Mantendo O Equilíbrio - Finale escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 148
Capítulo 147


Notas iniciais do capítulo

A fome bateu cedo hoje, por isso a pausa do combo hihihi
E LOGO NO CAPÍTULO DE MUITOS BABADOS, criaturas aprontando, criaturas sendo reconhecidas, escudeiros, SUSPEITAS e incredulidades. Recheadinho, como a gente gosta!

ENJOY!



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Último dia – de “aula”, de receber de volta os trabalhos, de devolver livros à biblioteca, de levar meu atestado à secretaria, de ver a galera junta. Rezar pelas notas (e faltas) vai até sexta-feira, prazo máximo para tudo estar no sistema. Nem creio que está finalmente acabando. Nem creio que em três dias já estaria pegando a estrada para visitar minha família. E por isso mesmo havia algumas coisas para resolver.

Levanto meio sem coragem, fazendo um check mental sobre o que tinha de pendente, pra garantir que nada me escapasse. Depois de uma passagem lenta no banheiro, sigo preguiçosamente para a cozinha. Quem encontro? Murilo.

Murilo sentado no sofá. Concentrado. Com um livro.

Falo – ou melhor, encho seu saco – entre bocejos:

— Mu? Você... lendo?

Ele abaixa o livro, com uma cara feia, mas sabendo que não falava por mal.

— Ei, eu sei ler, tá.

— É estranho, só isso.

Murilo volta a dar uma olhada no livro.

— Eu li o da vovó.

— É, mas era o da vovó, né?

Colocando um lápis entre as páginas para marcar, meu mano provoca de volta:

— Nem vou dizer que mamãe vive reclamando que você não lê os livros que ela manda. Logo ela, que trabalha em escola e numa livraria.

Ando para a cozinha e ele parece me acompanhar.

— É, culpada. Mas Djane vai me encher de livros da faculdade pra breve e aí... Bem, melhor eu não dizer isso pra mamãe.

Conheço a peça. Ciumeeeenta.

Pego minha xícara e depois me enfio na geladeira para pegar o leite, pão e manteiga. Retomo o que estava dizendo:

— O fato é que ando sem cabeça.

Sentado na mesa da cozinha, com o tal livro, a criatura diz com simplicidade:

— Lê um dos da Lia.

— A Lia já tem livros? Ela tem, tipo, mês.

— A Aline comprou uns que são de plástico. Livro de companhia pro banho. São até engraçadinhos. É um modo de a criança se acostumar com objetos. Mamãe já separou uns pra mim.

Parece fofo. Mas o que comento, com graça, é:

— Pra você também ler no banho?

— Não, Lena, pra eu dar de presente como bom dindo que sou. Se você for comigo lá, antes da viagem, pode ler alguns e dizer pra mamãe que leu algo esse ano. Além da faculdade.

— Murilo, tu tá querendo que eu enrole nossa mãe?

Digo, colocando a mão com a faca na cintura, com cuidado pra não me sujar de manteiga.

— Isso se chama te ajudar a não levar mais esporro.

— Eu não tô reclamando, tô só surpresa. Quantos desses você já leu?

Volto para o meu café da manhã.

— Desse aqui? É o primeiro.

— Falo dos da Lia.

— Ah. Uns três. Tem um sobre um peixinho que... Ei, tu tá me zoando?

— Não, de modo algum. Acho fofo. Preciso urgentemente dessa foto.

Digo, toda engenhosa, ajeitando meu pão. Murilo retruca, com o mesmo sentimento.

— E o que vovó já não te disse sobre isso?

— Isso o quê?

— Sobre viver o momento, não capturar o momento.

— Ei, isso foi no lançamento dela! Como você sabe disso? Eu te contei isso?

Tento rebobinar nossas conversas, porque não recordava. Se bem que naqueles dias, que Murilo estava longe, eu reportava a ele tudo, tudo mesmo. Qualquer coisinha de nada eu comentava em nossas ligações. Pode ter sido aí.

— Liguei pra ela quando terminei o de crônicas dela, lembra? Ela me contou muita coisa.

— Ah, sim. Ela me entregou.

