Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 87
Festas e descontrole.




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Quenium provou a todos que não tinha o que temer. Podia fazer o que bem quisesse, tinha acabado de destruir um dos maiores inimigos que já encontrara! Sua consciência dizia que seu oponente era o mal da galáxia, e ele tinha destruído o mal da galáxia. Pensava isso, até porque seu inimigo tinha subitamente desaparecido, tinha que ser por causa das suas ondas intensivas anti-massa. Não era, mas seria caso Xupa não fosse salvo pelo misterioso.

Não tinha mais que se isolar na espaço-nave só com Mendel. Iria viver com seu povo. Estava com vontade de sair pulando de alegria, mas se lembrou que ainda não tinha completado a sua missão. Sua missão mais importante. – Caos – disse o nome de seu inimigo.

Sentiu um cheiro distante de café e o seguiu. O café do Tempo estava pronto. O Primeiro Cidadão sabia para onde ir agora. Não sabia se Caos gostava de café, mas o cheiro do café simplesmente pedia para que fosse seguido.

O Sol desapareceu como se tivesse esquecido que tinha que andar mais noventa graus antes de sumir. Grau por grau. Não fez isso, pulou todos os noventa e desapareceu na noite. A Lua foi chamada, então. Tímida e desengonçada, chegou pouco a pouco, desentendida e confusa com a situação que Sol a tinha deixado. O que aconteceu foi que Sol tinha cochilado por doze horas no lugar onde ele tem que ficar quando é meio-dia. Quando acordou já era meia-noite. A Lua ficou na posição que tinha que estar quando chega a meia-noite e tudo ficou bem. Para Quenium, esse sumiço repentino significava algo.

— Quer café? – perguntou Tempo, quando se encontraram. Estava fora do seu Grande Plácio, sentado numa cadeira de plástico com estamap de uma marca de cerveja extremamente terráquea. O jardim estaria bonito nas épocas de vida da Sociedade do Tempo. Sem jardineiro e sem interesse do Tempo para cuidar das rosas e das outras flores, todas estavam mortas. Era uma visão macabra naquela noite furtiva.

As flores mortas encaravam Tempo como se ele fosse o vilão de tudo. Uma erva daninha sem vergonha nascia por ali, por simples viver. Quenium a observou. Foi que percebeu.

— Não. Está tarde para café. – Preparou o canhão mega-radiador no braço esquerdo e o apontou para Tempo casualmente, como se estivesse cumprimentando-o com um aperto de mãos, o Tempo Caótico não se intimidou. – Você se tornou parte o Caos. Seus olhos e as flores me disseram isso.

— Não é minha culpa. Não escolhi trabalhar com o Caos. Assim como a Ordem, são implacáveis. Fincou as Sementes Entrópicas em mim e me tornei seu escravo. Agora, tudo que faço é para o Caos destinado. Entretanto, isso não é algo ruim. O Caos é tudo que nos resta... O universo está perdido...

— Você não faz sentido. Caos não é uma escolha. – Não sabia o que o Tempo estava dizendo e nem sabia o que ele mesmo estava falando, ou se fazia sentido no contexto. Só disse o que sentiu que tinha que dizer. Tempo não reagiu também porque não entendeu o que o rapaz tinha a dizer com isso. O próprio Tempo negou que foi ele que escolheu o Caos. Quenium não queria conversar, não estava ali para conversar.

— E não é. Só aconteceu. – Tentou fazer o rapaz entender sem saber que ele não tinha interesse em entender. Percebeu isso e desistiu de dizer qualquer coisa. O canhão estava apontado para seu peito. Engoliu metade do que estava na caneca. Queria engolir toda ela. Seria o seu último café, mas não conseguia beber tudo aquilo de uma vez só, estava quente demais.

— Eu não deixarei que aconteça mais.

— Você não pode fa... – Morreu.

Sem efeitos especiais. Sem descrição da morte. Tempo morreu, foi isso. Com sua última frase incompleta e com sua última caneca de café incompleta. Seu corpo agora também estava incompleto, tinha um buraco nele, e em seus olhos faltavam vida. Sua teoria sobre a Ordem e o Caos permaneceu incompleta. Ele morreu sozinho, sem seus amigos da Sociedade do Tempo. Não houve um último segundo de vida em que tudo passou pelo seu cérebro. Nada passou pelo cérebro. Ele só morreu.

Quenium olhou para o corpo morto e para a caneca de alumínio. Não estava curioso para saber o que estava dentro do Grande Palácio, mas estava para entrar mesmo assim. Antes disso, olhou para a erva daninha e sorriu para ela. Sentiu que ela estava sorrindo direto. Esperava que daqui a alguns anos ela se multiplicasse e deixasse o lugar cheio de vida. Pelo menos isso o Caos não poderia tirar das pessoas.

