Ashley

Um assovio de pássaros. Abro os olhos. Uma brisa refrescante atinge meu rosto abruptamente, e não sinto a dor das queimaduras de outrora.

Olhos azuis carregados de curiosidade me encaram, mas não são os olhos de Zack. Pertencem à um homem pálido, com vestes esverdeadas e cabelos pretos na altura dos ombros.

Respiro com dificuldade sentando-se e tentando controlar as batidas do meu coração.

— Você não é daqui — a voz dele ecoa pelo espaço vazio, composto por paredes e chão brancos. Grades douradas forram a parte de trás do cubículo, dando-me visão para um imenso salão vazio.

— Eu só posso estar sonhando... — murmuro, tentando ficar de pé, mas sendo arrebatada por uma tontura insuportável.

Fecho os olhos. Concentre-se. Concentre-se. Pode ser tudo uma ilusão. Uma mera e simples ilusão plantada pelo inimigo. Pela santa Katy Perry, eu não posso ter morrido, posso? Esse é o céu? Onde estão os anjinhos e querubins fofinhos hein?

— Você é da Terra... — afirma o homem repentinamente interessado. — Uma heroína?

Ele está lendo a minha mente? Ou é algum dom concedido aos anjos? Embora... Esse homem não tem nenhum porte de anjo. Seus olhos cintilam maldade e a palidez não é de modo algum fofo.

— Quem é você, sr.Adivinha? — cruzo os braços, irritada.

— Sou Loki, o deus da Trapaça.

Ah. Meu. Deus! Ou será que agora é Ah. Meu. Odin? Socorro! Eu estou em Asgard? O paraíso dos deuses? AHHHH! Eu sempre soube que nasci para ser deusa!

Mas pera...

— A CULPA É SUA! — grito, colocando-me de pé finalmente em meus salto dez agulha pertencentes à bota de veludo rosa que uso como parte do uniforme também rosa.

Loki não se abala, e apenas move os lábios em um meio sorriso debochado.

— Pelo quê?

— O Fashion Week não aconteceu em Nova York porque VOCÊ veio com seus alienígenas de merda destruir a Terra! Eu tinha conseguido uma entrada V.I.P na época! — cruzo os braços. — E o pior é que você não tem nem ideia do que significa isso para mim!

O vilão revira os olhos, aparentemente entediado.

— Se lhe serve de consolo estou preso agora me arrependendo dos meus crimes...

Dou risada, dando voltas pela cela.

— Você? Se arrependendo? Me poupe!

— Você deveria ter mais respeito por mim. Sou um Deus — Loki ameaça, só que no fim reconheço isso sendo um toque de seu poder tentando me atingir. Uma coceira na base da nuca vem seguida da vontade de me ajoelhar aos seus pés. Contudo, consigo me manter no lugar.

— Novidade do dia! Eu tenho o mesmo poder que você — digo com um sorriso sarcástico.

Loki semicerra os olhos com um misto de curiosidade e frustração perpassando seu semblante. Fico satisfeita pelo efeito causado.

— Agora preciso arrumar um jeito de sair daqui — avalio as paredes e o chão. — Está claro que não estou morta...

— Talvez eu possa te ajudar — sugere Loki, mas meramente lhe lanço um olhar descrente.

— Você? Não conseguiu nem se ajudar! Está tentando me enganar isso sim.

— Talvez. Ou talvez eu esteja disposto a ser bondoso...

— Droga. Pare de tentar me confundir! — me exaspero, agachando-me diante das grades douradas.

Tem que ter alguma saída. O que quer que tenha me jogado aqui dentro pode ser revertido. Só preciso descobrir como...

— Eu não tinha visto você nos Vingadores quando invadi a Terra...

— Porque eu não pertenço aos Vingadores. Sou de outro grupo. — suspiro tocando as grades e recebendo um pequeno choque que me faz soprar os dedos. Ahhhhh! Minha unha quebrou!

— Ahh... Outro grupo. Pobres coitados manipulados pelo governo... — Loki diz com desdém.

— Não somos manipulados — digo tentando permanecer paciente enquanto olho para minha unha do dedo indicador com tristeza. Será que eu poderia fazer um funeral para ela?

— São sim! Vocês não tem controle sobre seus poderes. Eles são dons tomados pelos mais poderosos...

— Pare de me confundir! — grito com fúria, frustrada por não ter sucesso em minha empreitada. Eu não sou inteligente como Simon ou Clarissa. Na verdade até a Sophia é mais inteligente do que eu.

