Proteção escrita por SatineHarmony


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Entãão, eu faço a mínima ideia se alguém lerá isso .-. Mas, mesmo assim, uma palavrinha: aviso para spoilers dos bad ends do jogo (dos dois).



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— Eu acompanharei de agora em diante todas as sessões de terapia em grupo coordenadas por Toue-sensei, incluindo as de vocês. — o homem de jaleco deu um sorriso amarelo enquanto apresentava-se — Prazer, eu me chamo Ren.

Apesar da sua simpatia, ele foi completamente ignorado pelos cinco pacientes sentados em carteiras escolares dispostas no formato de um círculo. Toue pareceu não preocupar-se em criticar a nossa falta de recepção, continuando a entregar as telas em branco e pincéis para nós. Ele colocou uma pequena mesa de plástico com potes de tinta de diferentes cores no centro da roda.

Suspirei com isso — arte terapia, essa era a técnica usada por Toue-sensei para "enxergar através de nós", "ler nosso inconsciente". Em outras palavras ele analisava as esculturas e desenhos feitos por nós para "compreender-nos melhor".

— Hoje nós praticaremos pintura! — a sua voz estava sempre animada, mesmo quando notava o nosso infinito desinteresse por qualquer coisa relacionada a ele e à maldita clínica na qual fomos presos. — Usem seus pincéis e ilustrem a primeira imagem que vir à sua mente. — com isso Toue-sensei recolheu-se, sentando ao lado de Ren-san no fundo da sala. Ele pegou a sua agenda, começando a fazer anotações enquanto nos observava atentamente. O jovem com cabelo azul-marinho permaneceu em silêncio ao seu lado, como se quisesse passar despercebido.

O único que ficou verdadeiramente entusiasmado com a "tarefa do dia" foi Clear, que pegou várias tintas e começou a pintar enquanto cantarolava aos sussurros mais uma de suas canções. Aos poucos eu e os outros nos aproximamos da mesa de tintas, e apenas notei o que havia pintado quando Noiz aproximou-se de mim para pegar o pote de tinta preta que estava sobre a mesa da minha carteira.

Minha tela estava completamente preenchida por três grossas faixas — uma azul-escuro, outra preta e a última branca. Franzi o cenho — eu não me lembrava de ter começado nem terminado a minha pintura. Estalei a língua e balancei a cabeça, como se quisesse afastar os pensamentos perturbantes que ocupavam-na — perda de memória, eu sabia quem estava por trás disso.

Quando todos nós acabamos, penduramos nossas telas na parede do fundo do cômodo, como Toue-sensei sempre nos instruía. Meus olhos foram atraídos pelas ilustrações dos outros: Clear pintara sacolas plásticas contra um fundo azul — ou seriam águas-vivas? —, ao lado havia uma tela completamente negra pela tinta preta — Noiz, com certeza —, outra tinha flores de cerejeira acompanhadas de um pôr-do-sol carmesim — vermelho? Sem sombra de dúvidas Koujaku —, e havia uma floresta verde, que só reconheci como obra de Mink por eliminação.

Antigamente Toue-sensei costumava pedir para que nós adivinhássemos o significado por trás da arte de cada um, porém após três episódios de discussões que resultaram em brigas violentas — geralmente os envolvidos eram Noiz, Koujaku e Mink —, ele desistiu da ideia.

Ao fim da terapia eu fui o último a sair da sala. Eu estava na soleira da porta quando escutei o meu nome ser chamado por uma voz baixa e grossa:

— Seragaki Aoba.

— Sim? — parei de andar. Toue-sensei, que estava analisando as nossas pinturas, olhou-me com uma sobrancelha erguida. Não prestei atenção nisso, prestando atenção no recém-psiquiatra que passou por mim. Ele fez um gesto para eu segui-lo:

— A partir de agora eu tratarei das sessões de terapia particular que você tinha com Toue-sensei. — informou, e estendeu a mão para cumprimentar-se, mas teve a resposta prevista:

— Por quê? Por acaso eu sou tal caso perdido que Toue desistiu de mim? Ele não é capaz de me "consertar"? Hehe, parece que eu sou complexo demais para Toue-chan. — os olhos estreitaram-se.

Ren engoliu em seco ao notar a mudança de atitude do seu mais novo paciente. Decidiu agir indiferente:

— Eu não possuo uma sala própria, diferente de Toue-sensei — frisou o honorífico respeitoso —, portanto nós devemos arranjar um lugar para realizar as sessões.

— No meu quarto. — falei, e logo tratei de justificar-me, com medo que ele me entendesse mal: — Quero dizer, tem que ser um lugar privado, porque eu não gosto que me escutem durante a terapia... — pus a mão na nuca, sem jeito.

— Não tem problema algum. — assentiu, com um estranho sorriso aliviado. Franzi o cenho com isso. — Eu tentarei ajudá-lo ao máximo com seu distúrbio de personalidade. — prometeu Ren-sensei, com uma esperança infantil em sua voz.

— Boa sorte, doutor. — fui franco, e dei-lhe as costas.

