Depois de toda aquela correria no palco de Caesar, finalmente conseguimos voltar ao nosso andar no Centro de Treinamento. Nem Lollie, nem os estilistas estão lá. Muito estranho. Ligamos a TV, em busca de alguma informação, mas o aparelho apenas estampa a insígnia da Capital. Era para estar passando a reprise das entrevistas.

Uma avox aparece do nada e nos entrega um bilhete. Finnick pega o papel e lê em voz alta:

"Lá fora está uma confusão. Os pacificadores mandaram todo mundo ir pra casa, e Snow cancelou a reprise das entrevistas. Os estilistas chegarão de manhã para acompanharem vocês até a Sala de Lançamento. Vou conseguir muitos patrocinadores, não se preocupem. Descansem o máximo que puderem essa noite e se alimentem bem no café. Obrigada por tudo. Estou apostando em vocês.

Com amor, -L."

– Acho que isso esclarece nossa dúvida. - diz Finnick, rasgando o bilhete para evitar que mais alguém o lesse. - Acho que vou pro meu quarto. Qualquer coisa pode bater na porta, provavelmente não vou estar dormindo. E não se esqueça, amanhã, pra o que der e vier, vamos estar juntos.

Ele me abraça por uns cinco minutos. Queria poder ficar pra sempre assim, envolvendo Finnick em meus braços, com a certeza de que ele está seguro. Mas amanhã, graças à crueldade de Snow, seremos jogados novamente numa arena, tornando realidade os incontáveis pesadelos que nos assombram todos os dias.

Beijo o rosto de Finnick e nós vamos para nossos respectivos quartos. Tomo um banho frio, e coloco um pijama de algodão branco. Dormir agora me parece impossível.

Ao colocar a cabeça no travesseiro, tudo que consigo pensar é no que aconteceu nessa noite. Mesmo que Snow mate todos nós na arena, os vitoriosos, ao darem as mãos, deixaram naquele palco o primeiro sinal de união dos distritos desde os Dias Escuros. O traje de tordo em Katniss deu início à revolução, e a luz da esperança está cada vez mais forte, iluminando todo aquele túnel escuro e repleto de medo que há dentro de cada um de nós, habitantes dos distritos.

Desisto de dormir. Sento-me na cama e tomo um pouco de água. Escuto a porta abrir bem devagarinho. É Finnick.

– Também não conseguiu dormir? - ele diz, e eu balanço a cabeça em afirmação.

Ele senta ao meu lado, e consigo perceber que ele está chorando.

– Você se lembra da minha edição dos Jogos, quando passou a noite inteira acordada cuidando de mim e me fazendo companhia até eu dormir? Mags, você foi a primeira pessoa em que eu realmente confiei em toda a minha vida, que me deu um motivo pra lutar e tentar sobreviver. Eu não estaria aqui se não fosse por você. Só queria te dizer obrigado, por ser uma das poucas pessoas que realmente se importam comigo. - ele diz, e eu não consigo olhar naqueles lindos olhos sem chorar também.

– Amanhã, eu vou fazer de tudo pra te proteger, igual você sempre fez tudo que estava ao seu alcance por mim e por Annie. Não tenho como agradecer pelo o que fez por ela no dia da Colheita.

Faço carinho em seus lindos cabelos e me deito novamente, segurando sua mão. Finnick fica em meu quarto até ter certeza de que estou dormindo. Assim como fiz com ele quando era apenas um garotinho de 14 anos. Antes de cair num sono profundo, escuto a porta abrir e ele dizer bem baixinho:

– Obrigado por tudo, minha heroína.

–-------

Na manhã seguinte, acordo com Noah batendo na porta, esbaforido.

– Oh Mags! -nem me desperto direito e ele já está me abraçando, totalmente em prantos. Rapidamente, tomo um banho bem gelado para acordar, e vou encontrar os outros na sala onde são servidas as refeições.

