Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 156
Capítulo 155


Notas iniciais do capítulo

AMO chegar aqui e descobrir que teve PICO DE LEITURAS ♥
Hoje vamos de capítulo atrasadinho pois fiquei doente por uns dias. Aproveito pra lembrar vocês de se vacinarem - pro que tiver de vacina no postinho, tomem!

BORA SE DE-LI-CI-AR?



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Diferentemente da manhã anterior e da véspera de Natal passada, acordo revigorada. Animada. Agitada. E quero mais movimento, barulho, zoeira e risadas. Quero começar desde cedo toda a celebração.

Nesse clima, a primeira coisa que faço ao sentar em minha cama é ligar o youtube do celular e botar uma música que me grudou no cérebro nas últimas horas. “Animal I Have Become” do Three Days Grace tocou por um acaso em um carro aleatório quando estava saindo da casa do vô-sogro para a casa de Djane. Parecia que fazia um século que não ouvia nada da banda e, apesar da letra insana sobre a vibe animalesca de uma pessoa, tem um ritmo e batida que empolga de cara.

Three Days Grace – Animal I Have Become

A segunda coisa que faço é pôr os pés ao ar, sentada na lateral da cama, e colocar em ação os “pés de bailarina”, “pés de palhaço” e demais viradas, meus exercícios cotidianos, para dar mais suporte às articulações. A música me auxilia nessa, fazendo o tempo de prática mais dinâmico e concentrado.

Fico tão absorta nessa atividade que quando meu mano abre a porta do meu quarto, espero que elogie meu desempenho. Mas vez que ele não fala nada, volto o olhar pra criatura pra perguntar por que está tão quieto e me deparo com uma expressão sua meio assustada e perdida, de sobrancelhas em pé, ainda segurando o trinco da porta.

— O que foi?

— Eu não fiz nada. Pra o que quer que seja, eu sou inocente, tá?

— Como assim?

Ansioso e sem jeito, Murilo diz:

— Você ouvindo Three Days Grace.

 

Three Days Grace – Just Like You

 

Solto o ar que nem tinha percebido estar segurando, de expectativa e apreensão repentina, pelo comportamento da peste. Sim, peste. Que se assusta e me assusta no processo por conta do barulho emocional da banda. A esse momento, já estava na música “Just Like You”, que também tem uma batida forte e que faz o coração de qualquer um pulsar. Só que o Murilo levou a coisa toda pra outro lado, como se eu estivesse me manifestando por algo. Fazia isso no passado. Agora conversamos.

Isso também é algo para se comemorar neste dia.

— Ai, Murilo, não tô protestando não. Só... bem disposta para este dia.

— Aff, e eu aqui já rebobinando tudo, pensando o que teria feito de errado.

— Tá tranquilo. Dessa vez, tá. Mas vê se não apronta demais também.

— Acho bonito quando você confia assim em mim. Só que não.

— Adora sim porque me adora.

“Que me acha foda...”, meu cérebro complementa com um verso da Pitty e trato de logo espantar a música dessa artista pra fora de mim.

Quando Murilo senta ao meu lado, ele ativa outra memória e uma que vale a pena ser lembrada: as palavras de minha mãe horas atrás, antes de irmos dormir. Que Murilo é ao mesmo tempo um “homem feito” e uma “criança perdida” que precisa de amor.

Estava eu me preparando para deitar, respondendo umas últimas mensagens no celular, quando mamãe surgiu à minha porta:

— Ei, filha.

— Oi?

— Tudo bem eu não dormir aqui hoje?

— Sem problema.

Depois do reencontro dela com papai na casa de Djane, imaginei que ela ia preferir ficar no quarto principal com ele. Como de praxe, toda vez que meus pais se hospedam aqui, Murilo cede seu quarto a eles e fica no quarto menor, como se ele fosse o hóspede.

— É que...

Eu, que estava digitando outra mensagem a Dani e, simultaneamente, ao Bruno, ditando que PRECISAVA DOS DETALHES PRA ONTEM sobre o acerto deles e atualização do status para namorados, levanto o rosto de imediato pra impedir minha mãe de falar coisas que eu preferia morrer sem saber. A ironia, sabe.

— Sem detalhes, mãe!

— Detalhes como?

— De você e papai fazendo as pazes.

