Capítulo 6 - Seu anjo da guarda

– Não!

Eu gritei, assim que a realidade dura bateu de frente com as minhas forças. Ou ao menos tentei, pois um segundo antes de eu entender toda aquela situação, Jack Frost já havia entendido. E me empurrado para a sombra de um armário branco no canto do quarto hospitalar e tampado minha boca. Ele ficou na minha frente, empurrando-me de modo a ficar oculta, enquanto enfermeiros entravam apressados no quarto, colocando um pano branco sobre o corpo do meu pai e tirando-o dali.

Um desespero intenso se abateu contra mim quando o quarto se esvaziou e eu já não sabia mais se chorava ou se gritava e, se Jack não estivesse me abraçando e me amparando, eu com certeza estaria destruindo o quarto em um acesso de fúria. Eu até ficaria envergonhada de estar chorando tanto em sua frente, mas, no momento, eu estava mais preocupada em dividir minhas dores com Jack, que chorava mais silenciosamente do que eu.

E então outra coisa se chocou em minha mente.

– Lily! - exclamei, afastando-me de Jack.

– O quê? - ele perguntou, confuso, e estendeu a mão para limpar minhas lágrimas.

Algo se remexeu em meu âmago com aquele toque frio, mas tratei logo de ignorar.

– Eu preciso encontrar Lily, ela pode precisar de mim!

Jack abriu um sorriso enigmático, e me segurou no colo para voar pela janela em direção à minha casa.

~*~

Jack Frost me levou direto até o quarto de Lily, mas ela não estava lá. Ela estava no meu quarto, sentada à cabeceira da minha cama e observando um porta retrato que havia na cômoda. Eu não precisava olhar para saber qual fotografia era. Eu, Lily, mamãe e papai, num parque no ano anterior, com a neve quase já se derretendo ao fundo. Era a foto mais bonita que já tínhamos tirado em família e eu quase chorei de novo quando me toquei de que não poderíamos mais tirar outra. Nunca mais.

– Lily. - chamei-a enquanto me aproximava, minha voz não passando de um sussurro.

– Angie! - ela se jogou em meus braços assim que me sentei ao seu lado.

– Lils, eu preciso te contar uma coisa. - eu disse, e ela tomou a feição comum de curiosidade de quando ouvia essa frase. - É sobre o papai. - ela não disse nada, e eu continuei. - Ele foi visitar a tia, mas terá que ficar um tempo fora. Não sei quando ele volta e não sei nem se...

– Ele morreu, Angie, eu já sei disso. - Lily foi tão dura e direta, que eu quase engasguei.

Eu não disse nada, apenas assenti e a abracei de novo.

– Não se preocupe, Lils, vou cuidar de você. - sussurrei.

– Não estou preocupada, você é meu anjo da guarda, Angie! - ela disse com tanta convicção que eu não consegui segurar o sorriso.

Ficamos algum tempo abraçadas, até que ela se afastou de repente de mim, olhando para algum lugar atrás de mim.

– Aquele é Jack Frost?!

Oh, droga! Será que ele não podia ficar um minuto sem chamar a atenção na janela de alguém?!

– O quê?! Não, imagina! - eu tentei distraí-la, mas nem sequer me virei para a janela.

– Cabelo branco, olho azul, pálido e com um cajado congelado?! Tem certeza que não é ele?! - ela me perguntou de modo sarcástico e eu fiz uma nota mental de passar um baita sermão a quem quer que tenha ensinado-a a ser assim. O pior era que eu tinha sérias dúvidas de que fosse eu mesma.

Suspirei derrotadamente, por fim, e fui até a janela. E Jack realmente estava ali. De cabeça pra baixo no topo da janela, com o capuz de seu moletom azul caído, tampando parte de seus fios brancos, mas em compensação o azul de seus olhos pareciam brilhar como holofotes. Era uma visão tão linda, tão perfeita, que eu quase fiquei ali, hipnotizada durante vários minutos, apenas o observando posar como um deus da neve. Mas eu ao menos consegui recuperar o controle antes que eu pagasse algum mico.

– Você está vermelha, Angel. - Jack disse de modo tão casual quando passou pela janela que eu quase o bati. Quase, porque não seria legal eu batendo nele na frente da minha irmãnzinha.

