Cinzas escrita por CK Bellini


Capítulo 2
Paula


Notas iniciais do capítulo

Paula é uma das mais belas entrevistadas daqui. Seus braços têm muitas cicatrizes e o cabelo é longo e louro até metade, tornando-se castanho o resto da extensão até a cabeça. Mexia em um monte de sacos brancos com o símbolo de perigo biológico, mas parecia não se importar. Que perigo biológico seria pior que os monstros que gemem lá em cima?



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Onde você estava quando tudo começou?

Eu estava na Sumaré. Sabe, a avenida que corta Perdizes. Não? Enfim, eu estava lá. Estava chovendo pra caramba e as faixas em direção à Avenida Antártica estavam paradas, abarrotadas de carros. Eu já sabia que alguma coisa estranha acontecia porque tinha visto, alguns dias antes no noticiário, o cordão de isolamento da região ali da Vinte e Cinco e a sucessiva evacuação da área ao entorno do Anhangabaú.

Estava de carro?

Não, claro que não. Eu estava no ônibus, voltando pra casa. O engraçado é que as faixas recém-instaladas, exclusivas, também estavam absolutamente travadas. Eu pensei: “Poxa, deve ter acontecido algum acidente lá na frente, né.”, então nem me dei ao trabalho de ligar coisa com coisa. Foi abafado, entende? O incidente no meio da Vinte e Cinco. Ninguém sabia que eram… zumbis. Pensávamos que eram cracudos.

Cracudos?

Usuários de crack. Nunca viu na TV, a cracolândia de São Paulo? Eles pareciam zumbis, normalmente. Só que eram cracudos.

E você trabalhava em quê, antes de tudo?

Eu era auxiliar de enfermagem, no H.C.. E seu português é péssimo.

Desculpe. Mas não existe uma linha de metrô bem próxima ao Hospital das Clínicas? Por que você estava na Sumaré?

O que é? Interrogatório policial? Enfim, eu fui sim para a Sumaré, mas porque eu tinha marcado de me encontrar com meu noivo no Parque da Água Branca. Se eu fosse pela Sumaré, andaria menos. Deus, faz tanto tempo...

Enfim, prossiga com o congestionamento.

Certo. O ônibus estava cheio, mas não tão cheio. Eu estava sentada, no canto. Chovia muito, como eu já disse. Tinha quase anoitecido, mas era horário de verão, então ainda estava claro, às 7 da noite. O ônibus tinha parado logo atrás de um táxi, se não me engano. O viaduto da Heitor Penteado estava logo ali, em frente. É claro, eu notara alguns helicópteros voando, mas jamais... Enfim, um trem chegou na estação Sumaré, logo embaixo do viaduto. Sempre gostei daquela estação. Haviam rostos de pessoas grudados nos vidros, ao “avesso” para nós, da avenida. Mas havia algo estranho na estação mesmo. As luzes piscavam e muita gente andava rápido ou corria. Foi quando eu vi o primeiro brilho de um disparo, sabe, quando alguém mira e sai aquela luz da boca do cano, sei lá como se chama aquilo. Então, não fez barulho e muita gente não estava prestando atenção… mas eu sim.

Alguém, alguma coisa, pulou sobre o homem que havia atirado e... Mordeu o pescoço, não sei. Estava muito longe. Eu vi o sangue esguichando e manchando o vidro. Mais pessoas corriam na estação. Entrei em pânico e gritei, apontando, para a mancha vermelha na vidraça. Pronto. As pessoas começaram a gritar e a sacar celulares e ligar para a polícia. Alguns queriam sair de dentro do ônibus. Vi muita gente correndo entre os carros. As motos costuravam e entravam na pista contrária. Foi o caos.

E o que aconteceu depois? A polícia veio? Os zumbis foram isolados?

Nunca cheguei a saber.

Por quê?

Porque o exército explodiu o viaduto junto com a estação e com quem estava abaixo.

