros.

– Porque percebi que estava sendo um péssimo pai.

Levantei a cabeça rapidamente, confuso.

– O quê...?

– Te forcei a continuar naquele emprego que sabia que você odiava. Não dei atenção ao que meu próprio filho sentia. E você tentou depois disso tudo recuperar esse emprego só para... me agradar ? – ele suspirou – Me desculpe, filho. Por ter sido tão injusto.

Não dava para acreditar. Estava pronto para o maior esporro da minha vida e de brinde uma surra bem dada, mas ele estava... se desculpando ?! Olhei por trás do ombro e vi Fergus envolvendo Merida com um de seus enormes braços, e os dois nos olhando com sorrisos.

Meu pai não era muito de desculpas, nem de abraços, nem de nada muito relacionado a afeto. Era um cara um tanto assustador – tatuado, barbudo, etc – E que eu nunca tinha coragem para falar nada.

E para me deixar ainda mais surpreso, ele sorriu. Meu velho sorriu. E não era um sorriso do tipo “vou te matar”, era sincero.

– Não vou mais te forçar a ficar no emprego que você detesta. Você pode arranjar outro onde você se sinta mais feliz. Quem sabe até mais perto da sua... amiga. – e lançou um sorrisinho para Merida.

– Pai... Eu... – estava estarrecido demais para falar ou fazer qualquer coisa. – Eu... não sei o que....

– Se abracem logo ! – Merida gritou por trás de mim, dando pulinhos.

Nos olhamos mais uma vez e pela primeira vez em bastante tempo, nos abraçamos. Caramba, tinha esquecido que sensação boa era de abraçar aquele gigantão. Fomos até aplaudidos pelos DunBroch.

Assim que me desvencilhei dele, me veio uma ideia na mente que eu não acreditava que não havia aparecido antes. Abri um sorriso e olhei para os três, iluminado:

– Pensei no emprego perfeito.

(...)

Três meses depois

O clima naquele lugar era de festa. Finalmente, depois de tanto trabalho para mudar tudo, tantas noites em claro e tantas discussões com minha sócia, a inauguração estava acontecendo. Uma música alta tocava, salgadinhos e bebidas eram distribuídos, e todos lá dentro conversavam animadamente.

Enquanto eu andava até a porta, algumas mãos iam me puxando me fazendo perguntas ou me parabenizando pelo trabalho. Era tão bom estar com todos lá, Mavis, Tooth, Mond, meu pai, todo mundo tinha vindo para a inauguração.

Mesmo com toda aquela alegria lá dentro, saí da loja para apreciá-la por alguns segundos do lado de fora. O letreiro dizia, em uma mistura de letras modernas com clássicas, em neon : “Jack & Ellie’s Video Store”.

Depois que acertei as coisas com meu pai, e ele permitiu que eu largasse o emprego no Netflix, me lembrei da locadora que ficava perto da casa de Merida, cuja dona era uma velhinha muito simpática e que ajudou a encontrar Ursa. Conversei com ela sobre a proposta de me contratar para promover sua marca e ajudar a atender, e ela ficou tão empolgada que logo quis me fazer sócio. Era arriscado começar um negócio que competia com os filmes online, mas com toda a minha experiência resolvendo problemas no passado e sabendo de todos os podres do Netflix, foquei nos benefícios dos bons e velhos DVDs nas promoções, e bem, já havia começado com sucesso.

Depois de alguns minutos olhando para aquela loja cheia de gente animada, senti meu celular vibrando na calça. Quando vi quem era, dei um sorriso.

– Alô ? – disse a voz do outro lado da linha – Eu gostaria de falar com Jack, o cara do Netflix.

Dei risada e respondi:

– Jack não trabalha mais lá, mas em que posso ser útil, moça ?

– Bom, estou com um problema.

– E qual seria esse problema ?

– Estou dentro da inauguração da loja do meu namorado e ele não está aqui comemorando comigo.

– Isso é um problema grave... – falei, brincando. – Vou providenciar para que ele apareça aí o mais rápido possível.

– Obrigada. – e desligou.

Foi minha deixa para voltar para dentro da locadora, onde minha linda ruivinha me aguardava com os braços estendidos. Sem pensar duas vezes, corri até ela e levantei-a do chão, beijando-a com vontade, entre sorrisos.

– Olha... mesmo que você fique trilhonário com esse novo emprego, ou decida virar veterinário de ovelhas um dia, você sempre será o cara do Netflix. – Merida comentou, rindo, e me deu um selinho.

– Eu sei. – falei, envolvendo-a novamente e puxando-a para mais perto – E mesmo você agora falando numa boa com toda essa gente, sempre será minha sociopata favorita.

Beijei-a novamente, acariciando seus cabelos cor de fogo. Estava tudo bem até sermos interrompidos por Astrid e Soluço nos abraçando entre risadas e colocando Ursa para nos encher de suas lambidas babadas.

Ah, quem eu estou enganando ? Não estava tudo bem, estava tudo perfeito. Finalmente.

E pensar que tudo aquilo começou com uma simples ligação.

~

FIM.


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Notas finais do capítulo

Pois é, pessoal... infelizmente, nada dura pra sempre ! Eu amei muuito escrever essa fic, até porque Jarida é meu ultimate OTP, e fiquei muito feliz com todos que comentaram ! Vocês me deixaram ainda mais animada para continuar a história ! Ela originalmente teria 2 capítulos, mas olha só como terminou, hehe ^^
E fiquem atentos pois eu pretendo começar outra fanfic, dessa vez com o Big Four todo o/ E quem sabe, no futuro, Netflix Guy ganhe uma segunda temporada ?
Novamente obrigada pelo carinho ! Kissus ! :3