Minhas aulas voltavam na segunda e quando dobrei meu jaleco... Foi maravilhoso. Pela primeira vez, era como se ele realmente fosse meu.

Carregava ele pra cima e pra baixo todo santo dia, desde o primeiro dia de aula. Só usei jaleco uma vez, e nem era o meu, era o do laboratório da faculdade.

Mas aquele nome bordado... Era como se minha vida começasse de novo.

Coloquei algumas roupas soltas dentro da bolsa, estava pensando em voltar pra dançar de novo depois da aula. Me olhei no espelho, meu rosto ainda doía, em um tom arroxeado. Passei maquiagem, mas não adiantou.

Só tinha uma matéria hoje: Farmacologia. Eeita bando de nome complicado, o professor falava de forma tão natural e tão rápida, que mal tive tempo de pensar.

Sai com a cabeça cansada, mas meu corpo ainda precisava descarregar alguma coisa. Antes de sair, peguei minha nova grade de horários e troquei de roupa. Vesti um short e uma regata, daquelas bem larguinhas no corpo, com novamente um top por baixo.

Já melhorei só de sentir o piso de madeira nos meus pés, a musica vindo de diferentes lugares.

–Manuela? – olhei ao redor. Nada. To ficando doida? – Aqui em cima!

Abri um sorriso e corri pelas escadas, deixando meu livros e cadernos jogados de qualquer jeito. Dei um pulo, lhe dando um abraço. Era disso que eu precisava...

Pode parecer meio estranho, mas o Ben era o tipo de cara que você não precisa saber muito para confiar. Ele exala segurança pra você.

–Ei – ele passou as mãos na minha cabeça – O que houve? Pra que essa urgência? E o que houve com seu rosto?

Engraçado como eu já me sentia tão mais aliviada.

–Não é nada, depois te falo pode ser?

–Acho que sei do que precisa... Tenho uma aula agora! Topa?

–É tudo que eu mais quero!

Ele sorriu de forma gentil e saiu me puxando. Só deu tempo de pegar minhas coisas no chão.

Me levou até uma sala não muito grande, mas muito iluminada, nos fundos do terreno.

–Não me mostrou isso aquele dia.

–Aqui é só para os Vips querida!

Algumas pessoas estavam lá dentro já, e dançavam enquanto cantavam a musica.

–Pessoal – ele falou, ninguém ouviu – Gente!

Dessa vez ele gritou e bateu palmas, chamando a atenção de todos. Pude reconhecer a tal Andrea e o namorado. Ela novamente, não pareceu feliz em me ver. Passou os braços envolta do pescoço do garoto, como se estivesse possuindo o território.

–Essa é a Manuela, ela esta em fase de adaptação ainda, então por favor, sejam normais e não assustem a garota!

Uma garota extremamente feliz veio, me puxando e pegando as minhas coisas, colocando no canto. Ela repetia seguidas vezes “vem, vem, vem!”. Devia ter uns... Doze anos, no Maximo!

–Juju, já te falei...

A garota soltou minha mão e fez cara de emburrada.

–Ai Phil, mas você é chato ein!

O garoto riu e olhou como se dissesse “acredita nisso?”.

–Desculpa, é minha Irma mais nova.

–Ela é linda!

–Linda? É porque você não conhece, já já ela perde a beleza... Sou o Phil, seja bem vinda.

Ele esticou a mão e eu retribui. Olhou meu all star branco sujo e foi levantando a cabeça, parando... Nos meus peitos?

Cara de pau!

–Quer que eu tire uma foto ou eu vou ter que ficar aqui até você começar a babar?

Algumas pessoas riram, o que não era bem minha intenção, eu só queria dar um chega pra lá no garoto.

–Desculpa – ele disse baixinho, se afastando.

–Ah – era o Ben de novo – E só pros espertinhos de plantão – ele olhou diretamente para Phil, que já estava morrendo de vergonha – ela esta sob meus cuidados.

Todos os garotos fecharam a cara. Isso parecia ser algo serio.

–Obrigada – disse pra ele sem emitir som.

Acho que era uma espécie de aula livre... Não tinha professor, só os alunos dançando soltos, seguindo as batidas da musica. Aos poucos, fui me sentindo cada vez melhor. Tudo que tava preso em mim saía, me deixando cada vez mais leve. Meu corpo estava solto e parecia seguir seus próprios comandos. Eu já não me importava com aposta, nem com Caio, e muito menos com Eduardo. Era só... Eu e a musica.

Até que alguém gritou. Todo mundo parou e eu cai no chão. Mas o que raios ta acontecendo comigo esses dias?

Consegui ver o que acontecia sem sequer me virar, olhando pelo espelho.

A tal Andréa dava chilique e alguém segurava ela.

–Sua va...

–Eeeeei – era novamente, o Ben. Ele parecia ser o “líder” daquele grupo – Ta louca Andréa? Por que fez isso?

–Ela tava ai se insinuando pra ele – essa garota era doente.

Uma outra garota me ajudou a levantar, perguntando se eu estava bem.

–Eu vou acabar com você Rachel!

Rachel? Quem é Rachel?

