Dimitrius não moveu nenhum músculo quando sentiu um vento se debater contra suas asas, um vento que era causado por outras asas ao invés do clima terrivel que se ponderou do inferno. A tempestade tinha surgido no meio da madrugada e em nenhum momento ela havia dado trégua para que a busca por Niffie pudesse ser normalizada.

Nas dimensões em que imortais viviam as tempestades sempre eram mais fortes do que naquela em que os humanos existiam. Dimitrius sempre desejou saber o por que disso, mas infelizmente tudo que envolvia a natureza não estava ao alcance dos arcanjos. Gaia era a única que compreendia esse assunto em particular desde que ela era a natureza em si, mas também não ajudava em nada quando não compartilhava os seus segredos.

Dimitrius já teve imagens em sua cabeça que focava em um sequestro da filha dos elementos para descobrir os seus segredos em quanto a torturava para começar a falar, contudo, ele sabia que isso significaria problemas com os anciões e o arcanjo da humanidade não pretendia ser o primeiro a conhecer esses velhos que os colocavam na linha sem ao menos aparecer em suas visões. Se Gaia dizia que eles existiam, ele acreditaria. Afinal, até mesmo a filha dos elementos, o ser mais poderoso e antigo que existia, parecia temer os anciões.

Não seria um mero arcanjo da humanidade que questionaria a existencia deles.

O anjo fechou seus olhos por um momento, as gotas que caiam sobre a sua pele eram irritantes demais para conseguir se concentrar, mas isso não atrapalhou totalmente. E quando estava fechado entre as paredes de sua mente, ele procurou pela alma branca e brilhante entrelaçada com a escuridão na teia que foi formada por almas das pessoas que Dimitrius mais confiava. Achá-la não foi dificil, almas de arcanjos nunca se escondiam e a de Meridius não era diferente. No entando, no meio daquela bolha, que parecia ter sido feita com um cristal fino e delicado, deveria existir outra bolha com outra cor. A cor azul e brilhante que mostrava quem realmente era Niffie.

Mas como a ligação que mantinha suas almas unidas havia sido destruída, não importava o quanto Dimitrius vasculhasse a sua teia, ele não conseguia encontrar Niffie. E no momento que seus olhos voltaram para a alma de Meridius, ele pode ver que a alma do seu irmão mais velho havia se tornado incompleta. A névoa escura que cercava o branco puro dos seus sentimentos mostrava que Meridius estava sofrente em silencio e lutando para admitir a si mesmo que sua esposa ainda estava viva.

Dimitrius abriu seus olhos no momento em que sentiu uma asa tão molhada quanto a sua tocar suas penas empapadas pela água. Meridius havia se aproximado sem qualquer anuncio, mas isso não o assustou. O arcanjo da humanidade confiava sua vida nas mãos de seus irmãos, então não havia motivos para sustos quando Maximus ou Meridius estavam por perto. E desde que não se importava com sua própria família tocando em suas asas, ele não se afastou.

— Chega de bisbilhotar.— Foi um aviso frio.— Eu lembro claramente da nossa mãe nos ensinar a não ficar encarando as almas que começam a fazer parte das nossas teias.—
— Eu esqueci os bons modos quando me tornei arcanjo de uma raça tão mentirosa quanto imortais orgulhosos.—
— Você seria ainda mais grosseiro se tivesse assumido o posto de um arcanjo do paraíso.— Falou Meridius calmamente.— Anjos e angelicais constantemente vivem na ilusão de que são perfeitos e não cometem erros.—
— Aparentemente Maximus parece ser o único que saiu ganhando já que no inferno não existem mentiras e máscaras.—
Meridius suspirou e encarou as tropas de anjos que estavam sob suas ordens, seus tenentes se destacando entre todos os soldados devido ao simbolo que era marcado em suas peles quando assumiam o cargo daqueles que conseguiam a confiança do arcanjo que governava o paraíso.

O simbolo que demonstrava a lealdade dos tenentes ao seu arcanjo sempre havia sido feito com seus poderes, sendo os arcanjos os únicos capazes de deixar qualquer tipo de marca em um imortal. As linhas ressaltadas de uma cicatriz causada por uma queimadura muito forte ficava exposta para qualquer um que desejasse ver, no centro da nuca de cada um daqueles que seu irmão mais velho considerava confiavel existia o circulo perfeito e dentro dele estavam as linhas em diagonal que o cortavam.

E o significado desse simbolo era tão simples como o desenho. Cada um desses homens que haviam sido marcados com esses traços, morreriam por Meridius sem perguntar o motivo disso. Dimitrius não questionava esse significado de maneira alguma, pois esses soldados eram tão assustadores quanto o seu irmão, eles se entendiam melhor do que ninguém. Além do mais, Dimitrius conhecia esse tipo de lealdade desde que possuía seus próprios tenentes.

— Maximus sempre foi o mais sortudo entre nós.— Seu irmão falou depois de um tempo.— Até uma humana aparecer em sua vida.—

Dimitrius não sabia ao certo se Meridius estava sendo cruel ao dizer isso, mas ele sabia que o outro arcanjo estava dizendo nada mais do que a verdade. Afinal, desde que Ellylan apareceu na vida deles tudo havia se tornado uma grande bagunça no inferno. No entanto, o arcanjo da humanidade não a culpava, na verdade, tudo o que ele tinha para dizer era obrigado. Sem essa humana na vida de Maximus, ele provavelmente seria tão vazio de sentimentos quanto o vácuo. A loucura já teria o alcançado e expulsado seu irmão que sempre foi o mais humano entre eles.

