O Rastro da Cerveja entre os Corvos e as Pombas escrita por


Capítulo 1
E enquanto desce, berra.


Notas iniciais do capítulo

Ninguém viu, ninguém vê, alguns verão.



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O vento do anoitecer na Rua dos Pássaros Negros descia morro abaixo e jogava as folhas para cima. O silêncio mantinha-se imaculado desde quatro horas incompletas até aquele instante. Travando a guerra sem nome por mais uma das milhares de vezes, o som da lata de cerveja acordava o meio-fio de forma ríspida e cruel, passando sobre o cigarro jogado no meio do asfalto, lhe privando da última fagulha que restava com o pouco de cerveja que ficara em seu interior depois de consumida por uma boca que ansiava pelo seu sabor amargo e fosco, um desejo forçado pelo pensamento de que tudo ficaria bem depois dos goles rápidos que atravessavam a goela do indivíduo que não sabia quantas latas deveria jogar no piche seco para que a sua angústia se despedisse com um aviso de que voltaria.

Talvez, se o som se propagasse por mais tempo, acordasse a jovem da primeira casa no fim da rua a tempo de fazê-la ver o rapaz que supostamente a amava sair pela porta com seus dois livros e dois de seus discos preferidos nas mãos e deixando sua jaqueta perfumada com um aroma madeira pra que ela se recordasse dele e tivesse um motivo para esperar que ele voltasse, ou para ir até a casa dele.

A pequena lata que descartada fora continuava a girar num movimento frenético sem aparentar querer ter fim. Uma nova placa da rua se aproximava e mostrava a dobra da esquina, que levaria o recipiente de bebida alcoólica para a Rua dos Marujos, para novas expectativas, para mais unhas roídas, armas na cabeça, dor, choro ou talvez um sorriso valioso pelo fato de a lata de pouco uso estar perturbando a calmaria do céu enegrecido com sua música incompreendida.

Mas antes que alcançasse a esquina, antes que tivesse mesmo a chance de ser reconhecida por novos ouvidos, amaldiçoada por novas línguas, a esperançosa lata para no outro meio-fio e o beija. A decepção assola junto com a tristeza que se mistura com a revolta. Por que diabos ela não merecia mais do que somente aquilo? Por que ela não podia fazer o que queria pelo menos antes que o mundo parasse sua dança desenfreada? Não se sabe o porquê. O que se sabe é que a lata continua na Rua dos Pássaros Negros. E se tem conhecimento também de que isso não é um conto sobre uma lata.

Se a senhoria decidir não acreditar nessa ficçãozinha eu não contrariarei, eu só quero que você saiba.


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Notas finais do capítulo

O que resta é chorar no escuro dos postes apagados sem Sol.



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