Sei que eu deveria ter saído desta cidadezinha nojenta desde que os policiais me liberaram e o serviço de seguros disse que houve perda total no meu carro. Mas a teimosia é uma grande característica minha. Então se 99,999% do meu cérebro me dizia para sair dali, eu ficava.

É quinta-feira. Na noite anterior, os policiais arranjaram uma estalagem para que eu pudesse dormir, mas decididamente eu não ficaria ali. Então agora estou no meu novo quarto, por assim dizer, em uma pensão que seria top, se comparada ao resto da cidade.

– Senhor Wight? - uma voz me chama no corredor. É a senhora Finny, dona da pensão. - O almoço está na mesa.

– Já estou indo! - respondo.

A senhora Finny é uma mulher engraçada. Baixinha, roliça, com um sorriso cativante. Acho que gostar dela foi o principal motivo para ficar alguns dias aqui.

Mentindo para si mesmo?, pergunta meu coração em apenas duas batidas rápidas.

E o rosto daquela menina volta. A menina da árvore. Ela irradia inocência, mas há algo nela misterioso. Há algo que, definitivamente, sinto que preciso descobrir. E não é só pelo fato que sou terrivelmente curioso, mas sim porque ao olhar para ela... Eu, de alguma forma, ouvi um estalo no ar, como vidro se partindo.

Olhos verdes. Incrivelmente verdes. Eletrizantes e calmos, ao mesmo tempo. Não sei como defini-los. Só sei que me perdi neles. Assim como me perderia no mar.

Balanço a cabeça, tentando clarear os pensamentos. Eu não posso ficar pensando em uma garota dessa cidade, prender-me aqui. Tenho uma vida lá fora, pessoas que estão me esperando. Lugares para conhecer, sensações para experimentar. Aqui não irei achar nada disso. Então levanto da cama, já decidido a ir embora amanhã mesmo.

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São cerca de quatro horas da tarde. Estou na sala da pensão, assistindo à TV, enquanto Finny está na cozinha conversando com outra senhora chamada Fernanda.

– Ah, Finny! Minha Liz está tão grande, tão bonita! Queria que pudesse vê-la, mas ela não gosta de sair muito - diz Fernanda.

– E Ethan, como está? Nunca mais o vi também.

– Ah, Ethan está ocupado, trabalhando com os negócios da família. Lena também está cada dia mais linda, como sempre.

Se eu ficar aqui, irei enlouquecer. Levanto-me e vou até a cozinha avisar para Finny que vou dar uma volta.

– Com licença? - digo.

– Ah, Mitchel! - Finny sorri. - Nanda, este é Mitchel. Ele chegou na cidade ontem.

Aproximo-me para estender a mão.

– Prazer.

– É um prazer, Mitchel.

– Oi... - Sorrio e solto sua mão. - Finny, irei dar um volta. Volto antes do jantar. Até logo vocês duas.

As duas acenam e eu finalmente saio da casa.

A cidade em si não é muito movimentada. Alguns carros aqui e outros ali, poucos pedestres. Noto que várias pessoas me observam. Esse é o problema de cidades pequenas. É só chegar alguém novo que eles correm para ver quem é e julgar.

Caminho a esmo pelas ruas. Passo pelo o que parece ser um supermercado, mas sua placa está pichada e agora diz Pare & Roube. Meus pensamentos vão e voltam nessa cidadezinha de fim de mundo. Como as pessoas podem viver assim?

Um vento frio passa rápido por mim, empurrando-me. Sinto que estou sendo seguido; olho para trás e não há ninguém. Por um breve instante, lembro daquelas histórias de cidades mal assombradas. Mas então começo a rir. Qual é, isso aqui é Gatlin! O que pode ter demais?!

Um arrepio desce por minha espinha. Olho para frente e me deparo com um prédio. Na sua frente, uma placa anuncia a Jackson High. Viro-me totalmente na sua direção e de novo as histórias de terror voltam à minha mente, mas dessa vez vêm com imagens macabras.

Gatlin é muito pior que qualquer cidade mal assombrada de histórias de terror. Vá embora enquanto pode.

Mas essa voz não é a minha.