Ela se soltou e veio correndo na minha direção. Por sorte, o namorado interferiu, segurando sua cintura e erguendo seu corpo no ar, enquanto ela esperneava.

–Ela não é a Rachel! Calma Andréa!

A garota foi se acalmando aos poucos, mas não ficou por ali. Saiu ainda carregada pelo namorado. Deuses, o que foi aquilo?

–Fim da aula galera...

Ben dispensou o pessoal, que saiu calado. Alguns deram um sorrisinho simpático em solidariedade, outros só um aceno discreto. Nada alem disso.

Sentei no chão processando a dor no joelho. Estava arranhado, e sem duvida, ficaria com um belo hematoma.

–Eu lamento...

–Não, ta tudo bem. Desculpa, mas tenho que perguntar... Quem é Rachel?

Ele sentou do meu lado com um daqueles kits de primeiros socorros, me entregando a caixinha.

–Acho que pode fazer o curativo melhor do que eu – deu um sorriso forçado, era um pedido de desculpas – Bem... Rachel é uma ex do João, e para o seu azar, vocês duas são muito parecidas fisicamente. O cabelo, a cor dos olhos, a altura... Mas dá pra ver de cara que o jeito é completamente diferente. Enfim, isso não vem ao caso. O que importa é: a Andréa é doida. É daquelas namoradas possessivas sabe? E o João... Bem, o João é um espírito livre entende?

Ele é galinha, entendi...

–Então como eles podem dar certo?

–Esse é o problema, não dão. Mas eles nem se importam... Ele gosta dela com uma intensidade que nunca gostou de nenhuma. E ela corresponde isso tudo.

–Então...?

–Então ela ainda vai implicar muito com você. Não leve a mal, não é culpa sua... Entre Andréa e Rachel tem muuuita historia, e confia em mim, não vai querer participar disso.

–E essa tal Rachel também vem aqui?

–Não mesmo – ele começou a rir de forma descontrolada.

–O que foi?

–Rachel não dançava... Nem botava os pés aqui se pudesse escolher.

–E onde ela ta?

–Ta morta.

Ele falou como se dissesse “foi ali fazer um lanche”.

–Como é que é?

–Sofreu um acidente há um tempo... Dizem que o ex dela ficou muito abalado.

–O João?

–Não! Ela era a ex do João, mas o João não era o ex dela. Entendeu? – apenas confirmei com a cabeça – Então, vai me contar o que ta rolando ou não?

Meu corpo todo se arrepiou, e parece que toda a leveza que tinha chegado enquanto eu dançava, estava sendo esmagada agora mesmo.

–Nem eu sei o que ta rolando...

–Anda, começa do começo mesmo...

–Em resumo, eu divido apartamento com um cara. A gente ficava as vezes, nada demais. Só que as coisas foram mudando sabe? Parece que começou a virar algo serio... E não era isso que eu queria. Fui pra casa nas férias, e antes de viajar, briguei com ele. Por lá, acabei ficando com um primo meu, que era a pessoa que eu mais odiava no mundo. Quando voltei, ele me recebeu como se nada tivesse acontecido, só que eu sei que aconteceu, mesmo que ele diga que não. E olha que eu nem to falando só da briga... Durante a viagem eu liguei pra ele e ele tava com outra garota. Disse que não rolou nada, mas mesmo assim... E ai, conversamos quando eu voltei, e meio que “nos acertamos”. Nesse sábado fomos no clube, eu conversei um tempinho com um amigo dele, e ele não gostou, disse que o cara não prestava e bla bla bla. Quando fomos para a piscina e ele ficou sabendo que eu não sabia nadar, foi todo fofo, ficou comigo o tempo todo pra garantir que não ia acontecer nada... E ai, saímos da piscina e meio que tava rolando uma cena, estilo casal de filme sabe? Ai eu descobri que era mentira, que ele tinha apostado com o outro tal amigo que ficaria comigo no dia. Eles saíram na porrada, e de burra que eu sou, tentei separar. Acabei levando um soco e brigando de novo com ele. E agora to aqui... Tentando entender de como uma garota normal que só queria se formar no curso de medicina, se tornou uma doida que já apanhou duas vezes em três dias e é apostada.

–Uau – ele parecia confuso – Deixa eu processar isso! Primeiro: se odiava seu primo, por que ficou com ele?

–Não sei – todo mundo ia perguntar isso? – Quando dei conta, já tava lá!

–Não é porque você me encanta dançando não, mas hoje... Você tava diferente. Tava botando pra fora? – confirmei com a cabeça – Foi o que pensei... O cara ta errado, muito errado, mas você também não ta certa...

–Eu sei...

–Acho que precisa se acalmar, pensar na vida, botar as coisas no lugar... Depois você resolve isso.

Parecia o mais certo pra se fazer agora.

–Agora faz esse curativo.

–Não – disse levantando – eu vou pra casa... Cuido disso por lá mesmo. Obrigada.

Nos despedimos com um abraço. Peguei minhas coisas e sai, sentindo algo preso na garganta de novo. Levei um susto quando vi que já tinha escurecido.