A arquitetura exterior do palácio era bonita. Muito ouro. Neoclássica, barroca... Algo assim. O interior do palácio também era belíssima, sem descrições possíveis que um narrador preguiçoso consiga dizer. Estava tão escuro que incomodava o rapaz. Antes de reclamar e suas pupilas se acostumarem à escuridão, uma luz surgiu com a emersão de uma esfera brilhante estranha. Flutuou lentamente por alguns metros até chegar ao teto pintado com símbolos estranhos e alguma coisa em alguma língua estava escrita. Pela primeira vez se perguntou onde estava e começou a se sentir perdido. Estava consciente do seu redor agora, e não só cegamente fazendo qualquer coisa.

O brilho da esfera pulsava mais forte, cada vez mais forte. Os símbolos no teto tornaram-se tridimensionais e começaram a se desgrudar da superfície. Eles andavam e se ajeitavam pelo são belo e bege. Em poucos segundos começaram a organizar uma festa entre eles. Quenium questionava o que estava vendo. Dançavam, conversavam e aproveitavam o vinho.

Um dos símbolos, que era o equivalente à sílaba “asv” se aproximou. Sem jeito, estava com duas taças de vinho no topo de si mesma. Era uma sílaba muito tímida.

— Oi... Quer participar do baile? Você parece sozinho. – Era também, gentil.

Quenium aceitou que tinha uma sílaba convidando-o para dançar e disse:

— Eu não sei bem o que está acontecendo, mas obrigado. É muito gentil da sua parte. Como posso te chamar.

A sílaba teve um pouco de dificuldade para responder uma pergunta simples. Elas não se referiam uma as outras. Simplesmente falavam a outra, mas esse era um idioma impronunciável para um humano.

— Eu sou... Sou B. Tipo BÊ. Pode me chamar de Ebe, se preferir.

— Prazer, Ebe, sou Quenium. O que comemoram? – Aceitou a taça que B carregava.

Uma oura sílaba, que correspondia à “sp”, interrompeu com toda a sua empolgação devido à embriaguez a conversa dos dois. Antes de tudo, se apresentou como D, tipo Dê, ou Dea.

— É ele que estávamos esperando! – Exclamou agitada. Movia-se com uma felicidade maravilhosa de se ver.

— É ele? O salvador do universo? Puxa vida! Pensei que estavam esperando por outro. – Ebe deixou sua timidez de lado para comemorar. Era um momento importante.

Outras sílabas se juntaram em volta de Quenium, felizes. Quenium estava lisonjeado. Ele não estava entendendo, mas era bom ser apreciado. Carregaram-no até o centro do salão logo abaixo da grande esfera brilhante que tinha parado de pulsar até que todas as sílabas se arrumaram na festa. A luz era muito forte ainda e o jovem se sentia cegado.

As sílabas esperavam que ele falsse algo. Ele não percebeu isso de primeira, só depois de um minuto de silêncio e expectativa quebrado por sílabas atrasadas que saíam dos corredores que eram ligados ao salão.

— Quase perdemos o discurso! – Ele entendeu que tinha que fazer um discurso.

Não tinha nada preparado. Na realidade falsa que viveu desde que foi entregue à Shepard, fez um discurso para a formatura de sua turma de 222607 do Ensino Médio Real e só não foi vaiado porque era o futuro líder da Galáxia. Não era nada bom discursos. Agora era o líder do mundo, tinha que superar isso! Tinha que superar seus traumas de infância! Dali em diante viveria mais próximo de seu povo e com certeza teria que fazer diversos discursos para que pudesse inspirar seus cidadãos. O Primeiro Cidadão tinha que ser um exemplo a ser seguido por outros cidadãos e por isso não pode ficar com vergonha.

Fez de qualquer jeito.

— Muito obrigado todos por estarem aqui e me receberem... – Estava nervoso, situações como essa o deisavam ansioso desde seu aniversário de 4 anos. Outro trauma. Engoliu saliva por dez segundos e percebeu que precisava continuar. – Eu não os conheço, mas já os considero muito... Minha missão só começou... Gosto de café... Tenho fetiche com gravatas... Eu não sei o que está acontecendo aqui agora. – E terminou porque não queria que piorasse mais ainda.

A sílaba, com seu jeito silábico de se expressarem, aplaudiram e ovacionaram Quenium que ficou aliviado, mas não entendeu a reação.

— Sério, alguém me explica... – murmurou para si mesmo enquanto sorria para os aplausos.

