Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Lembram que teve uns capítulos que eu tava um pouco afrancesada? Bom, enquanto escrevia esses caps eu já estava espanholada... Não citei no texto, mas cito aqui as músicas que muito inspiraram e só me lembram dessa fase do Gui:

Camila - Coleccionista De Canciones
http://www.youtube.com/watch?v=jlySoaI0DGI

e Camila - Abrázame
http://www.youtube.com/watch?v=atk2Ko3aRf4

São lindas, mas um pouco tristinhas... como esse momento da história. Cuidado para não se emocionarem demais, viu hahahaha

E mesmo com todo esse clima, a Milena não desiste. E faz tudo o que pode, independente de pegar mal ou não.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453816/chapter/4

Minha “fama” pelos corredores da faculdade é algo com que me acostumei ao longo dos dias, mas quando chego ao estágio no dia seguinte ao alvoroço que foi dar um tapa na cara da mãe do Gui, ouço mais cochichos e piadinhas que lá. No banheiro que descobri ter ganhado o apelido de “mão pesada”. Quando ouvi André soltar qualquer besteira a respeito, apenas respondi, alto e claro para toda a sala dos estagiários, que pior que minha mão aberta é minha mão fechada e que ele sabia muito bem por ter levado um soco meu.

Meu chefe chegou nesse exato momento.

Fiquei sem onde meter a cara, xingando o André mentalmente. Os outros da sala também ficaram em suspenso, receosos pelo que Thiago poderia fazer, afinal, ele era também um dos coordenadores daquela área. Sabia que não tardaria para me chamar em sua sala.

– Então, senhorita Milena, peço que, por favor, não... não saia por aí disferindo socos e pontapés nessa empresa, independente da pessoa em questão merecer ou não. Infelizmente isso irá para seu relatório.

Assenti, sem olhar diretamente para ele. Não até que soou surpreso por minha atitude perante sua mesa.

– Tudo bem.

– Tudo bem?

– Não, quer dizer... não é que eu não me importe, é só que... entendo que é seu trabalho. Por favor, não faça nada de diferente. Eu me excedi, não foi justo, nem com os funcionários, nem com os clientes. E peço desculpas por ter me retirado da sala naquele momento, na consultoria, eu realmente... bom, senhor soube. Vou ter mais uma advertência?

Sim, eu consegui a minha primeira com aquela história do André armar pra mim.

– Apesar de não ter ocorrido nas dependências da empresa física, devia sim pela perturbação pública. Conversei com algumas testemunhas e com o senhor Muniz e... não, não há necessidade.

Me incomodo quando determina assim. Protesto.

– Se acha que mereço a advertência, não tem problema, Thiago, ponha. Não importa o que o senhor Muniz tenha dito.

Meu chefe ameniza sua expressão logo que digo isso. Fico desconfiada.

– Sabia que ele adivinhou que você faria isso?

– O que quer dizer?

– Tenho conhecimento, senhorita Milena, de que namora o filho dele. Descobri naquele dia no hospital, coisa que nunca saberia se não fosse por aquela coincidência. Noutras ocasiões ele já havia comentado algo sobre você, pensei que fosse por causa de sua amizade com Iara até. Ontem, após o incidente, enquanto conversava com as testemunhas, ele veio em sua defesa, como imagino que pensou agora. Mas não apenas isso, contou-me que conhecia aquela mulher e, desprezível como é, deve ter merecido o golpe. Comentou logo em seguida que, se você não recebesse uma advertência, diria que ele fez em sua proteção, por, você sabe, namorar o filho dele.

É, ele adivinhou certo. Ainda assim, me sinto acuada. Sei que as pessoas comentavam por tê-las ouvido falando sobre isso. Só não tinha certeza de até onde sabiam sobre o caso.

– Outras pessoas... sabem?

– Não que eu tenha falado. Mas como esse filho nunca se apresentou aqui e poucos terem real contato com o diretor Muniz, acho difícil alguém mais... enfim, sabemos o quão discreta você é. Disciplinada, prestativa e que cumpre seu trabalho. Só não o faz quando algo a impede de verdade. Observo tudo, Milena.

Nota de lembrete: não mais puxar a calcinha quando me sento de mal jeito e ela fica de má posição. Coro só de pensar que Thiago já tenha me flagrado nisso ao ouvir esse seu “observo tudo”, mesmo com toda a sala dos estagiários vazia. Balanço a cabeça, volto pra conversa. Me forço a ser coerente.

