Sete Dias com Ele escrita por Anabbey


Capítulo 2
Segundo Dia




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Lukas acabara o turno tarde da noite, e quando chegou em casa, encontrou-a escura, vazia e pouco convidativa. Emil ainda estava na casa do amigo? Será que dormiria por lá? O norueguês verificou as mensagens na caixa postal do telefone, vendo que seus pais ligaram naquela tarde. Provavelmente para perguntar como Emil estava indo na escola.

Ele se dirigiu à cozinha, preparando uma refeição rápida, comida pronta que havia em casos como aquele. Depois do jantar improvisado, tomou um banho e colocou roupas confortáveis (não gostava de pijamas, pois estes o lembravam do hospital) e sentou-se em sua cama. Alcançou seus óculos, e um livro que lia no momento. Leu algumas páginas, diversas vezes o mesmo parágrafo: Não conseguia se concentrar.

A imagem do dinamarquês não lhe saía da cabeça, e Lukas se perguntava o porquê. Por que Mathias era tão gentil? Por que ele estava lá, sozinho naquele quarto cinzento? Por que, por que e por quê? O sorriso que iluminava o aposento, os olhos cerúleos sempre distantes no mar... Precisava entender tantas coisas, os motivos por simplesmente não conseguir parar de pensar naquele paciente em especial. Talvez estivesse daquele jeito, pois Mathias era seu paciente mais jovem (uma vez que não era muito bom com crianças, por isso não as atendia) e achava injusto o modo como o fim para ele estava próximo. Queria fazer algo por ele.

Queria que ele visse as flores desabrocharem. Mas não no pátio de um hospital. E sim em um campo distante de problemas, doenças e preocupações... Queria que ele visse o mar!

xxx

Lukas acordou de um sonho estranho, que causava uma sensação desconfortável ao encarar novamente a realidade. Por mais incomodado que estivesse; ele não conseguia se lembrar do bendito sonho. Levantou da cama, vagarosamente, massageando a nuca. Parece que dormiu de mau jeito. Respirou fundo, dando um tempo para então olhar no relógio da cabeceira: sete em ponto. Dez minutos fora do horário de sempre.

Ele se levantou, bagunçando os cabelos e arrumou sua cama; os cobertores dobrados sempre em um exato losango. Acomodou as almofadas na cabeceira da cama, no milímetro do usual. Ele tomou um banho. Preparou o café preto, desta vez, sem as torradas. Emil não estava àquela manhã. Depois de terminar o café, se vestiu e trancou a casa, andando até o carro. A temperatura estava fria, como de costume para o fim de inverno. Entrou no carro, e esperou-o esquentar, antes de dar a partida. Estava dez minutos atrasado do horário costumeiro.

Estacionou o carro, cumprimentou as mesmas pessoas e foi colocar seu uniforme. Tomou outro café na recepção. Analisou seu cronograma de hoje. Precisava visitar seus outros enfermos. Nada de Mathias por hoje.

“Oh, Doutor Bondevik! Que refresco vê-lo tão cedo pela manhã!”

A Senhora Müller respondeu ao ver o médico adentrar seu quarto, deixando as flores que recebera do marido na poltrona ao lado. Sorriu doce e as rugas da idade marcaram a pele da senhora. Era uma mulher que detinha grande classe, e teria sido muito bonita na juventude. Agora os cabelos louros eram ralos, esbranquiçados, mas os olhos verdes continuavam com o mesmo gracejo da mocidade. Lukas sorriu de canto, aproximando-se da outra e segurando sua mão. Tinha vindo ali para convencê-la uma última vez de submeter-se ao tratamento da quimioterapia:

“Bom dia, Senhora Müller. A Senhora parece radiante hoje.”

“Oh, sim! Meu marido veio mais cedo e me trouxe as flores! Ele deve voltar pela tarde, com meus netos! Estou tão animada! Crianças são sempre revigorantes!”

Lukas concordou, sentando-se na outra poltrona do quarto de paredes amarelas claras. Ajeitou os óculos, observando-a.

“Imagino que a Senhora saiba o porquê de eu estar aqui, não?”

O sorriso de Müller perdeu a intensidade, os olhos caíram um pouco, e ela suspirou. Ajeitou o colar de pérolas, brincando com a aliança no dedo.

“Mas é claro, Doutor. E minha resposta continua sendo não.”

“Mas com o tratamento, a senhora teria mais tempo, talvez um, dois anos!”

A outra voltou a segurar a mão do norueguês, sorrindo agradecida. Tanto ela quanto Lukas sabiam muito bem que não havia mais jeito.

“Eu já vivi muito, Doutor. Já vi meus netos nascerem, meus filhos se darem bem na vida. Tenho um marido amoroso, e temo deixá-lo para trás. Mas... Quero morrer sem sofrimento. Quero morrer continuando bonita. Se eu fosse jovem, eu concordaria com o Senhor, Doutor Bondevik, mas... Não há mais o que fazer. Eu já me conformei com isso.”

Lukas suspirou, apertando de volta a mão da paciente. Tinha feito de tudo para ajudá-la, e continuaria a fazer, até que a hora chegasse. Submeteu-a aos testes diários, e se despediu, mas antes de ir-se, a mais velha chamou sua atenção, entregando-lhe uma rosa de seu buquê:

“Você está precisando de uma, Doutor. Até a próxima consulta.”

Lukas pegou a planta, agradecendo e colocando-a no bolso do jaleco. Acenou, saindo do quarto. Uma dor silenciosa lhe atormentava o peito, e a imagem de Mathias voltou a sua mente. Por que estava sempre pensando nele?


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