My Deep Mind escrita por Keli-chan


Capítulo 2
I - O Que Antes Era Feito de Sol


Notas iniciais do capítulo

A minha proposta para esses 'contos' - porque a princípio cada capítulo não terá uma continuação próxima entre si - vem da vontade de conhecer mais sobre a infância e a adolescência de nosso adorado deus das trapaças, e o que o levou a se tornar como o conhecemos hoje (Ainda mais porque não tive acesso aos HQs de Thor e afins). XD

Essa primeira parte foi baseada no mito dos cabelos dourados de Sif, então, quem tem conhecimento sobre - e quem não, disponível aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sif_(Marvel_Comics) -, vai notar algumas particularidades.
^-^"

Aos possíveis erros, desde já peço desculpas.


E boa leitura!



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I – O Que Antes Era Feito de Sol



~ Keli-chan ~




O jovem príncipe bufava baixinho enquanto caminhava com passos firmes pelos jardins do Palácio, amaldiçoando Thor e sua irredutível capacidade de irritá-lo.

Parou de caminhar diante de um alto e espesso muro de pedras, todo circundado por arbustos tão altos quanto, apenas o suficiente para espiar se algum guarda poderia notá-lo ali, e quando finalmente se viu sozinho, imergiu entre os arbustos até sumir completamente, segundos depois alcançando o limiar da liberdade que o Palácio comumente era incapaz de proporcionar, apesar de toda a sua grandiosidade.

Envolvido por um dos braços, o livro que Loki fora incapaz de terminar de ler porque o irmão mais velho simplesmente decidira atormentá-lo, jogando-se ao seu lado no banco com um enorme pedaço de pernil nas mãos, mastigando sonoramente e cuspindo os pedaços da carne quando abria a boca para recitar o que ocorrera em sua recente aventura.

Loki não queria ouvir as histórias heroicas de seu irmão mais velho. Além de ser extremamente irritante ouvir Thor se gabando de todas as suas façanhas extraordinárias, o jovem moreno não deixava de acreditar que a atitude do irmão era apenas uma forma idiota de mostrar o quão melhor ele era que Loki. E não havia nada que Loki mais detestasse do que se sentir inferior a alguém.

Ah, sim, depois de Sif.

O moreno de olhos verdes se ergueu de supetão do banco, fazendo Thor finalmente parar de mastigar a droga do pernil e olhar para o irmão mais novo com o cenho franzido.

– Fale comigo depois que terminar de cuspir comida em mim. – murmurou emburrado, já se virando para se afastar ao ouvir uma voz atrás de si.

– Pare de incomodar o Thor, criança.

Loki soltou uma exclamação de dor quando Sif lhe acertou sem piedade um peteleco no alto da cabeça, fazendo-o tropeçar nos próprios pés e quase cair de cara no chão.

– Se ele está falando com você, ao menos escute o que ele tem a dizer sem fazer essas caretas.

O jovem lançou o seu pior olhar à esguia garota prostrada orgulhosamente diante de si, as mãos na cintura, o peito inflado sobre a armadura de bronze impecável, os longos cabelos dourados presos em uma trança frouxa - os fios soltos dançando conforme a brisa os tocava -, e mesmo com o rosto oval contorcido numa nítida expressão de raiva, ela quase parecia iluminada.

– Eu não sou criança! – retorquiu o príncipe, desejando levar as mãos na cabeça para afagar o local atingido, mas não o fazendo por pura teimosia.

Os dois se encararam por alguns segundos, travando uma discussão silenciosa que só foi interrompida depois de Thor se erguer do banco, engolindo de uma única vez o resto da comida que mantinha na boca.

– Sinto muito, irmão, se eu o aborreci. Podemos conversar em outro momento. – E se afastou com o mais lastimoso e afetado dos olhares.

Loki o observou seguir pelo Jardim até o interior do Palácio, quando sentiu outro peteleco, ainda mais forte que o anterior, agora na orelha esquerda.

– Idiota! Você só consegue fazer tudo errado? – murmurou entre dentes a jovem Guerreira, visivelmente irritada. Parecia querer socar o rosto pálido do príncipe, pela maneira como mantinha as mãos fechadas em punho rentes ao corpo. – Por que, só para variar, você não agradece por ter um irmão que ainda tenta te aturar ao invés de agir como se fosse o único injustiçado aqui? Não espere que as pessoas te amem se tudo o que você faz é invejar as costas do próprio irmão, Loki.