– Então porque disse “devia sim”?

– Pela imagem da empresa. Pode não ter ocorrido aqui dentro, mas ocorrera com uma possível cliente e, ao que parece, esta senhora vive pela alta sociedade. Mas não seria justo confiar em alguém que mal conheço e não tem um bom histórico assim. Isso também constará no relatório. Mas, por favor, sem mais golpes, pode ser? Seu colega André, sei que não é flor que se cheire, que tem dia que até eu... bom, entende, certo?

Rio um pouco assim que ele ameniza mais seu tom repreensor e comenta que André também o tira do sério.

– Absolutamente. Obrigada pelo esclarecimento, Thiago. E... só pra constar, a vez que atingi o André foi na faculdade.

Ele se remexe em sua cadeira giratória, pega um borrão, rasga e põe no lixo enquanto se levanta para abrir a porta, gentil, para mim.

– Por aquele problema da documentação, presumo.

Fui inocentada – embora o caso conste no meu relatório de estagiária, por ser uma das envolvidas.

André se esqueceu de contar com as câmeras de vigilância dos corredores e da sala da coordenação de onde roubou a documentação. Apenas a sala dos estagiários e umas poucas não possuem câmeras de segurança. As coisas só demoraram a se resolver por essas coisas envolverem certa burocracia para investigação e, se tratando de estagiários, com “brincadeira de mau gosto”, quase não viram isso como um caso válido de se ir atrás.

Iara que defendeu à diretoria ser sim algo válido de esclarecimento, até mesmo para averiguar a segurança dos departamentos, pois, se o vacilão do André conseguira interceptar os documentos, era preciso analisar onde focalizar mais a segurança. Ainda assim, quando digo que ali não tem mais que merda na cabeça, é pra se acreditar. Pior que cachorro que ladra e não morde, André tenta morder e não é gênio o bastante de arquitetar algo, mesmo que seja pra prejudicar. Ele deixa muito rastro.

Acho que foi por isso que parou de tentar algo “muito elaborado” pra cima de mim, como mesmo afirmou no evento de encerramento na viagem. Apesar de sempre prejudicar os outros, ele não era nenhuma Denise. André na realidade conseguia ser melhor que ela, pois, quando queria causar qualquer dano às pessoas, era por vingança ou raiva. E Denise era pelo puro prazer de machucar o outro.

Assinto para meu chefe já me despedindo dele. O fato de sorrir pra mim com aquela expressão de advertência é o bastante me tranquilizar que pelo menos não tive muitos prejuízos e que valera a pena a “perturbação pública”.

– Sim. E já vou trazer os detalhes da documentação de mais cedo.

– Certo. Continue assim.

~;~

Estava em dívida com Aguinaldo.

Como no dia anterior eu tinha o afastado de tudo que é maneira, na hora de ir pra faculdade, ele saiu mais cedo, me deixou na empresa. Quando dei por mim, já estava quase sozinha na sala dos estagiários. Não que eu tivesse comentado previamente que eu pegaria a carona como sempre, só estive aperreada o bastante pelo dia para parar e conversar com ele. Apenas noite passada eu cedi um pouco, quando me mandou sua última mensagem ao meu celular. Havia escrito “eu a amo”, e eu respondi um “eu sei que ama”. Teria que pedir desculpas pelo meu comportamento.

Uma coisa era certa, no entanto: obviamente eu não iria pedir carona pra André!

Fui de ônibus mesmo, não me importei. Ao saltar, já atrasada, encontrei minha amiga me esperando na portaria. Flávia relutava em ir para a aula, pois significava ver Gui, mas tive de convencê-la por força maior, por ter uma atividade importante nesse dia em específico na aula da professora Silvana. Além do mais, teria um pequeno seminário na aula de Djane, que me certifiquei de cobrir minha amiga para não lhe dar mais preocupações no momento.

Mesmo com toda meticulosa maquiagem, nada cobria aquele ar de sofrimento dela, que tentou sorrir quando Sávio apareceu, também atrasado, e nos cumprimentou. O papel que prometi desempenhar depois daquele incidente no bar, na viagem, estive atuando em conformidade, assim como ele, que fazia sem pestanejar. Porém, quando percebe o estado de Flávia, fica tentado a perguntar, sinto. Apenas aceno para ele que deixe para lá enquanto caminhamos para a aula.

