A Ladra e a Guarda escrita por Arqueiroarcano


Capítulo 7
Capítulo VII


Notas iniciais do capítulo

Estou postando cedo - para o meu fuso horário, pro pessoal do Sudeste do país, com horário de verão já tá tarde pacas, mas de boa.
Boa leitura, espero que gostem, pois este capítulo está especialmente delicioso!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453853/chapter/7

Na manhã do quarto dia após o roubo, Tyrill estava em um velho armazém fechado, num edifício da Cidade Baixa, com uma lista de produtos contrabandeados na mão. Ela recebera uma proposta de comprar algumas armas e outros itens por um preço mais baixo, que ela poderia repassar a alguns conhecidos dela com um lucro interessante.

Combinara de se encontrar ali, antes do almoço, com Doric e Tan, para discutir com eles esse projeto bastante lucrativo. Claro, Doric ia, finalmente, comprar uma espada nova, então ia ficar mais indeciso do que uma daminha da nobreza escolhendo um vestido. Tyrill lembrava que a única coisa que faltava era ele beijar a espada antiga, de tanto que ele gostava dela. Tan, por sua vez, devia estar um tanto bêbado, mas isso era o de menos.

Ela passou a mão pelos cabelos curtos e loiros: aquela seria uma boa chance de ganhar muito dinheiro, se investissem nas mercadorias certas...

A noite havia sido tensa na Guarda da Cidade. Outros dois guardas haviam sido encontrados mortos, também ressecados e envelhecidos, todos na Cidade Baixa. A Capitã Aveline já havia ordenado reforçar as patrulhas na área, para que nenhuma rota tivesse apenas um guarda, e alguns Templários estavam procurando pistas do apostata, mas sem sucesso. O curioso é que mesmo um Templário experiente que foi consultado, achou bastante incomum a forma como foram encontrados os cadáveres.

Assim, a Cidade Baixa estava bastante agitada desde as primeiras horas da madrugada. Quando Shara desceu os últimos degraus da longa escadaria que dava acesso à aquela zona da cidade, era visível que a notícia sobre o estranho assassinato dos três guardas já se espalhara.

A guarda estava decidida a tentar alguns últimos contatos, antes de ir procurar os Templários para conseguir algo sobre tal Xaligham. Era um tentativa a ser feita apenas por desencargo de consciência, por isso, não foi sem surpresa que, quando Shara chegou a um aglomerado de tendas de mercadores e viu, ali, um homem moreno com uma bandana nos cabelos, que batia com a descrição de um dos comparsas de Tyrill, escolhendo uma espada, Shara começou a agradecer ao Criador, enquanto entrava na barraca de Vincento, um elfo que vendia diversos artigos e que conhecia muita gente, de quem Shara era, se não amiga, alguém por quem ele tinha estima.

– Vincento – perguntou Shara, olhando pela borda da barraca, enquanto o homem moreno, cujo nome, se ela estava certa, era Doric, acariciava outra espada, como se fosse sua filha – quem é aquele sujeito?

– Aquele ali? – ele apontou discretamente – Acho que é um mercenário, algo assim. Está com uma boa grana e quer uma espada da melhor qualidade. Não levou nenhuma das minhas, infelizmente.

O bandido avaliava as espadas com o olhar de profundo conhecedor, testava como o punho se adaptava à sua mão, deslizava o dedo pela cava central da lâmina e media o centro de massa. Tão absorto em sua tarefa, ele nem percebeu que Shara conseguiu reunir mais dois guardas que andavam pelo mercado, para ajudá-la. A excitação crescia dentro da guarda de cabelos negros.

Shara, agora acompanhada de um guarda moreno, chamado Hazen e outro cujo nome ela não lembrava, esperou pacientemente Doric finalmente se decidir por uma espada. Ele pagou sem nem negociar o preço: disse algo sobre “não desmerecer uma obra de arte”. E foi embora sem olhar para trás, feliz e concentrado como uma criança com um novo brinquedo.