Claro que pensei logo na discussão deles e de como mamãe veio parar aqui, mega chateada com os silêncios de informações. Vê-los juntos outra vez foi bonito. Nem pareciam ter quaisquer problemas.

— Ai, nada disso. Eu... Vou ficar no quarto com o Murilo hoje. Quero ter um momento só com ele.

Isso me surpreendeu. Até abaixei a tela do celular, deixando, de momento, meus amigos em paz. Ao ter minha atenção, mamãe adentrou mais o quarto e encostou a porta.

— Pensei mais sobre as barreiras que você me falou e de como ele precisa se sentir mais seguro para se abrir.

Cabisbaixa, ela parecia procurar palavras para falar o que guardava ao peito.

— Ver seu irmão com a Aline e a pequena Lia também me deu muito o que pensar. Murilo sabe ser aberto e fechado ao mesmo tempo. Um coração de ouro e um coração sensível. É um homem feito e ainda uma criança perdida. Que precisa do nosso amor.

Precisamos todos de amor, me reafirmei. Mas o que respondi foi:

— Que bonito isso, mãe. Ele também me deixa bem pensativa.

Com um suspiro, ela assumiu mais de sua preocupação.

— Acho que não consigo dormir hoje sem falar tudo isso que tá preso comigo. Quero que ele possa se sentir mais confortável. Que também não sou só puxões de orelha.

— Vai ser importante pra ele.

— Vai sim. Então boa noite, amorzinho. Durma bem. Qualquer coisa é só chamar lá. E encerre logo essa tela, não faz bem para os seus olhos.

Recebi seu beijinho na cabeça e acusei logo o autor de algumas das mensagens do momento. Em paralelo aos meus amigos sacanas que não queriam me dar o relatório completo, havia outra figura aprontando.

— É o vovô pentelhando uma hora dessas. Gostou da casa de Djane. Mas não larga de ficar atrás do Vini.

Até seu Júlio ofereceu a casa para meus avós, mas eles preferiram a casa da sogrinha. Desconfio que foi artimanha para pentelhar o Vinícius. Ainda vou confirmar essa com vovó.

— Seu avô sendo seu avô, né? Diz pra ele que tá tarde.

Ao notar que eu tava viajando no pensamento, Murilo dá com seu ombro no meu pra me trazer de volta à realidade. Pra disfarçar e dispersar, coloco a bota protetora e, com um leve impulso, me levanto pra me arrastar até a mesinha do quarto para pegar o tensor do pulso. Murilo não deixa de observar e comentar:

— Voltou a doer?

Vacilou, Milena!

Mas todo mundo iria ver hoje no café da manhã mesmo. Então lembro que não precisava dar todos os detalhes o tempo todo. Não se isso significasse algum tipo de intimidade. Posso, aliás, apostar em outros detalhes... e em outras conversas.

— Meio que dormi por cima do braço, nada demais. É só pra ajustar a posição. Daqui a pouco alongo. E você, dormiu bem? Mamãe passou aqui antes de ir pro teu quarto.

Murilo dá pra trás no meu colchão, deitando na minha cama, de repente tenso, segurando sua cabeça.

— É, ela falou umas coisas.

Como não quero me aprofundar na parte intensa da coisa, me volto para a parte boa da coisa. Isso ao menos faz minha criaturinha suspirar com um sorriso leve e soltar os braços ao redor de si.

— Teve chamego?

— Teve. Não seria nossa mãe se não tivesse, mesmo que às vezes me arranque as orelhas, a cabeça, os braços. Foi... Foi muito bom ter tido esse momento com ela.

Fico mais sossegada e feliz com essa. E, aproveitando a distração – ou melhor, a viagem de pensamento de meu maninho, puxo de uma caixa nada suspeita seu presente de Natal. Era melhor entregar aqui do que no meio das famílias.

Ainda sigo pasma pela reunião dos Lins, Garra e Muniz num mesmo recinto.

Me arrasto de volta e com calma até onde ele está esparramado em minha cama e digo, com o embrulho em mãos:

— Muito bom ter uns momentos com você também, Murilins. Feliz Natal.

Não sei o que lhe deixa mais surpreso – eu entregando o presente ou eu chamando-o por seu apelido esclarecido. Ele se senta de imediato, mas fica tão boquiaberto, que dá de ver as emoções tomando-o passo a passo, finalizando com os olhos brilhando, todo desconsertado. Até parece que eu era bruta assim, a ponto de não lhe fazer um mimo.

