Netflix Guy escrita por Roni Ichiro


Capítulo 4
Vômito, gritaria e sumiço




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Sabe quando você está tão ansioso pra que algo aconteça, e fica imaginando a cena mais perfeita na sua mente para quando acontecer ? Pois é, foi assim comigo. A casa de Merida ficava a mais ou menos três horas da minha, então tive bastante tempo para pensar em como seria nosso primeiro encontro, digo, a primeira vez que nos víssemos cara-a-cara. Esperava que ela fosse ficar brava, mas depois que eu contasse o que aconteceu de verdade ficaria alegre e me agarraria de jeito (ah, isso seria legal...).

Mas não foi bem assim.

Estava suando frio quando cheguei até sua porta. Conferi três vezes a mensagem que o amigo de Mond me mandou para ver se era aquela casa mesmo. Estava tocando uma música bem alta, o que me deixou tranquilo e preocupado ao mesmo tempo. Obviamente estava tendo uma festa ali, então os pais dela não iriam estranhar mais um adolescente aparecendo lá, mas ao mesmo tempo ia ser complicado encontrá-la no meio de tanta gente. E se elas tivessem chamado as primas distantes da Escócia, todas ruivas de olhos azuis ?!

Respirei fundo e torci para o melhor. Reuni toda a minha coragem e toquei a campainha. Esperei alguns minutos e vieram abrir a porta.

E adivinha quem abriu ?!

Lá estava ela. Era pequena, tinha cabelos cor de fogo enormes e cacheados, dois olhos azuis muito claros e grandes, e usava um vestido verde de mangas compridas. Como ela era linda. Não sei como, mas senti que mesmo se tivesse um pelotão de ruivas na casa, ainda a reconheceria. Percebi isso da maneira perplexa que ela olhou pra mim.

Não pude evitar de dar um sorriso. Nem dava para acreditar que ela estava na minha frente. Merida, a garota solitária e engraçada com quem eu passei a noite passada conversando sem nem imaginar que estaria aqui agora.

– Merida.... É você !

E foi aí que aconteceu. Nem consegui dar um passo para dentro da casa, só a vi jogando a cabeça para baixo e botando as tripas pra fora praticamente em cima dos meus sapatos, depois caindo desmaiada para trás.

Por um momento pensei que a culpa era a minha e quase tive um ataque de pânico. Será que ela se assustou com a minha aparência ? Nah, não podia ser isso, eu sou lindo ! Então... será que foi tão inesperado que eu aparecesse que ela acabou enfartando de surpresa ?

Meu Deus, matei a garota.

Mas felizmente meu sensor de ridículo despertou e eu assumi que alguém bebeu álcool demais naquela noite.

Ok, tudo bem, ela tinha vomitado e desmaiado sem nem dizer oi. Nada de pânico. Eu só tinha que leva-la até algum lugar onde ela pudesse se lavar e descansar. Mas onde ?!

Respirando pela boca – porque aquele cheiro vindo dos meus sapatos estava tenso, tanto que não aguentei e larguei-os na entrada da casa mesmo- Ergui a desacordada e entrei na casa. Ninguém, absolutamente ninguém reparou na minha presença, de tão bêbados que estavam.

Mentira, uma garota reparou. Ela estava perto das escadas, rindo bastante, mas ficou séria quando nos viu. Era ainda mais baixinha que Merida, seu cabelo loiro estava trançado, e os olhos...não consegui ver, porque estava muito escuro.

– MERIDA ! – ela gritou, correndo até nós – O que aconteceu ?! Ela está bem ?!

– Está... – falei, me afastando um pouco, ates que mais uma bêbada vomitasse em mim – Só bebeu demais.

– Ai, meu Deus ! É tudo minha culpa ! Eu que falei pra ela beber ! – ela falou, nervosa, quase arrancando os cabelos.

– Relaxa, moça... – falei, um pouco assustado – Leva ela lá pra cima, ela precisa de um banho. – fiz uma careta, olhando pros meus sapatos.

– Tudo bem. Soluço ! – ela puxou pela camisa um garoto magrelo, de cabelo castanho e sardas.