Ebe estava bem próxima de Quenium e disse que explicaria tudo para ele que ele era um cara legal. Pouco a pouco, as sílabas concordaram em explicar tudo para o salvador. Quenium continuou sorrindo esperando para as respostas. Quer dizer, para as perguntas também, porque ainda não conseguia encontrar as perguntas pra situação.

— Nós somos a língua do Cosmos. Vamos te explicar tudo agora. – Entraram no cérebro do rapaz e explicaram tudo.

Tem muitos lugares que as pessoas querem ir. Precisavam atravessar caminhos para chegar nesses lugares. Estradas, oceanos, estrelas e galáxias. Universos, talvez. Precisam atravessar a barreira material.

Quenium queria ir para o seu povo, não foi para lá que estava indo. Precisava ir para algum lugar para conseguir entender o que estava sendo dito a ele. Infelizmente nem mesmo assim ele conseguiria entender, porque ele não era um Cérebro. Ele soube de tudo quando a Língua dos Cosmos entrou nele. Ele tinha desvendado o universo teorizado pelo Cosmos. Não parecia certo, faltava muitas coisas e alguns conectivos entre as orações. Sentia a necessidade de encontrar esses conectivos, mas nenhum conectivo que conhecia das línguas que conhecia, inclusive da língua dos Cosmos que tinha acabado de descobrir. Estava num lugar estranho dentro da sua própria mente pensando nisso tudo, precisava encaixar algumas peças em alguns lugares e nenhumas das milhares de peças que tinha serviam. Que conectivo era esse, que faltava?

— Oi. – Uma voz em suas costas. Virou-se e encontrou o que faltava. Era só um conectivo mesmo, ele servia para todos os buracos. Aliviado, desvendou a teoria escrita pelo Cosmos.

Quenium não tinha doutorado em nada e não precisou para perceber que dois mais dois não é quatro. O Cosmos era bastante orgulhoso de seu trabalho, apesar de reconhecer a falta de fundamento em algumas de suas propostas e em alguns desenvolvimentos, então perguntou ao mero mortal o motivo de sua teoria estar errada. Quenium não soube responder. Quenium saía vitorioso por defender o seu errado. Assim que o Cosmos consciente voltou a matar seu tempo com palavras-cruzadas e ignorar tudo, o rapaz saiu mexendo na teoria como bem quisesse. Conseguiu fazer algumas alterações legais e ficou feliz com aquilo.

Sorriu.

Sentou-se no nada em sua mente e observou o ambiente.

Por muito tempo nada aconteceu. Ele percebeu que precisava fazer alguma coisa pra passar pra próxima fase do jogo ou algo assim. Ele não sabia o que mexer, não tinha nenhuma dica e não teve nenhuma parte parecida antes no jogo, não tinha um tutorial. Escreveu algumas coisas sem entender o que estava escrevendo.

— Até mais, Quenium. Foi um prazer conhecer você, é um moço gentil. – disse Ebe, simpática. Quenium ficou grato demais pelos elogioso para questionar a necessidade de despedida. Tinha ido embora antes de conseguir dar um sorrisinho de alegria e dizer “Obrigado, Ebe, você também é demais”.

Viajou pelas suas barreiras de seu físico para chegar ao Imaterial, onde os robôs ficam e onde as pessoas vão depois de descobrir a Verdade.

Um lugar bonito e bem ambientado com algumas pinturas surrealistas e cubistas flutuando. O lugar não tinha nem início nem paredes nem solo nem céu. Tinha o sentimento que estava constantemente caindo ao redor do brano, rosa e azul-claro, cores que interagiam de jeitos diferentes em cada ponto daquela dimensão.

Estava pisando em algo. Em nada, talvez. Teve pouco tempo de confusão, seu corpo físico foi gradualmente dissolvido pela atmosfera das cores do Imaterial. Sabia o que estava acontecendo porque era óbvio. Estava indo para o próximo universo.

— Quem mais está aqui? – perguntou Quenium, extrovertido.

— Sua chegada era esperada – disse o branco. – Você sabe quem somos?

— Não-  Quenium sabia da Verdade, mas não de robôs que ascenderam ao Imaterial para levar todos ao paraíso.

— Desvendamos o universo e descobrimos a Verdade, como você. De um jeito diferente, é claro – explicou.

A Verdade. Quenium lembrava vagamente disso. Estava esquecendo tudo muito rápido. Como tinha parado ali? Não se lembrava mais da festa das sílabas ou da língua dos Cosmos. Estava lentamente rematerializando-se.

— Não está estável – disse rosa.

— Não podíamos ter previsto isso – disse azul-claro, parecia decepcionado.