Foi uma boa coisa enfim termos chegado atrasados, pois assim Gui não teve como se aproximar de Flá quando pedimos licença antes de entrar na sala, onde Djane prenunciava os grupos de debate do seminário. Como éramos quatro num grupo, pedi que Sávio defendesse comigo, já que nem Flávia ou Gui estavam em condição. Observando-os, sentia que eles nem estavam ali, não em seus papéis de estudante. Gui só esperava dar o horário para poder se levantar e ir até ela, assim como ela esperava, só que para escapar.

Sávio não se surpreendeu muito com um pedido meu, entendeu ao sentir a vibe dos dois. Acho que quase toda a sala notou isso. A nossa vibe também não tava das melhores, embora não estivesse tão às claras. Pelo tempo que fiquei esperando a nossa hora de apresentar, quis apenas que voltasse tudo ao começo do ano, quando tudo eram flores. Não das mais bonitas, mas, de certa forma, havia um equilíbrio entre esse arranjo.

Antes de findar a aula, Djane nos comunicou que professora Silvana teve um imprevisto e não poderia comparecer à aula, assim logo nos dispensou. Isso foi um pouco demais, já que foi mais ou menos sobre esse propósito que convenci Flávia de ir para a aula, então ficaria exposta para qualquer investida de Aguinaldo. Antes que a professora saísse de sala e, assim, deixasse os alunos à vontade, me virei para Sávio, numa carteira próxima a minha, e comentei baixo com ele. Passei por cima de nosso problema pelo bem de minha amiga. Isso sim o surpreendeu:

– Sei que não estamos exatamente de boa para te pedir algo, ou mesmo explicar, mas, será que poderia levar a Flávia pra casa? Tipo, agora?

Ele olhou para além mim, compreendeu que era sério.

– Eles brigaram então.

– Sim.

– Foi por isso que não veio ontem? Hã... o André comentou algo por alto...

Tava preocupado comigo? Não entrei em detalhes, afinal, tudo ali dependia de um tempo curto. Mas não gosto por ele ter citado André, reafirmava nossa situação.

– Sim... Você pode levá-la? Porque eu posso pedir pra outr...

– Tudo bem.

Quando Djane levantou, levantei logo em seguida, já havia comunicado minha amiga sobre o plano de impedir que tivesse qualquer contato com Gui, por mais que doesse em todos, e o que veio depois foi de partir o coração. Meu melhor amigo tentou interceptá-la, quis arrumar briga com Sávio, que a protegeu, as pessoas mal abriam espaço sem entender o que acontecia, de repente o corredor estava cheio demais e Flávia teve que correr para se afastar o máximo possível, ir embora, enquanto Gui gritava a plenos pulmões que conversassem, que o esperasse, que, por favor, não fizesse aquilo com ele.

Dispersei as pessoas quando Flávia conseguiu escapar, o show havia acabado, a maioria dos alunos já havia descido, restou apenas um Gui desorientado no pé da escada. Cochichos e novos rumores começavam ali, podia ouvir. Não que me importasse, não que Gui prestasse atenção. Definitivamente ele não estava bem, parecia tão além que, quando me aproximei dele, não se afastou como fez desde o dia anterior. Ele apenas se manteve de testa encostada à parede perto da escada, debruçado sobre ela como um louco e consegui captá-lo dizer baixo:

– Ela me ama, eu sei que ama.

Toquei-lhe nos ombros, removendo-o dali e foi como se ele quebrasse. Os olhos estavam baixos, a boca crispada, o corpo tenso, perdido. Toquei então seu rosto com carinho, trouxe para perto de mim e afirmei, para que não perdesse as esperanças:

– Ela ama, pode ter certeza.

Gui piscou sem vida.

– Ela vai terminar comigo.

– Não vamos nos precipitar, ok? Vamos apenas sair daqui.

Tentei movê-lo mais uma vez, só que ele resistiu. Se desfez de mim, me sondou um pouco desconfiado. Não tirava sua razão, afinal, tinha o destratado e até expulsado da casa dela, isso sem falar da discussão que tivemos no estágio. A ficha dele parece ter caído naquele segundo, sobre eu estar ali. Sussurrou com todo esse sentimento, contido:

– Por que tá fazendo isso? Por que... agora?