E antes que ele tivesse o que dizer, ela se afastou correndo para o encalço do primogênito de Odin.

Como Loki odiava aquilo; a arrogância inflada de Thor, sempre se exibindo como o perfeito irmão mais velho, e o jeito desinibido e superprotetor de Sif para com o loiro - e mesmo quando Thor não parecia compreender os sentimentos da Guerreira, ela não hesitava um instante em escancarar sua paixonite tola.

O pequeno filho de Odin caminhava apressadamente pelos campos verdejantes de Asgard enquanto remoia tais pensamentos, deixando sua casa rapidamente para trás. Seguia pelos caminhos de terra e cascalhos com uma certeza contínua e sôfrega, ignorando a todos os aldeões que cruzavam seu caminho e, levemente surpreendidos – como sempre – inclinavam-se para uma reverência desajeitada.

Somente desacelerou o passo quando finalmente avistou mais à frente, sobre uma leve inclinação do solo, o seu momentâneo refúgio, aquele ao qual recorria quando queria se isolar de sua família e de todos que o vigiavam no Palácio – e embora nunca avisasse a alguém quando ia até lá, tinha certeza de que o Pai de Todos tinha conhecimento de onde o caçula estava antes mesmo do próprio alcançar seu destino.

A árvore era relativamente alta, talvez tão velha quanto a própria Asgard, e seus galhos frondosos, carregados pelas mais lustrosas folhas esmeraldinas, circundavam seu tronco grosso e áspero como uma enorme nuvem, sombreando o solo ao redor de uma forma deslumbrante. Aqueles que sempre seguiam os caminhos e não adentravam os campos dificilmente eram capazes de notar alguém sentado sob as sombras protetoras daquela árvore.

Por isso, Loki só avistou a silhueta deitada próxima à árvore quando já alcançava metade do caminho. Hesitou, num misto de confusão e raiva, indagando-se se deveria continuar ou procurar algum outro lugar para se isolar. Então, lembrou-se mais uma vez que era o filho de Odin, e se ele pedisse para ficar sozinho, quem quer que fosse o asgardiano, deveria imediatamente abandonar seu cochilo.

Seguiu o restante do trajeto com tal pensamento até finalmente chegar à borda da sombra e perceber que, na verdade, quem invadira seu canto solitário era a apaixonada, tola e intempestiva Sif.

Quem o tivesse visto naquele momento poderia nitidamente perceber seu alter ego despencar.

Loki ficou ali parado, diante da Guerreira, tentando compreender como ela havia conseguido chegar ali antes que ele. Podia jurar que ela estaria com Thor e sua trupe de espalhafatosos amigos, contando piadas sórdidas ou falando mal dele pelas costas, e não em meio aos campos de Argard, dormindo.

Acima disso, como ela encontrara aquele lugar. O seu lugar. Um dos poucos espaços nas terras asgardianas onde realmente conseguia se manter relaxado e confiante, quase em paz. E todas as pessoas que existiam, precisava ser ela, aquela que mais o incomodava, a única que conseguia – além de Thor - atiçar seu pior eu?!

E pensar que a garota irritante e durona de alguns minutos antes poderia parecer tão indefesa enquanto dormia.

– Ridícula. – sussurrou o jovem, meneando a cabeça em desgosto após algum tempo prostrado em silêncio, remoendo-se por dentro.

Os orbes verdes se demoraram na cena, processando a oportunidade com uma súbita empolgação renovada. Aquele certamente era o momento perfeito que raramente lhe acenava - Loki sentiu o sangue esquentar ao se lembrar das palavras moralistas carregadas de desprezo da jovem Guerreira, que não foram as primeiras, e provavelmente não seriam as últimas. Se ele pudesse, se ele quisesse, poderia ter sua vingança naquele instante: acordá-la com a mais fria água do poço de uma das moradas próximas, aconchegá-la junto a uma criaturinha de pelagem cinzenta e rala e um rabinho fino, ou a milhares de esfomeadas formigas. Poderia fazer isso e muito mais, porque não havia nada mais irracional e fácil do que um guerreiro com a guarda baixa.

Para provar à Lady Sif que Loki não era um fracote, muito menos a sombra distante de Thor, que nada mais sabia fazer a não ser invejar os passos do irmão mais velho.

