Vagalumes escrita por Nancy Boy


Capítulo 1
Pra te ver sorrir.


Notas iniciais do capítulo

Olá :)
Faz séculos que não posto aqui! E nunca postei nessa categoria, mas fiz essa one de presente de Natal para uma amiga e achei válido compartilhar no Nyah! também.
Então, é, espero que gostem.



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John entrou no quarto e quase não acreditou no que viu. No que ele mesmo conseguira fazer.

O brilho estava por toda parte.

Ele sorriu para si mesmo, um sorriso triste, cansado, mas satisfeito. Ele se sentou na cama, apertou os lençóis entre os dedos - os mesmos lençóis há dois anos, não os trocara, só os mandava para lavar a cada duas semanas - e respirou fundo. Estava chegando a hora. Não tinha certeza se estava preparado, mas estava decidido.

Dois anos antes, seu mundo caíra junto com Sherlock. Sherlock, que pulou daquele prédio bem na sua frente; Sherlock, que insistiu que era uma farsa; Sherlock, que ele amava mais do que imaginava. Tudo acabou naquele momento para John, e ele estava certo de que não iria conseguir se levantar. E talvez não tivesse conseguido mesmo, se uma pequena lembrança não tivesse surrupiado para dentro de seu cérebro.

Uma semana depois da queda, quando John achou que conseguiria entrar no quarto de Sherlock pela primeira vez, ele encontrou uma anotação, entre tantas, que o fez sorrir e chorar ao mesmo tempo. Era algo sobre um dos projetos de Sherlock, algo que ele havia analisado para um caso há um bom tempo, e envolvia um dos mais improváveis dos animais: vagalumes. Um assassino que durou apenas um mês em atividade costumava deixar um desses pequenos seres com suas vítimas, dentro de um pote de vidro ao lado do corpo. Sherlock decidira, então, capturar alguns para ver quanto tempo duravam em cativeiro, onde e quando eram mais comuns, todo tipo de informação que pudesse reunir. John não prestou muita atençao na época, mas lembrava-se bem de ter entrado na sala, certa vez, e ter encontrado ao menos quatro potes cheios de vagalumes espalhados pelos sofás. Ele não ficou com raiva; foi uma das únicas vezes em que ele realmente gostou de uma loucura do amigo, pois a visão de Sherlock ali, entre todas aquelas pequenas luzes, era linda... e um pouco desconcertante, o que o fez corar e se afastar logo. Sherlock notara, ele sempre notava tudo, mas não mencionou nada.

Ao menos naquela hora. Quando John encontrou as anotações daquele caso, ele viu o papel com as informações do cativeiro e algo meio riscado embaixo-

“John gostou dos vagalumes. Eu também. Talvez eu deva manter alguns.”

John riu e mal sentiu as lágrimas saindo. Por que sempre teve tanta certeza de que Sherlock não tinha momentos humanos? Por que tinha tanta certeza de que ele não se importava? E agora, John não podia nem mesmo pedir desculpas. Não podia esperar mais do homem que já não estava ali com ele.

A dor começou a se acumular de novo em seu peito, e ele sentiu que ia explodir- até ter tido a melhor ideia que poderia ter.

Ele se levantou e voou para fora do apartamento. Comprou potes de vidro, o máximo que podia carregar, e voltou para fazer algumas pesquisas. Então, saiu novamente para comprar ou pegar o que era necessário para deixar os potes habitáveis - grama, pequenos galhos, algo para furar as tampas - e, ao fim de sua jornada, a sala estava abarrotada de possíveis cativeiros para vagalumes.

Por um momento, ele achou que estava ficando louco. Mas logo percebeu que não ligava.

Não demorou para achá-los. Era verão, eles estavam por todo lado, e John descobriu que caçá-los até podia ser divertido. Não tanto quanto ele fazia parecer, porém; nos primeiros dias, o pensamento de que aquilo estava virando uma obsessão já cruzou sua mente. E não estava errado.

Ele procurava todos os dias por campos abertos pela cidade, onde seria mais fácil encontrá-los. Então observava, no escuro, pela luz que estivesse mais tempo parada; essa era a fêmea, que estava tentando atrair os machos. Com uma lanterna, John imitava o padrão de luz dela, fazendo com que seus pretendentes voassem diretamente para ele. Então, com uma simples rede de borboleta, ele os capturava e guardava.

Em uma semana, a sala estava brilhando como uma discoteca. John mal acreditava que estava mesmo fazendo aquilo. Mas a anotação de Sherlock - que agora estava sempre com ele - pesava em seu bolso, e ele sentia um impulso quase doentio de continuar.

Ele precisava caçá-los, precisava da lembrança constante de que Sherlock era mais do que pareceu ser, de que havia um motivo para John tê-lo amado tanto. Ele precisava caçá-los porque era a única coisa que elepodiafazer. Porque não havia mais nada. Não havia mais casos, não havia mais coisas estranhas aparecendo no apartamento, não havia mais discussões, e, acima de tudo, não havia mais Sherlock.