Bom, às vezes sou, quando ele merece. Só que agora ele merece uma Milena mais equilibrada, mais gentil, mais serena. E mais empolgada!

— Pra mim?

— Não, pro fantasma atrás de você!

Não resisti!

— Claro que é pra você, criatura. É meu e do Vini. Abre!

 

Three Days Grace – The Good Life

 

Em um movimento rápido, Murilo pega o pacote, coloca ao seu lado e me puxa para um abraço. Sim, eu em pé e ele sentado. Ao fundo, o youtube havia redirecionado para “The Good Life” do Three Days Grace, que, apesar do barulho, me fez lembrar do meu antigo toque do One Republic, “Good Life”, que foi como comecei este ano.

Depois de tantos altos e baixos, quero começar com os dois pés no chão – de preferência, andando sem uma muleta, embora não dê pra saber se consigo até a virada. De qualquer forma, esse Natal vai ser diferente.

VAI TER FAMÍLIA LINS, GARRA E MUNIZ NUMA MESMA CASA!

Enquanto a criaturinha basicamente abraça minha barriga, suspiro. Porque não sei se vem na sua cabeça a imagem da troca de presentes do ano passado, sei que vem na minha. E trato logo de mandar essa imagem pastar. Hoje é dia de festa, não de... drama.

Bom, talvez um pouco de drama.

Faço um carinho nos cabelos dele e digo:

— Não quero mais te machucar, maninho. Mas vou ser obrigada se você não abrir esse presente agora.

Murilo ri e enfim me solta, para pegar o pacote. Ao descobrir um aparelho celular novinho, ele fica encarando a caixa sem acreditar, com aquele seu sorriso besta. Fazia um tempinho que ficou de trocar o seu e nada. Corri contra o tempo com o Vinícius, com medo de meu mano lembrar de comprar mesmo. Às vezes quando o assunto voltava, lhe dizia pra esperar uma promoção.

Com sua pouca resposta, fico até preocupada de ele já ter trocado.

— O quê? Você comprou outro?

— Não, mas quase comprei um semana passada. Tô aqui besta porque não esperava mesmo.

— Não esperava um presente ou não esperava um celular?

— Não esperava um celular. Não penso tão mal de ti não, viu.

— Ainda bem.

De qualquer forma, dou um pequeno tapa na sua cabeça por essa. E, ao que parece, isso desperta uma reflexão da peste, que ri novamente.

— Percebeu que esses tapas também têm diminuído?

— É porque o cérebro aí enfim tá se desenvolvendo.

É, eu não perco uma deixa e Murilo faz uma cara de falso chateado, com um falso bico. Tá, talvez... talvez eu tenha pegado pesado. Por isso, coloco em outras palavras:

— É porque você já não responde às coisas com ignorância, mas sim com... sabedoria.

Sabia que havia um grande risco de meu mano se achar com isso, porém... é, eu arrisco. É Natal, afinal. Quer dizer, véspera.

— Ignorância gera ignorância. Sabedoria gera... generosidade. E sabedoria. Gera o melhor pra todo mundo.

Preciso dizer o quão satisfeito ele fica? Os olhos tornam a brilhar, o sorriso besta volta a lhe tomar e eu mais uma vez passo a faca nele. Com manteiga, claro.

— Não vai me agradecer?

— Vou fazer melhor do que isso. Pera.

A peste se levanta, mexe no meu celular, coloca “Can’t Stop” do Red Hot Chili Peppers pra tocar, sai do quarto e me deixa no vácuo. Fico de mãos na cintura, descrente, olhando pra porta. Um pilantra!

Um pilantra com um gosto bom, felizmente.

 

Red Hot Chili Peppers – Can’t Stop

 

Murilo retorna já pelo meio da música com uma caixinha de presente. Parece uma daquelas de joia. Depois de pouco usar aquele seu cordão de ouro e lhe dizer a razão, imaginei que teria entendido. Ainda de mãos na cintura, questiono:

— Joia de novo?

— Melhor. Abre.

Ele se senta de novo na minha cama, o folgado, enquanto abro a caixinha preta chique, que brilha no reflexo da manhã. Dentro, encontro um pacotinho branco de seda. Não tenho ideia do que possa ser, se não é joia.

Ao introduzir a mão na seda e sentir a superfície do objeto, acho que reconheço, embora não me faça nenhum sentido e por isso olho incerta pra criatura, todo entusiasmado. Puxo de vez e não acredito no que tenho em mãos.