Como se ela tivesse o direito de proferir tais acusações perante ele, o príncipe de Asgard! Como se considerar-se a prometida de Thor, quando o próprio nem ao menos tinha noção disso, lhe permitisse zombar descaradamente do herdeiro mais novo!

Ora, devia cortar-lhe a garganta!

Loki se deteve, percebendo o rumo que suas divagações o estavam levando.

Arfando, observou com os olhos arregalados a jovem dorminhoca, temeroso de que tivesse feito algum movimento brusco ou alguma exclamação capaz de despertá-la. No entanto, conforme os segundos foram se arrastando em silêncio, apenas a relva e as folhas farfalhando com a brisa que varria os campos, Sif não se mexeu.

Deixando escapar um suspiro lento, Loki diminuiu a pressão que mantinha nas mãos, inconscientemente tendo as fechado com tanta força ao redor do livro que os nós dos dedos se tornaram brancos, e com uma calma deliberada, dirigiu-se para o espaço ainda vago ao redor da árvore, onde se sentou.

Embora aquele fosse o seu lugar preferido para ficar sozinho e pensar, após meia hora encarando as páginas amareladas do livro sem compreender o que as palavras lhe diziam ou mesmo quais eram as palavras lidas um segundo antes, o garoto desistiu da leitura. Simplesmente porque, percebia, era impossível se concentrar em algo sabendo que havia alguém a pouca distância dele, ainda mais se esse alguém fosse Sif.

E nem era tanto pelo barulho – porque exceto quando ela se virava de um lado a outro, ou quando soltava uma repentina exclamação grogue do tipo “Seu bastardo!” e “Cretino!” que fazia Loki pular, Sif era bastante silenciosa – mas sim pela sensação incômoda que fazia seu coração se agitar quase dolorosamente toda vez que a via.

E detestava não ter controle sobre si mesmo; ainda mais se esse controle fosse quebrado pela presença de uma garota tão inferior e irritante como Sif.

Mais uma razão que fazia o menino querer odiá-la tanto.

Impaciente, Loki arriscou uma espiada, inclinando o corpo magro para o lado a fim de ter uma visão parcial das feições suaves da garota.

Perguntava-se se devia se aproximar e cutucar a garota até que esta despertasse, contudo, não se surpreenderia se ela lhe acertasse um soco caso o fizesse. E, bem, de qualquer forma, uma Sif dormindo era mais tolerável do que uma Sif acordada.

Como voltar para o Palácio não era uma opção, Loki largou o livro sobre o gramado e envolveu as pernas com os braços, apoiando o queixo sobre os joelhos, e ficou ali, observando a maneira como a Guerreira inspirava e expirava longamente, completamente alheia ao que ocorria ao seu redor.

De certa forma, percebeu, não era de todo tedioso ficar observando alguém em sua plena tranquilidade.

Até alguém como Sif conseguia ficar bonita enquanto dormia.

Loki sentiu-se enrubescer com o rumo que seus pensamentos estavam seguindo, e levou as mãos ao rosto para abafar uma tosse. Desviou os olhos da Guerreira, concluindo com um súbito pavor que tais devaneios jamais deveriam chegar ao conhecimento da garota.

Só então, percebeu três garotos mais velhos que ele se aproximando de onde estava. Sobressaltado, temendo que o vissem ali sozinho com Sif, Loki impulsionou sobre as pernas e agarrou o galho mais baixo da árvore, escalando-o com agilidade, em poucos segundos completamente invisível para os rapazes.

Observou-os se aproximarem sorrateiramente da garota, ainda imersa num sono inofensivo e profundo. Eles se cutucaram, soltando baixas gargalhadas, os olhares se encontrando num secreto fulgor que os faziam brilhar como as brasas de uma fogueira.

Estavam ávidos.

Loki crispou os lábios, incomodado, não pela presença dos três, mas por Sif ser tão irresponsável e descuidada, ainda mais para alguém que queria se tornar “a maior Guerreira que Asgard jamais conheceu”. Mesmo com um deles se aproximando perigosamente, os braços estendidos num gesto ameaçador e certeiro, Sif não dava mostras de despertar. Ou se aquele era algum tipo de fingimento, resmungou Loki em pensamento, aquela era a deixa para interromper qualquer que fosse a intenção do rapaz.

Ah, merda.

