Dou um passo após o outro cautelosamente para não espantar os animais. Essa é a primavera mais florida que me lembro de ter vivido. Prim iria amar. Prim... Balanço a cabeça para evitar pensar nela ou não vou conseguir me concentrar. Com o canto dos olhos, vejo um vulto. Um veado. Exatamente como o que eu e Gale caçamos no aniversário de Prim para comprá-la um presente

Gale. Prim.

Esses dois nomes não se encaixam em um único pensamento e parece até errado juntá-los na mesma frase. As lembranças daqueles horríveis dias pairam em minha mente e me apoio na árvore mais próxima. “Esqueça isso, Katniss.” Digo para mim mesma. Olho para os lados em busca do veado, mas ele desapareceu. Devo tê-lo espantado.

Suspiro. Está meio óbvio que não vou conseguir caçar nada além do que já consegui. Decido voltar para casa, mas mal dou um passo e sinto minha cabeça girar. Prim. Gale. Meu pai. Rue. Madge. Cinna. Finnick. Peeta. Minha mãe. Arenas. Mortes.

Tudo isso passa em flashes na minha cabeça. Tem alguém gritando. Sinto a terra próxima ao meu rosto e meu corpo cai na grama. Quem está gritando sou eu. Espero um incontável tempo até que as lembranças parem. Respiro aceleradamente. Meu nome é Katniss Everdeen. Participei das 75º e 74º Edições dos Jogos Vorazes. Participei de uma revolução. Minha irmã morreu por causa do Gale. Eu o odeio. Peeta foi telessequestrado. Eu o amo. Todos estão mortos. A guerra acabou. Eu devia ter morrido. Tudo está em paz.

Levanto-me depressa demais e minha visão fica escura por alguns segundos. Corro em direção a cerca da floresta. Preciso sair o mais rápido possível dali. Os bestantes estão atrás de mim, os bestantes da primeira arena. Tropeço e caio, e não os vejo mais. Agora a névoa envenenada me persegue. Grito aterrorizada e corro o mais rápido que minhas pernas permitem até conseguir chegar em casa.

Abro a porta violentamente, estou arfando. As lembranças voltaram e não param. “Peeta” Sussurro, mas ele não me ouve. “Peeta!” Grito, e em segundos ele surge do meu lado, com as feições demonstrando preocupação.

— Katniss, o que aconteceu? — Ele pergunta enquanto me abraça — Lembranças?

Confirmo com um aceno de cabeça.

— Os bestantes, a névoa, Prim, Finnick e meu pai morrendo, você sendo telessequestrado... — Sinto as lágrimas descendo livremente pelo meu rosto e soluço incontrolavelmente.

Ele me abraça mais forte e recordo os momentos em que ele não se lembrava de mim como antes. Quando ele tentou me matar e me odiava. Quando ele esqueceu todo o amor que sentia por mim. “Pare de pensar nisso” Repreendo-me. “Isso não importa agora”.

Como se pudesse ler minha mente, Peeta se afasta de mim. Seus olhos estão diferentes. “Katniss...” Ele diz, atordoado. Não, ele não pode ir embora, ele não pode me deixar aqui. Não, não, não!

— Peeta — Tento chegar perto, mas ele se afasta como se eu fosse algo abominável.

Contra a sua vontade, eu o abraço. Consigo ouvir as batidas desesperadas de seu coração e começo a gritar seu nome, numa tentativa de trazê-lo de volta para mim.

— Katniss — Ele murmura, não mais com medo. Peeta respira e tenta se acalmar — Eu fui telessequestrado, real ou não real?

— Real — Respondo, limpando a garganta. Ele ainda usa esse jogo após suas crises — Você foi torturado pela Capital.

Lembrar disso é doloroso, mas é necessário para que ele organize os pensamentos. “Você me ama. Eu te amo. Real ou não real?” Ele pergunta. Envolvida em seus braços, eu nunca hesito em dizer “Real.”