Break Of Dead #2 escrita por Write Style


Capítulo 4
V3 - Capítulo 3 - Dillema


Notas iniciais do capítulo

Mais um. Deixem os vossos comentários e opiniões ^^



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– Eu… eu não… - Lucy quase não conseguia dizer nada. E eu estava sem palavras. Por algum tempo não tirei os olhos do corpo esfaqueado da mulher morta no chão. O instinto fez-me retirar o revólver no cinto e ficar com ele na mão, a tremer. – Brian? – A rapariga parecia pronta para se encher de lágrimas. As mãos dela começaram a abanar descontroladamente, até que a faca lhe caiu, embatendo no chão e ressaltando algumas vezes, até repousar finalmente.

– O que raio se passou… aqui? – Foi tudo o que consegui dizer. O pouco tempo que estive com Lucy, tanto no asilo como no caminho a esta ponte, não me tinha revelado muito sobre a sua personalidade. No casal, era Jordan que dava mais nas vistas, sendo mais aberto e falador em certa medida. Lucy ficava sempre em segundo plano nas conversas do grupo e nunca deu a si mesma um local de destaque no grupo. Sempre a considerei como uma pessoa um pouco tímida e reservada. Mas aquela situação pareceu ter quebrado qualquer expectativa que eu pudesse ter formado sobre ela.

– Brian… ela… não foi minha culpa! Eu não tive escolha. – As palavras dela não faziam sentido. Aos poucos ia arrastando o corpo pelo chão, afastando-se da poça de sangue e de Kelly, como se sentisse repugnada. Até eu estava a começar a ter vómitos. O cheiro do sangue e da stripper acabada de morrer revelara-se pior que o cheiro dos mortos vivos.

– Mas que merda… - O revolver continuava firme na mão, mas eu não via motivo para disparar sobre ela. Sentia sim um misto de emoções e uma enorme confusão. – Ela vai transformar-se. – De repente lembrei-me que tínhamos uma pessoa acabada de matar ali mesmo aos nossos pés e não faltaria muito para que voltasse à vida.

– Não consigo, não consegui, acabar de vez com ela… - Virou a cara como se estivesse a querer fugir a tudo aquilo. – Talvez seja melhor que ela volte e acabe comigo… Não terei de me preocupar mais assim que ela me morda e me coma. – As últimas palavras quase lhe falharam, quando se encheu de lágrimas, limpando-lhe manchas de sangue da cara aqui e ali, nos sítios por onde escorria.

Ouvi uma respiração profunda mas fraca, quase como um ronco oprimido. Os dedos mortos de Kelly começaram a retorcer-se. Não havia tempo a perder, nem tempo para pensar. Baixei-me para apanhar a faca ensanguentada e depressa a enfiei na parte de trás do crânio dela, acabando com a sua outra vida. Só depois me apercebi do que tive de fazer, mas já estava feito. Retirei devagar a faca com um misto de carne a roçar pelo caminho, até que a senti livre. De seguida, lancei-a para longe, perdendo-a de vista na noite.

– Tenho de ir contar aos outros. – E quando me preparei para voltar para o centro do acampamento, Lucy levantou-se de rompante e agarrou-se com força ao meu braço direito.

– NÃO! – Gritou, tão alto que poderia ser possível chamar para a ponte milhares de zombies das redondezas. Os seus olhos demonstravam desespero e o seu corpo coberto de sangue alheiro ainda tornavam o seu aspeto mais arrepiante. – Eles não podem saber! Não, não não, NÃO! Eu não quero! Pára! – Toda ela tremia. Posso dizer que muito possivelmente Lucy está a perder a cabeça. Tinha de pedir ajuda, antes que ela fizesse mais alguma coisa estúpida.

