A Ladra e a Guarda escrita por Arqueiroarcano
No fim, dançar, nem foi uma experiência assim tão horrível. Emelyn conduziu Shara com maestria, dando instruções quando necessário. Não, é claro, que isso evitasse que Shara pisasse no pé da parceira, ocasionalmente, especialmente, enquanto a guarda tentava vigiar os arredores, enquanto volteava pelo salão. Houve também um momento onde Emelyn roçou inadvertidamente na manga onde Shara ocultava uma adaga, e um momento de reconhecimento passou por seus olhos, para depois sumir, tanto que Shara se perguntou se a outra teria percebido o que era.
Ao final de mais duas músicas, as duas pararam de dançar, sorrindo travessamente, os rostos afogueados pela dança. Shara estava realmente gostando da companhia e do contato da jovem nobre.
– Vamos até a sacada tomar um ar? – pediu Emelyn, se abanando com a mão.
– Tudo bem, vamos.
Emelyn estendeu a mão e Shara, com certa surpresa, aceitou. Foram as duas de mãos dadas, atravessando o salão. A guarda avistou um colega, também disfarçado, que lhe lançou um olhar malicioso e divertido. Shara, sem que Emelyn visse, devolveu o olhar com um gesto obsceno, mostrando o dedo médio para o outro guarda, que soltou uma risada.
As duas atravessaram uma porta dupla de madeira, que dava acesso a uma confortável sacada que se encontrava deserta, erguendo-se sobre um belo jardim murado, talvez a parte mais bela da propriedade de Lorde Henry. Conversaram por algum tempo, perto da mureta, olhando o jardim bem cuidado ali embaixo, apreciando a proximidade uma da outra.
– Sabe, devíamos ver-nos mais vezes – comentou Shara, que imaginava se poderia contar à Emelyn que era uma simples guarda da cidade. Tinha medo de que a outra a desprezasse por não ser uma nobre, nem nada. Por outro lado Emelyn parecia estar acima deste tipo de frivolidade, mas, ainda assim, ela... A jovem loura, cujos cabelos curtos reluziam ao luar, tocou a outra no ombro.
– Decididamente, precisamos nos ver novamente – ela se inclinou para mais perto da guarda.
– Eu acho que...
Shara foi interrompida, quando a mão de Emelyn passou repentinamente do seu ombro para a sua nuca e a beijou impetuosamente. Um beijo longo apenas o suficiente para o susto ceder lugar a outro sentimento.
A jovem interrompeu o contato, esperando uma reação de Shara. Como ela não mostrasse descontentamento. Emelyn a beijou novamente, dessa vez com mais volúpia, enquanto Shara correspondia, ainda que um pouco sem jeito. Beijaram-se por alguns momentos, trocando carícias delicadas.
Elas descolaram os lábios, Shara envolvendo a cintura da outra com os braços, meio sem jeito, e um sorriso na boca. Emelyn passou a língua pelos lábios, sugestivamente, e disse:
– Não saia daqui, vou buscar mais uma bebida para nós.
– Estou esperando – disse a guarda sorrindo.
Enquanto Emelyn adentrava o salão, Shara observou o jardim abaixo, sem notar muito a paisagem, com a mente fervilhando de coisas. Seus pensamentos corriam por uma infinidade de coisas. Shara estava solteira a bastante tempo. Mais do que gostaria de admitir, na verdade, e não sabia nem muito bem o que deveria sentir.
A guarda esperou, enquanto divagava.
Após algum tempo, a demora de Emelyn começou a inquietá-la e resolveu ir atrás da jovem. Estava insegura. Será que ela havia mudado de ideia e se arrependido de tê-la beijado?
Shara começou a procurar a outra no salão, quando se iniciou uma comoção.
Ela correu na direção do distúrbio, e fez contato visual com outros dois guardas disfarçados.
– Terceiro andar, rápido! – bradou um deles.
Shara viu de relance o tenente Jalen mandando uma guarda ficar junto do Lorde Henry.
Shara junto com outro guarda subiu as escadarias, enquanto um dos homens da guarda pessoal de Henry vinha mancando e gritando:
– Ladrões! Na sala das joias!
