Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 91
Por favor se reencontrem, filosofas gregas.




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É verdade, está acabando. Quer dizer, o multiverso – conjunto de universes e suas diferentes realidades – está acabando. Bastante estranho pensar que está acabando sem antes conhecê-lo. É como ver os últimos episódios de uma novela que você não conhece. Para que você não se sinta assim e se sentisse mais a vontade e familiarizado com esses mundos, propus em alguns momentos que você conhecesse algumas histórias deles, mesmo sendo histórias que pareciam ser muito distantes da nossa linha de história central. Agora você percebe que algumas dessas histórias não são tão distantes e que não existe uma linha de história central. Uma linha é reta. Nossa história não parece ser uma reta, parece ser algo mais complicado do que uma simples reta.

Espero que minha tentativa de fazê-lo se sentir situado nessa corrente infinita de mundos tenha dado certo.  Elas eram as páginas do multiverso. Não são todas as histórias que o multiverso tem, pois todas seriam inumeráveis. São algumas e acho que algumas está bom, eu gostei dessas algumas. Eu poderia tentar muito escrever mais algumas. Talvez essas que escrevi sejam meu máximo. O máximo que consigo.

Tudo é uma palavra interessante porque se encontra no singular, gramaticamente falando. Tudo é um aglomerado muito grande onde tudo está reunido. Tudo morre, como dizia alguém que estou com preguiça de citar porque chamo simplesmente de alguém.  As pessoas morrem, as estrelas. E também os mundos. Os mundos morrem tristes e decepcionados pelos seus destinos.

A morte não é o fim de tudo. Pense bem. Os corpos morrem e apodrecem para dar vida a outras formas de vida. As estrelas se consomem e explodem para dar vida a outros astros celestiais. Os multiversos morrem para formar outros multiversos? Não sei. Reflita bem. Talvez refletindo consiga chegar ao final da história antes que ela chegue ao final.

Alaude se perguntava quanto tempo ficaria lá, sendo observando por pessoas que pensavam que não estavam sendo notadas e se sentiam seguras por estarem distantes fisicamente da divindade caída. Alaude fora expulso do Alto das Constelações pelos próprios deuses-humanos. Ele tinha interferido violentamente no curso das ações de certos indivíduos humanos ao usar da sabedoria dos humanos-deuses para alterar o fluxo das linhas do tempo, criando anomalias dimensionais em instantes e lugares bem específicos. Isso ajudou Mario algumas vezes.

Alaude estava isolado há tantas eternidades que não se lembrava mais do seu passado e de sua história. Não lembrava o motivo de estar ali. Pensava que estava ali desde sempre e para sempre, na companhia de uma árvore falante e alguns outros amigos imaginários.

Assistiam à insanidade de mais um deus caído e decidiram que estava na hora de seguir para o próximo da longa lista. Um número considerável de deuses tinha conseguido escapar da invasão romana, mas o sofista não conseguiu encontrar nenhum que tivesse mantido sua sanidade para travarem uma batalha de argumentos. Estava decepcionado, mas pelo menos seus estudos com os outros deuses-romanos que o acompanhava estavam indo a algum lugar. Demoraria mais alguns milhares de anos, digo, milhões, para concluírem esses estudos, mas uma hora acabariam.

É verdade que vão demorar demais e, para adiantar, não conseguiram completar tal pesquisa. A importância deles nessa história é devida ao acontecimento que virá logo a seguir e por isso esses personagens ainda tem lugar na nossa história.

Esse capítulo é destinado para os deuses, pois ainda eles tem muito o que fazer nessa história e é um tanto inadmissível que muito deve ser feito por algum personagem numa história que já está acabando. Quer dizer, a história já está acabando, mas uma personagem ainda nem foi introduzida. Você já ouviu falar dela nas histórias de Edésia, que também vai aparecer mais hoje. Ela é Hipátia.

Hipátia não estava lá com Edésia quando os romanos invadiam e ela preferiria que não enfatizássemos muito esse passado dela enquanto estivermos contando a história dela. Tinha passado e agora era um novo tempo pra ela. Não estava triste com o que acontecido, queria rever Edésia e trabalhou bastante pra isso. Ela deu seu jeito e fez uma grande jornada para atravessar várias dimensões e vários quadrados para chegar até a sua querida amiga, sempre visitando Edésia quando essa dormia. Repentinamente não conseguia mais se comunicar através dos sonhos da deusa e estava preocupada com ela. O que tinha acontecido?

