Despertar escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Litha, nesse capítulo tem uma morte então, por favor, é só parar depois da briga, ok?



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Nos dias que se seguiram, os músicos não tiveram tempo para mais nada. Os cinco se afastaram de suas vidas pessoais e mergulharam de cabeça no mundo da música. Novas gravações, ensaios fotográficos e entrevistas consumiram totalmente o tempo dos rapazes. Em pouco tempo acostumaram-se a hotéis, horários completamente loucos e trabalho, muito trabalho.

Refizeram os trabalhos antigos e se empenharam na divulgação. No início foi complicado, mas eles tinham lutado muito para desistirem logo no começo. Os rapazes ficaram surpresos com os problemas enfrentados por Ruki e Uruha, sempre confundidos com mulheres depois de maquiados e vestidos. Aoi também, mas em menor intensidade. O vocalista e o guitarrista loiro, com traços delicados demais para o próprio bem, não podiam ser deixados sozinhos.

Reita surtou quando o pequeno foi assediado por um homem do staff, durante a sessão de fotos em que ele usou um quimono vermelho, com a maquiagem combinando. O baixista teve que ser contido pelos outros músicos, mas deixou claro que não era uma boa idéia tentar qualquer coisa que o vocalista não quisesse. Uruha conseguia se safar com um sorriso aéreo, fingindo que não estava entendendo. O tamanho do guitarrista também ajudou bastante, apesar de ser leve.

 

***

 

Kai não podia deixar de pensar no quanto estavam diferentes. Com o tempo e a evolução da banda, o visual deixou de chocar e começou a instigar. Com isso, as diferenças entre os membros ficaram maiores, mas também faziam com que formassem um conjunto e tanto. Aoi era aquela coisa inexplicável... Emanava malícia e sensualidade por todos os poros! As mulheres entravam no cio quando ele estava por perto.

Ruki tinha aquele jeito de criança pervertida. Podia sorrir inocentemente num minuto e no seguinte imprensar Reita em qualquer lugar com direito a cenas proibidas para menores de 30 anos. Fora as coisas que ele fazia no palco... Kai corou só de lembrar. Ruki era um perigo com uma haste de microfone. Reita que o dissesse. Sorriu ao lembrar que o baixista quase tinha tido um colapso no último show.

Por falar em Reita...

O baixista conseguia qualquer coisa com aquele jeito misterioso. Agora, ninguém além deles via seu rosto. Ninguém do staff, ou mesmo no prédio onde morava. Usava aquela faixa todo o tempo. Só quando estavam os cinco, e ninguém fosse chegar, é que ele relaxava. Já tinham se acostumado e o pessoal que trabalhava com eles, também... Mas os outros sempre estranhavam.

Ele tinha aquela aura de força, de virilidade que os outros não tinham. Nem mesmo Aoi, com seu jeito de conquistador. O olhar dele era tão intenso que deixava os outros sem jeito. As maquiadoras sempre se derretiam. E ainda tinha o jeito que andava... Que ficava parado.

O charme de Reita era flagrante. Ele tinha estilo.

Uruha... Era Uruha. O guitarrista com as mais belas coxas da PSC. Uma daquelas belezas muito, mas muito andróginas. Ele se parecia demais com uma mulher, lindo e delicado. A sensualidade de Uruha era mais instigante, não tinha aquela malícia consciente do Aoi. Na verdade, Kai duvidava seriamente que o loiro tivesse consciência da própria sedução. O jeitinho avoado do guitarrista conquistava qualquer um. Ele parecia pedir para ser protegido.

 

Apesar do líder estar satisfeito com o rumo da banda e estar contente com o profissionalismo dos amigos, não podia deixar de perceber que Uruha ainda não tinha voltado para eles. Não inteiramente e não havia nada que pudesse fazer.

 

***

 

Akaya se esforçou para tentar apagar a imagem ruim dos últimos encontros. Quando Aoi tinha um tempo livre e aparecia, ela fazia questão de ser o mais carinhosa e compreensiva possível. Com o passar dos dias, conseguiu se reaproximar dos músicos e até mesmo de Uruha. Não que o loiro deixasse que ela chegasse perto, mas pelo menos estavam conversando. Depois de alguma insistência dela, Aoi conseguiu que pudesse leva-la em algumas viagens. Kai e Reita não esconderam a preocupação com as conseqüências, mas a moça se empenhou em demonstrar que os problemas ficaram no passado.

Uruha ainda mantinha distância de Aoi. O moreno ficou um pouco magoado com o afastamento imposto pelo amigo, mas sabia que não era justo forçar nada. Durante as viagens, poucas vezes conseguiu dividir o quarto com o loiro e quando conseguiu, ficou frustrado ao perceber que Uruha realmente não deixaria que ele chegasse mais perto. Teve que se conformar com uma amizade fria.

 

****

 

Reita olhou o loiro longamente, fumando no canto do palco. Kai estava certo, alguma coisa estava errada com Uruha. Até Akaya tinha notado e comentado com Aoi, que também concordou e falou com o baixista. Se pudesse pensar, iria situar depois do último live. Uruha ficou diferente depois que deixaram a cidade, mais silencioso e distante.

O baixista se aproximou, atraindo a atenção do guitarrista. Simplesmente tirou o cigarro dele e tragou, encarando-o com os olhos estreitos. Uruha desviou os seus.

- Vai me contar o que aconteceu ou vou ter que espremer você até conseguir? – perguntou, assoprando a fumaça para o lado.

O loiro deu um sorriso cansado.

- Não aconteceu nada. Estou cansado, só isso.