– Mesmo que eu não dissesse nada eles ficariam a saber que a Kelly desapareceu. Vamos ter com eles, vamos resolver isto todos juntos…

– O quê?! Eles vão matar-me, eu sou perigosa agora. Eu matei uma merda de uma pessoa! Ajuda-me, ajuda-me, Brian! – Ela voltou a cair de joelhos e levou as mãos à cara em desespero. – O que fiz eu uuuh…

– Mas que merda? – Quando dei por isso, Marcus estava atrás de nós, tão perplexo como eu estivera minutos antes. O grito dela chamara-o e mais cedo ou mais tarde, todos os restantes estariam por ali. Lucy limitou-se a fechar-se nas suas mãos e chorar.

***

O sol nasceu bastante rápido, ou as horas passaram apenas demasiado depressa. Lucy continuava confinada num carro acidentado cinza, com apenas as duas portas esquerdas funcionais, enquanto as do outro lado, devido a uma qualquer colisão, estavam completamente amolgadas. Isso tornava a vigia de Dennis sobre ela muito mais simples. Conseguia vê-la quase estática no local do condutor, sentada com a cabeça entre as pernas, como se se estivesse a esconder de alguém (ou de todos os que ali estavam, mais concretamente), mantendo uma respiração um tanto acelerada.

– Como é que ela te parece? – Quase não me apercebi que Marcus tinha-se posto atrás de mim, também a observar o carro.

– Não sei, nervosa talvez. – Quem não estaria, numa situação como aquela. – O que vamos fazer? – Não estive com mais rodeios. Sabia perfeitamente que não iriamos apenas deixa-la voltar a andar por ai normalmente, como se nada se tivesse passado, depois dos acontecimentos da ultima noite.

– Nunca tivemos nada assim. Uma pessoa que matou outra dentro do grupo. Não sei como reagir neste momento e penso que ninguém sabe como o fazer também. – Aproximou-se mais de mim, retirando os olhos de Lucy por alguns momentos. – Vamos reunir daqui a pouco e discutir isto. – Acenei em confirmação.

– Ok. O Jordan também vai participar? – Percebia que seria uma situação complicada para ele e desde que Marcus me encontrara com Lucy naquela poça de sangue à noite, que eu quase nem o vira na ponte.

– Isso é uma decisão dele. Ele está com o pai, o mais longe deste carro que é possível estar. Não faço ideia de como ele está a reagir a este ato da namorada… - Estivemos mais um pouco em silêncio a olhar para o corpo retorcido de Lucy, até que Marcus me colocou a mão no ombro. – Vou encontrar os outros para nos reunirmos. Vais participar?

– Vou. – Nem iria pensar duas vezes no assunto. De certa maneira parecia-me importante ajudar na decisão, afinal mesmo que adolescente, fazia tanto parte daquele grupo como qualquer outro.

– Cinco minutos, perto da fogueira. – E dito isso, afastou-se, em passos vagarosos.

E os cinco minutos pareceram-me horas. Não havia ainda qualque sinal de Stan ou de Jordan por ali. Dennis e Marcus estavam meio sentados sobre o capô de uma carrinha enferrujada; Allison, cujo pé estava a melhorar da torcida de á dias atrás, estava apenas encostada sobre o muro da ponte, olhando-me quase timidamente enquanto me ia aproximando; Elizabeth e Chris permaneciam de pé, sem qualquer apoio perto da fogueira que deitava agora os últimos fumos vindos das chamas que se tinham apagado á horas atrás. Movi-me silenciosamente para o lado de Kyle, mesmo sabendo que todos tinham percebido a minha chegada.

– O Stan? – Perguntou Liza para o alto, esperando que alguém lhe podesse responder. Quem o fez foi Kyle.

– Ele não vem, nem o filho.

– Tem o seu direito, mas depois não se queixem do resultado... Fica assim sobre nós o poder desta decisão. – A rapariga olhou o chão por alguns momentos, parecendo fazer um momento de pausa. – Alguém quer dizer alguma coisa?

– A sério que existe muito para se dizer? – Dennis apressou-se a ser o idiota de sempre. – Um membro do grupo acabou de matar outro sem razão aparente. Querem fazer uma cerimónia de celebração pela coragem demonstrada?!

– Dennis, não vamos por ai. O terreno ainda está quente, mas nós não sabemos o que aconteceu. – Comentou Kyle, sem ao menos olhar para o bombeiro. Aquela confrontação fê-lo borbulhar.