É um pen-drive. Um pen-drive com uma correntinha para usar como chaveiro ou... sei lá. De incerta, lanço um olhar fuzilante, intensificado por minhas pausas de fala:

— Um-pen-dri-ve, Murilo?

EU DOU UM CELULAR PRA CRIATURA E GANHO UM PEN-DRIVE?

— Não é só um pen-drive. Tem que ver o que tem dentro.

Tenho até medo de ver o que é. Se eu encontrar um filme do ator lá que parece ele, eu pego o celular de volta e revendo.

Minha expressão de descrente é tanta que ele tenta me incentivar, me fazendo sentar na cama e ir pegar meu notebook dali perto. Tento dar um voto de confiança para sua animosidade, mas não sei bem se vale.

EU REALMENTE NÃO QUERIA SER VIOLENTA NESSE NATAL.

Ao abrir a pasta do pen-drive, vejo que tem vários arquivos de áudio e sem nome propriamente, alguns que começam com AA e AS no título e números aleatórios. Tipo, muitos áudios mesmo. Dezenas. Rolo a barra da pasta de cima a baixo e nem sei o que tô vendo. O que são todos esses arquivos?

— Abre um desses áudios.

Ele aponta na tela, como se esse suspense estivesse ajudando. Ajusto o som do notebook e clico num arquivo aleatório pra abrir. Enquanto carrega no programa de música, o áudio demonstra ter uns 30 minutos de conteúdo, o que me deixa com mais interrogações na testa.

Surge o início da música “My Love” do Justin Timberlake, a batida com os primeiros versos, que logo transita para o meio da música “Can’t Be Tamed” da Miley Cyrus. Conforme olho estranho para a figura ao meu lado, o áudio pula para mais músicas, como “Moves Like Jagger” do Maroon 5, alguma que não sei o nome, uma do Simple Plan e, quando chega na Beyoncé, paro o aúdio e tenho que perguntar.

— O que é isso, afinal?

— Músicas...

Quando ia lhe injetar um raio pelos olhos, ele complementa, sem notar a violência que queria sair de mim.

— ... para nosso... jogo.

Minha expressão relaxa, perdida, quando digo:

— Que jogo?

— O jogo de adivinhações.

Que jogo de adiv...? Ah. AH. Meu Deus.

Olho de novo para a tela, rolo a barrinha de arquivos da pasta e simplesmente não acredito. Solto a máquina e encaro os áudios com as mãos ao rosto, com tensor e tudo. Se num minuto eu queria ser ASSASSINA e BRUTA com meu irmãozão – observe também a troca de adjetivos – quero ser apenas a melhor pessoa para ele. Porque ele montou um monte de arquivos de música PRA MIM, pra ajudar no meu problema de fobia de trovões. Para um momento de crise.

— E tem mais.

Mais?

Murilo pega a caixinha bonita e abaixo de uma espuminha, onde estava o pacote de seda, ele puxa um pequeno aparelho. Um mp3.

— Pra você ter opções. Pode colocar o pen-drive em qualquer máquina, mas se tiver fora de casa ou longe de algum aparelho, pode usar esse mp3. Todos os arquivos já estão aqui.

Como ele fez minutos atrás, de largar meu embrulho e me abraçar, deixo o notebook de mão e me jogo sobre ele num abraço maluco. Tô nem aí se machucar minha mão, braço, pulso, sei lá, só sei que aperto-o contra mim, super empolgada.

— Não acredito que você fez isso!

Eu. Tô. Descrente. Total.

No espaço que lhe dou pra não sufocar, ele fala, todo besta e feliz de novo, nos ajeitando à cama para não cairmos.

— Bom, não fiz tudo. Mandei fazer. O Luke que mixou e gravou. Dei uma lista de músicas, artistas e estilos para ele colocar e também pedi pra ele adicionar outras que achasse legais. Assim a gente pode se desafiar e incrementar mais a brincadeira.

Tô tão sem o que dizer que só olho pra cara dele, sentindo meus olhos se encherem. Sei que ele também percebe minha emoção e agradeço que desate a falar.

— E eu fiquei agoniado esses dias, porque ia pegar com ele quando fôssemos pra casa dos nossos pais, mas aí a gente não viajou e... Só sei que deu pra vovó trazer.