— Eu estive fazendo algumas pesquisas,— Dimitrius admitiu.— Talvez exista uma forma de mandar Ellylan para a dimensão que pertence.—
— Acredito ter ouvido você dizer que ela morreria se isso ocorresse.—
— Ellylan não é mais humana, Meridius, nós temos que parar de nos enganar sobre isso.— O arcanjo disse algo que ninguém teve coragem de libertar dos pensamentos. Ellylan era um mistério até mesmo para os arcanjos e esse assunto os deixavam cautelosos demais. Um erro fatal, desde que esse sentimento não podia fazer parte da atitude de governadores.— Seu corpo é forte o suficiente agora.—
— Maximus sabe sobre isso?—
— Não.— Dimitrius respondeu sua pergunta, ocultando o motivo de ainda não ter ido atrás do seu outro irmão para conversar sobre a sua humana.

A verdade era que o anjo não queria dar a escolha para Maximus de perder a única pessoa que ele havia desenvolvido sentimentos depois de séculos fechado em um lugar tão desconhecido e sombrio. Sua própria mente havia se tornado perigosa e Ellylan conseguiu modificar isso sem qualquer tipo de esforço. Dimitrius não queria ser aquele que destruiria seu irmão.

— Vamos nos manter em silencio por enquanto.— Meridius falou.— Max já está lidando com muitas coisas para ter que passar por outra decisão como essa.—
— Você acha que Ellylan escolheria voltar para o seu mundo depois de saber sobre o seu passado?— Dimitrius perguntou, não conseguindo manter essa pergunta para si mesmo quando ela o incomodava demais.
— Você acha que ela gostaria de viver para sempre entre imortais que apenas conhecem a crueldade?— Seu irmão o respondeu com outra pergunta.— O fato é que Ellylan conheceu o inferno de quando se esta viva e de quando se esta morta... Não será uma decisão fácil.—

Naquele momento, um trovão seguido de um raio cortou o céu do inferno, o eco do barulho tão grande fez com que o chão tremesse a baixo de seus pés. Dimitrius viu o corpo de Meridius se tornar tão rigido quanto uma pedra, suas mãos fechadas em punhos como se estivesse se segurando para não ter uma descarga de poder devido a sua ira que o levava a perda de controle.

Foi então que o arcanjo da humanidade se lembrou o por que de seu irmão mais velho ficar tão irritado com um simples trovão que não possuía nenhum significado para mortais ou imortais.

— Niffie ficará bem, Meridius.— Foi tudo o que Dimitrius falou para confortar o outro arcanjo, não tendo certeza de que suas palavras seriam reais, mas sendo a única coisa para dizer naquele momento. Assumir que a imperatriz do paraíso estava viva era melhor do que acreditar que todos estavam atrás de um corpo sem vida.
— Não posso acreditar que isso está acontecendo novamente.—

Antes queMeridius e Niffie se casassem, a imperatriz do paraíso já havia sido sequestrada por anjos que tinham o intuito de atingir os antigos arcanjos que governavam as dimensões. Naquela época, seu pai possuía uma grande amizade com os pais de Niffie e desde que era impossivel tentar prejudicar filhos que assumiriam o poder de imperadores mais tarde, os sequestradores decidiram prejudicar aqueles que eram mais vulneráveis. No caso, Niffie.

O sequestro não durou mais do que um dia, mas para Niffie havia sido uma eternidade.

Os anjos que a sequestraram colocaram seu pequeno corpo dentro de uma caixa feita de madeira e cavaram um grande buraco para guardá-la a baixo da terra, Dimitrius não podia imaginar o tamanho do desespero que isso causou na imperatriz do paraíso, mas sabia que consequencias existiam até hoje.

O dia em que ela foi sequestrada era lembrado pela enorme tempestade que atingiu as dimensões sem nenhuma piedade e para Niffie, que não podia ver nada além da escuridão de estar a baixo da terra, era lembrado pelos trovões.

Já havia se passado muito tempo desde aquele dia, eles não passavam de meros adolescentes quando o inferno virou um caos com a ira de seu pai por terem mexido com a filha do seu melhor amigo. E até hoje os anjos envolvidos no sequestro estavam enterrados vivos próximos ao castelo de Maximus, sendo viver a eternidade a baixo da terra o castido deles. A punição era tão cruel como o crime deles, assim como o trauma que existia dentro do coração da garota que havia servido como uma ferramente de vingança.

E Niffie estava passando por outro sequestro novamente, correndo o risco de se traumatizar ainda mais agora que estava longe daqueles que a amavam. Dimitrius não entendia ao certo qual era o sentimento que Meridius possuía por ela, mas sabia que seu irmão a amava e esse sentimento era o suficiente para deixá-lo desesperado para encontrá-la. Além do mais, mesmo que Niffie não significasse nada para Meridius, ainda era o dever do arcanjo do paraíso cuidar dos angelicais, desde que essa raça pertencia a essa dimensão tão complexa.

— Nós iremos encontrá-la.— Dimitrius quebrou o silencio entre eles.— Maximus e eu não iremos desistir dela tão fácilmente quanto você imagina.—
— Eu sei que vocês nunca desistiriam de Niffie, mas me assusta o modo em que vamos encontrá-la.—

Dimitrius não tinha resposta para dar ao seu irmão quando compartilhava a mesma opinião. Uma semana havia se passado e eles continuavam sem noticiais de Niffie, o vinculo que a mantinha ligado com Meridius estava quebrado e no mundo deles isso significava a morte de seu parceiro. No entanto, ainda era dificil acreditar que ela estava morta, mas era ainda mais dificil crer que a imperatriz do paraiso estava bem.