- Sem essa. Conheço você e sei que aconteceu alguma coisa. – o tom de Reita tinha uma nota de advertência – Não tente mentir para mim.

Uruha olhou para as cadeiras, evitando claramente o assunto. Reita olhou o amigo e a sensação de algo errado aumentou, fazendo-o franzir a testa.

- Uru...

- Estou bem, só cansado. – Uruha desceu da plataforma com um salto gracioso, mas antes que se afastasse, Reita o segurou pelo braço.

- Não está. Vejo em seus olhos...

- Está vendo coisas. – o loiro rebateu, sem devolver o olhar – Porque acha que aconteceu alguma coisa?

Reita o fez se voltar, agora francamente alarmado.

- Porque eu acho? Simples.... – Uruha olhou para ele, assustado com o tom na voz do amigo – Porque há duas semanas deixei um Aoi completamente bêbado dividir o quarto com você. Você estava dormindo, usando um shortinho como sempre, e notei que ele te devorou com os olhos. Como ele é hétero, eu não achei que tinha algum problema, mas aí você mudou. Ficou assustado e silencioso... além disso, Ruki pegou você chorando duas vezes, escondido. Kai me contou que você está bebendo mais do que o costume e se assusta quando alguém te toca... preciso realmente terminar isso? 

O loiro desviou os olhos e Reita o largou, chocado, tentando absorver o que o guitarrista não tinha dito.

- Me diz que não aconteceu...

- Eu acordei com ele em cima de mim... não deu para... – Uruha encolheu os ombros – Eu não disse nada porque ele não se lembra, estava bêbado demais e se eu dissesse alguma coisa, iam dizer que eu facilitei...

Reita o encarou, abismado.

- Mas, Uru... isso...

- Está tudo bem. – o loiro garantiu, pela primeira vez olhando o rosto do baixista – Foi um... – ele engoliu seco – acidente ou algo do tipo. Não era para ter acontecido.

O olhar de Reita se tornou glacial.

- Idiota!

- Queria que eu fizesse o quê? Pode garantir que não diriam que eu facilitei?

- Eu te vi dormindo.

- Mas não ficou lá para ter certeza de que eu não estava fingindo.

O tom de Uruha fez Reita se afastar, irritado. De repente, se lembrou de algo e arregalou os olhos, perturbado.

- Uru... me diz... você não era virgem, era?

O loiro desviou os olhos e Reita deixou os ombros caírem. O baixista sabia que Uruha já tinha ficado com algumas garotas e também com alguns garotos, mas nunca tinha ido até o fim com nenhum dos dois. Sempre pegava no pé do amigo por causa disso, mas sabia também que o loiro nunca se entregaria se não amasse a outra pessoa.

- Eu sempre quis que minha primeira vez fosse com quem eu amasse... – Uruha comentou, baixinho – Só esperava que fosse diferente.

- Porque não bateu nele? Devia ter chutado ele para fora da cama... sei lá...

- Eu não consegui.

Reita bateu nos bolsos e acendeu outro cigarro. No calor da irritação, havia jogado o outro fora. Uruha se recostou no muro de proteção e suspirou, colocando as mãos nos bolsos.

- Você ainda o ama tanto assim? – o baixista perguntou, sem olhar para o loiro.

- Nunca deixei de amar.

Os olhares se encontraram, cansados.

- Isso está te matando.

- Eu sei e não pense que não estou cansado. Na verdade, estou exausto.

- O que vai fazer agora?

- Não há nada a fazer.

Reita o encarou com a testa franzida.

- Isso vai ficar assim?

- Não faço idéia do que está falando, Reita. – Uruha respondeu, do jeito avoado que sempre deixava todo mundo confuso.

Sem esperar resposta, o loiro se afastou lentamente. O baixista ficou olhando para ele, absorvendo as informações. Então foi por isso que ele pediu a Kai para dividir o quarto. Terminou o cigarro, ainda encarando o loiro mais à frente, conversando com alguns técnicos. Assim que entrou no camarim, Kai e Ruki voaram em cima dele.

- E aí? O que aconteceu? – Kai perguntou, ansioso.

O baixista parou um pouco, pensando na resposta. Não podia explicar, mas também não podia simplesmente ficar em silêncio. Foi salvo da resposta por Nadao-san, que entrou acompanhado de alguns homens. Os músicos ficaram ocupados com assuntos referentes à turnê depois do live que fariam no dia seguinte. Akaya aproveitou que não prestavam atenção nela e saiu.

A morena seguiu para fora, procurando o guitarrista loiro com o olhar. Recostou-se a armação de caixas de som, quando o encontrou. Ele ainda estava conversando com os técnicos e não a viu. A moça prestou atenção nos traços delicados do jovem e percebeu a tensão que sombreava o rosto bonito. Quando ele sorriu, de algo que um dos rapazes havia dito, ela engoliu seco.

O sorriso de Uruha era realmente lindo. Não aqueles meio forçados, mas este foi.... espontâneo. Como quando ele simplesmente ficava olhando nada, fumando em silêncio. Nada podia descrever o olhar do guitarrista naqueles momentos em que ele se perdia em pensamentos.

Ela ainda o olhou por alguns minutos e então se virou, disposta a voltar para junto de Aoi. Não sabia direito o que pensar, mas não podia negar que Uruha estava sendo muito honrado em permanecer longe com uma tenacidade que ela duvidou no início. Nada lembrava aquele rapaz quebrado e à beira das lágrimas de antes.

 

***

 

Mais tarde naquele dia, os músicos se reuniram para jantar e Ruki ergueu uma sobrancelha ao ver Kai chegar sozinho ao restaurante.