O quê?

Foi o estopim, entende? Tudo o que vimos foi um único míssil que atingiu um dos rostos cobertos. O trem ainda estava lá, na estação, e eu podia jurar que tinham muitos zumbis ou pessoas. Muitos. Explodiu tudo numa bola de fogo e caiu sobre os carros estacionados.

Meu Deus... Não posso dizer nada porque já tivemos muitas falhas como essa lá nos EUA.

Sim, entendo, mas teve tantas mortes civis? Eles não avisaram nada, foram lá e explodiram. Eu entendo que os zumbis deveriam ser contidos e que estavam enxameando a estação, mas pelo amor de Deus! Cem toneladas de concreto e aço em chamas caiu sobre sabe-se lá quantas pessoas dentro dos carros e dos ônibus. E mesmo assim não adiantou em nada, aliás, piorou.

Por quê?

Disseram que foi um vazamento de gás. Sim, eles disseram que foi um vazamento de gás. A ideia ainda me dá vontade de rir, mesmo dois anos depois e um mundo inteiro de mortos-vivos lá em cima.

O povo acreditou?

Uma parte sim. O povo sempre acredita. Mas a diferença é que haviam inúmeras testemunhas oculares, que foram evacuadas as pressas por um suposto vazamento de gás na vizinhança inteira. A questão é: O Anhangabaú também foi evacuado com essa mesma desculpa. Todo mundo ficou falando sobre o assunto, mas quem é que discutia com a PM naquele tempo? Enfim, a desculpa não durou. O ataque na Vinte e Cinco até vai, mas a implosão de uma estação sobre uma via parada? O povo não é tão idiota assim.

E o que aconteceu depois?

As pessoas saíram nas ruas, pedindo para saber o que estava acontecendo, mas a PM caía matando em cima deles, como sempre. Quer dizer, até invadirem a prefeitura.

Mas o Anhangabaú não estava fechado?

E desde quando a abelha rainha abandona a colmeia? Nosso amado prefeito estava lá, roubando mais dinheiro, tenho certeza. Filho da puta...

E depois que a Prefeitura foi invadida...

As pessoas entraram em pânico. Foi em rede nacional, entende? Todas as emissoras estavam filmando o Anhangabaú, dando cobertura desnecessária, quando focalizaram o prédio da prefeitura no momento em que os zumbis entravam. Todos assistiram aquilo, todos ficaram chocados. O Caio ali morava na Freguesia. O supermercado perto da casa dele foi saqueado. Tudo foi saqueado.

E então...

Então vieram os hospitais. Os massacres. Os zumbis numerosos quebrando as barreiras da polícia. Tinha muita gente em São Paulo, entende? O que pudemos foi nos esconder dentro do metro e barricar as portas.

Mas vocês não foram os únicos a ter essa ideia, não é?

Não. Muita gente ficou para fora...

Uma última pergunta… Como foi que você saiu do ônibus naquele dia, quando a estação Sumaré veio abaixo?

Eu corri… gritei… No fim foi o que todo mundo tentou fazer antes de morrer. A diferença é que eu estava na hora certa e no lugar certo quando consegui entrar no metro. Vim caminhando pelos túneis, entende? Desde que o viaduto da Heitor Penteado foi bombardeado, a CCO parou com os trens, para agravar ainda mais a situação. A Marly tá lá, hoje, mas os trens não funcionam como deveriam. Precisamos ir para a Luz ou para a Ana Rosa. E a estação São Bento… bem... A linha azul e a linha vermelha não funcionam mais. O túnel desabou na Armênia e na Tiradentes. Isso é tudo, não?

Sim. Obrigado, Paula.


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Notas finais do capítulo

Paula caminha lentamente para longe de mim. Seus olhos expressam medo e suas mãos tremem. Ela não me falou tudo, tenho certeza, mas também estou certo de que ela não mentiu.



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