O sol nascendo era apenas mais um aviso de que a hora de me refugiar nas sombras em fim havia chegado . Ainda encantada com o que havia visto de Volterra e um tanto fisgada pelas sensações que sentira , suspirei enquanto deixava a sacada e me direcionei ao banheiro , esperando que uma bela ducha fria fosse o suficiente para me trazer um choque de realidade , acordando então de meus pensamentos , precisava me convencer de que ele era podre , até mesmo porque já havia me dado provas de como era , eu não podia me cegar ... não quando ainda não sei em quem confiar .

Sem nem sequer sentir a temperatura da água sobre minha pele , penso se de fato estou viva . É estranho ser o que eu sou , estranho sentir tudo isso , tudo se aumentando diante de si , mostrando a verdadeira ... verdade . Vesti-me e abri a porta observando tudo aquilo que cercava . Uma enorme fortaleza , cheia de segredos governada por três homens , toda vez que penso nisso sinto que uma grande parte de tudo ainda é omitido . O que os criou , o que os deu poder , como tudo de fato aconteceu . Talvez aos poucos eu posso descobrir um pouco do mundo ao qual eu fui obrigada a entrar .

Os vampiros da guarda se escondiam nas sombras e quase não podiam ser percebidos . Desci as escadas passando a mão pelo corrimão e sentindo a madeira perfeitamente polida , girei de degrau em degrau sendo envolta pelo aroma do material que tudo ali havia sido feito , sendo cercada pelas diversas sensações que estavam sendo provocadas . Era como se aos poucos o meu organismo fosse se adaptando a tudo , como se eu me tornasse parte ... eu facilmente poderia afirmar que tudo ali estava vivo , como se tudo ali respondesse a mim , estando prestes a se levantar e dançar junto a mim . Em meus ouvidos tudo se tornava músico , aos meus olhos tudo brilhava e ao meu nariz tudo era perfume ... eu jamais havia pensado que tudo de certa maneira possuí a sua essência , até aquilo que julgamos não estar vivo .

Girei novamente sem perceber o fim da escada , meu corpo pendeu entre um instante e o outro e despencou . Fui apanhada no próximo instante , mas não precisei me virar para saber quem havia sido . Pude dizer simplesmente por sentir aqueles mãos , um toque conhecido que provocava uma explosão de euforia e desejo em cada músculo do meu corpo , uma sensação que todos deveriam sentir ao menos uma vez nada vida . Semelhante ao sabor da luz , parecido com o som das árvores ... É como flutuar e ainda sim estar ao chão . Eu o odeio mais do que deveria .

– Eu não sou feita de vidro - Suspirei finalmente o encarando . Não havia exatamente sido um problema desabar no chão , afinal a queda nem sequer provocaria arranhões .

– Eu sei , se fosse eu não teria resistido e já teria a quebrado - Sorriu despejando-me todo o seu mau-humor . Juro que o dia em que ver o homem sorrir , que não seja um de seus sorrisos " Eu quero que todos morram " , vai ser o dia onde arco-íris e algodão doce serão a mesma coisa .

– Tão doce - fiz uma careta . Provavelmente se ele fosse um alimento , seria mais azedo do que o limão e mais amargo do que jiló ou seja ... intragável .

– Como mel - sorriu beijando minha mão .

– O que há para se fazer aqui que não seja tremendamente entediante ? - Perguntei antes que ele pudesse me deixar .

– Fique quieta e não se meta em problemas - Disse , ignorando por completo a minha pergunta . - É uma ordem - Completou , deixando a sua clássica grosseria como assinatura e deixando-me sozinha . Cruzei os braços e continuei caminhando .

– Aro - Disse animada ao vê-lo .

– Bom dia Makena - Sorriu se voltando para mim .

– Há alguma parte em Volterra a qual eu poderia andar , onde não há humanos ? - perguntei me aproximando .

– Tem a floresta do Sul ... mas use o manto . - Disse apontando para a sala de casacos . Sorri e me direcionei a sala escolhendo um manto qualquer .