- Cadê o Uru? – ele perguntou, um pouco surpreso.

- Parece que um cara o convidou para jantar hoje. Não sei direito. – Kai explicou, sentando-se.

Reita imediatamente ficou alerta.

- Que cara? Quando foi isso?

Ruki suprimiu uma expressão um pouco irritada. Aquele cuidado todo ainda o deixava com um pouco de ciúme.

- Eu não sei. Parece que é alguém da técnica. – Kai encolheu os ombros.

- Eu o vi conversando com alguns rapazes, hoje à tarde. – Akaya informou, dando um sorriso leve – Deve ser algum deles.

Ela se incomodou com o olhar do baixista sobre si e voltou-se para o copo de batida que estava segurando.

- Deixa ele. Se é alguém da técnica está tudo bem. – Ruki minimizou, aliviado – Ele precisa mesmo sair, está meio para baixo ultimamente.

- Além do mais, deve ser uma saída sem compromisso. Poucos sabem que Uruha curte homens, então não tem porque ficar preocupado. Ele é discreto e não vai fazer nenhuma besteira.

- Isso mesmo. – Ruki apoiou o baterista – Vamos comer!

Reita resolveu deixar para se preocupar se acontecesse alguma coisa errada. Depois da situação que o guitarrista enfrentou, ele precisava mesmo se desligar de vez em quando. Quando o baixista olhou para frente, quase perdeu um olhar estranho no guitarrista moreno, que sumiu num segundo. Reita encarou o mais velho, piscando, sem ter certeza do que viu. Aoi simplesmente devolveu o olhar em silêncio.

A conversa ficou amena e desinteressada. Os músicos discutiram o show do dia seguinte e fizeram alguns comentários sem importância. Apesar de participar da conversa, Aoi pareceu distante. Não apenas Reita notou, mas Akaya e Ruki, que lançou ao guitarrista moreno um olhar curioso em mais de uma ocasião.

 

***

 

De volta a Tóquio, a loucura continuou. Eles comemoraram o sucesso da banda no top Oricon e os shows, que se tornaram maiores a cada dia. As exigências também aumentaram, fazendo os músicos se desdobrarem para conseguirem cumprir a agenda apertada de shows, entrevistas e aparições.

 

O aniversário de Ruki foi comemorado sem muita festa, apenas com uma reunião simples no prédio em que estavam morando. Nenhum dos cinco tinha deixado a casa dos pais, embora os encontros fossem cada vez mais raros. Kai achou melhor todo mundo morar no mesmo prédio, ainda que em andares diferentes, para facilitar o trabalho quando tinham que se reunir por qualquer motivo ou saírem em viagem.

- Onde Uruha está? Ele ficou de trazer o bolo... – Reita já estava um pouco irritado com o amigo.

- Eu não sei. No apartamento é que não, estive lá antes de subir. – Kai respondeu.

Ruki, Aoi e Akaya estavam conversando quando a campainha tocou e Reita soltou um suspiro aliviado.

- Viu só, ele não ia esquecer... – o baterista deu um sorriso e abriu a porta, elevando uma sobrancelha.

Uruha estava à porta, junto com um rapaz. O guitarrista loiro estava segurando o bolo.

- Oi, Kai. Desculpe... – ele disse, olhando temeroso para o baixista.

- Tudo bem, ele supera. – o líder disse, encarando o loiro curiosamente.

- Esse é Kovu, meu namorado. – Uruha apresentou, com um sorriso tímido – Esse é Kai, nosso líder.

Kai se inclinou – Olá! – o sorriso dele fez o outro sorrir também.

- Prazer.

O baterista pegou o bolo e Uruha entrou no apartamento, entrelaçando os dedos nos do jovem. Assim que entraram na sala, o trio se calou e Reita inclinou a cabeça, interessado.

- Pessoal, esse é o Kovu – o loiro apresentou – Da esquerda para a direita... Akaya, Aoi, Ruki e este é Reita.

Ruki deu um sorriso, levantando-se. – O Uru ainda não tinha falado de você para a gente... – provocou, dando uma olhada para o guitarrista – Então você é...

- Meu namorado. – Uruha respondeu, puxando o jovem – Não começa, Ruki.

- Não estou fazendo nada. – o vocalista ergueu as mãos, com um olhar divertido.

- Olá – o jovem correu o olhar pela sala e sorriu, simpático. Estendeu uma pequena caixa a Ruki – Feliz aniversário!

O vocalista se animou e pegou o pacote com um sorriso enorme. Como uma criança, sentou-se e rasgou o papel.

- Eu espero que não me interprete mal, Uruha disse que ia gostar... – o moreninho explicou, sentando-se ao lado do namorado.

Reita se sentou ao lado de Ruki e encarou o recém chegado.

- E então, Kovu... você trabalha na PSC mesmo ou nas afiliadas?

- Na PSC. Pessoal de apoio de vocês. – o jovem respondeu, olhando-o de volta.

- Eu já...

- NÃO BRINCA! – Ruki deu um pulo, olhando o conteúdo da caixa e Uruha deu uma risadinha.

O vocalista sorriu ainda mais. – Como achou?

Os outros três se aproximaram para ver o presente. A coleção completa de um manga hentai que Ruki queria já há algum tempo.

- Eu encontrei num site de compras. Que bom que gostou! – o jovem respondeu, meio sem graça.

Reita estreitou os olhos e Uruha desviou, rindo disfarçado.

- Não posso fazer nada se ele é pervertido... – disse, baixinho.

- E você incentiva! – Reita rebateu.

- Gente, vamos comer... – Kai riu e levantou-se.