– O que aconteceu?! Por acaso foste tu que tiveste de desfazer daquele corpo, rapazola? Ao menos deste uma olhadela ao estado dela? – Começou a mover a mão em forma de serra pela zona abdominal, como se o quisesse esquartejar onde passava. – Cinco golpes, cinco facadas. E ainda se lembrou de acertar na cabeça, para que não se transformasse.

– Isso fui eu. – Exaltei-me e falei quase por instinto, levando todo o grupo a olhar-me incrédulo. – A Lucy estava apenas ao lado dela quando a encontrei. Tive de acertar no cérebro antes que a Kelly voltasse.

– Hum, se calhar tinha sido mais acertado deixares que a rapariginha fosse mordida, agora não tínhamos esta merda de incerteza. – Dei um passo em frente para enfrentar Dennis.

– Dennis, chega! – Criticou Marcus, silenciando de vez o colega. – Mais alguém quer falar?

– Bem, acho que está na altura de ser honesto… - Disse Chris, com aquele ar sorridente presente, mas num misto de insegurança e vergonha ligeira. – Liza?

– Chris… não. – Avisou muito secamente Elizabeth, um pouco admirada, como se não esperasse aquilo do namorado.

– Sim… - E sem mais demoras avançou. – Eu e a Liza já tivemos uma situação… vá parecida com esta. Com duas pessoas do nosso “pseudo grupo” nas primeiras semanas da Ruptura.

– Espera, pensei que tu e a Elizabeth tinham ficado sozinhos desde o início. Quer dizer que isso foi mentira… – Comentou Marcus, ao que a mulher respondeu.

– Mentira não, omissão. Éramos quatro no início. O grupo durou duas semanas… Mas o ponto agora não é esse. Já que abriste a boca, conta tu Chris… - E calou-se, deixando no ar a sensação que aquele assunto de alguma maneira a deixava pouco confortável.

– Continuando… éramos quatro. Refugiamo-nos perto de Lexington, Vírginia, onde vivíamos. Penso que foi perto de uma localidade pequena, chamada Charlottesville. Existia… um pequeno desentendimento entre o homem e a mulher em questão e a situação piorou no final da segunda semana por lá. – Chris olhou de relance para a namorada, como se algo a pudesse incomodar, mas mesmo assim prosseguiu. – Um dia a mulher não aguentou mais e acabou por matar o homem, sem real motivo… E deparamo-nos com a mesma situação que aqui: Alguém do grupo matou outro. – Não foram dados muitos pormenores, mas o que estava ali parecia-me suficiente. Parecia que o antigo grupo deles tinha tido a mesma situação que a nossa agora.

Ainda me parecia era estranho tudo o que tinha ouvido. Foi então que percebi que foi a primeira vez que Chris e Liza nos contaram algo realmente importante sobre o seu passado.

– E o que resolveram na altura? – Questionou Marcus.

– Eu matei-a. – Afirmou friamente Elizabeth, sem mover mais músculos que os necessários na boca para dizer aquela frase.

– Então vocês são a favor de matá-la também? – Disse o bombeiro loiro.

– Não. – Disseram eles, quase em simultâneo. Depois apenas ele continuou. – A situação em si é diferente. Acho que se deveria também ouvir a versão da Lucy não?

– Por acaso é verdade! – Disse Kyle, bastante recetivo à ideia. – Nós não sabemos nada de nada do que se passou. Temos de ouvir a versão dela. É o acertado a fazer.

– Não temos muito por onde pegar nesta situação delicada. – Confirmou o bombeiro loiro, quando Dennis lançou num ar um pequeno “pff”, ao qual ninguém pareceu ligar. – Vamos ouvir o que ela pode ter a dizer. E depois votamos. Somos um grupo e somos livres, acho que usar votação é o melhor; ficamos com a opinião de todos e a maioria ganha. – Ninguém recusou. – Próximo passo: Quem vai falar com ela? – Desviou ligeiramente o olhar e pude observar que estava a olhar para o carro com Lucy lá dentro, escondida entre as pernas.