As pontas dos dedos do ruivo já quase tocavam o braço descoberto de Sif quando Loki saltou da árvore, caindo sentado aos pés da jovem numa aterrissagem atrapalhada. Embora sua intenção fosse saltar e encarar o rapaz orgulhosamente em pé, mesmo que aquele fosse mais alto, o surgimento repentino do príncipe fez os três se afastarem alguns passos. Pelo menos, até reconhecerem o executor da façanha.

– Ora, ora, se não é o príncipe Loki! – exclamou o mais alto e magro deles, os cabelos castanhos presos num rabo de cavalo alto e os olhos cor de lama fitando o garoto de uma maneira bastante desconfiada.

– O pequeno e sorrateiro príncipe de Asgard. – ironizou o mais gorducho e, mesmo com o tom de voz que, se fosse dirigido à Odin, imediatamente seria o motivo para o seu exílio em algum confim de Asgard, inclinou-se numa leve mesura, seguido imediatamente pelos outros. - Quem diria o encontrarmos por aqui, longe das proteções do Palácio.

Loki estreitou os olhos, tentando manter-se impassível, embora estivesse a cada instante mais aborrecido com os olhares hostis daqueles bastardos. Sabia bem que muitos desgostavam dele pelas travessuras que tinha o costume de fazer, mas injuriava-o ver como ousavam tratá-lo. Com certeza manteria aqueles três rostos guardados em sua mente para o futuro.

Pigarreou uma vez, erguendo o queixo.

– Seja qual for o motivo para estarem aqui, exijo que fiquem longe dela.

Os três explodiram em gargalhadas.

– Ah, tudo bem, a gente vai embora então, se é isso o que o príncipe quer.

Mais risadas.

Loki franziu o cenho, completamente incomodado com a reação dos três rapazes. Ele, pelo menos, não estava achando nada engraçado.

Desembainhou o pequeno punhal que sempre mantinha no cinto desde que o ganhara da rainha - uma lâmina prateada e reluzente de uns quinze centímetros com seucabo incrustado com minúsculas gemas de diversas cores -, fazendo os três prestarem atenção nele e imediatamente se calarem.

– Príncipe, nós não queremos lutar com você. Apenas queremos brincar. Com ela. – O ruivo apontou com a mão para Sif, parecendo tranquilo, mesmo quando os outros dois levaram sorrateiramente as mãos para seus próprios objetos de luta.

Loki se manteve sério, embora começasse a detestar-se por estar metido em tal situação. Quem ele queria enganar; ele não era um lutador, não como Thor ou Sif. O máximo que conseguia fazer em uma luta era erguer a arma e tentar intimidar o adversário, e se isso não fosse suficiente, esperava o inimigo dar o primeiro passo para então calcular sua técnica de luta e, talvez, se esquivar até que o outro se cansasse e caísse em guarda baixa. Era ágil, mas isso nunca o salvava completamente.

Suas habilidades estavam em um lugar distante dali, aonde os demais asgardianos não tinham acesso simplesmente porque não aceitavam as aptidões de Loki. E o fato de não concordarem com suas escolhas impedia que ele solicitasse ajuda, tendo que aprender tudo sozinho – o que tornava o aprendizado lento e cansativo.

Mas lá estava ele, agindo como se fosse um herói. E pior, como se fosse capaz de proteger alguém de oponentes reais – que mesmo sendo apenas meros camponeses, eram robustos o suficiente para não desistirem facilmente.

Sif, o que você está fazendo?

– Ela não parece estar em condições para isso. – murmurou, dando um passo em direção da garota. Com a ponta do pé, cutucou o tornozelo dela, sem desviar o olhar do ruivo.

Sif nem ao menos se mexeu.

Loki começou a suar frio.

– É, bem, pode ser. – o ruivo assentiu com a cabeça, pensativo. Desviou o olhar da jovem para Loki e abriu um sorriso. – Mas, veja bem, príncipe, talvez a gente esteja do mesmo lado. Quero dizer... Ouvi comentários de que Vossa Alteza e esta garota não têm grandes afinidades, e eu não vejo porque tentar defendê-la. Nós só estamos aproveitando a oportunidade para devolver a ela o que nos foi feito, nada além disso.

– Vingança? – cuspiu Loki com rispidez, confirmando o que já suspeitava.