Os parabéns foram cantados e eles sentaram-se para comer. O vocalista, Akaya e Kai encheram Kovu de perguntas, algumas indiscretas. O rapaz respondeu divertido, embora Reita tenha notado que várias perguntas foram deixadas displicentemente de lado. Um pouco depois, o guitarrista moreno e o baixista se afastaram, apenas olhando a interação dos rapazes. Akaya sentiu a velha sensação de estar no lugar errado ao ver os quatro rapazes rindo de alguma coisa que Ruki tinha dito e se levantou, aproximando-se do moreno.

- Aoi... vou descer.

- Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, preocupado.

- Não. Só estou cansada. – ela deu um sorriso.

- Vou com você. – ele afirmou e ela o interrompeu.

- Pode ficar, é cedo ainda e vocês estão se divertindo. – ela deu um sorriso a Reita, que agradeceu a visita – Rapazes... deu minha hora.

Uruha e Kovu se despediram educadamente, Ruki a olhou de um jeito estranho e Kai, solícito, a levou até a porta. Ruki se virou para o guitarrista moreno.

- Você não vai?

- Vou ficar mais um pouco. Ela está só cansada. – o moreno respondeu e Ruki ajeitou-se.

Os quatro voltaram a conversar e Aoi notou que Ruki e Kai não estranharam o rapaz que Uruha havia trazido.

- No que está pensando? – Reita perguntou, baixinho.

- Em nada particularmente. – Aoi respondeu lentamente, sem tirar os olhos dos jovens – Não sei se gostei dele...

Reita deu uma risadinha.

- Não é você que tem que gostar.

- Esse é o cara com quem ele tem saído? – Aoi maneirou o tom de voz, sem perceber que segurava o copo com força demais.

- Deve ser. Kai mencionou que ele é da nossa equipe.

- Mas... é de confiança?

- Não sei, eu espero que sim. Uruha merece ser amado.

Sem esperar réplica, o baixista deixou o amigo e sentou-se com os outros rapazes. Aoi achou melhor não dizer mais nada. Uma boa parte dele estava feliz por Uruha e depois de alguns minutos, se despediu também e voltou para o apartamento.

 

****

 

Alguns meses depois, as coisas estavam um pouco descontroladas. Kai não sabia identificar onde o problema estava, mas existia.

O clima na banda estava tenso, parecia estar prestes a explodir e o líder não sabia bem porque.

 

À tarde, os músicos estavam com o pessoal de apoio, observando o material ser separado para o show na cidade vizinha. As caixas metálicas já estavam embaladas e carregadas, e os instrumentos já estavam na esteira para embarque. Aoi, Uruha e Ruki acompanhavam atentamente. O guitarrista loiro tinha muito ciúme das guitarras que ganhara da fábrica e não queria nenhum arranhão.

- Ei! Cuidado, ok? – o loiro saiu de perto dos amigos, chegando bem perto do caminhão e dos carregadores.

Kovu deu um sorriso e rolou os olhos, tirando a franja dos olhos.

- Estamos tendo, Uruha. Calma...

Os outros rapazes sorriram compreensivos. O guitarrista sempre se aproximava deles para conversar.

- Essa é a verde... – o loiro disse, com um sorriso divertido.

Kovu lhe lançou uma olhada rápida. Aquela era a guitarra mais bonita do namorado, em sua opinião. E depois que soube que ele gostava, Uruha sempre dava um jeito de usa-la nos shows.

- Vou tomar bastante cuidado, ok? Interesse meu... – respondeu, baixo.

Uruha deu um sorriso e se afastou, sacudindo a cabeça. Quando se aproximou de Aoi e Ruki, o moreno simplesmente explodiu.

- O QUE ACHA QUE ESTÁ FAZENDO?

O moreno passou por ele quase correndo, fazendo-o se virar. Ruki arregalou os olhos e saiu atrás do amigo, ciente do problema. Uruha simplesmente se virou, surpreso. Aoi se aproximou de Kovu e o segurou pelo colarinho, irritado.

- Porque acha que pode fazer isso, hein? – a pergunta saiu num rosnado e Kovu ergueu uma sobrancelha.

Os outros rapazes pararam tudo e Ruki puxou o braço do guitarrista moreno, tentando faze-lo parar. No reflexo, Aoi girou o braço violentamente, atingindo o vocalista no rosto.

O guitarrista moreno não dosou a força da reação e arregalou os olhos ao ver o vocalista ser catapultado para trás, jogado sobre algumas caixas. Ele bateu a cabeça e desmaiou, escorregando para o chão. O sangue começou a escorrer pelo rosto do vocalista, tornando a cena quase irreal.

Uruha ficou paralisado por alguns minutos e então correu, desesperado.

- Ruki! Ruki!

O guitarrista loiro tirou delicadamente o vocalista desacordado de cima das caixas.

- Alguém chame uma ambulância! – gritou, tentando limpar o sangue na testa do amigo – Rápido!

Olhou em volta, aninhando o pequeno nos braços. Aoi estava parado, ainda segurando Kovu. O jovem se soltou num gesto brusco e puxou o celular, se aproximando do namorado. Outros rapazes fizeram o mesmo e se olharam, confusos e assustados.

Kovu sacudiu a cabeça e guardou o celular. Pegou o vocalista no colo com cuidado.

- Uruha, vamos! Você dirige!

O guitarrista loiro o olhou por um instante, perdido.

- AGORA, URUHA!

O loiro se ergueu, procurando a chave do carro. Correu para o estacionamento, seguido de Kovu com Ruki nos braços.