– Já que tens tudo planeado porque não vais tu? – Anunciou secamente Dennis, cruzando ainda mais os braços. Marcus não lhe respondeu à indireta.

– Eu vou. – Disse, sem deixar hipótese de mais ninguém se voluntariar. Ninguém o pretendia fazer, de maneira a que ele avançou para rapariga perturbada sem hesitar.

Ninguém se mexeu do lugar, pois todos nós sabíamos que Marcus voltaria rápido, possivelmente com alguma informação que fizesse as pessoas decidirem no que fazer.

Dava para ver que a manhã estava a passar depressa, já que o sol começava a tomar o seu lugar cada vez mais alto no céu, tocado uma vez ou outra por uma nuvem solitária que ainda teimava em permanecer a vaguear, quando o frio e o vento parecia querer desaparecer daquele local.

– Vocês estão a considerar sequer matar a rapariga? – A voz soou-me estranha, talvez por Alisson não abrir a boca muitas vezes. Estava nervosa e poucos segundos depois de falar, já parecia ter-se arrependido profundamente de o ter feito.

– Se ela constituir um perigo, sem sombra de dúvidas. - Liza deixou a sua estadia no centro perto da fogueira para se encostar sobre o muro da ponte perto de Allison, enquanto falou, não lhe dirigiu um olhar sequer. – Não podemos ter uma assassina no grupo e esperar dormir descansados à noite ou podemos? Se vamos fazer isto de forma civilizada, temos de factos e esperemos que Marcus nos traga alguns.

Ouvi uma porta a fechar e vi que Marcus estava de volta mais rápido do que aquilo que estava á espera. Aproximou-se do círculo que tínhamos formado, cruzando os braços e torcendo a boca.

– Ela não quer falar comigo. – Foi o que ele disse e isso despoletou o espírito pouco calmo de Dennis.

– Caralho!? Mas a miúda tá fodida da cabeça ou quê?!

– Ela não disse que não falava Dennis, apenas não o quer fazer comigo. Só disse que falava com apenas uma pessoa e mais nenhuma.

– Chris, vai chamar o Jordan… - Comentou Liza e eu percebi a sua lógica, mas o bombeiro impediu-o de continuar.

– Não, não é o Jordan. Brian… - Olhei-o surpreso e decerto que o resto do grupo também estaria em choque. – Ela só fala contigo…

– Comigo? – Agora estava realmente confuso.

– E vamos tirar as nossas conclusões da conversa de dois adolescentes? – Dennis olhava para Marcus e logo a seguir para Liza, vezes sem conta, como se esperasse que eles o ajudassem naquela opinião. – Mas que raio de “julgamento” estamos nós aqui a fazer? – Ele disse mesmo “julgamento” acompanhados com movimentos de mãos, que se assemelhavam com aspas.

– É o que podemos fazer agora. E eu confio no rapaz. – Afirmou o bombeiro loiro, acenando-me com a cabeça. Eu continuava estupefacto, mas acenei-lhe timidamente em resposta. – Temos de saber o que realmente se passou Brian. Pode ser que ela se abra contigo, quem sabe.

– Ok. – Foi tudo o que consegui pronunciar ao afastar-me do aglomerado do grupo perto da fogueira. Dennis continuou a balbuciar coisas para os restantes à medida que eu me ia afastando e julgo ter ouvido a voz de Elizabeth e de Allison no meio de tudo, mas foram apenas os sons das suas vozes, pois os conteúdos ficaram pelo ar, sem que eu os conseguisse decifrar. Pensar que Lucy me tinha indicado como a única pessoa com quem estava disposta a falar… Soava apenas estranho.

Ela tem um namorado e já conhece e viaja à não sei quanto tempo com o pai dele também, porque iria confiar as suas palavras a um rapaz que conhecera naqueles primeiros dias na sua estadia pelo asilo? Sem estar a exagerar nada, eu e Marie tivemos algumas conversas banais com ela e Jordan, quando nos refugiamos naquele local, mas não passou de uma amizade de ocasião ligeira, já que também não tivemos assim tanto tempo para criar raízes nessa amizade.