Ele faz uma cara engraçada de “também não é pra tanto” e pega o gancho. E um pedaço do meu pão. Em outro momento eu teria ameaçado ele com a faca, agora, só sigo o fluxo.

— Ela gostou muito do Filipe. Pelo que entendi, ela e mamãe.

— Elas foram super amor com ele mesmo. E... Vovó falou sobre... Você sabe, Denise?

Não queria trazer o assunto para nossa mesa, mas Murilo tem estado tão recluso nesse tópico, que fico com receios de tocar no assunto. Vou esperar o tempo dele, claro, porém, arrisco somente para sentir como ele está só de ouvir sobre isso.

Ele abaixa a cabeça um pouco, folheando sem muita vontade o livro que trazia, e responde de maneira distante. Não parece tão afetado, mas não sei muito como interpretar isso. Pego o pote de achocolatado para disfarçar que não estou olhando.

— Falou. Eu, claro, não entrei em detalhes. Só disse que o que tinha que resolver com ela, foi resolvido. Quer que eu esquente o leite?

Percebo a mudança de assunto com sua solicitude. Mas, novamente, disfarço.

— Nah, eu tomo gelado mesmo. Não quero atrapalhar sua leitura.

— Sem problema, já li um bocado. Te faço companhia.

E aí que me toco de uma coisa. São quase 9h da manhã e Murilo ainda está aqui.

— E o trabalho? Já não devia ter saído?

— Meu chefe me chamou para uma vistoria e ficou de me buscar aqui. Tá bem atrasado.

Pela cara dele e uma olhada rápida no relógio de seu celular, sinto que é verdade.

— E você comeu algo? Da outra vez disse que não conseguiu.

— Comi mais devagar e com calma. Ajudou.

— Tem certeza? Porque há um minuto atrás você tava beliscando meu pão.

Dou uma olhada significativa pra ele, embora estivesse sendo mais atenciosa do que provocativa. Ele dá de ombros e pesca mais um pedaço do saco de pão.

— Só ansiedade mesmo.

— Hum... Então, esse livro é sobre o quê?

— Gestão de equipe. Que, pela tua cara, faz parecer que sou iletrado.

— Achei diferente, só isso. Parece meus livros da faculdade. Não sabia que tinha interesse no assunto.

Os poucos livros dele são sobre coisas que não sei nem nomear. Coisas técnicas. Coisas bem específicas do trabalho dele. Manuais às vezes.

— Bem, não tinha tanto até... Tá, vou contar. Me ofereceram uma promoção no departamento.

Ele diz, com uma cara de quem fez algo errado, incerto.

— Murilo! E só agora tu conta?

Jogo uma bolinha de casca de pão na sua direção. Ele desvia, mas também hesita.

— É que eu ainda não respondi. Se sim... se não.

— Oxi, por-uê?

Ele entende que pergunto “por quê” enquanto comia e aí sim ele se entrega, deixando o livro de lado e, de cotovelos na mesa, esfrega as têmporas, o rosto, o cabelo. Meu irmão tava mesmo confuso.

— Falando a verdade? Não sei se levo jeito pra isso. Sempre fui o cara do maquinário, da análise, do relatório, dos projetos. Ser chefe, mandar e colocar ordem nas coisas, não sei se sou a pessoa certa.

— O que teu chefe diz?

Murilo se estica na cadeira e expira devagar.

— Ele que me ofereceu a vaga, né. Na verdade, quando perguntou se eu me mudaria para o novo prédio, ele tava me testando. Ele acha que posso fazer algo bom no setor. Se eu tivesse ficado onde estava, não teria sido chamado.

Mastigo mais um pouco, pensativa. Murilo, ainda ansioso, belisca mais um pedaço do saco de pão. Ele não era disso, porém, com tanta mudança nos últimos tempos, não me admira que seja um novo hábito também. E não aponto isso, pois sei quão estressante pode ser. A Flávia vivia dizendo para eu não roer unha e isso me deixava mais agoniada.

Ter ela em meus pensamentos assim me faz voltar ao assunto de pronto.

— Mu, não é a primeira vez que pensam em você para uma vaga dessas, né? Eles tão vendo algo que você próprio não vê.

— Acho que eu preciso ver isso que vocês estão vendo.

Diz, vacilante.