Ela estava naquele universo há um tempo e ficava se perguntando se deveria se mover ou esperar um sinal de Edésia. Um tempo pra imortais pode significar de segundos a milênios pela dificuldade deles de diferenciar a variação do tempo devido às várias eternidades que já viveram, mas nesse caso tinham sido apenas alguns dias. Ela estava parada, muitos personagens começam as suas histórias parados numa cafeteria quando descobrem que o mundo vai acabar e então são teleportados para uma nave de criaturas estranhas que parecem esponjas cinzas e fazem poemas horrorosos.

A história dela estava sendo só isso por enquanto. Ir na cafeteria cedo de manhã e passar um bom tempo lendo o livro que conseguisse pegar na biblioteca no dia anterior. Esse livro era grande e demoraria mais de um dia para terminar, o que não era um problema, não estava com pressa. Durante a eternidade nunca esteve com pressa, diferente de Edésia que nunca cansava de dar o máximo de tempo possível a seus projetos e ainda sentir que faltava muito. Hipátia dizia pra ela relaxar um pouco, Edésia argumentava que pelo menos alguém ali precisava fazer alguma coisa. Hipátia concordava, elas eram provavelmente as únicas daquele departamento que trabalhavam de verdade.  – Mas descanse um pouco – dizia Hipátia. Edésia dizia “ok”, mas nunca descansava. Não precisava na verdade, não era como se sentissem sono ou algo assim, só que é legal dormir ás vezes mesmo sendo seres atemporais.

Ela esteve com pressa desde que sua jornada em busca da sua melhor amiga, amor da sua vida, parceira, companheira de trabalho, não sabia como chamar. Mas a pressa acabou e foi substituída por incerteza. Ela era uma pessoa calma, bastante calma. Ela aceitava quando não tinha nada a fazer e aceitou que deveria esperar que Edésia desse algum sinal mais uma vez, precisava que se comunicassem mais uma vez para poder saber se o posicionamento da sua senhora ainda era o mesmo. A localização dela esteve mudando com uma frequência bem grande recentemente, ela provavelmente também estava envolvida em algum tipo de aventura divina. Hipátia esperava que ela não estivesse trabalhando em algum projeto.

— Isso é o que os humanos dizem que é paz. – Parou e olhou pelo vidro que se estendia pelas paredes do estabelecimento onde via os humanos andando para os lugares que estavam indo. Ela não estava pegando bem essa paz de ter que ir de um lugar pro outro toda hora pro dia. Para onde iam? Por quê? Corriam tanto atrasados para algum lugar melhor? Não parecia pacífico.

Passou a página e ficou intrigada pela continuação da história. Coçou o nariz e bebeu um pouco de uma bebida cara e amarga que ela não gostava, mas achava bastante adequado para o clima. Estava em paz o suficiente consigo mesma para fazer até mesmo algumas coisas que não gostava. Aceitou até acenar para alguém da rua que subitamente a encarou. Estava satisfeita mesmo não obtendo resposta.

Ela estava de óculos e vestindo aquelas roupas que seriam as suas roupas favoritas daquele mundo. Seu cabelo era longo e negro e sua pele mostrava que tinha passado um bom tempo pelo sol. Mas não era verdade, ela não passava tempo algum sob sol forte porque sua vida inteira foi no Alto das Constelações. Bem, tinha os brilhos da estrela lá, mas nunca se bronzeou. É a cor que sempre teve. Seus olhos eram castanhos e seus óculos eram um retângulo muito mais extenso que alto. Usava as roupas favoritas que tinha encontrado enquanto naquele mundo, naquele planeta.

— Não acredito que esse personagem é esse tipo de personagem. – Colocou a mão no queixo como se tivesse entediada, mas bastante fixada na história.

Claro que ela teve bastantes momentos de calma e de paz durante esses dias, só que precisamos avançar alguns dias pra que algum cara entre na loja e termine com a paz dela porque a história precisa andar. Ela leu vários livros, bebeu bastante café. Dia após dia. Esse era o seu momento favorito do dia que não perdoaria quem acabasse com ele. De tarde ela andava por aí como qualquer um e gostava de entrar em lojas de música. De noite ela andava por aí e observava o mar e as estrelas, era nessa hora que inevitavelmente pensava em Edésia e nos tempos no Alto das Constelações. A essa hora da noite estava frio e suas mãos se aqueciam dentro dos bolsos do seu sobretudo, mas sentia-as e preferia que estivessem na mão de Edésia.

Elas nunca tiveram muito tempo pra conversar. Esperava que quando se reencontrassem tivessem tempo para se conhecerem melhor. Edésia estava sempre focada em seu trabalho... Talvez elas não teriam chance para se conhecerem melhor enquanto esse mundo não acabasse. No próximo então...