– Você também é meu melhor amigo. E não foi você quem a machucou. Estou do seu lado, Gui, acredite. E me desculpe por ontem. Eu só... tomei um partido que... me desculpa, tá? Tive que cuidar dela.

Ele só assentiu. Os olhos brilhando tanto quanto, aposto, os meus. Tomei meu material que havia deixado sobre o aparelho do bebedouro, abracei seus ombros, descemos as escadas, as pessoas nos acompanhavam à distância. Como o carro dele estava no estacionamento de trás, tivemos que atravessar todo o pátio sob a vista de todos, que, enfim, pareceram se compadecer dele e silenciaram mais quando passamos por eles. Afirmei para Dani, que estava pelo caminho, apenas com um mexer de lábios, que iria ficar tudo bem.

Bom, eu sinceramente esperava. Agradecia internamente por Gui ter me perdoado e me aceitado ao seu lado, não iria mais decepcioná-lo. Cuidaria também dele.

~;~

Ter zelo pelas pessoas que se ama deve ser uma dessas coisas intrínsecas ao ser. Pelo menos ao ser dito normal das ideias, pois assassinos não devem contar. Mas gosto de cuidar. Isso dentre as pessoas que sobram no mundo ao tirar os assassinos e bandidos (por maioria) é difícil de encontrar. E por gostar tanto assim às vezes me pergunto se é uma compensação minha pelo que não sou capaz de resolver por mim, apenas ora penso que sim, ora penso que não. Se foi determinante, vai saber.

Só sei que Gui precisava muito de um ombro amigo, alguém que o mantivesse são, pois ainda teve uns momentos exasperados que quis fazer cena na porta da casa de Flávia. Após sair da faculdade, entrei no carro dele e ficamos conversando um pouco, eu sem me tocar para onde ele ia, ele muito acostumado com o caminho, tomou o da casa dela. Não estacionara exatamente na porta, ele foi decente pelo menos de se distanciar um pouco. Mas tive que o segurar pelo braço quando quis descer.

– Não, Gui!

– Eu vou perdê-la, Lena. Tenho que fazer alguma coisa.

– E ficar gritando por ela a essa hora na rua, acha que é algo a se fazer? É bem capaz é de o cunhado dela aparecer pra te afugentar. Ou pior, o pai dela.

Ainda assim, ele se fazia de determinado.

– Preciso vê-la.

– Já a viu na aula.

– Preciso falar com ela.

– Sabe que não dá.

– Mas...

– Gui, me ouve. Não faz isso, cara. Dê esse tempo a ela. Se a ama...

– Amo!

Gritou como se eu tivesse duvidando disso.

– ... então dê esse tempo a ela. Ande, vamos sair daqui.

Meu amigo resistiu bastante até sair. Havia cansaço, ira e frustração tomando sua cabeça que tornava tudo tão mais difícil. Sabia que não seria nada fácil, mas vê-lo naquele estado me doía também. E se realmente Flávia terminasse com ele, como estamos fatalmente prevendo, ele teria que ser muito forte, a barra ia ser pesada. Quando desligou o motor noutro lugar, foi que me apercebi onde estávamos. Na porta de sua casa.

– Gui. Você sabe que não posso...

– Eles não estão aqui.

– Ainda assim. É sua mãe, é seu pai, e desculpa se... bati nela, mas ela machucou minha melhor amiga, tive que revidar.

Ele tirou seu cinto de segurança, mais calmo, mais lerdo. Já havia chorado um pouco, envergonhado até, o que acabava mais consigo.

– Nam, eu te entendo. Você apenas fez o que eu não poderia fazer.

– Ainda assim, melhor eu ir.

Num minto, temia um reencontro. E um que não ia prestar. Só que meu amigo me desarmou, desolado. Sua voz tava tão sem força que toda aquela determinação de outrora tinha se esvaído, deixando para trás só os pedaços dele.

– Fica. Quer dizer, posso te levar pra casa, dispense o Vini. Quero ficar o maior tempo possível longe daqui. Por isso fui pro estágio e pra aula. É duro... pa-assar pela casa e... e tudo voltar e... Por favor, e-eu não quero ficar sozinho de novo, Mi.