Um sorriso brotou no rosto de Shara, enquanto ela e os outros guardas acompanhavam Doric de uma distancia segura, olhando sempre um pouco para a direita e além dele. Shara sorria em parte por estar se divertindo com o bandido e em parte pela perspectiva de sua revanche contra Tyrill.

Quando o homem de bandana nos cabelos começou a enveredar por caminhos mais desertos, os três guardas passaram a segui-lo ainda mais cautelosamente, cuidando para que as armaduras não fizessem muito barulho, pois, numa ruela vazia seria muita coincidência três guardas e ele estarem no mesmo caminho. Claro, poderiam prendê-lo, mas Shara sentia que Doric não entregaria os companheiros nem sob tortura. Ademais, uma ladrazinha esperta com Tyrill iria logo arranjar outro esconderijo, então qualquer pista que Doric soltasse seria inútil.

Por fim, Doric chegou a um armazém velho, um prédio de pedra castanha. Shara e os outros guardas se esconderam atrás de um caixote próximo, enquanto ouviam Doric entrar. A guarda examinou o perímetro. Havia uma escada externa que dava para uma janela lateral no segundo andar e a porta por onde Doric entrara. Duas janelas frontais em cada andar, todas tapadas por tábuas.

– Vocês dois, entram pela frente, eu cubro o segundo andar – comandou ela, os dois assentindo – Deem-me algum tempo e então podem entrar. Firam eles, se necessário, mas não os matem.

– Certo, vamos pegar esses canalhas! – concordou Hazen, que deu um soco amistoso no ombro de Shara e partiu com o outro guarda.

Shara subiu a escada o mais habilmente que a armadura permitia. Entrou pela janela, pisando num piso poeirento de madeira. No meio do piso havia um enorme vão, que dava uma excelente vista do térreo. Havia algumas vigas de madeira cruzando o vão, ligando um lado ao outro, compondo a estrutura da construção. Uma sólida escada dava para o piso inferior.

Lá embaixo, Tyrill conversava com Tan e Doric, rindo, recriminando, sem seriedade, o atraso de Doric. Shara notou, com tristeza, que havia duas outras saídas, no térreo, que eles não haviam previsto.

Então, a porta foi arrombada, com gritos de “Guarda de Kirkwall, rendam-se!” e “Parados”. Cada um dos bandidos tomou uma direção. Shara ia descer para ajudar, quando percebeu que Tyrill fugia direto para ela.

Quando a ladra loira percebeu, era tarde demais: estava perante Shara, a guarda empunhando sua espada, um olhar decidido no rosto.

– Eu disse que ia encontrar você, vadia – rosnou Shara. Notou uma fagulha de apreensão no olhar da outra, mas ignorou-a.

Tyrill respirou fundo e sacou duas adagas compridas e levemente curvadas.

A loira pareceu que ia dizer algo, mas Shara não lhe deu tempo. Avançou para ela com um brado, golpeando na diagonal, forçando Tyrill a se esquivar e responder. A ladra golpeou com uma adaga cortando, mas Shara aparou o golpe e afastou Tyrill com um chute.

Shara atacava com paixão, com ferocidade, desejando, de fato, ferir a outra. Tyrill, por sua vez se defendia como podia da ofensiva intimidadora da oponente. A guarda foi atacando e rodeando sua oponente, até que tudo que Tyrill tinha as suas costas era o vão. Encurralada, ela começou a atacar, também.

A ladra era mais ágil, a armadura de Shara a estorvava um pouco, mas também a protegia de ferimentos menores.

A mulher de cabelos negros desferiu um corte vertical contra Tyrill, que aparou com as duas lâminas ao mesmo tempo, formando um xis com as adagas. As duas se mediram no olhar.

Tyrill empurrou a espada da oponente para o lado e saltou, saindo da frente do golpe eminente. A ladra tentou, então, uma tática diferente. Pulou na viga mais próxima e começou a andar na direção do outro lado, provocando:

– Já que você me quer tanto assim, venha me pegar!