O outro deu de ombros, embora sua expressão denunciasse uma crescente impaciência, que o jovem filho de Odin só piorava conforme o desafiava com suas palavras cheias de arrogância e falsa calma.

– Se quiser, podemos deixá-lo ir e ninguém saberá que esteve aqui.

Dessa vez foi a vez de Loki rir.

– E você, rele, realmente espera que eu acredite nessa proposta?

O ruivo pareceu se assustar com o insulto, mas apenas para finalmente girar o corpo na direção do príncipe, dando completa atenção ao moreno.

– Como?

– Não há nada que Odin não saiba. E vingar-se de uma guerreira como Sif? – Loki soltou outra risada, apenas para disfarçar o desgosto que sentia por estar defendendo a garota. No entanto, aquele idiota o insultara, praticamente chamando-o de covarde, e seu orgulho era mais venenoso que a vontade de despertar Sif a chutes. – Realmente espera sair andando daqui sem ser punido? Ela virá atrás de cada um de vocês como uma sombra e arrancará suas vísceras com uma única mão.

Pelo canto do olho, Loki viu os dois mais afastados trocarem olhares temerosos, mas o ruivo a sua frente não pestanejou um segundo com a ameaça. Parecia realmente determinado. Quase lembrava a si mesmo.

– Isso não me parece tão intimidador. Não é como se eu já não soubesse dos riscos. Ainda assim, a humilhação que esta aí nos fez passar me impede de virar as costas.

– Você não está se provando muito merecedor da vingança. Pelo menos, não enquanto tenta atacá-la com a guarda baixa. Realmente é tão fraco que não pode enfrentá-la adequadamente?

Foi o ápice. Com um olhar carregado de raiva e desdém, o ruivo fez um sinal sucinto com os dedos, e de repente os dois acompanhantes estavam se jogando na direção de Loki.

O moreno agiu rápido. Antes que alcançassem suas pernas, pulou para trás, tendo uma vantagem enorme quando os dois caíram onde segundo antes estivera parado; com o cabo do punhal, golpeou as costas do gorducho, então acertando uma cotovelada no queixo do rapaz de cabelos sujos quando este já se erguia do chão.

Sem hesitar, correu de encontro ao ruivo, que se mantinha ao lado de Sif, observando-a. Loki avançou com o punhal erguido, e quando parecia que ia deixar uma cicatriz no rosto do rapaz, ele se inclinou, desviando do golpe e agarrando o pulso do príncipe em pleno movimento, interrompendo o ataque.

Atônito, Loki sentiu quando os dedos começaram a fechar com força em torno de seu pulso, causando uma dor que percorria todo o seu braço e deixava sua mão dormente.

– Você age como um adulto, jovem príncipe, quando você nada mais é do que uma criança fingindo ser forte. – murmurou o ruivo ao, finalmente, ver Loki afrouxar os dedos e soltar o punhal.

– Não. – sussurrou entre dentes.

E sumiu.

– O q-

De súbito, Loki surgiu do alto da árvore, e antes que o gorducho ou o outro rapaz pudessem avisar seu companheiro, o príncipe já desferia em suas costas um chute com as duas pernas, arremessando o ruivo em direção aos dois e fazendo-o cair sobre eles.

Soltando as mãos do galho onde se segurava e pousando ao lado de Sif, Loki agarrou-lhe os ombros e começou a sacudi-la, tentando despertá-la.

– Sif, acorda! Acorda!

No instante que olhou para o lado a fim de ver como os três se recuperavam do golpe, um punho voou direto em seu rosto, acertando-o em cheio. Caiu de lado, completamente zonzo e com o gosto de sangue se acumulando na sua boca ao mesmo tempo em que uma dor aguda enchia seus olhos de lágrimas. No segundo seguinte, um braço envolveu seu pescoço, e o menino começou a ser arrastado para longe de Sif, antes que tivesse a chance de recuperar seu punhal.

Sob as lágrimas que embaçavam sua visão, viu o rapaz magricela de cabelos castanhos segurando-lhe as pernas, enquanto o gorducho mantinha-o com os braços grandes envolta do pescoço e dos ombros. O ruivo, próximo de Sif, inclinou-se para pegar o punhal abandonado no gramado, virando-o entre as mãos para admirá-lo com um olhar inflamado.