Um dos rapazes cancelou a ambulância, mas outro discretamente ligou para o empresário. Um outro se aproximou cuidadosamente.

- Shiroyama-san... por favor...

O moreno olhou para ele, ainda sem reação. O rapaz pegou-o pelo braço e o guiou para o estúdio, recebendo um sinal de que Nadao-san estava a caminho.

 

***

 

Aoi estava sentado na sala do apartamento de Kai. O líder foi chamado depois da confusão e tirou o guitarrista moreno de lá. Uruha e Reita estavam no hospital, com Kovu. O mais velho encarou em silêncio o chá quente, sabendo perfeitamente o que o amigo estava esperando.

- Vai começar a me explicar ou vou ter que adivinhar?

- Eu preciso de um tempo, Kai...

- Eu queria ter isso para te dar, cara. Infelizmente não dá. Reita vai chegar com tudo e além disso, tenho que dar algum tipo de explicação para Nadao-san. - o moreno ficou em silêncio e Kai suspirou de frustração – Olha... ninguém deixou nada cair ou provocou algum tipo de reação. Ninguém fez nada e você explodiu. Quero saber por que e quero saber agora.

- Kai...

- Não. Você machucou o Ruki, atacou Kovu sem razão e deixou todo mundo assustado. Não dá para fingir que não aconteceu.

Aoi se irritou e ergueu o olhar, encarando o líder.

- Eu sei. Não me trate como se eu fosse estúpido!

- Ótimo! Poupa meu trabalho!- Kai rebateu, sério.

- Eu vou pedir desculpas, se é o que quer.

Kai notou a tentativa de Aoi e deu um sorriso sarcástico.

- Não tão fácil, Aoi. Não assim.

O moreno estreitou os olhos, o pouco controle desaparecendo como fumaça.

- O que quer que eu diga?

- Será bom se começar pela verdade.

Aoi desviou os olhos e colocou o copo intocado sobre a mesinha. Kai não desviou os olhos dele, vendo a tensão do guitarrista. Infelizmente não podia facilitar, ele precisava colocar para fora o que quer que o estivesse sufocando. O moreno deu uma risada sem humor.

- A verdade? Deixa eu ver... Onde começa a verdade? – perguntou, olhando para o baterista.

- Por onde possa explicar seus atos.

- Não é tão simples.

- Tenho certeza disso, mas não significa muito agora.

O moreno acendeu um cigarro, apoiando os antebraços nas coxas. Kai esperou, já pensando que não conseguiria evitar outra briga, dessa vez entre Reita e Aoi, e depois entre Aoi e Uruha.

- Eu não sei como começou... – o moreno disse, baixinho – Não sei quando foi.

- Quando foi o quê? – Kai perguntou, franzindo a testa. Aoi não estava fazendo sentido.

- Quando me apaixonei por Uruha.

Kai arregalou os olhos e abriu a boca, chocado. Demorou uns bons minutos para conseguir reagir e piscou, atordoado. Aoi continuou a fumar, sem encarar o baterista.

- Isso não tem graça, Aoi.

- Pareço estar brincando? – o moreno se recostou, encarando o outro com toda a calma que podia juntar – Evitaria, se pudesse.

Kai se levantou, ainda atordoado. Andou até o outro lado da sala, absorvendo a informação. Balançou a cabeça, inconformado.

- Aoi, tem certeza?

O outro rolou os olhos, com outro sorriso plástico no rosto.

- Não sei...  Não consigo analisar direito por que fico ocupado demais pensando nele, ou notando o que está fazendo... Conheço todos os gostos, as manias... posso listar as roupas que ele mais gosta de usar e sinto o perfume dele de longe... Não consigo deixar de agir como um idiota quando ele está perto e... tenho a maior fome em saber que gosto ele tem.

O baterista ficou em silêncio, impressionado. Voltou lentamente para o sofá, jogando-se nele.

- Tem quanto tempo?

- Não sei.

- Desde antes de ele começar a sair com Kovu?

- Eu não sei, Kai. Não consigo definir. – o olhar angustiado do guitarrista fez Kai parar.

- Isso não é bom.

- Vem dizer para mim? – Aoi sacudiu a cabeça, tragando o cigarro.

- Chega a ser irônico... – Kai murmurou, perdido em pensamentos – Tem quanto tempo que ele se declarou? Dois anos?

Aoi suspirou pesadamente. – Tem três anos, agora.

Kai mordeu o lábio, pensativo.

– Depois de tanto tempo...

- Eu não percebi. Achei que estava mais interessado por causa de tudo o que aconteceu. Não notei quando deixou de ser por causa dele e passou a ser porque eu queria. – o tom baixo de Aoi chamou a atenção do baterista – Eu ficava realmente feliz em poder dividir o quarto e ficar mais perto e queria morrer quando ele e Kovu eram carinhosos um com o outro. Vi um beijo dos dois na porta do apartamento do Uru... doeu tanto que não consegui me mexer... Doía quando os dois se sentavam perto e só ele ganhava os sorrisos, a atenção... me senti quase sufocado quando notei que Kovu estava dormindo com ele, acordando com ele... senti ciúme e inveja...

Kai o observou em silêncio. Ruki já tinha comentado algo sobre o comportamento de Aoi com Uruha, mas ele não tinha dado importância. O guitarrista moreno realmente se empenhou em deixar o outro à vontade, mas tinha achado que era por causa de tudo. Nunca passou pela cabeça do líder que tanto cuidado tinha um outro motivo.

- E onde isso nos leva? – Kai perguntou, sério.

- A lugar nenhum. Não pretendo levar isso adiante – depois de uma pausa, o moreno continuou – Não tenho esse direito.