Shara calculou a largura da viga. Dava para se equilibrar, se não fosse muito rápida, mesmo de armadura. Calculou, também, que uma queda machucaria bastante. Alguns ossos quebrados. A coluna, se não tivesse sorte. Respirou fundo e seguiu a ladra, que já se encontrava da outro lado.

Teria sido fácil para Tyrill arremessar algo contra Shara e derrubá-la dali, mas ela não queria machucar a guarda. Claro, para escapar, ela teria de machucá-la, mas um simples golpe na nuca talvez resolvesse o caso, novamente.

Com as duas do mesmo lado novamente, elas recomeçaram a troca de golpes. Conforme se movia, Shara começou a sentir o chão estalar, percebendo que aquela parte do piso, velho como era, estava querendo ceder. O que não era bom sinal. A guarda tentava a todo custo evitar os pontos que soavam mais delicados do piso, mas Tyrill insistia em empurrá-la para lá.

A guarda golpeou na direção das pernas de Tyrill, que saltou e já aproveitou para mirar uma cutilada na direção do ombro de Shara, que por sua vez aparou o golpe. Então Tyrill aplicou um excelente chute que jogou a guarda estatelada a alguma distancia, com um barulho tilintante de metal e um ruído ominoso do piso.

Quando a mulher loira se aproximou, parte do piso onde ambas estavam ruiu, com um estrondo grandioso, o chão partiu, formando uma espécie de rampa, um escorrega maligno, pelo qual ambas escorregaram, gritando de surpresa, e foram projetadas sobre um caixote, que se partiu no impacto.

Para sorte das duas, havia uma grossa camada de palha, velha e ressacada, no fundo do caixote, que minimizou os efeitos da queda. Ambas estavam emboladas e um tanto atordoadas.

A primeira reação de Shara, além de agradecer ao Criador por estar inteira, foi procurar sua espada, mas esta não estava em nenhum lugar à vista. Tyrill caíra sobre a guarda e estava tentando se localizar, também. Shara correu a mão, então, para a cintura de onde puxou um punhal.

Tyrill, desarmada, vendo a outra sacar uma pequena, mas mortífera, lâmina, pensou rápido e fez a coisa mais inesperada que lhe ocorreu: sentada em cima da outra, agarrou-lhe o pulso que estava com o punhal com uma mão, empurrou seu ombro com a outra e deu-lhe um longo beijo.

Shara foi pega de surpresa pela reação da outra, mas logo tentou resistir e até mordeu Tyrill, mas esta, se retraindo levemente com a mordida, mas insistindo no beijo, agarrou o outro pulso da guarda e a imobilizou.

Tyrill afastou-se de Shara, o suficiente para mirarem-se nos olhos. A ladra tinha um pequeno filete de sangue no lábio, onde fora mordida. Ambas tinham cortes pequenos e escoriações devido à queda. Estavam sujas e suadas pelo esforço da luta. Shara tentou se libertar mais uma vez, sem sucesso. Sua respiração ofegante, sentindo o peso de Tyrill sobre seus quadris, as duas se fitaram por um longo instante. Havia um desejo incontido, nas duas, que não precisava de palavras para expressar.

As duas se beijaram: um beijo com gosto de metal e sangue, gosto de raiva e paixão, de pedido de desculpa e de perdão.

– Shara – começou Tyrill – não era a minha intenção...

Um grito agudo, de gelar o sangue se fez ouvir, seguido de dois outros gritos, de surpresa, pavor.

E quando Shara exclamou “Hazen”, Tyrill disse “Tan”.

Um mesmo olhar determinado passou pelo rosto de ambas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigado a quem está acompanhando. Quem não está comentando, eu gostaria de ouvir sua opinião. Às minhas queridas leitoras Yurine Hanara e Senhorita SM, meus sinceros agradecimentos!
Até domingo!