— Envolve um dindin a mais?

— Envolve, claro. E mais responsabilidades também. Acho que não faria mais plantões, ou muito raro. Fora que teria um horário bem mais regular. Também poderia responder em mais entrevistas. Sabe, quando aparece o profissional na tv explicando algum fenômeno?

— Só por isso, eu digo sim. Tá super aceito!

Levanto o copo de achocolatado com tudo, animada. Ainda bem que já tinha tomado um bocado, senão ia ser uma sujeirada daquelas na cozinha.

— Quer tanto assim seu irmão famoso?

— Não. Você ser famoso na Coreia e estar ok com aquele vídeo, tá ótimo de fama. Mas a questão é que lembro do seu sorriso quando aparecia uma pontinha sua na televisão. Esse é um sorriso para se manter. É um sorriso de quem está crescendo.

Digo, com muito gosto. E ele de fato sorri, meu sorriso bobo e bonito.

— Depois dessa, acho que agora ou eu aceito ou eu aceito. Obrigada, mana.

— Parabéns, Murillin!

— E depois dessa, vou matar minha namorada por propagar esse apelido.

Ele bate uma mão na outra pra tirar as migalhas e também para limpar um pouco do que caiu em sua camisa. Parece realmente mais tranquilo. A ansiedade está ali, porém, mais resoluto do caso.

— Eu só amo minha cunhada. Diz isso pra ela, tá?

— Digo. E só pra constar, era uma mistura do meu nome com meu sobrenome.

— Como assim?

Muri-Lins.

— Hmmmmm. Faz mais sentido. Mas ficou Murilin mesmo, porque é mais engraçado. E... Ei, tem problema vocês namorarem? Assim, fica malvisto lá dentro?

— Graças a Deus que não. De qualquer forma, somos de setores diferentes.

Murilo checa mais uma vez o celular, impaciente. Ao que demonstra, sem mensagens novas.

— Falando em outro setor... Vi a Flávia ontem.

Percebo sua hesitação em tocar no assunto, assim como eu fiz minutos atrás. Como ele, faço pouco caso enquanto mexo meu achocolatado pra ficar mais homogêneo.

— Ela tava saindo, eu tava entrando. Foi um pouco estranho.

— Estranho como?

— É como se fosse outra pessoa, sei lá. Ela tá bem abatida.

— Ah.

É tudo o que digo sobre isso. Não imagino, não penso, não... Não. Mudo de assunto. Digo, volto ao assunto.

— Então... quando começa?

— O que começa?

— Essa vaga. É ainda nesse fim de mês, vai alterar nossa viagem, ou...?

Ele aceita o tópico de volta, tamborilando os dedos na mesa.

— É pra janeiro. Pra dar tempo de encerrar umas coisas e tem o recesso. Não altera nossa viagem.

— Já quero janeiro então.

~;~

Aquela vitamina C de fato me deu mais energia e disposição. Considero isso no final do expediente, encerrando o serviço e me preparando para a última jornada do dia.

— Tá saindo agora, Lena?

Iara brota de repente na minha mesa com uma cara de quem tá aprontando. Só avalio.

— Tô. Já indo pro ponto de ônibus.

— Posso te levar.

Ajeito as alças da minha mochilinha nas costas e encaro minha amiga com as chaves do carro na mão, muito eu da desconfiada. Entrecerro os olhos para ela.

— Eu não sou uma inválida, sabe? Posso pegar um busão. Esse horário é bem razoável, não fica como lata de sardinha.

Iara? Faz uma expressão de espertinha.

— Mas uma carona é uma carona, como você mesma diz. E eu vou para aquele lado.

— Fazer...?

Ela amassa um lábio no outro diante de minhas reticências. Sustento minha pasta ao corpo e vou para o lado dela, toda investigativa.

— Só vou se você me disser o que vai fazer por lá.

Ela não desiste de me enrolar e ainda me põe para andar junto.

— Vou numa consulta, só isso.

— Sei. De quê?

Iara segura o cotovelo e depois o pulso, encabulada.

— Tenho sentido umas dores. Nada grave.

— Que tipo de dores?

— Acho que é tendinite. Daí marquei hora com um ortopedista. Não conta pro meu pai.