Durante o café, eu e Finnick comemos em silêncio, com a visão perturbadora de Noah e Kim chorando descontroladamente no sofá da sala. Estava sentindo falta de Lollie, ela daria um jeito para acalmar a situação em que os dois se encontravam. Me alimento o suficiente para não passar fome nas primeiras horas da arena, e Finnick faz o mesmo.

Estou confiante. Mesmo se eu morrer, o que é muito provável. Não vou desistir sem ao menos lutar. E vou partir tranquila, sabendo que Annie está segura, em casa. Finnick vai sobreviver, ele é novo, forte e corajoso. Estou cheia de orgulho de meu garoto, que vai lutar pela revolução.

Após o café, seguimos para o elevador, de mãos dadas. Sinto que Finnick também está confiante, mas ao mesmo tempo apreensivo. A viagem ao terraço do prédio é bem curta.

Chegando lá em baixo, encontramos dois aerodeslizadores com a insígnia do Distrito 4, que nos levarão até a arena. Despeço-me de Finnick com um beijo na testa, e de Kim com um abraço. Eles seguem para o veículo ao lado enquanto Noah me ajuda a subir.

Quinze minutos se passam até chegarmos ao local. Ao descer do veículo, pacificadores nos conduzem até a Sala de Lançamento.

Chegando lá, Noah me ajuda a vestir o traje para os Jogos. Um macacão azul bem justo no corpo, feito de material diáfano, com um zíper na frente. Nele, há um cinto de plástico. Os sapatos são de nylon, com solas de borracha.

– Esse traje é bem diferente dos outros anos, parece não garantir muita proteção contra o frio. Não sei o que podemos esperar dessa arena. diz Noah, pensativo. Ah, Mags, tenho uma coisa pra você. Presente meu, de Kim e de toda a equipe de preparação do Distrito 4 pra vocês.

Ele coloca um colar em meu pescoço. O pingente era um peixe, todo decorado com pedrinhas.* Adorei da ideia de ter um pedacinho de casa comigo quando entrasse na arena. Isso até me deixou um pouco mais segura.

O abraço em forma de agradecimento, e a voz diz que devo me preparar para subir no prato de metal. Uma lágrima escorre do rosto de Noah e ele diz:

– Mostre pra todo mundo desse país que não se deve subestimar uma Carreirista de oitenta anos.

Subo no prato, e o vidro se fecha, me separando dele. Coloco as mãos no vidro e sorrio para meu querido estilista. Começo a sentir o prato de metal se levantar e o rosto de Noah desaparecer pra sempre.

Uma brisa começa a atingir meus cabelos grisalhos, conforme vou subindo. Estou muito concentrada, qualquer movimento perdido a partir de agora pode ser fatal. Olho para baixo e vejo que meus pés estão cercados por água. Uma pontada de felicidade toma conta de meu corpo. Pelo menos eu e Finnick iremos ter uma vantagem sobre os outros tributos.

– Senhoras e senhores, está aberta a septuagésima quinta edição dos Jogos Vorazes! - diz a voz de Claudius Templesmith, o locutor oficial dos Jogos Vorazes.

Levanto os olhos e vejo que há uns quarenta metros, há um círculo de areia onde se encontra a Cornucópia. Percebo que vindos desse círculo, há doze finas fatias de terra, como os raios de uma roda. Entre elas, há apenas água e dois tributos. Não consigo ver Finnick em lugar nenhum. Por sorte, quem está em minha fatia aquosa é Cecelia.

Quando me dou conta, faltam apenas dez segundo para o início dos Jogos. Concentro-me em tudo a minha volta, e penso em todas as pessoas que eu amo. Vou lutar por elas e pela libertação dos Distritos. A velha Carreirista Mags está de volta, e pronta para qualquer coisa que aconteça. Até mesmo a morte.

Quando o gongo soa, pulo na água sem pensar duas vezes.