Tentei ser mais rápida do que uma sombra seria , não chamando a atenção de nenhuma das pessoas que circulavam tranquilamente pelas ruas de Volterra . A floresta era enorme , as árvores eram tão grandes que mal se podia ver o seu por meio a folhagem , os bichos cantavam de todos os lados e eu nunca havia sido rodeada por tanta vida como agora . Era como se pudesse ouvir cada pequeno pedaço daquele lugar , falar . Caminhei sem sequer prender meus olhos no caminho , apenas admirando as diferentes formas que compunham aquele lugar , os diferentes aromas e sons . A terra preenchendo meus pés , fazendo-me sentir como se estivesse descalça .

Caminhei cada vez mais adentro , começando então a escutar uma batida extremamente dançante . Fechei os olhos deixando que aos poucos aquilo me preenchesse , retirei os sapatos em fim colocando os pés no chão e aos poucos fui me movimentando , me adaptando a batida . Foi quando aos poucos notei que meu coração conhecia aquela batida , era uma canção . Abri os olhos e gritei ao me deparar com um homem a minha frente . Encarava-me com os olhos cheios , com um brilho castanho ... seria ele humano ? Observava-me fixamente , cada pequeno detalhe de mim . Usava apenas uma calça jeans que lhe pendia no quadril , um belo por físico , a pele morena , o cabelo comprido e levemente ondulado , um bigode que lhe dava uma feição única ...era extremamente belo . Caminhou vagarosamente em minha direção , levou uma de suas mãos ao meu rosto o segurando delicadamente sem sequer se assustar com a temperatura de minha pele , suspirou profundamente , possivelmente tentando sentir meu perfume e me olhou profundamente nos olhos .

Me coloquei na ponta dos pés como se desejasse o alcançar , completamente dominada pela magia que emanava de seu corpo . Fechei os olhos e aos poucos deixei-me envolver ainda mais , sentindo-me cheia quando seus lábios tocaram os meus . Beijou-me com cuidado , um beijo doce e quente ... sim , sua pele era quente perto a minha . Levei minha mão ao seu peito , sentindo o seu coração bater e nem por um segundo senti que deveria tomar o seu sangue , apenas senti como se estivesse viva , sendo cativada por todos os músculos que se moviam durante o beijo , sentindo meu corpo vibrar e ferver ... como se ele de fato pudesse . Tudo ao meu redor se cristalizara , as partículas de poeira ao nosso redor flutuavam e batiam em minha pele tornando tudo ainda mais mágico .

– Makena - Ouvi uma voz conhecida ao fundo , então me virando assustada . Olhei para Caius que me encarava furioso e ao me virar novamente para o homem de cabelos negros , eu não pude mais o ver ... sentindo-me completamente desolada por ter sido deixada de tal maneira .

– Senhor - respondi me virando enquanto revirava os olhos .

– Venha , a floresta não é lugar para seres como nós . - Ele simplesmente me irritava . Claro que ali não poderia ser lugar para nós , ali há pureza demais para seres tão selvagens e obscuros .

Voltei para o palácio insatisfeita . Ser beijada daquela e depois ter sido deixada tinha sido um pouco amargo , ele não havia dito nem sequer uma palavra ... nada que pudesse me dizer se ele me conhece ou não . Havia algo em seus olhos castanhos , quase negros , algo que eu daria tudo para ver , algo que não pude ver por ter sido interrompida pelo senhor " Eu sou dono de você " . Olhei para ele e percebi então que ele me observava , corei mas mesmo assim permaneci a o encarar .

– O que foi fazer atrás de mim ? Viva ou morta , eu ainda não sou nada pra você . - Perguntei enquanto parava a sua frente o impedindo de continuar a caminhar .

– Eu a vi - Disse ele novamente ignorando o que eu havia dito . - O beijando . - Seu tom de voz me fizera esquecer o que havia dito antes , aquilo era ciúmes ?

– Eu ... está mudando de assunto - Tentei o fazer esquecer apenas por não saber o que dizer . Nem eu compreendia o porque de ter permitido que ele me beijasse ou praticamente de ter implorado pelo beijo , ele simplesmente se colocou a minha frente e tudo parou ... como se devesse ser .

– Não volte . - Disse se aproximando , estava bravo . - Por favor .. - completou em um tom mais baixo e em seguida entrou no palácio deixando-me boquiaberta com o " por favor " . Foi então quando percebi que ele sabia muito mais do que estava disposto a falar .