Soluço ?, estranhei o apelido.

Acho que ela esperava que ele fosse ajudar, mas o moleque estava trêbado. Segurava uma garrafa de vodka nas mãos e a beijava, e depois do puxão na camisa, deu soluços entre risadas e caiu no sofá.

Ah, Soluço, agora saquei.

– Porra ! – a garota loira gritou, irritada – Tá, você me ajuda então. Vem aqui ! – E correu escadas acima.

Subi cuidadosamente as escadas, até chegarmos em um quarto. Ele era todo decorado com quadros de cavalos de corrida, rascunhos de desenhos espalhados e DVDs da Disney. Assumi que era o quarto de Merida.

O que me deixou extremamente envergonhado.

Claro, já estive no quarto de uma menina antes ! Aliás, já fiz muitas coisas em um quarto de menina, mas era estranho estar no da Merida !

Enquanto a deitava na cama, escutei a menina falando atrás de mim :

– Valeu, cara. Vou dar um banho nela agora.

– Ok. – dei meia volta e caminhei até a porta.

Antes de sair, a garota perguntou :

– E quem é você, mesmo ?

– Um...amigo da Merida. Jack Frost, prazer.

Estendi minha mão, mas em vez de apertá-la como qualquer ser humano normal, a baixinha me deu um belo soco na cara.

– Você ! – ela falou, com ódio nos olhos – Você é o babaca que quebrou o coração da minha irmã !

Meio zonzo – cacete, que poder aquela mão minúscula tinha ! – e esfregando o nariz, dei um passo para trás e fui tentar me explicar.

Então Merida tinha falado de mim para alguém ? Caramba, que vergonha de não ter ligado para ela antes...Não achava que ela ficaria tão magoada..

Mas espera, irmã ? Então ela era a tal Astrid ! A que comprou a cadela do Sandy !

Minha vontade era de abraçar a menina e agradecer por ela ter feito aquilo há tanto tempo atrás, mas achei melhor não me aproximar, já que ela estava pronta para me dar um chute no saco.

– Eu posso explicar ! – falei, tentando me proteger de outro golpe – Eu trabalho no Netflix, e...

– Caguei pra onde você trabalha ! – ela avançou para cima de mim

– Espera ! – segurei o bracinho magro da garota – Eu conheci sua irmã – falei, enquanto desviava dos socos que o outro braço tentava dar – Ontem porque ela ligou para o atendimento ! Ficamos conversando e eu acabei me interessando por ela – opa, quase que ela acerta minha barriga – Mas meu chefe desligou o telefone antes que eu pudesse marcar de encontra-la !

Ela parou de se debater e de tentar me acertar ao ouvir aquelas palavras.

– Então...a culpa disso não foi sua ?

– Não ! – falei, um pouco mais aliviado – Por que eu teria o trabalho de descobrir onde ela morava e de ter vindo até aqui se não tivesse gostado dela ?

– Isso...Faz sentido... – ela disse, me encarando – Espera, como descobriu onde a gente morava ?

– Por causa da sua cadela Ursa.

Ela arqueou uma sobrancelha, confusa.

– É uma longa história. O que importa é que eu quero que dê certo entre a gente.

Astrid deu um meio-sorriso.

– Ela ficou muito bolada achando que você era o culpado. Deu pra ver na cara dela o quanto tinha gostado de você.

Sorri também, foi bom ouvir aquilo. Quer dizer, a última parte. Não foi bom ouvir o quanto ela ficou bolada, óbvio. Se bem que por minha causa... Não, não, é maldade pensar assim.

– Eu vou acordá-la, dar um banho nela e explico isso que você falou. – ela piscou – Já vou te dar uma ajuda.

– Poxa, valeu mesmo.

Ela se virou, e aquela foi minha deixa para deixar o quarto pra menina tomar banho. Ufa, que bom que tudo tinha se resolvido ! E melhor, antes mesmo de Merida acordar ! Em alguns minutos ela iria abrir a porta com um sorriso no rosto e eu poderia voltar ao que eu estava fantasiando no caminho para a casa dela.