E depois do ataque ao asilo, já tinham passado uns bons meses e mesmo assim, ao contrário do desenvolvimento da minha amizade com Jordan, Lucy sempre se manteve a alguns metros de distância, falando comigo quando era necessário. E agora do nada, depois de matar alguém a sangue frio, ali estava eu, a caminho do carro acidentado, para me sentar ao lado dela e esperançosamente conversar sobre a razão pelo qual ela matara Kelly, de forma a acabar com aquela confusão interna no grupo.

Quando reparei, já ela tinha mudado de posição, estando agora no banco traseiro do carro. Ao aproximar-me mais percebi o porque de ela ter feito isso: o lugar de pendura tinha a porta quase completamente amolgada para dentro, o que iria impossibilitar a minha entrada. Por sua vez ambos os bancos traseiros estavam em relativamente bom estado e por isso daria para nos dois ficarmos sentados. Ao abrir a porta do lado esquerdo e entrar, Lucy quase nem se mexeu, limitando-se permanecer com o olhar fixo sobre o vidro meio rachado do automóvel, até ao momento em que fechei a porta. Depois disso, virou a cabeça, ainda em baixo, sem me encarar.

– O que é que eles vão fazer? O que é que vocês vão fazer? – Foi tudo o que perguntou.

– Não sei, ainda não discutimos. Estou aqui para ouvir o teu lado. – Disse, sem estar com muitos enrolanços. Pareceu-me acertado ser o mais directo possível com ela.

– O meu lado? – Afirmou, desta vez fixando o olhar em mim, quase sem se mexer. Acenei devagar com a cabeça, até que ela voltou a desviar a cara, desta vez para se sentar direita no carro, como quem vai de viagem. – Brian… alguma vez paraste para pensar e sentiste que tudo isto não passava de um sonho? – Colocou delicadamente as mãos sobre os joelhos, como que com medo que estes caíssem. – As cidades destruídas, as pessoas mortas… os caminhantes, tudo não passasse de um sonho e que mais cedo ou mais tarde alguém te acordaria na cama, para começares um novo dia? – Os olhos voltaram a fixar-se em mim e desta vez conseguir ver a profundidade com que me olhava. E de todas as coisas que me passaram pela cabeça, a única coisa que consegui fizer fora:

– Sim… uma vez. – Lá fora o grupo mantinha-lhe unido à volta da fogueira. Liza e Dennis eram os que mais olhavam para o carro. Eu sabia que Lucy não se contentaria com apenas aquela informação e eu sabia-o porque ela manteve-se silenciosa. Mas ela deve-se ter apercebido que eu não me iria abrir mais.

– Eu pensei por duas vezes. A última vez foi quando aquela mulher que viajava convosco, Claire, se mandou do terceiro andar do asilo. Eu estava ali, a vê-la sofrer e só conseguia imaginar que aquilo não poderia ser real, não podia ser. E depois o teu instrutor, o Bruce, disparou sobre ela… Eu fiquei mal por uns dias, sem saber o porque de tudo isto estar a acontecer.

– E qual foi a primeira vez? – Não lhe queria perguntar, pois tinha a impressão que a tinha ocultado por ser de alguma maneira dolorosa, mas o meu instinto falou primeiro e eu disse-o quase sem dar conta.