Avalio ela de rabo de olho. Ela mascara um riso.

— Hum.

— É sério.

— Incrivelmente no meu horário.

— Incrivelmente sim.

Seguimos andando e lá no estacionamento nos deparamos com Aguinaldo mexendo em algo no porta-malas de seu carro. Ele não nos vê, porque está de costas e a posição do carro de Iara não deve estar muito acessível. Será que ela sabia que Gui ia sair cedo? Desde nossa breve conversa de domingo, não falamos mais nada sobre o assunto. Iara até que tentou e eu mudei de rota. Não queria mesmo ouvir no que deu o papo entre eles ou o que minha amiga resolveu fazer com ele.

Eu sei que fingir que Gui não existe ou barrar tudo relacionado a minha descoberta não é a maneira de lidar, porém, não consigo não fazer. Senão não consigo fazer mais nada na minha vida. E a vida continua, né? Trabalho, projetos, aulas, supermercado, casa, família, fim de ano, encontros, reencontros.

Ano passado, a essa altura, eu estava sem irmão e namorado e foram os meus amigos que me apoiaram. Agora as coisas estão às avessas.

Bem, não devo desmerecer todos os meus amigos nessa. Iara e Sávio estão dando bastante suporte. Me reaproximei de Dani, depois de tantas confusões. Bruno também tem sua boa parcela de apoio, apesar de ter me metido num amigo da onça numa hora não muito adequada. Mas como ele poderia saber, né? 

Aliás, ele super topou em fazer o encerramento com a galera na pizzaria. Dani me fez jogar a ideia como quem não quisesse nada. E seria o melhor mesmo, pois ainda vai ter gente desesperada no intervalo, resolvendo coisas de última hora. Geral também se animou de poder ver Dani no palco, embora ela tenha dito que dessa vez vai ficar conosco na mesa. Acho justo, afinal, foi um período bem cansativo. Ela vai ter outras oportunidades para deixar sua voz dominar o ambiente. CK quem vai tomar a frente.

Eu ainda pensava se iria ou não, porque não estava muito a fim de estar num encerramento tão movimentado. O que me impedia mais era que queria dar o presente pro Bruno como devido, como parte da brincadeira. Ele já está por fora de tanta coisa que não quero decepcioná-lo nesse ponto.

Entro no carro e sei que Iara também viu Aguinaldo do outro lado. Só que dessa vez, enquanto manobrava para sair, ela respeita, sem fazer comentários. Pra mim, é só alguém que tenho que tolerar nos espaços que frequentamos.

— Como tá o caso Sérgio, I?

— Meu pai acaba de descobrir as tramoias bobas do teu chefe. Você não vai acreditar no que ele fez.

— O quê?

— Riu e agradeceu. 

— Acho que posso dizer que não parece tão inacreditável assim. Mas pode?

— Bem, ele não fez na frente da equipe. Com todos, papai faz a linha de durão. 

— Todo chefão, né?

— Eu pensei que teria que defender ele, pela ética e tudo mais, e lá estavam os dois de conversinha. Sobre mim. Sobre as “boas jogadas” de Thiago. E depois a criatura veio todo animado comemorar que não teve problema. Fiquei fula de novo!

Acho curioso ela chamar o Thiago de criatura, porém, nada digo sobre isso.

— E onde o Sérgio ficou no meio dessa coisa toda?

— Ainda estão investigando, sem muita exposição. O depoimento do Thi vai ajudar muito. Ele viu coisas e sabe de outras tantas. A depender do que for encontrado, ou ele vai ser demitido ou afastado. Mas muito provável que seja demitido. 

— Isso é bom, não é? As duas opções, inclusive.

— Eu sei que é. Mas... A história toda mexe num ponto fraco meu e isso me incomoda bastante. Sei que demorei a falar as coisas e isso levou o Thi a tomar providências antes de mim, mas, sabe...?

Balanço a cabeça em afirmação, embora ela não possa ver muito.

— Acho que sei.

— Nisso eu te entendo bem.

— O que quer dizer?

— Limites. Eles foram além dos limites. 

— I...

— Tudo bem. Respeito os seus. Só digo que não queria passar o Natal sem milenices ou murilices. São muitos dias longe de vocês.