Kai elevou uma sobrancelha.

- E esse ataque gratuito de ciúme é sua forma de fazer isso?

- Eu não planejei isso. – o moreno se defendeu – Eu não pensei, só não queria mais vê-los juntos.

- Precisamos pensar num jeito de explicar isso, Aoi. E não só para Nadao-san e Reita... para Uruha também.

O guitarrista moreno deu um suspiro cansado.

- Estou irritado comigo mesmo, Kai. Eu tenho me policiado muito para não deixar nenhuma ponta solta. Sinto muito se não consegui segurar dessa vez.

- Posso fazer uma pergunta idiota? – o baterista encarou o outro vivamente.

Aoi olhou para ele, assentindo.

- E Akaya?

Um esgar passou pelo rosto do moreno.

- Estou sendo um canalha, não é? Mas não é como se eu estivesse fazendo por querer... eu ainda gosto dela, mas...

- Precisa resolver essa situação, Aoi. Isso pode ter conseqüências sérias.

- Eu sei. Queria que tivesse uma saída fácil.

- Não existe saída fácil. Isso Uruha descobriu e agora é a sua vez.

O moreno o encarou, mordendo o lábio. Meses de controle e vigilância caíram diante dos olhos de Kai e ele viu o momento exato que Aoi simplesmente desabou. Lágrimas encheram os olhos negros e escorreram sem controle pelo rosto bonito.

- Estou perdido, Kai.

O baterista se sentou ao lado do amigo, tirando-lhe o cigarro no fim. Os dedos do moreno estavam já um pouco queimados, mas ele não pareceu perceber. Kai suspirou e aninhou o amigo nos braços, deixando que chorasse. Tentou pesar o sofrimento que o outro enfrentou sozinho e desistiu. Acariciou o cabelo comprido, ouvindo os ofegos angustiados do guitarrista.

Por um momento pensou na sorte que Aoi teve. Quando Uruha chorou desconsolado, não havia ninguém por perto.

 

****

 

Do outro lado da porta, encolhida na sombra, Akaya tapou a boca para não gritar. Os olhos dela se encheram de lágrimas amargas. Seu pior pesadelo nos últimos meses estava se confirmando. Não era tola a ponto de não perceber as mudanças no amante. Aoi estava diferente.

Ele se esforçou muito mas ela notou. No começo, achou que poderia ser uma curiosidade natural, mas depois, ignorar era burrice. Os olhares, o interesse... as vezes em que Aoi seguia Uruha com o olhar de um jeito....

Obrigou-se a pensar que os silêncios prolongados, as carícias rápidas e descompromissadas pudessem ter outro tipo de causa. Cansaço ou stress... qualquer coisa menos outra pessoa.

O problema é que não conseguiu mais se enganar. Os beijos tinham mudado, a necessidade e a saudade também.

Sem que pudesse se conter, ela correu de volta para o apartamento e se trancou. Quando soube da briga, por alto através de comentários, achou que era com outra pessoa, não com Kovu. Akaya sentou-se na borda da cama, sentindo as lágrimas escorrerem.

Não podia nem contar com o benefício da culpa do loiro, dessa vez. Acusa-lo estava fora de cogitação. Uruha estava feliz ao lado do namorado e mesmo que ainda houvesse um sentimento por Aoi, estava enterrado tão fundo que não tinha mais poder nenhum.

Lentamente, ela se lembrou de cada desculpa estranha, de cada carícia recusada... Aoi quase não permitia mais que ela fosse nas viagens e apesar de estarem juntos, a distância era quase palpável. Sabia que ele e Uruha não dividiam mais o quarto depois daquele live em que Aoi ficou bêbado. Desconfiou na época, de que poderia ter acontecido algo estranho, pelo comportamento do guitarrista loiro, mas depois deixou para lá. Agora não tinha mais tanta certeza. Foi depois daquilo que Uruha arrumou um namorado.

E agora isso, tanto tempo depois. Quase como um castigo...

Ela respirou fundo e levantou-se. Entrou no banheiro disposta a tomar um bom banho e dormir. Sabia que Aoi não ia querer conversar e tinha certeza de que nisso concordava com ele. Depois do banho, ela se preparou para dormir. Pensaria melhor no que fazer depois disso.

Pelo menos, seu relacionamento não corria um risco imediato. Uruha estava namorando firme com Kovu e ambos se davam bem. Aoi também tinha dito a Kai que ainda gostava dela... então tinha uma chance.

Podia reverter tudo e fazer Aoi se apaixonar de novo. Só esperava que ainda tivesse tempo.

 

***

 

Kovu encarou o copo de café e ergueu os olhos, vendo Reita e Uruha juntos do outro lado. Usando a desculpa do café, afastou-se dos dois. Seria idiota se ignorasse o ciúme que viu nos olhos do guitarrista moreno. Foi tão claro que quase cegou.

Respirou fundo e determinou acalmar-se. Sabia da história por Uruha, que optou por não esconder o antigo sentimento. Nobre da parte do namorado. Se ele não tivesse contado, não saberia o que estava enfrentando agora.

- Kovu?

Virou-se ao ser chamado, vendo o namorado quase a seu lado. Deu um sorriso calmo e estendeu o copo tampado.

- Obrigado. – o loiro correspondeu ao sorriso.

Reita pegou o outro copo, sério.

- O que o médico disse? – o jovem perguntou, olhando de um para o outro.

- Não foi nada sério. Só sangrou daquele jeito porque a pele se partiu – Uruha explicou, baixo – Ele está descansando agora. Levou quatro pontos mas amanhã pode voltar para casa.