– Foi quando vi os meus pais pela última vez… - Aquela frase deixou-me com frio e quase como se alguma coisa me tivesse caído em cima. Foi um misto de emoções esquisito, que me fez lembrar de coisas que eu queria esquecer. Mas ela continuou. – O Jordan e o pai juntaram-se a nós quando New York entrou no caos, por causa das noticias das mortes. Começamos por querer sair da cidade de carro, mas os engarrafamentos eram demasiados e a pé quase que eramos atropelados. Decidimos não fugir, os acessos estavam a ser fechados e as pontes celadas por isso o melhor que conseguimos foi encontrar um supermercado pequeno nas imediações e trancamo-nos lá por cinco dias. Tínhamos comida suficiente, por isso não apreçámos as coisas. As notícias continuavam a vir nas rádios e nas televisões, até que um por um os canais se foram desligando. E foi nesse momento que decidimos que estava na altura de abandonar New York de vez. Pegámos nas coisas e saímos, mas não esperávamos apanhar… tantos pelo caminho. Uma manada inteira deles. – Pausou, mordendo os lábios, quase como se fosse chorar. – Eles protegeram-me Brian, eles ficaram pelo caminho a ganhar tempo para nós… e nunca mais voltaram. Eu desisti de continuar a andar, eu queria desistir de viver, mas o Jordan esteve sempre lá para me levantar e ajudar manter-me sã. Ele sempre foi a minha bengala.

>> Andámos algum tempo, por ai, perdidos em terras perto de onde estamos agora. E depois, um pequeno grupo de sobreviventes do asilo, que andava a investigar uma zona à procura de mantimentos, avistou-nos e levou-nos para lá. Ai eu comecei novamente a viver e a esquecer. Eu tinha de o fazer, ou estava perdida. O asilo parecia-se com um lar e a vida lá como uma vida mais normal. Eu pude sorrir novamente e pude desfrutar da minha vida com o Jordan e sentir que tudo voltaria a ser como antes. Até que tudo foi com a merda e passámos a viver na rua, como antes. – Ela colocou as mãos sobre o rosto, escondendo-o. O corpo dela tremia um pouco e eu percebi que ela estava a soluçar. – E as memórias voltaram, quisesse eu ou não. Os meus pais, os caminhantes, a morte. Mas mesmo assim o Jordan continuou comigo, todos estes meses que andamos por ai sem rumo. E depois aquela… Kelly começou a fazer olhinhos para ele. – A sua voz mudou, mas estava chorosa e a vocalização não pareceu assim tão ameaçadora, mais uma mistura de medo e raiva. – Eu disse-lhe várias vezes para se afastar, mas ela apenas se ria de mim e no dia seguinte, oh, podias ter a certeza que ela faria ainda pior. Ontem foi a gota de água. Eu pedi para falar com ela e não mo negou. Escolhi um sítio mais escondido para falarmos, porque eu não queria incluir ninguém na nossa desavença e ela aceitou. Expliquei-me o porque de não me sentir bem com ela por perto do Jordan, mas mais uma vez o que recebi de volta foi mais um riso abafado. A conversa azedou e eu disse-lhe que se ela não sabia conversar com as pessoas sem se fazer a elas, para se afastar de vez do meu namorado, mas isso pareceu deixa-la furiosa. – Voltou a fixar-me o olhar, com algumas lágrimas na cara. – Ela sacou da faca dela e começou a ameaçar-me Brian, até fazia movimentos com a faca no ar para me deixar ainda com mais medo. Começou a dizer que fazia o que ela queria e se eu tivesse algum problema para lho dizer ali mesmo… Depois aconteceu tudo muito rápido. Ela avançou um bocado com a faca na minha direção, eu instintivamente tirei-lha e sem pensar… espetei-a. Ela nem gritou. Mas eu não a espetei só uma vez, foram várias e cada uma mais fácil que a outra. Até que o facilitismo me começou a assustar e eu tive de parar. E nesse momento tu apareceste. – Inspirou e expirou profundamente, ainda afetada com um bocado do choro. - E posso-te dizer que sinto que esta é a terceira vez que sinto que tudo isto não passa de um sonho… Porque se isto for a realidade… no que me estou eu a tornar? Eu matei uma pessoa!

– Uma pessoa que estava pronta para te matar, segundo o que dizes. – Muito timidamente coloquei-lhe a mão sobre o ombro para tentar reconfortá-la. Era estranho fazer aquilo, com tão pouco à vontade e confiança que tinha com ela. – Não te destruas a pensar no que fizeste. Teve de ser feito… - Nem sabia se estava a dizer a coisa acertada, mas do meu ponto de vista, era-o.

– Obrigado… - Pareceu acalmar-se mais.