Gosto dessa virada de assunto.

— Parece alguém que eu conheço.

— É, tô andando muito com meu irmãozinho. Só aquelas fotos com a decoração da casa não me deixaram satisfeita. Mas entendo que vocês precisam ir. Família, né?

— Mamãe viria só pra me matar se eu não fosse. Família.

Iara bem sabe que sim. Aproveito pra saber como vai ser na casa dos Muniz.

— Como estão os planos de Natal?

— Tudo indo bem. Papai vai cozinhar. Eu ainda vou comprar alguns jogos. 

— Jogos?

— Alguns clássicos. Vou procurar no Center mais tarde se tem Imagem & Ação. Quando vivia com minha avó, passava o dia ajudando na casa, e não de um bom jeito, e depois da ceia ficava no quintal, imaginando o que gostaria de estar fazendo. Na época, gostava muito desse jogo. 

— Na volta da viagem, já deixa o jogo separado, porque quero brincar também. Que outros jogos você vai comprar?

— Damas e dominó pro vô Júlio. Sabia que ele ganhou prêmio na juventude?

— Genioso como ele é, acredito!

— Meu pai disse que vai desafiá-lo. Essa eu preciso ver. Também vou comprar um carteado, por garantia. Tentei aprender buraco, mas não entrou na minha cabeça. Também não sou muito boa no pôquer. Mas é uma opção, né. 

— É bom te ver animada assim.

— É bom estar assim. Sério. Eu sonhei com algo assim por muito tempo. Não digo pela festa, mas estar com quem amo e quem me aceita de verdade. Que me conhece. 

— É só a melhor das sensações? Fico muito feliz mesmo por você. Por vocês. Amo a interação que foi se reconstruindo. Amo ver as picuinhas de vocês também. Aí sim uma família de verdade.

Fico observando toda boba quando vejo algo do tipo na frente.

— Isso que disse outro dia pro Vini quando roubei o fone de ouvido dele. 

— Ah, foi tu, bonita? 

Só sei que ele passou um tempo procurando.

— E com beijinho na bochecha, ficou tudo bem.

Lá estava eu, boba de novo, porque SÓ AMODORO!

~;~

Subia a rampa da faculdade quando encontro Bruno chegando também. Como algumas pessoas que avistei, ele estava bem arrumado e perfumado, com um chapéu verde de Chapeleiro Maluco – imagino que seja de Chapeleiro Maluco. Eu, por outro lado, estava de roupas comuns de trabalho, porque era só mais um dia e graças que terminando. Ao emparelhar comigo, Bruno dá uns pulos de comemoração, fazendo sua mochila bater nas costas:

— Último dia de aula!

— Finalmente.

Levanto as mãos aos céus, em agradecimento.

— Tô vendo sua animação de longe.

— Longa jornada. Mas gostei do seu chapéu. Só não sei se vou ficar muito no encontro da galera. Não tô pra movimento. Ou pra pizza.

Encolho os ombros porque continuava sem muita disposição. Insistia só por ele mesmo, que se esforçou tanto em nos reunir.

Bruno toma a frente, andando de costas para a instituição e, cara a cara comigo, me avaliando.

— Ué, mas foi você que deu a ideia de fazer na pizzaria.

— Acredite, não foi. Mas acabei concordando.

— Então quem f...? Não!

Algo atrás de mim de repente o deixa embasbacado e por instinto também me viro para averiguar. Assim como Bruno, minha reação é de surpresa. Mais que isso – in-cre-du-li-da-de.

— Não! Mentira!

Era o Sávio que vinha logo atrás, vestido com aquela camisa que Bruno deu de presente de aniversário. Não a da banda, era aquela espalhafatosa, quase carnavalesca, em tons vivos de laranja e verde. Era tão incomum de nosso amigo que ele simplesmente destoa de tudo e de todo mundo.

— Você está vestindo, de verdade. Eu tô vendo e não tô acreditando.

Bruno declara, risonho e ainda descrente.

— Não era um presente? Então estou usando. Afinal, hoje é um dia especial.

Eles se cumprimentam com um toque de mãos e logo estamos novamente emparelhados ao topo da rampa, com Sávio no meio, chamando todas as atenções por onde passa. Até parece as suas primeiras semanas na instituição, no começo do ano.