– Awn, Gui.

Tirei meu cinto também, abracei-lhe forte. Mantive um carinho intensivo por todo o tempo que fiquei lá. Mandei mensagem para Vinícius me buscar, quem não demorou muito. Eu até ofereci a minha casa se Gui quisesse se afastar um pouco da sua, mas ambos sabíamos que isso poderia complicar mais um pouco sua situação, pois os pais dele não eram bem desses de aceitar uma “fuga” de casa. Por todo o tempo que esperei meu Vini, Gui permaneceu caído ao seu banco, abatido e meio apático, com a cabeça deitada no meu ombro. Ora muito calado, ora falando algumas coisas desconexas.

Devia ter deixado ela em casa quando pude.

Devia tê-la ouvido e não a levado para o jantar.

Devia não ter bebido tanto.

Devia ter trancado a porta.

Devia ter a beijado mais.

Antes que descrevesse mais sobre a noite deles, pigarreei o repreendendo. Que aquilo era “oversharing” para meus ouvidos. Amigos, amigos, intimidades, intimidades. Era meu melhor amigo, mas era homem, e ele tava falando da minha melhor amiga, num tom bem... íntimo. Era estranho! Foi infelizmente a única hora que ele riu. Desgostoso, mas riu.

Logo mais avistei o carro de Vini chegando atrás do nosso. Ia ser uma boa despedida se a mãe dele não tivesse chegado em seguida, pelo outro lado, me pegou já descendo do carro. Ela desceu também, o marido apenas abaixou o vidro de sua janela, para acompanhar, outro que não tinha um bom semblante. Dele eu não conhecia muito, mas, depois de ter metido a mão nela, acho que não mais esquecerei esse rosto. Outras vezes a vi, mas não reconheci, e sei que de agora em diante essa imagem não vai se perder mais. Principalmente porque, além de ter sido bom ter largado a mão na vaca desgraceira – que Gui me perdoe por essa alcunha – foi bom ter me despedido dela, entre sair do carro de seu filho e entrar no de Vinícius, mostrando o dedo do meio.

Sua expressão de horror foi impagável.

– Foi maldoso, Mi.

Vinícius tinha a coragem de me dizer uma coisa dessas! Ok que não devia ficar me incentivando ou passar a mão na minha cabeça, mas, poxa, foi tão errado assim? Eu poderia ter dado uma pedrada nela se fosse o caso.

– Agora a mulher tá te odiando mais.

– Não queria amor dela mesmo...

– Mi, pensa no Gui. Isso pode gerar mais brigas entre eles.

– Tá, isso pode ser verdade.

– Pode ser? Tu gosta de brincar mesmo...

Durante todo o caminho até minha casa Vinícius queria que eu confessasse que o que fiz fora errado. Que dessa vez eu não tinha A razão para me gabar – e eu não tava me gabando, só pra constar. A trégua veio assim que paramos à porta, percebemos que meu irmão não estava em casa. Em dias normais, quando Murilo está no recinto, a gente namorava dentro do carro, então isso seria um bom convite para Vinícius entrar e não termos interrupções do outro. Mas por causa dos assaltos de ultimamente, não foi só essa ausência que o levou a entrar, agora era perigoso ficar na porta.

De qualquer forma, ao contrário do debate que foi durante todo o caminho, Vinícius não se mostrou muito a fim de conversar, mas sim aproveitar que estávamos sozinhos. E meu zelo bateu forte de novo. Não me pareceu justo ficar com ele enquanto outros não tinham a chance de ficar junto. E se isso devia a ele em específico.

Entre leves selos que me dava, perguntou o que passava na minha cabeça para não estar correspondendo-o com tanta vontade. Resolvi pisar em ovos primeiro antes de chegar ao ponto, para que não se zangasse.

– Você já pensou se...? E se você não tivesse se dado bem com meu irmão? E se ele não tivesse gostado de você?

Vinícius estranha um pouco o que levanto, faz uma carinha um pouco perdida, se ajeita mais no sofá, pois estava todo de mal jeito.

– Até então não pensei nisso. No começo lembro ter me preocupado um pouco porque você comentou que ele era encanado com isso e que brigavam muito. Acho que... as coisas deram certo no final.

– Mas... e se? O que teria feito?

Vini me acarinha o rosto, ajeita umas mechas de meu cabelo, me sonda amoroso.