* * * * *

— Eu estava lendo os relatórios de Toue-sensei, e havia várias anotações sobre pesadelos. Gostaria de falar sobre isso comigo?

Ren estava sentado sobre a cadeira da minha escrivaninha, próximo à cama na qual eu estava deitado, servindo de divã improvisado.

— Não é nada demais — fiz desdém — Apenas ficamos surpresos com a nossa imaginação. — expliquei, e senti expectativa emanar dele, estimulando-me a continuar falando: — Num deles nós perdíamos a cabeça; um maníaco que desejava ficar conosco para sempre nos decapitava. Noutro uma pessoa nos tocava, e causava machucados em nós. Já fomos desmembrados e cegos. Um dos piores é no qual nós somos devorados, feito comida de cachorro. — senti um calafrio atravessar minha espinha. — Mas, sem dúvidas, o mais estranho é o pesadelo no qual nós... — pausa — Ele domina o mundo, não sei como explicar. Ele cuida de uma besta enjaulada, uma besta com forma humana.

A caneta de Ren parou de escrever na prancheta que segurava:

Ele? — franziu a testa.

Inspirei fundo, minhas mãos estavam trêmulas, e meu cabelo na nuca começava a ficar umedecido pelo meu suor nervoso.

— Ele... — hesitei — Shiroba.

— Shiroba, sua outra personalidade?

— Como assim minha outra personalidade? — bufei, tentando ignorar a minha inquietação — Shiroba não é nada "meu", nós apenas vivemos juntos. Nós estamos juntos acho que desde sempre. — meus dedos mexiam compulsivamente na borda da colcha de crochê da cama.

— Pare com isso, pare de usar "nós". — aconselhou. — Mas por que Shiroba?

— Seus cabelos são brancos. — tive vontade de revirar os olhos com a pergunta desnecessária. — Deixe-nos em paz, por favor. — suspirei.

— Pare de usar o plural — repetiu —, você é apenas um, Aoba. Shiroba não existe, ele é uma ilusão criada por você.

— Você acha que eu não sei disso? — estalei a língua, impaciente. — Senhor doutor...

— Você pode me chamar de Ren — comentou, interrompendo-me. Ignorei-o:

— ...Nós estamos bem, por favor. Eu tomo meus remédios, mas adianta de nada. Eu e Shiro estamos bem juntos, ele me protege. — passei as mãos pelo meu cabelo azul, desesperado. Ren pareceu sibilar com a última parte:

— Aoba, a mudança não é de um dia para o outro. Persevere que você colherá os frutos, eu suplico — curvou-se parcialmente sobre mim, mas logo voltou ao seu lugar —, faço isso apenas para ajudá-lo.

Ajudá-lo? Você acha que está ajudando Aoba assim, Ren? — suas palavras eram tingidas de desprezo — Ele está preso a um fotofóbico que está internado por livre arbítrio, um bipolar que extrema entre silêncio e raiva, um bulímico vaidoso e um agorafóbico fechado a tudo e a todos. — Shiroba contou nos dedos as figuras — Ele está enlouquecendo graças a esses loucos, e depois vem correndo chorando para mim. Afinal, Aoba aceitou-me, mas rejeitou você, não é, Ren? — sorriu, cínico.

Pisquei os olhos, como se tivesse acabado de acordar. Droga, o que acabara de acontecer? Eu não me lembro de nada. Tomei minha decisão:

— Você perturbou Shiroba. Saia do meu quarto. Agora.

O psiquiatra foi embora, derrotado. Suspirei, jogando-me na cama, exausto.

Shiro, o que você fez?...

* * * * *

Dois dias passaram-se. Duas sessões privadas com Ren — eu me esforçava ao máximo para falar no singular, por mais que não tivesse desistido de Shiroba. Duas sessões de arte terapia com Toue-sensei e um Ren silencioso e observador ao fundo — Toue olhava-me com decepção, e novamente temi que Shiroba tivesse feito algo.

* * * * *

À tarde a maioria dos pacientes estava dormindo — sono era o efeito colateral dos remédios tomados por quase todos aqui. Eu caminhava pelo corredor branco, passando pelos poucos que restavam despertos, e pelos funcionários — o zelador Akushima, os secretários Virus e Trip. Uma porta aberta chamou a minha atenção. Aproximei-me, reconhecendo rapidamente o dono do quarto.

Mink estava sentado na beira da sua cama, seu olhar voltado para a janela. Estaria ele apreciando a vista? Dei um passo para trás, pretendendo voltar à minha caminhada, porém Mink logo notou a minha presença quando eu me movi.

Ele ergueu uma sobrancelha que podia dizer tanto "O que foi?" quanto "Continue calado e vá embora daqui mudo".

Decidi arriscar:

— Tudo bem? — perguntei em uma voz fraca.

— Não. — respondeu, simplesmente. Ele levantou-se, andando com passos lentos até a porta. — Entre. — pediu enquanto levava uma das mãos aos seus longos cabelos cor de chocolate, tirando uma miçanga que adornava uma das mechas.