Saber disso eleva minha emoção em mil e consigo enfim achar palavras.

— Meu Deus, Murilo. É a coisa mais incrível que já ganhei!

— Sério? Porque são só umas músic...

— São muitas músicas. Mixadas. Organizadas. Pensadas por você. Considerou até as opções de aparelho, pra diversas situações.

— É, tem umas que eu disse pra ele colocar mais calmas, que são as AS, S de suave, pra quando, você sabe, tiver no auge da crise, não ter tanto barulho, e aí conforme você for evoluindo, vai passando os estil...

— É perfeito.

— Gostou mesmo?

Ele ainda tá incerto, Brasil?

— A-MEI. Amei real. Só tô... sei lá, muito surpresa. Não sei nem o que te dizer.

O palhaço ri e me lança a mesma questão de quando lhe presenteei:

— Não vai me agradecer?

Gargalho e digo:

— Vou fazer melhor.

E me jogo de volta na minha criatura favorita com um ataque de beijos e abraços, bem do jeitinho que ele gosta. Tá, eu gosto também.

 

~;~

 

— Ei, ei, ei! O que vocês pensam que estão fazendo e por que não me chamaram, seus tratantes? É uma atrás da outra, viu!

Essa é a nossa mãe, que aparece à porta do meu quarto no meio da algazarra que faço de felicitações ao Murilo. Não me importo por seu drama, porque tá gostosinho assim. Aliás, chamo ela.

— Vem pra cá, mãe!

Assim como estive de mãos na cintura minutinhos atrás, dona Helena finca na porta se fazendo de zangada.

— Nada disso, quero os dois na mesa agora pra tomar café!

Ralhamos eu e a criatura em sincronia:

— MÃE!

Pra completar todo um amor do universo, papai coloca a cabeça à espreita no vão da porta, bem bobo e brincalhão, e quero guardar eles aqui pra sempre.

— Helena, quando eles não estão se matando, a gente aproveita.

— PAAAAAAI, VEM PRA CÁ!

Não sei se precisava convite, mas fiz mesmo assim e seu sorriso sacana vem junto quando se senta na cama e se atira na gente. Mamãe? Se faz de chateada mais uma vez. Ou diria ciumenta? Os dois. E se Maomé não vai à montanha, a montanha do Murilo vai até ela. Meu irmão se levanta com graça para buscá-la, que grita – detalhe, aos risos – até dar o braço a torcer junto de nós.

Mas não demora muito e nos coloca para se mexer e ir para cozinha. Entendemos enfim que ela queria tomar café com todos os seus amorzinhos. No meio da bagunça, pego o celular ainda tocando baixo, dessa vez com uma música bem melhor que aquela que assustou meu mano e que retratava bem essa manhã de adrenalinas gostosas. Sei qual é porque lembro que estava no pen-drive do Sávio, agora num contexto muito melhor.

 

12 Stones - Adrenaline

 

Vez que Murilo sai carregando mamãe pela casa, papai me dá o braço para acompanhar meu passo lento, como bom cavalheiro que é.

— Saudades do seu barulho, filha.

— Saudades das minhas músicas, o senhor quer dizer.

— Também. Mas é sempre melhor quando você canta. Principalmente nos palcos.

Quase empaco no corredor com essa, pelo certo embaraço que me bate. Mas esse é papai sendo papai – ele gosta de começar uma conversa como se não fosse nada, mas cheio das intenções. As minhas? De sumir com essas imagens!

Se não tivesse com um braço cruzado ao seu e o outro movimentando a muleta, teria teatralmente colocado a mão ao peito. Me sobra apenas me retrair um pouco, franzindo o semblante.

— Ai, Deus. Mamãe já espalhou? O senhor viu?

— E teria como não ver minha filha linda?

Como que enfia a cara num buraco quando o buraco tá muito longe?

— Por que fica envergonhada? Não te conheci assim.

— Conheceu sim, pai.

— Mas no palco fica toda solta.

— Não fico não. Ali foi... uma brincadeira.

— Uma brincadeira e tanto. Mas por que não queria que víssemos?

— Não gosto de... hã... sei lá, opiniões.

— Opiniões sobre você ser boa? Sobre ser boa no que faz?

Papai também adora fazer umas perguntas que dão o que pensar.

Amasso um lábio no outro antes de responder.

— Algo assim, acho. É estranho.

— O que é estranho?