Quer dizer, não era culpa dela que ela era tão focada em suas pesquisas. O melhor jeito de conhecê-la talvez seja ajudá-la. Ajudaria mas não se sacrificaria por ela porque também precisava de seu tempo de descanso, ele é importante. No final não conseguiriam conversar...

— Eu quero dois cafés, um pra mim e um pro meu amigo que vai chegar daqui a pouco. – O sujeito sorriu e olhou ao redor, como se estivesse ali só por acaso pra tomar um cafezinho, e não pra terminar com a paz de Hipátia.

Ok, Hipátia sentiu que ele estava ali. Preferia ignorar. Era um daqueles idiotas do Alto das Constelações, né... Sua paz estava boa, só que estava para terminar. Chegou a hora de repirar fundo e pendurar seus óculos na gola do seu cachecol. Chegou a hora de voltar ao trabalho. Marcar a página do livro, levantar, pagar o líquido que não se sentia mais em paz o suficiente para continuar a beber, e olhar com o seu olhar agressivo natural. Era de sua natureza ser ameaçadora com aqueles que não quer por perto ou que estão no seu caminho, ainda não tinha certeza se ele estaria em seu caminho ou se só não queria por perto mesmo. Essa era uma certeza, não queria conhecer mais nenhum babaca naquela nova vida, nem rever os antigos.

Sempre fora simpática com a moça que recebia os pagamentos por trás do caixa. Provavelmente o último sorriso que daria antes de se reencontrar com Edésia tinha sido aquele logo após de dar uma nota meio amassada e algumas moedas para a moça. Não tinha jeito em guardar coisas, nem esses papéis estranhos. Virou-se para encarar o sujeito que pareceu surpreso.

— Olá, que coincidência.

— Vamos lá fora. – Ela não era mais a pessoa que você acabou de conhecer no início desse capítulo. Ela já estava de saco cheio da situação antes mesmo de qualquer desenvoltura. – Vamos resolver isso rápido.

— Eu estou esperando alguém, senhora, perdão – disse Leviatã.

— Vem logo. – Ela pareceu mais convidativa enquanto dizia tchau pra cafeteria e praquele tempo de paz. Não saberia se teria paciência para voltar à biblioteca para deixar o livro.

Desceu a rua um pouco até estarem próximos a um semáforo. Os carros estavam andando e algumas pessoas se aglomeravam esperando para que pudessem passar de um lado para o outro. Encarava a faixa de pedestres como se também tivesse essa intenção, estava esperando Leviatã chegar para voltar a encará-lo.

— Oi – cumprimentou-o. – Diga-me o motivo de estar aqui.

— Você sabe, é a vida.

— Se for pra enrolar é melhor se calar, Leviatã. Eu não queria te ver e preferia que estivesse morto. – Algumas pessoas entreouviram e olharam para ela como se estranhassem esse tipo de diálogo, voltaram logo depois para a sua vida de espera e pressa, de conformidade.

— Não quero conversar aqui, vamos de volta para o café.

— Não. – Ela também queria, mas não queria dar nenhum tipo de controle na situação para ele.

— As pessoas vão nos ouvir e nos achar estranhos.

— E daí? Você que quer falar comigo, não é? Por isso veio até aqui, então diga ou não vou te ouvir.

Ele não pareceu disposto a ouvir de primeira.

— Olha, Leviatã. – Encarou-o de lado com certo desprezo, mas segurando-se ainda para realmente mostrar o quanto não suportava tipos como ele. - Eu te conheço. Não conversei com você, mas eu conheço o seu tipo assim como o restante daqueles velhos idiotas. Você pode não ser tão velho quando Arquimedes, mas é tão babaca quanto ele. Eu sei que você não viria até mim a não ser que eu fosse de algum uso pra você. Diga-me logo o que é.

— Você sabe, eu estou tentando reunir os que fugiram. Preciso que me ajude a localizar Edésia.

Ela se segurou bastante pra não mostrar-lhe o seu olhar típico de “ok, é hora de você morrer”. Estava esperando isso para o momento que fosse matá-lo de verdade. Por enquanto, deu-lhe apenas o olhar de “você está incomodando a minha festa”. Tinha perguntas pra fazer.

— Que mentira. Edésia? O que quer dela? Por que acha que eu saberia localizá-la? Pare de enrolar, eu quero respostas diretas.

Ele olhou para os lados. Estava intimidado com a agressividade da mulher. Ele também era baixinho e se sentia intimidado pela altura de Hipátia. Por mais que tentasse sempre manter esse clichê de personagem nobre que ninguém pediu para ter na história, ele teve que cortar a embromação. Ele fugiu do personagem, sim, mas ele queria se proteger e sair dali. Gostava do seu personagem, entretanto prezava mais sua vida e esse parágrafo está bastante clichê por isso vai acabar agora.