– Solte o punhal! – sibilou Loki, sacudindo-se furiosamente a fim de se soltar do aperto daqueles idiotas, o que apenas permitiu que o gorducho apertasse com ainda mais força, quase o sufocando.

Lançando à Loki um rápido sorriso, o ruivo agarrou Sif pelos cabelos com um puxão, e mesmo quando ela, enfim, deu mostras de estar despertando, mesmo quando Loki começou a gritar, ele não hesitou com sua vingança; e fez o que Loki não esperava, sequer imaginava: com um rápido e preciso movimento, cortou em um único golpe a trança de Sif, os longos e dourados cabelos caindo inutilmente no solo como pequenas frações de almas destruídas.

O ruivo fitou um Loki desnorteado, imerso num misto de pavor e alívio. Com divertimento dançando zombeteiramente em seu semblante, cravou o punhal no chão, próximo a uma Sif que lutava para abrir os olhos, ainda alheia ao que acontecia, antes de fazer um sinal para que soltassem o moreno, o que os dois companheiros fizeram imediatamente.

O príncipe não se mexeu, no entanto. A sensação de estar sufocando não era, afinal, por causa dos braços do garoto ao redor de seu pescoço.

– Não foi o que esperava, príncipe? – murmurou o ruivo, lançando à Loki um sorriso. – A vingança vem aos poucos, com pequenos triunfos.

E com um aceno, começou a correr para longe, acompanhado dos dois amigos, que exultantes com a façanha, batiam palmas e davam altas risadas. O moreno observou-os se afastar, e a ideia de fazer o mesmo não lhe pareceu tão ruim. Todavia, antes de poder concretizar tal pensamento, uma voz chegou aos seus ouvidos e o fez estremecer, alertando todo o seu corpo da ameaça contida na maneira como seu nome fora pronunciado.

– Loki...

Sif o fitava com extrema desconfiança, os olhos semicerrados medindo-o atentamente.

– O que está fazendo aqui?

– Sif... – ele balbuciou, evitando se mexer. Pelo jeito, ela ainda não havia notado nada. – Escute.

– De verdade, por que você está aqui? – ela o interrompeu, meneando a cabeça. - O que você está aprontando?

Ela levou as mãos ao chão a fim de se apoiar e se levantar, mas a mão esquerda tocou no punhal do príncipe, e a Guerreira desviou seu olhar para o objeto, confusa. Então, finalmente, notou o que antes fazia parte de seu couro cabeludo deitado no solo.

Sif levou as mãos até a cabeça, para confirmar o que via, e quando de fato compreendeu que se tratava de seus próprios cabelos, soltou um berro que fez Loki se encolher.

De supetão, ela estava sobre o príncipe, agarrando-lhe a gola da camiseta.

– LOKI! EU VOU TE MATAR!

– Não fui eu! Me solta!

– Você cortou meus cabelos, Loki! Por quê? POR QUÊ? - ela fungou, os olhos transbordando de lágrimas, ignorando totalmente as palavras do menino. Se Sif não o estivesse segurando daquele jeito, nem o acusando como se fosse a única pessoa viva em Asgard além dela, Loki poderia até mesmo sentir pena.

Antes que ele pudesse dizer algo ou mesmo se soltar das garras da Guerreira, a garota resfolegou como se tivesse visto um fantasma, e de súbito estava correndo para a árvore, escalando-a até ficar completamente escondida entre os galhos frondosos.

Loki aproveitou a deixa para se levantar do chão e espanar a sujeira.

– Sif... – murmurou ele com cautela ao se aproximar e se agachar para pegar o punhal, sendo interrompido pela voz do irmão mais velho logo atrás de si.

– Irmão, nosso pai pede que volte para o P-

Thor se deteve, notando as madeixas douradas abandonadas dramaticamente sobre o solo. Aturdido, olhou para Loki.

– O que aconteceu, Loki? Estes....?

– Thor! – murmurou a jovem Guerreira, se mostrando para o amado. As lágrimas acumuladas em seus olhos despencaram como cascata pelo rosto, e ela começou a fungar descontroladamente, arrasada. – Eu s-sinto tan-tanto...

O loiro deixou escapar uma exclamação de surpresa, e ficou olhando Sif por algum momento, como se petrificado com a cena que se desenrolava diante de si, tentando, de certa forma, acostumar-se com uma Sif chorona de cabelos tão curtos quanto aos de um menino.

