Minha boca ainda está dormente do beijo de Mitchel. Seus lábios são macios e acolhedores, o que me faz sentir como se eu pudesse viver naquele beijo. Ergo a cabeça enquanto caminhamos juntos, de mãos dadas, passando pelo portal.

– Uau! - Mit exclama.

Saímos diretamente em uma sala do que parece ser uma enorme casa. Mitchel olha para todos os lados, como se quisesse absorver o máximo possível daquele lugar.

– É aqui? - pergunto timidamente.

– Não mudou nada desde a última vez que vim aqui - diz ele, soltando minha mão e andando pelo ambiente.

Um enorme sofá se estende à minha frente. À minha direita, uma lareira se coloca lado a lado com o portal por onde acabamos de sair. Uma mesa de mogno se espreguiça à esquerda e, mais adiante, duas escadas se estendem enroscando-se. O prateado e o dourado tomam conta do lugar, dando um ar sóbrio.

– Sua família tem bom gosto - comento, e Mit olha para mim, irônico.

– Como se a sua não tivesse!

Dou de ombros, analisando o espaço, com medo de tocar nas coisas. Vários quadros se estendem nas paredes, jovens sorrindo. Aparentam ser adolescentes, provavelmente antes dos 21 anos.

– Olha isso aqui! - Mitchel me chama, perto da escada.

Ele está segurando uma espécie de caderno de aparência gasta. A capa preta está cheia de riscos e marcas de dedos.

– Acho que é um diário... Olha a data. Quase duzentos anos. - comenta.

Olho para cima. Um calafrio passa por minha espinha.

– Não acha que está muito vazio? - pergunto.

Mitchel segue meu olhar. Vejo-o estremecer e instintivamente pego sua mão. Ele se vira para mim.

– Minhas tias deveriam estar aqui - fala, baixinho.

Uma sombra surge na escada.

– Corre! - grito.

Droga! Puxo Mitchel pelo braço, enquanto ele agarra o caderninho. Corremos, enquanto a sombra desce pela escada, em nosso encalço. Para um ser daquele, sua velocidade é lenta. Aquela espécie, feita do mais puro Mal, consegue qualquer coisa, em fração de segundos. Passamos pelo portal em direção a Lunae Libri, que se fecha logo depois.

– Mas o que...? - pergunta Mit, ofegante, apoiando-se nos joelhos.

– Tormento.

– O quê?

– Um ser mais próximo do puro Mal que existe. - Estremeço, lembrando que foram estas exatas palavras que Liv dissera ao meu pai, um dia. - Meu pai já encontrou com um, certa vez.

Mitchel ergue o corpo e me olha. Sinto-me nua enquanto ele me analisa assim. Encolho-me na parede, evitando encará-lo.

– O que foi? - pergunto.

– Nada.

Eu ainda não o olho. Agacho-me, apoiada à parede, e abraço meus joelhos. Mitchel se senta ao meu lado, olhando o caderninho.

– Será que há algo de importante aqui? - pergunta.

Olho para aquela capa surrada. Não há coincidências no mundo Conjurador. Encontramos esse caderno, e sei que não foi por acaso. Deve haver algo importante naquelas páginas.

– Sim, com certeza há. Só tome cuidado ao abrir. Livros Conjuradores podem ser perigosos.

Mitchel passa a mão cuidadosamente sobre a capa, e então o abre. As palavras vão surgindo aos poucos, até que possamos ler claramente:

Marcas da Meia Noite

~~

Dentro da minha alma, há um lugar que pertence a ela.

Há um lugar onde me escondo e me sinto acolhido.

Lua, ar, terra e mar...

Prestem atenção na história que irei lhes contar.

~~

Olho para Mitchel, assustada. Ele não entende. Não entende o que este pequeno trecho significa para mim. Para ele.

– O que aconteceu? - pergunta. - Você está pálida.

Baixo os olhos para o caderno, relendo aquelas palavras.

– Toda vez que se invoca a Lua, algo é levado em troca. Aprendi isso com minha mãe, com Genevieve, com a maldição da minha família - digo.

– E o que isso tem a ver comigo?

Umedeço os lábios.

– Por gerações, a troca foi a morte dos homens da sua família. A Lua sempre pede algo em troca. Isso significa que, se você viver, algo terá que se perder. - Olho em seus olhos. - Alguém terá que morrer.