— Nós precisamos da ajuda dela. – Estava amedrontado. Inicialmente Hipátia não reagiu.

O sinal tinha aberto, mas se mantinham lá, parados. Estava com raiva e procurava um jeito de expressar essa raiva sem explodir.

— E aqui estamos nós de novo, né? Vocês não fazem nada, nunca fizeram nada, e querem roubar o projeto dela, né? Vocês não tem vergonha. Não vou ajudar vocês. Vocês são lixo puro.

Hipátia estava incrivelmente chateada pelas intenções do seu antigo camarada dos Altos das Constelações e mais ainda chateada por estar sendo apresentada e entrar numa plot num momento tão final da história. O universo já estava acabando, não é? Está acabando desde o capítulo quarenta ou algo assim, está na hora de realmente acabar.

A esse ponto Leviatã estava embaraçado demais e era vergonhoso até mesmo para Hipátia vê-lo assim. Mandaria-o sair dali caso não fizesse antes, tinha sido melhor assim porque não fez esse personagem passar mais vergonha ainda. Deuses tinham parecido mais legais antes, e agora estavam tendo problemas emocionais demais distantes do lugar que antes davam como casa.

— Ele tem alguns problemas de autoestima e ela está buscando algo para preencher um vazio absurdo – comentou Filóstrafo.

Os outros apenas se entreolharam, não sabiam de onde o romano tinha tirado isso.

— Acho que você é bom nisso – disse Croizat, não estava gostando desse projeto e preferia voltar a analisar esperma de sapos.

— É – concordou Greenfield, que preferia estar no campo verde estudando coisas verdes no campo verde.

O sofista analisava com grande foco e seriedade, ele nunca teve que ser sério em qualquer coisa porque ele simplesmente muito bom nas outras coisas que fazia. E isso incluía, antigamente, matar e hoje em dia ganhar discussões. Era tudo pelo seu último prêmio, aquele troféu que quando a criança ganha depois de ganhar um debate na escola ela fica feliz e depois esquece dele pra vender por um níquel quando fizer vinte e três anos porque precisa conseguir pagar o aluguel da faculdade e os pais não mandaram o dinheiro dessa semana, o que será que aconteceu com eles?

Filóstrafo nem tinha pais nem intenções de fazer faculdade alguma. A verdade é que tinha até esquecido esse seu objetivo de derrotar um dos deuses humanos de tão imerso que estava nessa pesquisa. Era divertido ficar fofocando de olho nos outros deuses.

Hipátia disse pra si mesma que precisava voltar ao trabalho e localizar Edésia, não se sentia bem sabendo que aqueles porcos estavam procurando-a. Precisava encontrá-la e protegê-la. Sabia que ela poderia se proteger sem necessidade de ajuda, mas ela não pensou nisso, na verdade nunca pensou nisso enquanto esteve atravessando universos pra encontrar Edésia. Ela não saberia responder caso alguém respondesse “Por que está fazendo isso?”, ela provavelmente diria que eram seus sentimentos, mas não diria isso porque não é bem uma pessoa acostumada a discutir seus sentimentos. Diria que não sabia o motivo, mas que sabia que Edésia precisava dela.

Isso é verdade. Como vocês sabem, Edésia está faz bastante tempo sem perceber que o tempo, onde ela está, está eternamente se repetindo. Ela tinha recebido um golpe mortal de outro ser imortal, e agora a Ordem não deixava que ela morresse nem que ela prosseguisse em suas ações. Era a única forma de não fazer mais Caos ainda.

— Eu acho que vou te encontrar, Edésia, só me dá um sinal logo pra eu poder te encontrar.

É difícil imaginar que Edésia finalmente conseguiria escapar da repetição infinita. Nenhuma interferência externa seria capaz de salvá-la, a Ordem não permitiria. Mesmo que Leviatã e os outros com quem trabalhasse encontrassem-na agora, não seriam capazes extrair dela o que desejavam. Não conseguiriam sequer avistá-la sem sofrer as consequências aleatórias e punitivas da Ordem.

— Eu não acho que vou te encontrar, Edésia, e nem sei se ligo mais. Preciso sair daqui, preciso ficar parando de me sentir tão mal assim nesse mundo dos humanos. O mundo dos humanos é horrível. Eu não sou um humano, eu sou um deus, eu quero o meu lugar de direito. Aqui não é meu lugar. – Mascava chicletes compulsivamente para sanar as suas inseguranças flamejantes.


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