Depois de passar um tempo encarando os quadros do corredor da casa, resolvi matar o tempo jogando um pouquinho de Doodle Jump no celular. Mas quando o peguei, vi que tinha duas chamadas perdidas...do meu chefe.

Engoli em seco. Só faltava o velho desgraçado me ligar e estragar tudo de novo.

Mas não podia ficar sem atender, senão ele me tostava vivo. Rezando para que não fosse nada demais, disquei seu número e levei o aparelho ao ouvido:

– É irônico trabalhar atendendo telefones todos os dias, mas quando é o seu, nunca atender, Frost. – ele disse, naquela voz esnobe e chata de sempre.

Respirei fundo para não mandar uma resposta malcriada praquele babaca, e disse, calmamente :

– O senhor queria falar comigo, sr. Pitch ?

– Ah, sim, eu gostaria. – ele fez uma pausa – Só avisá-lo de uma coisinha rápida. Na segunda-feira, arrume suas coisas e limpe sua mesa.

– Hã...? – perguntei, confuso.

– Está demitido, Frost.

Meu queixo caiu no chão. Então sim, o velho podia me foder novamente. Era só ele sentir a presença de uma aura feliz em mim que ele tinha que aparecer para destruí-la em segundos.

– Por quê ?! – dei um grito esganiçado sem querer – O que eu fiz de errado ?!

Ouvi uma risada sarcástica do outro lado da linha.

– Você sabe muito bem o que fez, Frost. Se não souber, pergunte à sua amiga Merida. Até. – e desligou na minha cara.

Demitido ?! Eu sabia o que tinha feito ?! E onde Merida entrava nessa história ?!

E de novo, tinha ido de felicidade extrema para mundo caindo. Não dava para acreditar. Ok, eu odiava aquele emprego mais do que tudo (mentira, só não mais do que aquele chefe do inferno), mas não podia sair daquele jeito ! Puta merda, o que meu pai iria dizer quando soubesse daquilo ?! Eu estava ferrado. F-E-R-R-A-D-O, com todas as letras.

Mas afinal, o que Merida tinha a ver com aquilo ? Se fosse para me demitir no dia em que fiquei conversando com ela, ele teria feito aquilo logo ! Eu não pisei mais na bola depois ! Então por que estava sendo mandado para a rua ?!

E nesse momento de tantas dúvidas e angústia, a porta do quarto se abriu. Astrid passou por mim, me deu um tapinha no ombro e desceu as escadas, para nos dar privacidade. Wow, a irmã dela era mesmo legal. E logo depois, a ruivinha surgiu e disse, com aquela voz que eu me lembrava da noite anterior :

– Jack ?

Me virei sem saber o que fazer. Merida agora usava uma calça de moletom e uma camiseta larga, nem de longe mais atraentes do que o vestidinho verde, mas senti que aquela era a Merida de verdade. E adorei ver aquilo. Só não adorei mais porque estava ocupado tendo uma crise existencial.

Reparei que ela não estava com o sorriso enorme que imaginei que ela teria quando me visse, digamos, sóbria. Havia preocupação no seu rosto, e ela me olhava quase como se...estivesse se sentindo culpada ?

– Eu preciso confessar uma coisa.

Me aproximei, curioso.

– Confessar...o quê ?

– Quando você desligou o telefone... – ela encarou o chão – Eu fiquei...tipo, muito chateada. Fiquei com raiva de você, porque achava que você tinha me iludido a gostar de você pra depois me sacanear. – ela suspirou – E hoje na festa eu acabei bebendo demais... E bem, fiz uma besteira.

Encarei-a alarmado, já imaginando sobre o que se tratava aquela besteira.

– Eu liguei pro Netflix.

Depois daquilo já deu para entender o recado. Merida falou mal de mim para as pessoas com quem eu trabalhava, e isso obviamente chamou a atenção do meu chefe. Sendo o filho da puta que ele é, usou aquilo como desculpa pra me mandar embora.

Merida levou as duas mãos ao rosto, cobrindo a vergonha.