– Mas continuo sem perceber Lucy. Porquê eu? Poderias ter contado isso a toda a gente do nosso grupo, até ao Jordan. Porquê a mim?

– Porque mesmo que quisesse, o Jordan não deve querer falar comigo agora. E tu és a pessoa que eu conheço, mais parecido com ele. Eu acho profundamente que tu consegues ainda sem mais que ele até. E eu sei que tu terias feito o mesmo na minha situação também.

– Parecido?

– Sim. Ambos seguem em frente com mais facilidade que eu. O Jordan perdeu a mãe, viu os avós serem devorados vivos nos primeiros dias. Brian, tu perdeste a tua família, tu perdeste o Bruce e a Marie. Mas mesmo assim continuas a viver e a esquecer isso com facilidade, cada dia que passa. Não estou a chamar-te insensível ou frio, pois eu invejo-te nisso. É uma qualidade boa para o mundo em que vivemos agora. A meu ver, com os caminhantes por ai, todos deveríamos conseguir fazer isso, pelo bem da nossa sanidade…

– E eu por vezes gostava de não seguir em frente tão facilmente. – Foi tudo o que disse. Toda aquela conversa estava a deixar-me um bocado em baixo e eu não queria mais disso. Lucy já se tinha expressado, estava na altura de comunicar o que tinha ali ouvido ao resto do grupo. – Vou voltar para perto dos outros, falar-lhes do que realmente aconteceu. Vai-se tudo resolver, vais ver Lucy. – Tentei sorrir-lhe, mas pareceu-me ter saído um bocado forçado, mas ela nem notou.

– Obrigada Brian. Foi bom desabafar. Por favor, resolve as coisas.

– Irei tentar. – Estava a ponto de abrir a porta, quando ela me agarrou o ombro.

– Desculpa, fiquei curiosa, diz-me só mais uma coisa. Não me chegaste a contar quando foi a vez que pensaste que tudo isto foi um sonho. Gostavas de o partilhar comigo? – Respirei fundo quando ela disse aquilo.

– Nos primeiros dias, quando viajava com o Bruce e a Marie. Eu prometo-te que mais tarde conto-te…

– Eu compreendo que seja difícil. Eu espero.

E depois ela libertou-me e eu sai do carro, pronto para falar, mas nervoso, com o medo de errar alguma coisa e levar a Lucy ser mal interpretada.

***

–… E foi tudo. – Terminei eu, deixando o grupo mais ou menos esclarecido de tudo o que me foi dito por Lucy á minutos atrás. Tentei incluir todos os pormenores captados na voz dela, assim como a extrema culpa que a mesma demonstrava estar a sentir depois de tudo aquilo acontecer.

– Autodefesa, pelo que parece. – Anunciou Marcus, depois de refletir por alguns minutos no que acabara de ouvir. – Pelo que o Brian nos disse agora mesmo, a Lucy só atacou a Kelly após estar a ponto de ser atacada.

– Continuamos sem testemunhas. – Comentou Kyle, coçando a cabeça e puxando o cabelo para trás. – Ninguém pode ter cem porcento de certezas que ela está a dizer a verdade.

– E logo agora que eu me esqueci do estojo de forense em casa. – Disse Chris animado e sorridente, até olhar para a namorada e anuir com a cabeça, tentando fazer uma cara séria. – Desculpa. – Já tinha ficado a saber que Chris tinha estudado 2 anos na academia de polícia, mas nem isso nos iria ajudar a desvendar se Lucy estaria apenas a fazer “bluff” para salvar a própria pele.

– Estamos com ela por alguns meses e até agora ela nunca se mostrou perigosa. Não temos muito mais a fazer que liberta-la e continuar com as nossas vidas. Eu posso mante-la debaixo de olho. Algo suspeito e teremos de tomar medidas diferentes.

– Isso é uma gigante estupidez! – Balbuciou Dennis, com raiva nos movimentos.

– Tens uma ideia melhor?! – Perguntou rápida e secamente Liza, olhando-o nos olhos. Ele desviou-os pouco depois, acabando por bater em retirada da reunião.