— Você está se confundindo sozinha — Loki praticamente cantarola, e faço uma careta. — Ah, certamente você estar aqui é para me divertir. Torturar sua mente lentamente...

Merda. Merda. Merda. Isso só pode ser coisa da Caroline e do Jack. Aqueles malditos! Okay, Ashley. Pense.

Sento-me no chão da cela, o mais distante possível de Loki e tento relaxar. Felizmente o deus da trapaça para de tagarelar e me desconcentrar.

Mentalizo James. Em seguida mentalizo sua mente. Então mentalizo a Terra. Um planeta perdido no espaço, que enquanto me aproximo começa a ter centenas de mentes gritando ao mesmo tempo. Chego mais perto. Mais perto.

Invado os Estados Unidos e em seguida Las Vegas. Posso ouvir o desespero evidente do caos, e localizo um ponto mais forte do que todos os outros. Consigo sentir a mente dos meus amigos, cada vez mais palpável: a tristeza de Zack, a confusão de Clarissa, a preocupação de Dylan, o amor de Sophia, os medos de Simon, a determinação de Aurora e a esperança de Stella.

James é um ponto diferente. Está carregado de inseguranças pela primeira vez. Concentro-me o suficiente.

— James.

Ele para. As inseguranças dão lugar à esperança.

— Ashley?

— James. — tento formar uma frase mais extensa, quando sou puxada bruscamente para fora da Terra.

Não. Não. NÃO! Droga!

Ofego ao receber a enxurrada de ar asgardiana. Meus olhos focam Loki antes que eu caia no chão.

(...)

Abro os olhos. A noite caiu em Asgard, e tochas iluminam o lado de fora do salão. Loki continua debilmente sentado ao fundo da cela apenas esperando eu voltar à consciência sem me ajudar.

Lágrimas salpicam meus olhos. Droga. Por que eu vim parar aqui?

— Ninguém consegue te ver — Loki diz em um tom menos debochado. — Minha mãe passou aqui e eu tentei dizer a ela que você estava aqui. Ela não acreditou.

— Por que eu deveria acreditar em você? — soluço me sentando no chão. — Você pode estar mentindo...

— Por que eu mentiria? Você é inútil para mim — ele afirma secamente.  

Encolho-me ao fundo da cela.

— Eu deveria ter voltado para meu corpo. Como não consegui? Eu estou morta?

Loki semicerra os olhos e fico feliz por não ignorar minha pergunta.

— Essa é sua alma. Ninguém consegue ver. Ninguém consegue tocar. Está presa no mundo dos mortos... — Ele parece se recordar de algo enquanto fala, como se tudo fizesse sentido.

— Como você me vê? — indago completamente assustada.

— Eu não sei. Apenas quem lançou o feitiço poderia definir isso...

— Feitiço? Isso quer dizer que...

— Uma bruxa enfeitiçou você antes que caísse. Seu corpo está preso na Terra. Mas sua alma está aqui. Ao menos lembro de alguma coisa que estudei sobre magia na infância... — Loki parece orgulhoso de si mesmo ignorando completamente meu sofrimento e confusão.

— Uma bruxa... — murmuro, tentando me recordar da última pessoa que enfrentei que poderia ter feito algo comigo. Roleta? Não. Ela não é uma bruxa. Morgana Le Fey não lutou contra mim. Então sobra apenas... Minha mãe?

A nossa batalha no beco de Vegas se torna nítida. A lembrança do aneurisma que ela me fez sentir... Até que Zack apareceu e jogou tudo pelos ares. É claro! Durante todas as suas tramoias ela deve ter adquirido algum poder semelhante à magia. Não duvido que possa tê-lo conseguido com Morgana Le Fey ou outra bruxa qualquer.

Loki começa a cantarolar, despreocupado.

— O que acontece agora? — pergunto tão infantil que tenho vontade de me socar. O deus me encara.

— Apenas quando a bruxa morrer você pode retornar ao seu corpo. Ou se ela quiser desfazer o feitiço, o que duvido muito. Ela realmente deve odiá-la muito para ter feito isso — os olhos de Loki cintilam maldade.

Minha boca fica repentinamente seca e a vontade de chorar é inevitável.

— E... O que acontece... S-Se a bruxa não morrer?

— Seu corpo morre depois de algumas horas e você fica presa aqui para toda a eternidade — diz Loki com cinismo.

Ah... Meu... Deus! Deito a cabeça entre os braços, meu corpo balançando para frente e para trás. O que será de James sem mim agora? Ele precisa de mim mais do que nunca!

Minha mãe precisa morrer... Ou eu morro.