Oh, droga. Mink era bipolar, e as suas mudanças de humor eram indicadas através disso. Fechei os olhos, esperando pela sua explosão de raiva. Senti um puxão no meu pulso esquerdo, e adentrei o quarto contra minha vontade. Fiz uma careta ao ter minhas costas batidas contra uma parede próxima.

— Você não tomou seus remédios, não é, Mink? — tentei manter minha voz calma, lembrando-me das vezes que vi Toue-sensei e outros psiquiatras lidarem com seus surtos. — Você está acordado... Cuspiu os comprimidos quando o ajudante lhe deu? — raciocinei em voz alta.

— Silêncio. — ordenou, sua mão fechando-se no meu pescoço.

— Nã... — tentei protestar ao sentir o ar me deixar. Minha visão foi tomada por pontos pretos, minha cabeça começou a doer, meus membros entorpeceram-se.

O olhar de Mink me apavorava, era tal intensidade que parecia acertar até meus ossos. E então eu escutei um som de batida, e ele vacilou, recuando um passo. Seus dedos amoleceram-se, e finalmente o ar voltou aos meus pulmões.

— Mas o que?... — pisquei, tentando ver o que acontecera. — Ren?! — reconheci a cabeça azul-marinho.

— Aoba... — seu rosto pedia desculpas, e só então percebi um estranho objeto de madeira em suas mãos. E sangue.

Sangue espirrado na parede branca na qual me apoiava, em mim, em Ren. E Mink... Jogado no chão, inconsciente. Havia uma poça de sangue ao seu lado, tingindo o carpete creme.

— Ren, o que você fez? — minha voz saiu rouca. Meu rosto contorceu de terror — Merda, isso não era necessário! — entrei em pânico.

— Calma, eu posso explicar, nós... Nós...

— Não há nós aqui, há você e eu! — arrastei-me até a porta — Fique longe de mim! — gritei, esforçando-me para ficar em pé enquanto tentava cumprir a difícil tarefa de girar a maçaneta.

Segui pelo corredor com dificuldade, me apoiando o máximo possível. Vi minhas mãos colorir as paredes brancas de vermelho. Não sei como achei forças para chegar até o balcão:

— Virus, Trip, alguém!... — pedi, ofegante.

— Aoba-san! — escutei Virus chamar-me. Pus meus cotovelos sobre o balcão para sustentar-me. — O que aconteceu? — ele foi ao meu lado tentar acudir-me. — Esse sangue não é seu. — reconheceu, atônito.

— Eu estou bem — menti; ninguém poderia me dar a ajuda que eu queria no momento — Ren, ele matou Mink!

— Ren? — franziu o cenho.

— Dr. Ren, Ren-sensei, tanto faz! Ele é o novo psiquiatra que chegou há uns dias atrás. — falei, afobado.

— Nenhum empregado novo foi admitido na clínica nos últimos dez meses. — Virus congelou a sua mão que afagava minhas costas — Não é possível... Esse tal de "Ren" — ouvi aspas em sua voz — não existe.

Ren não existe.

Ren. Não. Existe.

Ren.

Não.

Existe.

— Ren... Não... Existe?! — ouvi-me dizer.

O loiro levou suas mãos às minhas, num gesto confortante.

Vi-o afastar algo do meu alcance — uma caixa de madeira ensanguentada.

A arma que tirara a vida do Mink.

Por que ela estava em minhas mãos? Desde quando...?

"Ren não existe"

Fechei os olhos, as lágrimas tão quentes quanto o sangue que me cobria.

"Prazer, eu me chamo Ren", ninguém o respondera naquela hora - nem mesmo Toue. Ninguém nunca lançara-lhe um mínimo olhar, ninguém nunca dirigira uma palavra sequer a Ren. Ninguém jamais falara sobre ele para mim, e eu também nunca me dei ao trabalho de comentar sobre as sessões de terapia.

Distúrbio de múltipla personalidade; não dupla. Aoba, Shiroba, Ren — todos lados da mesma moeda.

Razão, proteção, destruição.

Azul-escuro, preto, branco.

Aoba, Ren, Shiroba.

— Virus... Eu cometi um engano. — compreendi, e dei um sorriso, escorrendo um filete de sangue de um dos cantos da minha boca.

* * * * *

Branco, branco, branco, tudo branco.

Branco — as paredes do quarto no qual me encontrava.

Branco — a cor da camisa de força que me restringia.

Branco — a cor das mil e uma pílulas que me davam.

Branco — a cor dos meus cabelos.

Eu adorava como minha voz ecoava pelo cômodo:

— Eu avisei, Ren-chan — eu protejo Aoba melhor do que você. Graças a mim agora o temos todinho para nós para todo o sempre!


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Notas finais do capítulo

Não sei se alguém chegou até aqui, mas não tem problema, eu adoro falar sozinha -k Se você (*cof, cof* apenas hipóteses *cof, cof*) der uma relida rápida na oneshot, tipo, só ler de cima, você notará váárias dicas de que o Ren nunca existiu de verdade. Se alguém quiser se manifestar querendo saber quais são as hints e etc, sinta-se livre para assim fazê-lo que eu falo ^^



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