— As pessoas me verem assim... Me reconhecerem assim.

— Você se acha boa no que faz, Milena?

— Não sei.

Papai ia dizer algo mais, só que mamãe ataca novamente quando chegamos à copa, ela querendo saber o que tanto estávamos cochichando.

— Sobre as músicas da Milena. Eu sei que você também sentia saudades das músicas barulhentas dela.

Mamãe faz que não e nos rodeia para tirar, de praxe, meu aparelho e seu respectivo som. Nem reclamo dessa vez, só me posiciono para sentar, me sentindo agraciada o bastante por todo esse amor. Ainda nem chegou a hora da troca de presentes e já tenho o melhor dos mimos: minha família reunida no drama e no zelo.

 

~;~

 

Assim que Murilo saiu no meio da manhã de véspera para uma “missão secreta”, intimado ao que parece, a outra agente especial bateu na minha porta. Quer dizer, Iara. Ao passar pela porta da sala, seguida de mamãe, ela declara, com falsa cara de chateada e uma bolsa de mão:

— Me expulsaram de casa.

Eu, sentada de camarote no sofá, com minhas pernas sobre as de papai, lanço um:

— Eles o quê?

Enquanto mamãe deixa a bolsa de Iara ao lado de um dos vasos da casa, próximo da janela da sala, a outra se aproxima de nós resmungando toda marota:

— Me disseram para cuidar dos visitantes e que só posso voltar quando for a hora da festa. Acreditam nisso? Não posso nem me arrumar lá! Oi, seu Otávio!

Os dois trocam um beijinho no rosto e meu pai abre espaço para Iara sentar junto. Resmungo eu também, porque desde cedo só tô somando 1 e 2 de coisas que o Murilo soltou sem querer, no entanto pouca coisa, embora coisas. Como o fato de ele ter que passar o dia na casa do seu Júlio e que tinha que estar lá às 10h. Iara tinha dito no dia anterior que o vô-sogro ia aprontar algo com Filipe para o Natal. Ela também sabe de algo, apesar de não tudo, pelo jeito.

— Não acredito é que nenhum até agora me contou o que é esse mistério todo.

— Talvez porque seja surpresa, querida?

Papai me inquere nessa, com uma cara que deixa a entender coisas... O que me faz virar para ele com o maior olhar inquiridor. 

— O senhor tá sabendo de algo que... a gente não saiba?

Papai? Desconversa.

— Você pode se arrumar aqui conosco, Iara. Um tempinho para a gente aproveitar também. Aceita algo? Um suco, água... café? Ainda tem café, querida?

Papai pergunta por perguntar a mamãe, que permanecia de pé atrás do sofá só observando a gente. Eu? Protesto, claro.

— PAI!

— Ué, não pode também? Vai deixar a menina Iara sem casa agora? Sem café?

Iara, risonha, integra a confusão, enquanto eu ainda quero saber das surpresas.

— Estou bem, gente. Tomei café antes de sair.

— O senhor sabe que não é essa a questão. E você também, senhorita Iara. Estão todos me escondendo coisas.

Mamãe, que até então só espreitava a gente, comenta o caso de uma maneira que julgo ser séria e sai andando como não se fosse nada para o outro sofá. Fico sem fala com essa.

— Entra na fila, filha.

Não sei se Iara nota o climão ou o subtendido, só sei que ela termina por dizer:

— Fico agradecida por vocês me acolherem. Depois vou lá na casa de Djane ver como estão as coisas.

Mais entrosada, mamãe quer saber:

— Não vai almoçar conosco lá?

— Acho que vou passar na casa do Sávio primeiro.

Diz uma Iara com as bochechas quase rosadas e com cara de quem quer aproveitar para dar uma fugidinha do serviço. Nada que nós não poderíamos encobrir.

— Hmmmmm. O namoradinho que vamos conhecer hoje?

Nem digo que essa foi minha mãe, toda interessada.

— Esse mesmo. Ele só vai poder aparecer depois da meia-noite. Vai passar a ceia com o tio e alguns vizinhos. O tio é a única família dele, praticamente.

— E já pode adiantar alguma coisa sobre ele? Já que certas pessoas não nos contam nada.

Algumas pessoas poderiam pensar que a indireta direta foi da minha mãe, mas não, essa discreta indiscreta vem de meu pai. Nem fico ultrajada, porque esse delito foi meu mesmo. Mas o que poderia dizer aos meus pais sobre Sávio?

