O garoto cujo nome eu nunca soube escrita por PuraKurage


Capítulo 1
Único




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Contarei a vocês a história de um jovem que parecia não ter sentimentos, ou que buscou não tê-los. De qualquer forma, era uma pessoa sem essência. Sim, isso mesmo... Sem essência, é o que digo. Não cheguei realmente a conhecê-lo; aliás, não é como se alguém já o tivesse conhecido.

Ouvi falar dele quando estava no colégio. Diziam que era quieto, estranho. Por simples curiosidade, comecei a observá-lo, e a frequência com que o via aumentou cada vez mais; quando me dei conta, já estava o perseguindo. Não sei o porquê, mas não era capaz de aproximar-me. Eu me sentia ridícula cada vez que o seguia, mas não podia fazer nada além daquilo.

Num dia em que a chuva o pegara desprevenido, porém, eu ofereci-lhe meu guarda chuva para dividirmos - pois eu sabia que sua casa era na mesma direção que a minha -, porém o rapaz restringiu-se a fitar o céu, ignorando-me. Aquilo me irritou profundamente, mas continuei a observá-lo de longe.

O garoto cujo nome nunca soube - por mais que eu procurasse e perguntasse às pessoas - mantinha sempre um olhar distante, como se enxergasse um outro mundo, ou até mesmo estivesse lá, em seu próprio universo paralelo. Seus cabelos eram lisos e escuros; seus lábios quase sempre permaneciam fechados, mas de vez em quando, não sei se por distração, deixava-os semiabertos. Nessas horas, dava a impressão de que ele murmurava para o vento, ao passo que este levava suas palavras até algum lugar.

Sob o céu azul, o rapaz costumava olhar as nuvens, sem incomodar-se com o brilho do sol que teimava em ofuscar sua visão. Às vezes sentava-se em um banco qualquer da praça e ficava lá até o sol desaparecer, ainda olhando para cima. Quando as estrelas chegavam, fitava-as uma por uma, e levantava o dedo indicador para contornar os desenhos que via através delas.

O que deixava-me um pouco conturbada e bastante curiosa era o fato de ele admirar tanto as paisagens, observar com gosto, sem deixar escapar um detalhe sequer; enquanto ao mesmo tempo ignorava as pessoas, e quando não o fazia, mostrava certo desprezo para com os outros, uma depreciação enorme.

Gostaria, realmente, de saber o que se passava na mente daquele garoto. Entretanto, parecia ser impossível chegar até ele, pois o mesmo construiu uma barreira em torno de si; algo que, julgo eu, em vez de o proteger, o fazia sofrer mais... E o pior: sozinho.

Algumas vezes cheguei a perguntar-me se ele é realmente um humano. Afinal, como alguém é capaz de viver na solidão? É um sentimento tão frustrante, tão... Doloroso. Por que será que desistiu das pessoas? Brincando comigo mesma, cheguei a supor que o garoto era um alienígena. Mas se o fosse, por que seus amigos o deixariam só, neste mundo desconhecido? Ou seria um acidente, ou uma punição?

Bom, essa linha de raciocínio não nos é muito conveniente, acho. Vamos esquecer isso. Digressões à parte, voltarei a falar de suas atitudes. E não, ele não era um extra-terrestre.

Apesar de vê-lo muito frequentemente, nunca me foi possível avistar seu sorriso, tampouco suas lágrimas, ou qualquer outro sentimento. Suas expressões eu as traduzia pelo olhar - expressões, estas, que limitavam-se a admiração e desprezo, como citei anteriormente. Mas não tenho certeza de nada, é apenas minha intuição.

Foi assim por muitos meses; ele com suas atitudes estranhas e eu, sempre atrás, seguindo seus passos; e como não prestava atenção nas pessoas, creio que ele nunca tenha me visto. Por um lado, era um alívio saber que não percebia, mas por outro era desesperador. No que esse rapaz pensa? Se é que pensa em algo. Porque para mim, parecia que sua opacidade exterior refletia-se também internamente. Devia ser vazio por dentro - foram essas reflexões que levaram-me a concluir que o garoto não tinha essência.

Certa vez, em mais uma de minhas espionagens, enxerguei em sua face uma expressão a qual marcou-se em minha memória. Seus olhos exprimiam uma melancolia que jamais senti, muito menos observei antes. De repente, vi-me angustiada, também. O rapaz segurava uma rosa em início de decomposição e fitava o chão, absorto aos seu mundo interior, ou seja lá o que for. Após girá-la, deixando cair algumas pétalas podres, levantou a cabeça e olhou diretamente para mim. Assustei-me. "Ele me viu!", pensei. Súbitamente, direcionei meu olhar às poucas pessoas que passavam por ali e às escassas folhagens que restavam na praça, tentando disfarçar em vão.

O jovem levantou-se do banco e começou a caminhar em minha direção, sem demonstrar sentimento algum. Não que eu esperasse uma nova feição, somente por ter me visto. Agora percebo: seu semblante, mesmo sendo sempre o mesmo, não me fatigava. Apesar disso, todos os dias esperava ver uma expressão distinta. Retornando ao acontecimento, o rapaz conduzia lentamente seus passos até mim. Eu fiquei sem saber como reagir, e foi exatamente o que fiz: nada. Manti-me naquela posição, mas observando cautelosamente seus movimentos. Por fim, passou por mim sem dizer uma palavra sequer, deixando cair ao meu lado aquela flor murcha. E foi-se.

Após a adrenalina, meu coração acalmou-se e notei que prendia minha respiração. Inspirei profundamente. O curioso foi que, no breve momento que encontrou-se ao meu lado, o garoto parecia ter transferido sua melancolia a mim. Como se compartilhássemos por um segundo a mesma dor. Ao compreender aquilo em meio à confusão dos meus sentimentos, virei-me para vê-lo, mas não estava mais lá. Corri em direção a ele, inutilmente. Demorei muito para entender o que se passara. Já tinha ido, há tempos.

Ele tentava livrar-se daquele sentimento, que insistia em acompanhá-lo. Quando notei isso, já era tarde demais. Infelizmente, nunca mais o vi.

Eu queria somente alcançá-lo, quebrar aquela barreira e dizer: Eu sinto sua dor. Deixe-me fazer algo por você.

Afinal, sei que a solidão é o pior dos sentimentos.


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