– Não estou, não! - insisti, talvez um pouco infantilmente, enquanto fechava a janela para evitar que a neve no parapeito entrasse.

Não que adiantasse muita coisa com o próprio Jack Frost ali no meu quarto.

– Ah, está sim! - ouvi a voz de Lily e Jack se virou sorrindo para ela.

Jack se agachou, apoiando-se no cajado, para deixar seu rosto no mesmo nível do de Lily.

– Olá, pequena, como está?

E então Lily surtou completamente. Correu até Jack e pulou em seu colo, abraçando seu pescoço com os braçinhos finos. Jack, mesmo ainda surpreso, retribuiu ao abraço meio desajeitadamente. Acho que ele nunca teve um contato completamente direto com uma criança antes.

– Você é namorado da minha irmã? - Lily perguntou naturalmente e com um brilho de expectativa no olhar.

E eu engasguei com minha própria saliva, enquanto Jack me olhava rindo. Eu tinha quase certeza que ele soltaria alguma piadinha sobre isso, só que essa pergunta me afetou tanto que eu não deixaria que algo vindo dele também me atingisse. Levar uma rejeição não é assim tão gratificante.

– Não, Lily, ele não é. - eu disse com a voz firme, e lhe lancei um olhar de "pare de insinuar que o menino lindo que invadiu meu quarto quer alguma coisa comigo além de ajuda".

Acho que pra uma menininha de sete anos, ela conseguiu entender.

– Jack, você também vai cuidar de mim junto com a Angie? - ela perguntou inocentemente para ele.

Jack me olhou confuso antes de responder. - Farei o possível, mas você já tem muitas pessoas para cuidarem de você.

– Eu sei, mas depois que papai morreu, não será a mesma coisa.

– Contou a ela? - Jack me perguntou, levantando-se.

Eu já ia afirmar que sim, mas algo me impediu. O baque de constatar que eu não havia realmente dito isso. Ela me disse que já sabia.

– Não foi ela que disse. - Lily confirmou meu questionamento mental. - Um homem veio aqui e me disse.

– Como era esse homem, Lils? - perguntei, rezando para que minhas suspeitas não fossem verdadeiras.

– Alto, pálido, cabelo preto e olho amarelo.

Eu empalideci e Jack, se já não tivesse a pele tão clara, também teria. Troquei um olhar significativo com ele, e vi que ele também tinha as mesmas suspeitas que eu.

– Lily. - virei-me pra ela e ela me olhou com expectativa. - Está quase amanhecendo e eu estou muito cansada. Volta a dormir e amanhã a gente conversa, pode ser?

Ela assentiu e abraçou Jack mais uma vez em despedida. Veio até mim e me abraçou também.

– Boa noite, princesa. - sussurrei pra ela, antes de vê-la sumir pelo vão da porta. E então eu me virei para Jack, furiosa. - Eu vou matar esse desgraçado!

– Ei, calma... - Jack tentou se aproximar para me acalmar, mas eu já tinha explodido tudo o que sentia desde hoje cedo.

– Como ele ousa matar meu pai apenas para impedi-lo de me dar uma informação e ainda aparecer na minha casa, para a minha irmã?!

Jack Frost largou seu cajado sobre a minha cama e se aproximou, colocando as mãos geladas sobre meus braços e fazendo movimentos reconfortantes. E ele parecia não ter ideia do quanto seu simples toque me fazia arrepiar.

– Ei, vamos dar um jeito. - ele disse, sorrindo acolhedor. - Com a sua ajuda, podemos derrotá-lo.

– Como? - perguntei, com a voz tão desesperada e manhosa que eu quase não a reconheci como minha.

– Primeiro vamos descobrir que informação é essa que Sophie passara a Jamie. - Jack disse, com um sorriso triunfante no rosto.

– Mas não hoje. - implorei, olhando pela janela e vendo o negro do céu se transformando em um laranja manso. - Eu não menti para Lily, estou morta, mal me aguento em pé.

Jack também virou-se para a janela e pareceu se tocar que talvez uma reles humana precisasse de intervalos menores entre o sono. Me olhou, como se desculpasse.

– Tudo bem. - ele deu um beijo na minha testa, e eu me senti arrepiando completamente pela sua proximidade. - Bons sonhos, Angel.

Pegou seu cajado, e saiu pela janela, deixando-me sozinha com meus pensamentos.