Ao passarmos pelas catracas, até falo:

— Olha, depois dessa, até reconsidero ficar na festa da onça.

Bruno finge ciúmes.

— Por ele tu vai, né, bonita?

— Por vocês dois somente. Acredite.

~;~

O último intervalo de aulas!

Aperto meu cordão ao pescoço, mexendo nele, pensando que logo logo estarei em boa companhia, brincando e distante da faculdade. Ainda rezando pelas minhas notas, claro, mas escolhi me divertir um pouco no meio de tanta incerteza. O clima de animação era geral. Minha disposição foi melhorando conforme eles foram me contagiando. Até tirei foto antes da aula com o Sávio e sua camiseta diferentona pra mostrar pra Iara.

Quando mencionei que foi ela quem me deixou na faculdade, ele comentou sobre a consulta dela. Que Iara FINALMENTE foi procurar um especialista pra verificar a tendinite. Então ela falava a verdade. Pelo que disse e como disse, minha amiga estava se negligenciando por conta do trabalho. Esperamos que esse ritmo workaholic se ajuste quando ela começar os estudos.

Ou isso ou coisas vão acontecer, penso. E tenho um escudeiro lá na empresa com quem contar.

Mas o que me deixa animada mesmo ao descer a rampa que leva ao pátio – e desviar das obras do prédio – era ver o CK ali. No segundo horário recebi uma mensagem de Daniela dizendo que ele apareceria para uma “palhinha”. Como Djane liberou nossa turma mais cedo, sou uma das primeiras a chegar na área e garantir uma mesa. Deixo Acácio lá e vou cumprimentar a duplinha, já que Sávio segue para fazer nossos pedidos na lanchonete.

— Bem-vindo à zona de desespero, CK! Não ligue se a galera ficar louca com seus celulares, porque tá todo mundo verificando o sistema de notas de hora em hora.

Eu parei de ver porque não estava ajudando minha cabeça. Também porque Sávio tomou meu celular em classe.

— Opa, vim pra ajudar a dispersar.

Ele estava com um violão, sentado num banquinho alto que Dani conseguiu não sei onde.

— E o que vocês vão tocar?

— Ai, Lena, tô tão nervosa!

Dani diz, quase fundindo as mãos enquanto esfrega uma na outra, agitada. Ela tava com um look bem punk estiloso.

— Acho que não vou cantar aquela não.

Aquela seria a música pro Bruno, de sua declaração. CK dá de ombros, mas de um jeito pra acalmá-la.

— Não precisa se não quiser. Vamos só dinamizar um pouco. Respira.

— É, respira. Ele não tá esperando nada. Aliás, ninguém tá esperando nada especial assim. E não precisa ser na frente de todo mundo. A relação é só de vocês.

Dani assente, expirando um pouco de sua agonia.

— Pra vocês verem, até sonhei com essa apresentação. Fiquei mais pilhada com isso do que com minhas notas de Silvana.

Podemos concluir com essa que o caso era sério demais. CK aproveita isso pra me fazer uma proposta:

— Canta com a gente, Lena? Pra ajudar essa peça aqui a relaxar?

— Eu?

Coço a cabeça, sem graça. Estava mais animada sim, porém, disposta a esse ponto, nem tanto. Olho de baixo para cima de mim mesma, desde as sapatilhas às roupas padrõezinhas de escritório.

— Eu nem tô arrumada.

— E precisa?

Dani pergunta e eu questiono de volta.

— Você precisa? De mim, digo.

Minha amiga olha um pouco ao redor, desassossegada, e termina por anuir.

— Sim, acho que sim.

CK tenta me convencer outra vez, e com Daniela daquele jeito, considero.

— Podemos fazer como teste de voz, sem olhar pra ninguém.

— É, pode ser.

— Que tal uma lenta da Pitty?

Pitty é a artista favorita da Flávia. Olho para Dani e me vem na memória os tempos que ela parou de ouvir e cantar músicas que lembravam o Sávio. Pelo visto, estou fazendo o mesmo. Ajo rápido com outra sugestão:

— Que tal One Republic? Gosto deles.