– Jack, me desculpa ! Se eu soubesse que você fez tudo isso por mim, eu nunca teria...

Pisquei duas vezes. Precisava dar uma resposta.

Mas o que eu deveria dizer ?! Nem eu sabia como estava me sentindo naquele momento !

– Merida, aquele emprego era...importante.

E ficha caiu para mim. Eu estava bravo. Estava irritado com tudo e todos. Queria socar aquele velho desgraçado. Queria que Astrid não tivesse dado a porra da bebida pra Merida. Queria ter simplesmente ligado mais cedo e nada daquilo teria acontecido !!

– Eu sou uma idiota. Me perdoa, por favor !

E aí comecei a falar sem pensar, perdi a razão.

– Você me perdoou quando pensou que eu tinha desligado ?!

Ela me encarou assustada.

– Não se passou pela sua cabeça que alguma coisa me fez desligar ?! Eu estava trabalhando ! Aliás, quebrando todas as regras pra falar com você ! E eu venho até aqui, tenho o maior trabalho pra chegar e descobrir que você me fez perder o emprego por não ter pensado o suficiente ?! – soquei a porta atrás dela - Por ser uma bêbada burra e irresponsável ?!

E a culpa saiu do rosto dela e se transformou em raiva. Antes ela tinha recuado ao se assustar com a minha reação, mas agora estava próxima, apontando o dedo na minha cara :

– Seu grosseiro estúpido ! Em vez de tentar arranjar uma solução é assim que resolve um conflito ?! Vai me bater agora ?! – ela bufou - Eu devia imaginar que um namoro que começou no telefone não ia dar certo ! – ela bateu os pés, depois apontou para as escadas – Vai embora da minha casa agora !

E antes que eu pudesse dar as costas e ir embora do maior erro que tinha cometido na vida, Astrid apareceu atrás de mim, esbaforida, e gritou :

– Merida ! Jack ! – ela veio até nós, em pânico – Ursa fugiu de casa !

– O QUÊ ?! – Merida gritou, assustada. Me empurrou e segurou os ombros de Astrid – Como sabe que ela fugiu ?!

– Tem marcas das patinhas dela numa poça de vômito na entrada da casa ! E elas vão até a rua e depois desaparecem !

Ótimo, era só o que faltava. Gritaria, vômito e agora o sumiço da cadela. E o pior era que eu sabia que a culpa era minha.

– A porta. - pensei alto - Quanto te trouxe pra cá...esqueci de fechar...

Argh, que merda !

– Deixou minha cadela fugir ?! - ela gritou

– Você me fez ser demitido !

– EI ! - Astrid berrou, nos chamando a atenção. - Agora não é hora pra isso !

Merida passou por mim e correu até as escadas.

– Vamos, Astrid !

– Eu não posso ir com você ! Não posso sair daqui ! Quem vai tomar conta da casa ?!

Engraçado ela falar isso quando há meia hora atrás estava quase caindo de tão bêbada e não se importando com estranhos entrando na própria casa.

Mesmo querendo ir embora de lá, vi que não tinha escolha. Não podia deixa-las na mão. Até porque aquele cachorro foi muito importante na história toda. E é um cachorro, não se nega ajuda a um cachorro.

– Eu vou com ela. – disse para Astrid.

– Não vai mesmo ! – Merida rosnou

Astrid nos encarou confusa. Não esperava que as coisas tivessem tomado aquele rumo. É, nem eu nem Merida esperávamos também.

– Vou sim, e você não pode me impedir. Não me importo em pausar a briga pra achar sua cadela.

Mal-humorada, Merida concordou. Naquelas circunstâncias, toda ajuda era bem vinda. Mesmo vindo de mim.

– Nós achamos Ursa... – ela me encarou, com ódio – E você dá o fora daqui, e some pra sempre da minha vida. Combinado ?

– Combinado. – apertamos as mãos formalmente, depois partimos para a busca da cadela obesa.


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Notas finais do capítulo

ah, brigas... agora virou Jarida de verdade ! kkkkk



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