- Que bom. – Kovu respondeu.

- O que aconteceu lá, Kovu? – o tom de Reita saiu raspando.

- Eu não sei, Reita. Shiroyama-san veio para cima de mim e Ruki tentou segurar. – o rapaz optou pela verdade.

- O que você fez? – o olhar do baixista estava faiscando.

- Nada.

- Ele te atacou do nada? – a incredulidade podia ser sentida claramente na voz do loiro.

Kovu sustentou o olhar, deixando o baixista sonda-lo.

- Eu não fiz nada.

- Eu estava lá, Rei... Kovu não fez nada. – Uruha disse, incomodado com a atitude do amigo.

- Você estava de costas.

- Então porque não pergunta para algum dos rapazes que estavam lá? – Kovu ofereceu, disposto a deixar claro que não havia feito nada.

Reita o encarou atentamente, tomando o café. Não sentiu que o rapaz estivesse mentindo, mas não significava nada. Queria saber por que Aoi agiu daquele jeito tão violento. Deu de ombros e se afastou em silêncio.

- Ele não acredita em mim. – o jovem constatou, desanimado.

- Só até ele ouvir dos outros. Ele é assim e ainda mais agora, que Ruki está ferido. – Uruha respondeu, encostando-se à parede.

Kovu analisou o namorado. Tinha sorte em ter o guitarrista. Apesar de confuso, Uruha era uma ótima pessoa para se ter por perto. Resolveu ter algumas respostas antes que ele percebesse o que tinha acontecido.

- Porque acha que Shiroyama-san fez aquilo? – perguntou, tentando parecer despreocupado.

- Eu não sei, fiquei muito surpreso para conseguir pensar.

- Ele nunca gostou de mim. – Kovu declarou, olhando para fora pelo vidro da janela.

Uruha olhou para ele, sem ter como rebater. Era verdade.

- Isso não importa, Kovu. – Uruha respondeu, cansado – Não é da conta dele.

- O que faria se ele dissesse que é? - o guitarrista não escondeu a surpresa com a pergunta. Kovu olhou para ele e encolheu os ombros - Se ele simplesmente se desculpar por antes e disser que é da conta dele agora... - Uruha sacudiu a cabeça, rindo e o jovem inclinou a cabeça, curioso - Por que está rindo?

- Porque todo mundo acha que desculpa é borracha? – o loiro devolveu, terminando o café.

Olhou em volta e atirou o copo na lixeira, ainda rindo baixo. Kovu o observou em silêncio e Uruha devolveu o olhar.

- Eu já te contei o que aconteceu. – ele ficou subitamente sério – Eu sofri muito, bem mais do que pensei que poderia agüentar e fiz isso sozinho. Em vez de ficarem a meu lado, eles escolheram a banda. Eu até entendo, mas não esqueci. Voltei porque era a coisa certa a fazer e não por ter esquecido. Eles não perguntaram nada e eu não expliquei nada. Diante de tudo isso, um pedido de desculpas é simples demais, não acha?

- Isso não responde o que eu perguntei. – o jovem constatou.

- Responde sim. Significa que desculpa não é borracha e nunca apagaria tudo o que eu passei.

 Kovu ficou em silêncio, olhando dentro dos olhos negros de Uruha. O loiro não desviou, ciente de que não podia deixar brechas naquele momento.

- Você sabe por que ele fez isso. – não era uma pergunta – Só não quer dizer em voz alta.

- Eu só poderia supor, Kovu, e isso seria leviano. Além do mais, seja qual for o motivo, ele não tinha razão de fazer o que fez e isso é fato. Ninguém pode ser responsável pelo descontrole dele a não ser ele mesmo.

Uruha virou-se e se encaminhou para onde Reita estava, encerrando a conversa. Kovu ainda o observou por mais alguns minutos, aliviado. Ele sabia, sabia do ciúme do moreno e não estava se importando.

 

****

 

Ruki deixou o hospital e proibiu Reita ou Uruha de questionarem Aoi. A explicação geral é que ele estava sobrecarregado com a produção das músicas e estressado com as cobranças. Um pedido formal de desculpas a Kovu e aos outros jovens foi feito e relutantemente aceito. Ruki e Kai se empenharam em desfazer a impressão ruim deixada pelo guitarrista moreno dentro da equipe, mas tiveram trabalho.

 

- Eu não queria isso! – Aoi argumentou, irritado – Eu vou acabar sendo o culpado!

- Foi decisão do Nadao-san. – Ruki respondeu, cansado.

Kai e Reita se entreolharam.

- Ele não vai aceitar. – o baixista comentou e então olhou para o guitarrista moreno – E a culpa é sua mesmo, não é?

Aoi estreitou os olhos e Kai se intrometeu.

- Agora não é hora para isso. Temos que pensar...

Não terminou, a porta se abriu e Uruha entrou, irritado.

- Kai, tem alguma coisa para me explicar? – perguntou, com a voz perigosamente baixa.

O baterista respirou fundo.

- Não tivemos culpa, Uruha. Nadao-san achou melhor...

- Não tiveram culpa? – o tom do loiro destilou veneno e ele sorriu friamente – Sério mesmo? Então Nadao-san achou melhor tirar Kovu da nossa equipe e coloca-lo com o Screw? Assim, do nada?

Ruki se levantou e encarou o amigo, seriamente penalizado.

- Eu sinto muito, Uru. Nenhum de nós achou que isso ia acontecer...

- Já que todos sentem e não queriam, podem desfazer, não é?

Kai ficou em silêncio e Ruki desviou os olhos. Aoi estava no canto, sem saber o que poderia dizer ao loiro.