— Boa! Sei umas deles. Deixe-me lembrar qual é o nome...

Enquanto CK se detém em pensamentos, eu e Dani ajeitamos as cadeiras próximas para sentar perto dele. CK fica de frente para o pátio, já nós duas ficamos de lado, com ele no meio, frente a frente.

— Ah! Stop And Stare?

Sem parar quieta numa posição, Dani diz:

— Eu não sei muito bem a letra.

— Eu posso cantar e vocês só acompanham.

E assim concordamos.

One Republic – Stop And Stare (Acoustic Cover)

 

CK dá início aos acordes e logo mais sua voz, mais suave, como o One Republic pede, começa e parece chamar a atenção dos alunos que chegavam. Ao refrão, eu e Dani entramos. Ela consegue checar uma parte da letra ainda no celular e ecoar uns versos seguintes e nos encontramos novamente nos refrões. Alguns versos são bem significativos, porém, acho que nenhuma das duas está em posição de interpretá-los, só cantá-los. Em algum tempo, minha amiga fecha os olhos e se deixa levar ao final da música, coisa que acompanho.

Ao finalizarmos, os aplausos chegam até nós e abro os olhos junto de Dani, que parece melhor.

— É aqui a minha deixa.

Escapulo do centro das atenções e quase estanco no caminho ao ver que a mesa em que guardei lugar tinha se juntado a outras e era composta, dentre vários alunos, por Gui e Flávia. Aliás, só havia duas cadeiras vagas. Uma entre o Gui e Bruno, e uma entre Acácio e Sávio.

Quando passo pelo Bruno, ele me chama:

— Ei, Lena, senta aqui.

— Eu vou pra outra ponta. O Sávio tá com meu sanduíche.

Eu não tinha lanchado na empresa e havia pedido ao meu amigo um sanduíche pequeno só pra eu não chegar esfomeada lá na pizzaria. É o que diria se o Bruno insistisse. O que não era nenhuma mentira.

 

Coldplay – Viva La Vida (Acoustic Cover)

 

CK segue com Viva La Vida do Coldplay e os alunos parecem se agitar mais, com palmas para seguir o ritmo. Alguns se levantam pra dançar e outros para formar um trenzinho que corria pelo espaço. Pelo visto, a festa começava cedo.

Depois de um tempo, levanto para buscar uma moeda que tinha escapado em um joguinho inventado com Sávio. Tá, eu estava tentando conseguir meu celular de volta e pra isso eu tinha que fazer um gol na trave que ele inventou com as mãos. Quando pego a moedinha de volta, dou de cara com o Chapeleiro.

— Lena... É impressão minha ou tem algo rolando por aqui?

— Tipo?

— Parece que você não tá muito feliz com a volta do Gui. Tô certo ou errado?

Mordo a bochecha por dentro com essa direta. Como não fiz nada errado, bufo e também sou direta, com pouco humor.

— Não tô muito feliz com ele por perto.

— O que foi que eu perdi? Tem a ver com teus sumiços?

Então ele notou. Não era sobre os dias que eu faltei. Bruno me encara, à espera de resposta. Encaro de volta.

— Queria dizer que não, mas sim. E não sei se consigo falar sobre isso mais uma vez.

— É ruim assim?

Corrijo-o.

— É horrível assim.

E saio de volta para meu lugar, porque também tinha total direito de aproveitar este dia. E conseguir meu aparelho de volta.


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Notas finais do capítulo

É, Chapeleiro, foi horrível assim. Mas a gente perdoa a ignorância nesse assunto e a tentativa do Bruno de reunir todo mundo. Talvez com um beijinho no rosto, como a Iara no irmãozinho dela? Talvez *-*

"Só digo que não queria passar o Natal sem milenices ou murilices."
(E POR ISSO VOCÊS TIVERAM CINCO CAPÍTULOS DE NATAL)

Tomem vitamina C, pq vem aí MUITO BAFAFÁ pra dar conta!

Trechinho?

"Sem nos olhar, Max segue pelas escadas e antes que Djane se mova para conferir como estamos, Fabiano diz:
— Precisamos evacuar o prédio, rápido.
— Podemos ligar o sinal de incêndio."

EI-TAAAAA



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