Aquilo parecia surreal demais até mesmo para ele.

Por fim se recuperando do choque, Thor meneou a cabeça e soltou um profundo suspirando, murmurando com uma calma exagerada:

– Loki, o que você fez?

Thor estava furioso, Loki sabia. Conhecia o irmão tanto que reconhecia seus sentimentos mesmo quando suas reações mostravam o contrário.

– Não fui eu. – defendeu-se o moreno, nervoso, sentindo o suor se acumulando nas mãos. Esfregou-as na calça.

– Está me dizendo que Sif cortou os próprios cabelos?

– Não. Só estou dizendo que não fui eu. Foram outros. Tentei despertar Sif, mas ela não-

– Ah, me poupe. – grunhiu ela do alto da árvore. – Loki e as mentiras de sempre.

Loki balançou a cabeça.

– Por que você não acredita em mim?

– Porque você não gosta de mim! Você quis se vingar pelo que eu disse mais cedo, e encontrou a oportunidade.

Com certeza não era essa a minha forma de vingança, pensou Loki.

– Pelo jeito eu não sou o único que tem motivos para se vingar, Lady Sif.

– Você é repulsivo, Loki!

Loki sentiu uma veia saltar na têmpora. Estava ficando impaciente com a situação.

– Eu já disse, eu tentei impedir!

– Então por que não impediu?

– Porque você não parava de roncar!

Sif se sobressaltou, não gostando do comentário inflamado de sarcasmo do rapaz.

– Eu estava cansada! - Abaixou o tom de voz, apenas para deixar mais claro o tom de desprezo que se acumulava e ardia na garganta como veneno: - E você, príncipe de Asgard, se insiste tanto em dizer que não foi você, então por que não foi capaz de pará-los? Ou realmente teve a intenção de parar alguém?

Ah, como ela é irritante!

– Você é uma Guerreira! Como uma Guerreira se permite dormir em qualquer lugar, e ainda assim não despertar mesmo com alguém gritando ao seu lado?

– Porque Sif inalou o Pó do Sono nas montanhas. – pronunciou-se Thor, lembrando aos outros dois que ainda permanecia ali. – Me surpreende que ela tenha despertado tão cedo.

Loki encarou o irmão, bufando de raiva, engolindo cada palavra que tivesse a intenção de dizer um segundo antes. Isso explica muita coisa, pensou contrariado, limitando-se a cruzar os braços e desviar o olhar para o chão enquanto Thor o ignorava e se aproximava da árvore.

– Venha, Sif, eu te levo até o Palácio.

Sif meneou a cabeça freneticamente, desesperada.

– Não! Como eu posso aparecer na frente dos outros com essa aparência! Tudo o que eu era foi destruído... As outras garotas... Eu jamais serei capaz de competir novamente. – Sif balbuciava as palavras rapidamente, aos prantos, quase impedindo que os dois garotos compreendessem o que diziam.

Thor ficou bastante confuso com o que a jovem queria dizer sobre “competir”, é claro. Loki, todavia, revirou os olhos verdes, nitidamente aborrecido com o tipo de raciocínio que a Guerreira mantinha; mesmo em uma situação tão ridícula quanto aquela, tudo o que ela conseguia pensar era em como Thor desistiria dela assim que a visse naquele estado.

Quando percebeu, as palavras escapuliram da boca de Loki como pequenos ferrões de abelha:

– Você bem que mereceu.

De repente, Sif surgiu em meio às folhas da árvore com os olhos em chamas. Ela fuzilou o moreno como se, a qualquer segundo, fosse pular lá do alto e torcer o pescoço pálido. Ao invés disso, Loki viu quando um mísero raio de Sol refletiu na lâmina, permitindo-lhe tempo suficiente para desviar da adaga que veio zunindo milímetros de sua orelha esquerda.

– QUAL É O SEU PROBLEMA?! – esbravejou Sif, novamente aos prantos, dessa vez completamente tomada pela fúria.

– Qual é o seu problema! – exclamou o menino de volta, desviando os olhos arregalados da adaga cravada no solo, há pouca distância de onde estava parado. – Você quase me acertou!

– era esse o objetivo, idiota!

– Idiota? Idiota?! – Loki deu um passo em direção à Guerreira, pronto para fazê-la se ajoelhar perante ele e suplicar por perdão, contudo, Thor foi rápido, postando-se diante do irmão mais novo para impedi-lo.