- Não é bem assim, Uru... – Kai começou, incerto, tentando achar as palavras – É melhor por enquanto que...

- Já ouvi isso antes, Kai. Talvez esteja na hora de mudar o discurso. – Uruha rebateu, ácido.

O baterista o encarou, corando. O loiro sacudiu a cabeça, sem acreditar no que estava acontecendo. Virou-se, disposto a deixar a sala.

- Quando você se acalmar, vai ver que foi melhor. – Reita comentou, olhando o amigo.

- Melhor para quem? Para o Aoi? – Uruha perguntou, virando-se. Reita mordeu o lábio – Porque ele é o culpado dessa vez. Nem eu e muito menos o Kovu fizemos nada para que acontecesse, e mesmo assim, fomos nós os penalizados. Estão protegendo ele de novo...

O tom raivoso do guitarrista fez Aoi se levantar. Ruki e Reita também, temendo um confronto.

- Eu já pedi desculpas. – o moreno disse, inconformado.

- Que não valeram nada. – Uruha rebateu, encarando-o – Da próxima vez, tente ser mais sincero, ok? Não machuca tanto quanto acha.

O loiro saiu da sala, deixando o estúdio. Os músicos se entreolharam. Reita ainda não estava plenamente convencido da história toda e sabia que Ruki e Kai estavam escondendo alguma coisa.

- Só espero que o que estejam escondendo valha o problema todo. – comentou, sem se dirigir a ninguém.

Sem esperar deixou o estúdio, disposto a ir atrás do guitarrista loiro. Devia a ele algum crédito.

Aoi se deixou cair sobre o sofá e Ruki olhou para ele, sem saber o que fazer.

- Ele está com raiva agora, mas depois se acalma. Além do mais, não fomos nós... – comentou, tentando fazer o mais velho se sentir menos culpado.

- Não vai adiantar nada. – Aoi respondeu, sombrio – Ele está certo. Eu sou o culpado e vocês estão me protegendo.

Kai e Ruki se entreolharam, sem argumentos. A situação estava totalmente inversa e eles não sabiam mais o que fazer.

 

****

 

Uma semana depois, Kai entrou no prédio da PS Company e notou a movimentação estranha. Dirigiu-se para a recepção mas antes que chegasse lá, foi puxado pelo braço. Ruki o tirou do meio do pessoal, levando-o para trás da coluna próxima ao elevador.

- Chegou agora? – o cantor perguntou, sério.

- Cheguei. O que aconteceu?

- Não sei como vai ser isso, Kai. – Ruki falou, desviando os olhos – Me sinto culpado...

- O que aconteceu, Ruki?

- O ônibus do pessoal de apoio do Screw sofreu um acidente feio.  – ele olhou para o lado, mordendo o lábio.

Kai paralisou, completamente chocado.

- E Kovu? Está bem?

O olhar mortificado de Ruki o fez empalidecer.

- Não... – a negativa do baterista saiu num murmúrio.

- Eles estão esperando a lista do hospital para fazer o comunicado. – o tom do vocalista baixou ainda mais – Kai... o que nós fizemos?

O baterista olhou em volta, tentando pensar.

- Não fomos nós. Quer dizer... ninguém disse nada quando a mudança... podíamos realmente ter evitado mas... não sei... Ruki, onde está Uruha?

- Ele ainda não voltou da casa dos pais. Parece que volta hoje ou amanhã... – disse, encolhendo os ombros – Não quero encara-lo. Se as coisas já estavam estranhas, agora é que vão enlouquecer de vez.

Kai segurou Ruki e levou-o até o elevador. Ambos subiram em silêncio, pesando a notícia. No estúdio, Reita e Aoi estavam silenciosos também e Akaya, encolhida num canto.

Kai simplesmente se jogou sobre o sofá, pensando desesperadamente numa forma de minimizar para o guitarrista loiro. Era pior porque Kovu teve que viajar dois dias depois da briga e Uruha não tinha conseguido falar com ele. Depois eles mesmos tiveram que viajar e fazer um show, adiando qualquer encontro entre os dois.

- Temos que ligar para ele... – Kai comentou, mortificado.

O silêncio que recebeu como resposta deixou claro que ninguém faria aquilo, a não ser ele mesmo. Lentamente puxou o celular e discou os números.

- Uru? Oi... – a voz falhou horrivelmente. Um silêncio e então, respirou fundo – Você tem que voltar hoje, Uru... aconteceu uma coisa... sinto muito... – outra pausa – Não, não com a gente...  – era hora e Kai empalideceu totalmente – Foi com o Kovu... sinto muito, Uru... ele... ele está...  - as lágrimas escorreram e Kai segurou a cabeça com as mãos – Aconteceu um acidente... Uruha? – o baterista fechou os olhos com força e depois de alguns minutos, desligou o telefone. – Ele está voltando.

 

Aoi se encolheu, claramente incomodado com a situação. Não podia saber e, no entanto, não ajudava nada para sentir melhor. Reita, Kai e Ruki estavam chocados e penalizados pelo casal e sabiam que, para o guitarrista moreno, as coisas estavam piores do que antes.

 

Akaya estava pensativa, dividida entre ter pena de Uruha pela perda, ou amaldiçoar o jovem que morreu. Agora o guitarrista loiro estava sozinho e precisava de consolo. Tudo o que não precisava. Pensou friamente que ele podia culpar Aoi por tudo e não se aproximar, mas também o contrário podia acontecer, agora que estava fragilizado. Por mais que tentasse não pensar em si mesma, ela não conseguiu.


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