– Por que quer saber disso?

– Curiosidade?

O argumento não cola, vide a face dele de “aham, me engana que eu gosto”.

– Ok, foi essa coisa toda com Gui e Flávia, fiquei com isso na cabeça.

Mentira.

Tá, contribuiu um pouquinho sim. O zelo dessa vez, contudo, era pelo caso do professor Renato. Avistei ele quando saía da faculdade essa noite, estava distraído, e eu instantaneamente pensei em Djane. E no por quê de eles estarem separados. Doces palavras vêm do namorado e quero que ele as segure quando levanto o ponto exato desse diálogo:

– Acho que tentaria descobrir por que ele não gostara de mim e tentaria fazer dar certo. Você totalmente valia a pena, vale a pena. Ainda bem que ele me aprovou então.

– E se... Renato tentasse fazer dar certo?

Vinícius se afasta um pouco, entrecerra os olhos sugestivamente como se tivesse captado algo nas entrelinhas. Como se eu não tivesse sido direta o suficiente. Em segundos ele muda toda sua expressão, fica em pronta defesa.

– Você sabe de algo que não sei?

– Claro. Sabia que “entre outros e etcetera” é pleonasmo? Etcetera é latim pra “entre outros”.

Dessas curiosidades aleatórias que o professor Sanches gosta de comentar em sala de aula, ainda que sua disciplina seja de Administração Financeira. Foi uma benção ele ter substituído professor Bartolomeu. Só que quando o namorado não engole minha façanha com uma tamanha levantada de sobrancelha, maquino que devia ter contado sobre ser golpe de marketing o fato de separarem meticulosamente coisas azuis para meninos e coisas cor-de-rosa para meninas. É como o feitio da marca Coca-cola sobre o bom velhinho no Natal: total armação.

– Mi, tô falando sério. Se tem algo pra dizer, diz logo.

– Não é nada. É só que é... não é justo com sua mãe. O que você sabe sobre a felicidade dela?

Talvez eu devesse ter o enrolado mais, pois Vinícius fica um pouco ofendido pela “súbita” abordagem. Replica chateado. E eu muito convicta.

– Eu sou a felicidade dela. Isso é o bastante.

– Ela ficou sozinha por todo esse tempo, ela merec...

– Isso porque eu tava longe, mas agora...

– Mas agora ela pode ter a vida dela de volta.

O papo maquina na sua cabeça, vejo como franze a testa e as coisas vão trabalhando rápido, tão rápido que ele se levanta um pouco alterado.

– Então não é um caso de agora, é isso? Milena! Como não me conta isso?

Me levanto também, só que me movo para o lado contrário. Era melhor de discutir assim e eu tinha certeza que era nisso que ia dar. Respondo muito sem pensar no que tô dizendo ou justificando. Vinícius fica mais indignado.

– Bom, ela é minha amiga. Assim como vocês, caras, têm uma espécie de código, nós, garotas, temos um também.

– Minha mãe não é uma garota.

– Exatamente! Por que ela deveria te ouvir quando você não sabe pelo quê ela realmente passou?

Merda, falei demais. Me arrependo no mesmo segundo que termina de sair de minha boca e o único alívio que me vêm é que Vini não tem acesso à minha expressão por eu estar de costas para ele. Então ele não surta tanto assim.

– Você não tá sendo justa comigo.

Talvez não esteja mesmo, mas... tomo um tom mais calmo.

– Você não tá sendo justo com ela.

– Minha mãe pediu pra você falar isso, foi?

Me viro pra ele, ficamos frente a frente de pé, cada um de braços cruzados.

– Não! Só fico preocupada. Renato é um cara super legal, Djane encontrou alguém bom, e você nem dá uma chance. Que nem era pra se meter, na verdade. A vida é dela, a escolha é dela. Custa tanto assim? Tá indo além do ciúme, viu.

– Não tô com ciúme. Só tô cuidando dela.

Do mesmo modo que não me orgulho de ter mostrado o dedo do meio pra mãe de Gui, não quero que ele se orgulhe desse feitio dele. E que não se gabe de achar que estar certo nessa.

– E se Murilo tivesse te tratado desse jeito? E se ele tivesse te expulsado como aconteceu com a Flávia? Como você acha que Djane se sente?