A guarda segurou as barras do vestido e correu, amaldiçoando a impraticidade daquele disfarce. Ia entrar na sala das joias, mas viu no fim do corredor uma figura feminina correndo.
– Parada! – bradou Shara – Guarda de Kirkwall! Pare aí mesmo!
A figura continuou correndo, quando passou por uma janela, a luz da lua mostrou um vestido violeta. Shara seguiu a fugitiva até uma escada que dava no sótão.
A mulher fechou a porta atrás de si. Shara não hesitou em segurar a adaga com a mão direita e arremeter com o ombro esquerdo na porta, que cedeu facilmente.
Assim que Shara cruzou a soleira, um vulto saltou sobre ela e uma lâmina brilhou na sua direção. A guarda se defendeu e conseguiu empurrar sua atacante para longe.
Foi então que ela viu.
– Você?
Com uma adaga recurva numa mão e um colar na outra, lá estava Emelyn.
– Então quer dizer que você é uma guarda! Que surpresa! – Emelyn parecia decepcionada. Shara, por sua vez, estava furiosa.
– Sua vadia! Largue essa maldita adaga, antes que eu decida acabar com a sua raça.
– Calma! Olha – a ladra começou a se explicar – eu não sabia que você era da guarda, eu só...
– Cale a boca e se entregue de uma vez!
– Sinto muito, Shara, isso eu não vou fazer.
– Como queira!
No momento em que a guarda se preparava para investir contra a oponente, percebeu, tarde demais, um movimento atrás de si. Shara recebeu um golpe na cabeça e caiu no chão. Estrelas espocaram na sua visão.
– Perdi minha espada lutando contra um daqueles bastardos lá embaixo – disse uma voz masculina – está com o medalhão?
– Estou, tome, ainda tenho algo a resolver aqui!
– Certo, não demore! Esses filhos da puta estão em todo lugar!
Além da dor no crânio, Shara sentia uma raiva inesperada. Sentiu que a ladra agora virava-a e, sem enxergar muito bem, tentou lutar, mas logo sentiu uma lâmina na garganta. Não sabia onde estava a própria adaga.
– Desculpe-me, Shara – a guarda conseguiu ver um sorriso triste no rosto da outra – parece que isso arruína nossos planos de nos vermos novamente.
– Ao contrário – grunhiu a guarda da cidade, com o penteado agora desfeito, os cabelos negros desgrenhados – eu vou ver você pendurada numa forca por isso!
Ficaram um instante se olhando, no qual a visão de Shara voltou um pouco mais. Ela não sentia medo, apenas raiva. Por algum motivo tinha certeza que a outra não cortaria sua garganta.
– Acho que não. – a ladra aproximou o rosto da outra.
– O seu nome, pelo menos é mesmo Emelyn? – a voz de Shara demonstrou mais emoção do que pretendera.
– Lamento, não é.
A loira apoiou a adaga contra o queixo de Shara e se inclinou e deu um beijo na boca de Shara e terminou com uma mordidinha no lábio inferior da guarda. Moveu os lábios para a orelha dela e sussurrou, após um beijo no pescoço:
– Meu presente de despedida: o nome é Tyrill.
Emelyn, ou melhor Tyrill, guardou sua lâmina e correu para a janela.
Shara se levantou com dificuldade e chegou na janela a tempo de ver a ladra pular para o telhado de um prédio anexo, mais baixo. A guarda pensou em pular atrás, mas seu bom senso dizia que não conseguiria realizar aquele salto. A loira devia ter muita prática naquilo. Shara resignou-se a observar, ainda com a visão turva, Tyrill e outras duas pessoas, do sexo masculino, correrem pelo telhado e entrarem por uma claraboia.
Quando o corpulento tenente Jalen chegou ao seu lado, Shara apontou por onde os fugitivos haviam ido.
– Você está bem, guarda?
– Estou, senhor. Os fugitivos seguiram pelo telhado do anexo e entraram pela claraboia – reportou ela.
– Recupere o fôlego, e depois vá ajudar nas buscas – disse ele, saindo apressado.
– Certo, senhor – tornou ela, com a voz oca.
Por algum motivo, além da raiva, estava se sentido muito, muito triste, naquele momento.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Review são sempre muito apreciados, espero que tenham gostado e domingo tem mais.