Mas haviam vagalumes.

O que ele não parou para pensar, no começo, era que estes também morriam, e muito mais rapidamente dentro de um pote, por mais que ele estivesse cuidando o melhor que podia. Duravam no máximo uma semana, e quando os primeiros começaram a morrer, John quase entrou em desespero. Parecia que nada estava a seu alcance, que ele era inútil, que o mundo não sentia diferença alguma se John Watson estivesse vivo ou morto. E ele passou a considerar que talvez não fosse valer a pena tentar provar essa diferença.

Foram os piores meses de sua vida, piores até do que a guerra. Ele superou, porém, a morte dos vagalumes. Aceitou que eles precisavam sair e se reproduzir, então começou a soltá-los antes que perecessem. Sentiu-se melhor, e aos poucos, a obsessão virou um hobbie.

Ele tocou a vida para frente. Ainda visitava o túmulo de Sherlock toda semana, ainda chorava, ainda tinha raiva. Mas aceitara, e os brilhos que foram transferidos para o quarto do amigo o ajudavam.

Passaram-se dois anos, rápidos e excruciantemente lentos ao mesmo tempo. Demorou muito, mas ele não acreditava que já se foram dois anos, e ele ainda estava ali. E melhor do que achou que poderia estar; conhecera uma mulher maravilhosa, que o amava, e se apaixonou por ela. Saíram para caçar vagalumes juntos, não porque ela gostasse, mas porque entendia a importância daquilo para ele. Ela nunca quis tomar o lugar de Sherlock, e nunca iria; talvez tenha sido por isso que, apesar de não ter sido a única namorada que ele tentou ter, foi a única que valia a pena manter.

Mas ele precisava seguir em frente de verdade. Precisava deixar Sherlock para trás - não esquecê-lo, nunca, mas John ainda se sentia preso pela dor, pelo luto que parecia não ter um final verdadeiro. E ele sabia o que precisava fazer.

Ele passou a última semana como havia passado as primeiras: caçando obsessivamente. Precisou até de mais potes, e sua esposa o ajudou, todas as noites por sete dias. Ele pensou em terminar no ano-novo, mas haveria muitas luzes e muito barulho, e ele queria calma.

Então esperou até a noite de Natal. Sherlock nunca acreditara no espírito natalino, mas John poderia prová-lo errado ao menos uma vez.

Foi até o prédio onde tudo acontecera - sozinho, porque achava que precisava ser assim - e subiu ao telhado. Precisou de algumas viagens para levar todos os potes do carro até lá, mas conseguiu. Olhou para o céu, escuro, mas com poucas nuvens. Então se aproximou da beirada.

Um pensamento que há muito não lhe passava pela cabeça voltou, só por um segundo, mas ele o afugentou. Não tinha porque fazer isso agora. Tinha uma vida e um futuro pela frente. Ele olhou para baixo, sentiu uma mão gélida apertar seu coração, mas conseguiu se virar para o telhado novamente.

Posicionou todos os potes em uma linha, bem à sua frente, e respirou fundo.

Rapidamente, abriu-os, um por um. Então, do último para o primeiro, levantou-os e sacudiu, para que os vagalumes dentro de cada um deles saísse.

E saíram. Voaram, brilhando loucamente pela liberdade, iluminando o céu de Londres de uma forma que John se orgulhou imensamente. Queria saber se alguém estava olhando para cima naquele momento, mas sabia, em seu íntimo, que alguém estava olhando para baixo.

---

John estava errado.

Alguémestavaolhando para cima.

Sherlock estava naquele quarteirão. Não por acaso; estava se preparando, pensando em como seria seu retorno, e vira John se encaminhar até ali. Curioso e ligeiramente temeroso, Sherlock o seguiu, mas permaneceu lá embaixo, na rua, onde não pudesse ser visto.

E não podia ter feito uma escolha melhor.

Os vagalumes voaram e rodopiaram, e foi a visão mais linda que Sherlock já teve. Não só da iluminação, mas de John, ali, parado atrás deles, olhando orgulhoso para seu trabalho. Sherlock nem percebeu que sorria.

John havia colorido o céu de outra cor para ele, e Sherlock sorria.

Franziu a testa ao ver que John tirava algo do bolso e deixava cair do telhado. Quis ir até lá, mas achou mais seguro esperar. Os vagalumes se dissiparam, e John desceu do prédio, entrou no carro e foi embora. Só então Sherlock se aproximou.

Era um papel- mais do que isso, era uma anotação dele próprio, feita há muito tempo. Sherlock entendeu a razão dos vagalumes, então, e sorriu novamente.

Como ele pôde passar dois anos sem John?

Sherlock sacudiu a cabeça e guardou o papel. Não havia mais dúvidas: agora era a hora. Ele iria voltar, e faria John ter certeza de que voltara por ter visto um sinal.

O sinal que iluminou tanto o céu quanto seu coração.


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Notas finais do capítulo

xoxo~



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