Eu estava sonhando novamente. Esperava que não, mas de que outra forma aquela situação poderia ser explicada?

Eu estava deitado na grama. Não sei de onde, eu apenas sabia que estava sobre a grama porque sentia o cheio de terra molhada. Eu estava deitado de lado, e olhava pra frente. A coisa mais linda do mundo. Milhares de tons de azul se sobrepunham uns aos outros, formando um tom de azul fantástico nos olhos de Ártemis. Ela olhava diretamente para mim, de forma calma, um leve sorriso no canto dos lábios. Mas então tudo isso desmoronou. De repente, comecei a ouvir o tinir de milhares de espadas se digladiando. Gritos ensurdecedores começaram a me encher os ouvidos. Os olhos de Ártemis se anuviaram, seu sorriso sumiu. Uma lágrima solitária rolou pelo canto de seu olho. Sua imagem começou a tremeluzir, e a perder o foco. Ela começou a desaparecer bem na minha frente, e eu nada conseguia fazer para impedir. Quando ela já estava quase transparente, sussurrou de forma torturada “Miguel...”... E então se foi.

Eu acordei assustado. Não entendera muito bem o sonho, mas sabia que ele devia ter algum significado. Afinal, todos os sonhos tem. Resolvi refletir sore isso durante o banho.

Quase uma hora depois, e um bom banho, ainda não havia chegado a uma conclusão sobre o sonho. Resolvi deixar pra lá. Eu tinha coisas mais importantes a fazer do que isso.

Ou pelo menos, era do que eu tentava me convencer.

Hoje eu tinha realmente muitos assuntos para resolver em relação a batalha. Soldados novos a serem verificados, armamento insuficiente, mais alguns rebeldes, composição de esquemas de ataque, entre outras coisas. Antes eu consideraria um dia como esse como excelente, como muito produtivo. Mas não agora. Não com ela... Não. Eu não podia admitir isso. Não depois de tudo isso, não depois de todos os atos que cometi durante toda a minha vida. Não depois de tudo. Eu simplesmente não podia admitir.

E foi assim que eu passei o restante da semana. Apesar de todos esses preparativos para a guerra, eu definitivamente não conseguia me concentrar em meus deveres. A cada instante, minha mente insistia em voltar aquele fatídico dia no Éden. O cabelo dela balançando com a leve brisa primaveril. Seu sorriso gentil. Seu toque em minhas asas... “Meu Deus, eu tenho que parar com isso!”, pensei. Mas eu não conseguia. Ela era encantadora, de uma maneira tão simples, que era admirável.

– Meu senhor? Está ouvindo? – era Apollyon, interrompendo meu devaneio.

– Sim, Apollyon. Prossiga. – eu disse, exasperado. Não estava com ânimo para tratar de mais assuntos da guerra hoje. E, afinal de contas, já se passava das 22:30 da noite. Ele então prosseguiu, mas eu ainda não prestava atenção. Mais algum tempo se passou, e então Haziel apareceu na sala, interrompendo-o.

– Senhor. - ele disse, e fez uma mesura para mim. – Apollyon. Poderia nos dar licença? Gostaria de falar a sós com nosso senhor. – seu tom era um tanto arrogante. Era do conhecimento de todos que Haziel e Apollyon não se davam bem. Afinal de contas, Apollyon já havia quase perdido várias batalhas para Haziel, apenas não perdeu por interrupção minha. Não arriscaria perder um dos meus maiores generais, e meu braço esquerdo.

– Eu estava falando com ele primeiro, Haziel! – rosnou Apollyon, tocando a espada presa em sua cintura.

– Basta. Apollyon, depois terminamos nossa conversa. Quero ouvir o que Haziel tem a dizer.

– Como queira, meu senhor. – dito isso, ele fez uma leve mesura, se virou e partiu. Quando ele já estava fora de vista, eu e Haziel começamos a caminhar pelo jardim.

– Meu senhor, trago notícias da mulher que o visitou outro dia. A filha da deusa...

– Seu nome é Ártemis. –eu disse.

– Sim. Ela disse que gostaria de voltar aqui para conversar com o senhor, e que desta vez virá sozinha. Ela aguarda minha resposta. – ele ergueu as sobrancelhas ao terminar de falar, como se estivesse curioso a respeito.

Fiquei surpreso com sua notícia. Definitivamente, eu esperava qualquer coisa, menos isso.

– Pode dizer a ela que venha amanhã cedo, Haziel. - eu disse – Isso é tudo?

– Sim, meu senhor.

– Então está dispensado, Haziel. Vá descansar um pouco.

– Meu senhor. – ele disse, fez uma mesura e se retirou. Assim que ele alçou voo, eu voltei a caminhar pelo jardim, agora vazio.

Tudo a minha volta estava com um tom branco prateado. Olhei para cima, e lá estava a lua, em sua fase cheia. Algumas pessoas acreditavam que a lua era protetora dos amantes, já que ela sempre estava presente nas noites de amor entre os mesmos, banhando-os em sua luz prateada, e no dia seguinte, guardando o segredo para si, sem nunca revela-lo.

Eu particularmente nunca entendi tudo isso. Os relacionamentos, romances e paixões. Não acreditava nem mesmo em coisas como “alma gêmea”, e afins. Mas, recentemente...

“Ártemis...”, foi tudo o que pensei.

Eu odiava pensar nisso, mas amava pensar nela, o que confundia meu cérebro, numa contradição sem fim.

“Talvez eu só não queira admitir que...” não conseguia nem mesmo terminar este pensamento.

Mas precisava. “Ah, Ártemis...”. Olhei para o céu novamente, e lembrei do sonho que tivera. Minha primeira visão dela. Não conseguia entender como eu pude vê-la sem ao menos conhece-la. Mas a vi. E isso não podia ser ao acaso.

“Meu Deus, isso é tão confuso!”, pensei. E então, entendi.

Não, não havia nada de confuso nisso. Era tudo simples e claro, e eu apenas me negava a aceitar algo assim. Me negava a aceitar que quando a vi no sonho, já sabia que ela era especial. Me negava a aceitar que quando a vi pela primeira vez, e olhei em seus olhos de perto, me encontrei ali. Me negava a aceitar que ali, olhando em seus olhos, e compartilhando de seu sorriso, eu me sentia... completo.

Eu me negava a aceitar que me apaixonara por alguém por quem eu devia sentir nojo.

Eu me negava a aceitar que me apaixonara por uma mortal.