Antes que Iara diga algo, respondo eu, implicando, porque essa é minha natureza:

Certas pessoas às vezes esperam vocês saberem da fonte, só isso.

— “Só isso” nada, porque nem da fonte às vezes vocês nos deixam chegar perto.

Dessa vez sim é minha mãe e apesar de ela não falar tanto por maldade, fico um pouco amuada porque, bem, é uma falha minha. Agradeço que Iara entende e leva tudo na brincadeira, mas agora não deixo de pensar também que não só mamãe se sente por fora das coisas. Sou tão negligente assim?

— Acho que a Mi só não queria ser injusta. E, bem... o que vocês gostariam de saber?

Queria poder avisar a cunhadinha que isso não é resposta que se dê, porque meus pais iriam se aproveitar bastante dela. E assim o fazem, a começar por papai:

— Nome... Idade... O que faz... Se estuda ou trabalha.

— Como vocês se conheceram, onde se conheceram... Do que ele gosta...

— Qual a área dele?

— Como ele é? Personalidade e físico.

Meus pais vão bombardeando Iara ao mesmo tempo que vão complementando as perguntas um do outro, de repente muito curiosos. Agora me pergunto se seria de repente mesmo. O bom é que Iara se DE-LI-CI-A com eles.

— Tá, vamos uma por vez. Nome. Sávio Tavares. Idade... 27 anos. Ele estuda e trabalha. Estuda, inclusive, com a Milena. Faz o curso de Administração e é funcionário público, lida com arquivos.

— Já gostei disso. Parece responsável.

Quero responder a papai que o Sávio é mesmo muito responsável com as coisas, mas esse momento não é meu, então só assisto essa interação toda.

— Antes ele era da parte de atendimento, mas o Sávio... Ele é muito tímido. Quando pediu transferência pra cá, pediu pra mudar pra um setor mais interno. Ele é bem organizado. Às vezes meio atrapalhado, mas é porque ele consegue ser tímido assim. Tenho certeza de que vão gostar dele.

— E ele te respeita?

— E o físico?

— MÃE!

Iara gargalha, não sei se pelo meu protesto, não sei se pela pergunta de mamãe, que responde:

— Pode mostrar uma foto, ué. Nada demais.

Minha amiga busca o celular na bolsa para procurar essa tal foto e vai falando:

— Super me respeita, é carinhoso e gentil e me faz sentir... me faz muito feliz. E é alto, bem alto. O que pode ser bem engraçado às vezes. Qual era a outra pergunta?

Mamãe investe novamente:

— Do que ele gosta?

— Ele adora coisas relacionadas a carros e motos e autopeças. O tio dele é mecânico, então teve essa influência.

Acho que não tinha ouvido a Iara falar assim do Sávio, vez que sempre estávamos tão envoltas de dramas e confusões. É muito bom ver sua perspectiva de uma forma mais... enamorada. Fofa.

Isso até sobrar pra mim.

— Como vocês se conheceram? Onde?

Iara ainda tá procurando a foto, mas não deixa de encarar meus pais toda boba.

— Foi através de amigos em comum com a Milena. O Gui trabalha lá na empresa também. Quando ele ficou separado da namorada, a gente se reuniu pra dar uma força e fomos nos encontrando. Em lanchonetes, praças, barzinhos, coisas do tipo.

Mamãe se vira de repente pra mim, com toda uma postura e expressão indagadora:

— Você anda em barzinhos agora, Milena?

Eu?

Só acho curioso que todo mundo bebe e eu que saio de bebum nas histórias. Mas, felizmente, a mesma que me coloca na fogueira me puxa de lá.

— A gente não bebe não, dona Helena. Aliás, acho que nunca vi a Milena beber algo alcoólico?!

— E a senhora aí desconfiando de mim, né!

— Hum. Bom saber.

Papai então irrompe com outra questão:

— E como foi quando seu pai descobriu esse namoro?

Iara segura um sorriso.

— Ele colocou o Murilo pra me vigiar.

— Esse é meu filho!

Claro e com certeza dou uma almofadada na cara do meu pai por sua comemoração.

— O Murilo ficou um pouco sem jeito. E vazou pra Milena, que vazou pro Gui. Aí o Gui também queria saber quem era.

— E o Vinícius?