Há! Isso o cala. Crispa a boca, mexe a cabeça meio desorientado, mantém a expressão confusa e hesita antes de qualquer coisa. Meneia por fim, não exatamente se dando por vencido, nem concordando 100%.

– Ok, não foi meu melhor comportamento.

E sem querer acabo pilhando ele, que se sente mal.

– Definitivamente não foi seu melhor comportamento.

– Não diz desse jeito, Mi, parece...

– Parece o quê?

– Pior.

Enterneço ao vê-lo como um menino que quer pedir desculpas, que fica titubeando pra não dar o braço a torcer e parece chutar pedrinhas ao chão pra evidenciar isso. Resisto à vontade de passar a mão em sua cabeça, literal e não literalmente.

– Mas é desse jeito mesmo. Até Murilo concorda. Agora, pense a respeito. O que está errado nesse quadro?

Vinícius volta a ser um menino mesmo. E já que se permite ficar vulnerável assim, deixando sua carranca para trás, quero aproveitar e cavar o quanto posso. Ele resiste um pouco ante minhas investidas.

– É difícil, você sabe, Lena.

– O que é tão tão difícil assim? O que não te deixa confortável, o que ele fez pra te trazer... esse lado? É por causa de seu pai, Gustavo? O ideal de família?

– Não! Não... Olha, eu já disse, só tô cuidando dela.

Suspiro, tento outra abordagem. Ele não hesita em responder dessa vez. Infelizmente tem razão quando o faz, e por isso, procuro contornar.

– Então você não quer que ela seja feliz...

– Ela é feliz. Todos nós a fazemos feliz.

– Então ela não pode ser um pouco mais feliz? Tem medo de perder alguma atenção, é isso?

Num minto, já pensei nisso. Vinícius pode ser muito dependente de atenção, coisa que já confessara antes por ser um de nossos problemas de casal. O que me surpreende é que ele não responde essa de imediato. Senta-se, ainda um pouco emburrado e... revela enfim o motivo. Do modo mais lastimoso possível num sussurro. Estava envergonhado.

– Tenho medo de... perdê-la.

Poderia fazer um sonoro “awn” se isso não tivesse tido um efeito contrário. Porque não acredito que ele possa imaginar uma coisa dessas de Djane! É inconcebível pra mim. Acho que fico boquiaberta por uns segundos antes de replicar-lhe.

– O quê, Vinícius?

– Você ouviu.

Juro, quis rir. De tão absurdo que é, parecia piada. Céus!

– Como você pode dizer isso? Tá se ouvindo? Ela desistiu de tanto pra te ter de volta! Desistiu da vida dela, do trabalho, do amor, de... tudo. Tudo.

– O que você quer dizer?

– Você ouviu. Ela desistiu de tudo pra TE fazer feliz. Então não seja esse egoísta agora, por favor.

– Isso é verdade?

Ele tá de sacanagem comigo? Ele não sabe disso? Ele não sabe disso! Então Djane não contou!

Prevejo Djane puxando minha orelha. Não necessariamente em sentido figurado.

Será que dá tempo de correr?

Ok, Milena, jogou o fermento, lide com o bolo.

Quê?

– Sim.

Isso parece abrir um novo mundo pra Vinícius, que olha espantado para minha sala, sem verdadeiramente estar se atentando ao fato que a tv permanece desligada ou que tem uma lagartixa na parede. Não tenho medo de lagartixas. Baratas que são outros quinhentos. Algo se encaixa na cabeça de meu namorado. O sacrifício.

– E-eu... não posso acreditar.

Ando pela sala, pego meu material e vou caminhando para meu quarto. Uns minutinhos pra pensar era o que ele precisava.

– Ah, acredite. E ela tá quase desistindo de novo por causa de você. E dessa vez, Vini, não é justo.

– Lena! Não me diz uma coisa dessas e depois sai de perto. Tô confuso, poxa.

– Apenas pense a respeito, ok? Mas pense na felicidade dela, não na sua. Vou tomar um banho apenas. Não demoro.

Que minha sogra me matasse depois, mas sei que ela adora quando tenho esse tamanho zelo por ela. Torcia para que compensasse.

Ou jazeria uma nora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Com essas revelações, já pode botar o Gui no colo. E o Vini tbm, pq né XD



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mantendo O Equilíbrio - Finale" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.