– Não, façam o que quiserem… Tou-me já a foder. – E desapareceu entre os carros.

– Kyle, importaste de ires ter com ela e tira-la do carro? – Perguntou Liza, ao que ele acenou em aceitação.

– Deixa comigo.

O grupo reunido ficou reduzido a mim, Marcus, Liza e Chris.

– Necessitamos de mais alguns suprimentos. A ponte é segura, mas mais cedo ou mais tarde vamos ter de continuar viagem. Não existe muitos locais para procurar comida por aqui.

– Eu posso ir à procura de alguma coisa com um pequeno grupo novamente. – Disse Marcus.

– Ok, reúne algumas pessoas, mas parte amanhã. Precisamos hoje de vasculhar alguns metros de terreno para ver se limpamos a área e prevenir que alguma manada de andantes se forme à nossa volta.

– Eu quero ir desta vez. – Surpreendeu Chris, que levou um olhar reprovador da namorada, mas ela tentou disfarça-lo logo a seguir, confirmando com a cabeça.

– Eu também vou. – Todos olharam para mim, como se não esperassem aquilo. Liza e Marcus trocaram um olhar (um olhar que eu detestei!), como se fossem meus pais e estivessem a decidir se eu ia ou não à festa hoje á noite. – Eu sou capaz de ajudar, sabem? – Marcus suspirou.

– Ok. Levo mais duas pessoas e partimos amanhã ao nascer do dia.

E assim o grande dilema do grupo estava finalmente resolvido, ou pelo menos suspenso por aquele momento. Vi Lucy a ajudar Allison com as caixas dos poucos medicamentos que tinham encontrado na última saída. Ela olhou para mim de soslaio e trocámos um leve contacto de olhares, mas depois voltou a fingir que nada se passara. Eu tive isso como o seu “obrigado”.

Jordan passou alguma parte do dia a ignorá-la, como eu já pensava que iria acontecer. Stan também não disse uma única palavra, não exprimindo a sua posição sobre a decisão tomada. E foi por isso que quando finalmente procurei pelo rapaz e o vi sentado sozinho, num tejadilho de um carro distante do resto das pessoas, que me dirigir até ele, para conseguir perceber se se passava alguma coisa e talvez ajuda-lo. Afinal ele foi uma das pessoas que me apoiou bastante na altura que fugimos de asilo e eu perdi o meu instrutor e a minha… amiga.

– Jordan? – Ele estava virado para a barreira de carros, com o corpo estático até que me ouviu. Ai vi os ombros a mexerem-se ligeiramente, há medida que ia virando a cabeça para me alcançar com o olhar. Sorriu com o maior sorriso amarelo que eu já vira.

– Oh, ei Brian. – Virou novamente a cabeça para o vazio. – Que se passa?

– Isso pergunto, eu. Estás bem?

– Não sei. Depende… sei lá. – Aproximei-me mais um bocado do carro e encostei-me ao vidro. – Onde está ela?

– Com a Allison a separar algumas coisas. Já falaste com ela? – Era mais uma pergunta retorica, eu tinha quase a certeza que não.

– Não. Eu não sei o que fazer. Ela nunca tinha feito nada deste tipo. É quase como se esta não fosse a Lucy que eu conhecia á tempos atrás. Preciso de algum tempo para refletir, é demasiado para um só dia.

– Então devias pelo menos dizer-lhe isso.

– Talvez devesse. – E calou-se, acabando por remexer no bolso. – Sabes o que encontrei num dos carros? – Não esperou a minha resposta, mostrando na mão uma caixa vermelha de cigarros. – Fumas um?

– Não obrigado. – Recusei. Nunca tinha pegado num, já que não lhes achava muita piada. Jordan não disse nada, limitando-se a retirar um, pegar num fosforo e acende-lo, dando dois bafos de fumo.

– Que dia de merda…

– Estás a falar de qual deles? – Ele percebeu a piada e a ironia das minhas palavras, sorrindo ligeiramente. Puxou mais uma vez pelo cigarro.


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