Iara morde o lábio com essa pergunta de minha mãe. Ela sabia que por um tempo o Vinícius não era muito dado com a irmã e com o pai, mas não sabia o que eram as reservas dele com Sávio. Sávio pode ser um tópico delicado e até então Iara conseguiu torná-lo um tópico divertido. Fico na expectativa de sua resposta, embora de uma maneira bem diferente de meus pais.

— O Vinícius não gostava muito do Sávio nesse período.

— Ciúmes de irmão, né?

Ainda incerta, Iara amassa um lábio no outro para pensar uns segundinhos e termina com essa:

— Pode-se dizer que algo do tipo.

Meu pai já emenda outra, sem drama, apesar de querer saber dos dramas.

— E como foi quando você o apresentou para seu pai?

— Nossa, o Sávio tava muito nervoso, até quebrou um copo. Ou foi um prato? Eu só queria cutucar meu pai toda hora, porque ficava pilhando ele de graça.

Adivinha quem comemora de novo? Sim, meu pai.

— É isso aí, Filipe! Bota medo no garoto!

— Vovô foi o mais solidário. Papai ainda implicou um pouco, mas ele me via feliz, então isso foi determinante acho. Pra terem uma boa relação, digo. Agora meu pai quer tentar converter o Sávio pro Fluminense.

— O Filipe é do Fluminense?

E emendo eu, como se eu super entendesse de futebol e ele também.

— E a Iara é botafoguense.

— Eita. Dureza!

— O senhor é de qual time?

— Nenhum. Mas gosto de ouvir as histórias. O Sávio tem time?

— É como o senhor, acho. Aglomeração demais não é bem o feitio dele, nem lugares com muito barulho.

— Não é de farras. Mais um ponto pra ele.

Iara finalmente acha a foto e se levanta para mostrar para minha mãe e para meu pai. Continuo apreciando a cena e não deixo de pensar também de como foi ano passado, em que meus pais pediram o “dossiê” todo de Vinícius ao meu irmão. Porque sabiam que eu não ia revelar. Porque eu não contava nada. Isso mexe um pouco comigo. Também porque não tive esse momento de responder toda boba apaixonada, acho. Não queria ser uma boba, acho também. Não sei, sinto que perdi algo no processo.

Antes que me enverede mais fundo nessa sensação esquisita, o celular de Iara toca.

— Oi, Djane. Bom dia! Já tô na casa dos Lins.

Com essa, papai sussurra pra mim, com um tamanho muxoxo:

— Ninguém nunca lembra meu sobrenome.

— São muitos sobrenomes, pai. Nossos nomes são enormes. E os Lins acho que é mais fácil de dizer.

— Eu sei. Mas às vezes é bom ser lembrado também.

Me estico e dou um beijo no rosto dele, que recebe de bom grado. Se mamãe não estivesse tão afoita com Iara e Djane, teria reclamado seus ciúmes, aposto.

— O senhor não vai ser esquecido fácil assim não, senhor Camargo.

Novamente me vem uma sensação estranha, de alguém sair perdendo algo. Dessa vez, no entanto, só quero fazer o melhor para que se sinta parte disso tudo. Parte importante de tudo isso.

Neste Natal não quero deixar ninguém para trás, inclusive eu.


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Notas finais do capítulo

Otávio e Helena Lins Albuquerque Camargo sendo uns lindos e sacanas e amorzinho ♥33333333

E NÃO ACABOU PORQUE ESSA VÉSPERA + NATAL VÃO RENDER.
Eu realmente não tenho palavras pro próximo capítulo, só digo que vem pra breve!

Iria embora sem deixar nada, mas a IARA tá aqui insistindo pra eu entregar pessoas. Então lá vai:

"Com a cara no chão, Murilo obedece. Se levanta e se aproxima de Iara, que ainda tá recuperando o fôlego. Pelo menos Filipe ou seu Júlio não brigaram com ela pela cusparada de vinho no tapete.
— Desculpa, Iarinha. Não vi direito. Não deu tempo.
— E você ainda queria ver?
— Não! Vocês estão interpretando tudo errado.
Murilo se volta para o centro da sala, onde estava o cabeça da tramoia. Eu já admirava [ALGUÉM] de outros carnavais, mas agora [...] se superou. [...]
Com as mãos juntas ao rosto em sinal de prece, Murilo pede misericórdia."

HAHAHAHAHAHA ai, ai, quando vocês souberem.......



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