Ele sempre foi uma pessoa estranha.

Quando criança, passava horas brincando com amigos que não estavam lá. Mas isso é normal quando se é criança.

Já na juventude, essa “mania”, não havia passado e isso não é normal quando se deixa de ser criança.

Seus pais lhe diziam:

-Pare com isso, já és quase um homem.

E de tanto lhe falarem, ele deixou de lado seus amigos. E por isso se tornou um pouco infeliz.

Devido a solidão que assolava seus dias, começou a gostar de ler. Lia de tudo, romances, contos e tratados sobre todas as ciências do homem. Leu todos os livros da casa, menos aqueles que seu pai lhe proibia dizendo:

-Por amor a outro alguém, eu te entreguei aos que brincavam contigo na tua aurora. E lendo esses livros, entenderá todo o meu egoísmo e ainda assim seguirá o mesmo caminho de tristeza que eu.

As palavras de seu pai só o instigavam. Tanto fez, que conseguiu, ler os livros que lhe eram proibidos. E em segredo começou a entender mais sobre si e sobre seus antigos amigos. Aprendeu os nomes secretos dos espíritos que habitam o mundo e deles conseguiu favores.

Em uma de suas longas e solitárias noites, sentou-se em seu ombro uma mosca, que lhe disse:

-Pede-me o que quiser e lhe darei.

-E que paga tu irá me pedir Pai das Moscas? O pagamento que todos os teus pedem?

-Não minha criança. Tolos são os homens quando nos oferecem tal coisa, pois esse sopro pertence ao que nos legou ao poço se fundo. E por fazer tal tolice, oferecer o que não é seu, que o sofrimento e a tristeza tocam os homens.

-Então o que me pedirá?

-Dai-me aquilo que você julga mais incomodar o teu coração.

-Nada me incomoda.

-Diz isso por ser jovem e bom. E por saber o que virá, pois tal fardo vem a todo homem, peço o amor que tens guardado. Pois ainda, tal sentimento é puro em ti.

-E o que me darás em troca?

-Aquilo que o teu coração mais preza, conhecimento. Sobre o que foi, sobre o que é e sobre parte do que virá a ser.

-E por que só parte do que ainda virá a ser?

A mosca esfregou suas patas e com uma voz profunda e má respondeu:

-Por que gosto de ti. E o que ainda está por vir deve ser uma surpresa.

Sorrindo o jovem respondeu:

-Então que seja.

Nisso, uma voz grave e cruel se levantou:

-Cala-te criança! Não sabes o que diz.

A mosca levantou vôo do ombro do rapaz e foi pousar sobre sua cabeça.Sua voz era cheia de raiva:

-O que queres tu aqui? Essa barganha não lhe diz respeito.

Do meio das sombras da noite, saiu então, um homem gigantesco, vestido de peles de bestas e homens, segurando em sua mão direita, uma enorme espada pela lamina, que lhe feria, fazendo jorrar sangue como uma fonte. E ele respondeu a mosca:

-Sabes muito bem que muito dessa criança a mim foi prometido. E ainda assim lhe pede tal coisa?

-Pois a nada o forcei. E sabes  que o faço um grande favor. O amor nada mais é que uma maldição!

-Favor? Retrucou o gigante. –Estas lhe impingindo o vazio.

Ergueu-se o então o rapaz, cheio de raiva e gritou:

-Cala-te Azaghal! O que tens que te intrometer nessa barganha? E quem lhe prometeu algo que a mim pertence? Nunca lhe prometi nada! Nada lhe devo!

-Tolo! Vociferou o espírito da espada. –De nada sabes sobre o teu destino e toda a tristeza e amargor que lhe estão reservados! E por seres meu em grande parte e por ser bom, tentei lhe impedir da estúpida ação que irás cometer.

Ao ouvir isso a mosca novamente se pôs a voar. E de forma divertida ficou a girar ao redor da grande espada. E disse:

-Pois bem meu caro irmão. Em respeito a vós, deixarei uma pequena parcela do amor que o menino tem, cravada em seu coração.

Com um uma voz triste e quase inaudível, o espírito da espada respondeu:

-és cruel irmão. Mas que seja, o menino merece por ser tão tolo.

Então a mosca se foi, feliz consigo mesma.

O gigante olhou dentro dos olhos do rapaz e disse em um tom entre triste e raivoso:

-És um tolo criança. De que lhe servirá uma vida de conhecimento? De que lhe servirá uma vida vazia? Tolo!

E Azaghal retornou as sombras da noite.

Desde então o rapaz passou a entender a voz do vento, das bestas e de todos os antigos segredos das estrelas e dos poços esquecidos da terra.

E por um tempo ele foi feliz.