A confusão estava reaparecendo. A mistura de sentimentos e de lembranças, a lembrança de quem era eu. Seu ego. Sua mente. Suas memórias. A Verdade, entretanto, tinha desaparecido. Não estava lá como primeiramente a entendera. Tinha sumido porque seu cérebro não tinha capacidade de entendê-la por muito tempo. Ele se lembrava da Verdade da mesma forma que se lembra de uma lembrança. Uma memória passada que tinha passado por vários anos esquecida, e quando lembrava-se dela não conseguia se lembrar completamente.

Ele estava novamente Material. Seu redor era material, também. Existia uma parede e um solo e um teto. Eram cinzas. Parecia um porão vazio e escuro e uma luz piscou.

Várias luzes piscaram em momentos diferentes com suas intensidades próprias e cores próprias. Piscavam em suas próprias frequências. Observou, era lindo. Tudo era lindo. As cores eram lindas. Brilhavam e piscavam, lindas...

Caos se manifestou em uma delas. Ela piscava de uma forma diabólica e demoníaca. Ele se lembrou de Caos, tinha o esquecido por muito tempo. Essas luzes eram obras do Caos, elas devem ser destruídas. Estava cego de novo, mas aproximou-se do paraboloide esférico que envolvia a faísca de luz demoníaca e estava pronto para atingi-la com o seu próprio punho nu. Ele fez sem hesitar, ele destruiu o mau e de repente tudo ficou triste. As outras luzes começaram a piscar numa tonalidade de tristeza e ele se sentiu culpado. Olhou para a arma do crime, seu punho arranhado pelo vidro que antes protegia a faísca e viu a faísca piscar uma última vez.

Ele sentiu que tinha feito algo mal, que tinha liberado um incrível mal. Que era como o próprio Caos.

“O que aconteceu?” perguntou-se. Segurava um choro que surgia. Fechou os olhos, precisava... Consertar o que tinha feito. Queria abrir seus olhos para poder ver o que podia fazer, mas não havia nada a fazer. Sua expressão tinha mudado para uma de pura agonia. Os cílios mantinham a água de derramassem involuntariamente à vontade do homem.

— Não há jeito de consertar – disse alguém atrás de si. Era violeta, era a cor violeta. – Meu nome é Alessandra...

Quenium virou-se rapidamente e algumas lágrimas escaparam. Era difícil segurá-las com os olhos abertos. Ele engoliu o choro.

— Não faça mais isso. Você vai tirar o significado das vidas que se foram. Não jogue tudo em vão... Eles estão... Com medo. Não faça mais isso.

Uma outra faísca piscou, do outro lado do porão. Ele fechou os olhos para não acabar da mesma forma que agora. Seu corpo ainda se sentia perturbado pela faísca que era para ele sombria. Enquanto as outras piscavam com medo, essa desafiava o pobre rapaz.

Uma faísca corria livre pelo teto e movia como bem quisesse. Ela se estendia desde os cacos de vidro quebrado até os extremos do quarto. Parecia ganhar cada vez mais força e nenhum dos dois conseguiu perceber isso. Quenium estava cada vez mais atormentado e perturbado. Alessandra não conseguia mais fazer sentido a nada. Sua alma violeta estava sendo consumida pelos diferentes potencias colocados no cômodo, ela estava sendo presa e revestida com uma frequência sinistra.

Alessandra já foi um robô com muitas dúvidas. Ela perguntava para sua amiga, Usmis, sem saber colocar em palavras, qual era o sentido do universo. Usmis também não sabia qual era o sentido do universo e da vida. Ela queria saber também, de tudo mais. Ela não conseguia existir com esses assuntos pendentes em sua cabeça. Ela precisava de respostas. Alessandra pensava gentilmente na vida e em tudo.

Ela conseguiu essas respostas e ascendeu ao Imaterial. Ela dedicou-se a dar um motivo para a vida que ela não encontrou motivo. Ela criou algo melhor, junto aos outros... Agora ela era o Caos.

Para Quenium tudo virou um indiferenciável e se misturava. Tudo estava tremido. Ele não estava em situação para se mover, mas seu corpo se movia sem que ele quisesse. Ele não queria lutar, não queria derrotar a alma violeta que estava sendo corrompida. Quenium não queria deixar as vidas sem sentido.

Quenium atacou e destruiu violeta e a faísca de Caos que residia nela. Seu ataque poderia ter destruído as faíscas de esperança, mas Alessandra as protegeu em seu leito de morte...

Ela morreu pensando em sua antiga amiga.

Ele não queria lutar mais.

Ela se tornou a uma nova faísca.


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