– Loki, já basta!

– Ela me insultou, irmão!

– E ela teve um motivo!

Loki estava prestes a proferir mais alguma queixa, mas limitou-se a crispar os lábios ao ouvir as palavras rudes do irmão. Encarou-o completamente atônito, outra vez incapaz de dizer algo. Lançou para a jovem um olhar não menos carregado de todo tipo de blasfêmias antes de erguer os braços em sinal de rendição e permitir que um suspiro resignado saísse por entre seus lábios.

Thor fitou o irmão com desconfiança por alguns segundos antes de, com cautela, dirigir sua atenção novamente à outra.

– Lady Sif. Você é a jovem Guerreira mais forte e corajosa que eu conheço, e eu tenho certeza que não vem desses cabelos as suas extraordinárias habilidades. Isto não ficará impune. Prometo-lhe que encontrarei uma solução. – Thor fez uma pausa, mastigando suas próprias palavras. Então balançou a cabeça, completando: - Na verdade, Loki encontrará uma solução. – Encarou o irmão caçula quando Loki já estava prestes a protestar. - A menos que queira que esta situação chegue ao conhecimento de nosso pai.

Loki empalideceu. De repente, tudo o que o menino mais temia parecia dançar sobre sua visão turva, zombando dele e de seu infeliz destino.

Isso estava saindo de um controle que não pertencia à Loki desde o início.

– Thor... – balbuciou em tom de súplica, aproximando-se do loiro até agarrar-lhe o braço. Sentia-se tonto; o chão parecia ondular sob seus pés, instável e traiçoeiro. – Eu... Não fui eu quem cortou os cabelos de Sif. Eu juro! Eu estive tentando acordá-la o tempo todo e... Eu... Eu posso encontrar aqueles que fizeram isso, posso fazê-los se ajoelhar e pedir perdão. Só não... Não diga nada para nosso pai...

Thor se esquivou, mostrando-se impaciente.

– Este não é o momento adequado para fazer juramentos, Loki. E mesmo que, de fato, não seja uma ação sua, pergunto-me se você estava tão impossibilitado para impedir que algo assim ocorresse. Nós treinamos juntos! Você deve compreender algo de luta. Como meu irmão, como filho de Odin, é o mínimo que você deve saber. Eu não posso fazer tudo por você, Loki, eu não posso protegê-lo o tempo todo. – Soltou um suspiro cansado. - Apenas peço que não prolongue tudo isso mais do que o necessário.

Loki cambaleou para longe, como se o que Thor dissera o tivesse atingido como um soco atrás de outro.

Deixou escapar uma risada nervosa, impregnada de remorso. Sentia-se à beira da loucura.

– Isso... Isso é cabelo! Ela não vai morrer só porque ficou mais curtinho.

– LOKI! Cala a boca!

Loki calou-se, engolindo em seco.

Fitou o irmão, completamente aturdido, enquanto o outro se aproximava da árvore e estendia os braços para Sif se apoiar nele. Com ressalva, a garota limpou o pranto que permanecia em suas faces e se inclinou timidamente na direção do loiro.

Conforme os dois se afastavam, Thor envolvendo protetoramente os ombros de Sif com um dos braços, Loki se deixou despencar no solo, caindo sentado. Engolindo o choro, observou o anoitecer tingindo o céu com tons alaranjados e arroxeados, as construções de Asgard se erguendo ao longe no horizonte e reluzindo como enormes fortalezas feitas das mais puras e brilhantes joias. Não tão distante de onde o garoto estava, alguns camponeses reuniam seus rebanhos para levá-los aos seus protetores alojamentos.

Invejou aqueles animais. Ao menos, sabia que o destino cruel deles um dia os levaria à mesa de alguém, e enquanto isso não ocorresse, tudo o que faziam era beber, comer e dormir. O seu próprio destino, no entanto, surgia em sua mente como um fio de arame farpado, sem começo e sem fim.

Aquele parecia ser um bom momento para ser uma ovelha.





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Notas finais do capítulo

~ Por enquanto é isso, pessoal! ^-^"


Para quem leu até aqui, muitíssimo obrigada! Ficou meio grandinho esse cap, não? n.n"

Na próxima, vamos ter um cap que não será baseado em nenhum mito...

Então...

Hmm...

Reviews? *---*



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