Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 77
Vida e morte.




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A vida de Don Ramon começa com seu nascimento, há muito tempo em uma época que não se contavam os anos, nem os dias nem as horas. Sabiam que a luz forte iria embora à noite e ela ficava bem mais fraca, e bem mais forte depois.

Ramon tinha nascido no mesmo lugar que passou os seus anos de meditação, e no mesmo lugar que se tornou a casa de seu clã de artes filosóficas e marciais. O mesmo lugar que tinha sido destruído por um dos agentes da WXYZ Trabalhos, o mesmo que tinha derrotado facilmente Robin.

Ramon podia nunca ter conversado com o jovem de cabelos curtos, mas o conhecia assim como conhecia os outros ao observá-los feliz distante de tudo e de todos, nas costas de Shangri La. E reconheceu o quanto ele tinha mudado no tempo que esteve treinando com os do seu clã. Tinha orgulho do jovem pela sua atitude, ficaria mais ainda ao descobrir que tinha se libertado das correntes que o prendiam de si mesmo. Mas não sabia do que tinha acontecido recentemente, assim como não sabia que a montanha que tanto fizera parte de sua quase eternidade não estava mais presente, junto com todos os outros que tanto sentia afeição que nela residiam.

Não sabia que foi Robin sem querer que salvara Ramon. Se Mestre do Universo e Ramon realmente tivessem conseguido viajar para enfrentar a espaçonave onde residia o câncer humano que se espalhava pelo universo destruindo todas as outras formas de vida, provavelmente seriam obliterados. Não tinham poder o suficiente para enfrentar tamanha ameaça sozinhos, e talvez ninguém no universo tivesse. Mas era a sua cartada, sua única cartada. Sentia-se, agora, frustrado por não ter conseguido terminar sua vida num embate final para salvar a vida como conhecia em todos os universos. Ele estava cansado de combates... Ele estava tão cansado de combates...

A ficha de que as ameaças a tudo que amava nunca acabariam já tinha caído. Lutou por tantos anos, tantas vezes, tanto que uma luta se tornara apenas mais uma coisa. Ele queria proteger a todos, mas sabia que ele não era o suficiente para isso, sabia que uma hora nada seria o suficiente para proteger a todos, que uma hora a vida acabaria para renascer outra vez em um futuro indeterminado, esse era o futuro da coisa.

E um dia ele também morreria, esse dia estaria perto? Ele não sentia que estava ameaçado enquanto estivesse naquele plano Astral ouvindo a ladainha daquele inimigo que se escondia por trás de paredes intangíveis e inquebráveis, cujo único propósito era enrolá-lo. Era um Vril, disso estava certo, e como qualquer outro Vril o objetivo de Tommy era obter o Cristal que está em seu coração desde quando se tornou o ser que hoje é.

Antes de se tornar o sábio defensor do universo ou o guardião da montanha, Ramon era apenas uma pessoa qualquer que vivia sua vida normal, andando pelos cantos áridos e rochosos ao redor da sua vila e ajudando os outros aldeões a viverem suas vidas normais. Tinha alguém que ele amava no fundo do seu coração, a pessoa com quem fugiu, ainda adolescente e impotente, quando sua aldeia foi atacada por inimigos de outras terras. Ramon correu com essa pessoa até onde podiam se esconder, em um túnel cuja entrada era dentro de uma montanha.

Lá, puderam descansar e sentir que tudo voltaria a dar certo. Descansaram a noite que seguiu com o pensamento gentil que poderiam recomeçar tudo depois. Perderam entes queridos e tudo mais que tinham naquele vivo, e não houve quem pudesse salvá-los, como Robin salvara no capítulo anterior. Naquele túnel, naquela mesma noite, Don Ramon descobriu que não poderia recomeçar sua vida sem que perdesse tudo. Perdeu sua pessoa amada e ganhou o poder e a eternidade que ganhara hoje. Ele poderia culpar a si mesmo, mas nos dias de reflexão que se seguiram percebeu que nada isso adiantaria.

Em busca de uma compreensão melhor do que estava acontecendo e para tentar entender todo esse calor que agora sentia se expandido em seu peito para além do que lhe era próprio, sentou-se no monte para conseguir entender quem agora era e como poderia recomeçar tudo, se poderia recomeçar tudo. Não poderia recomeçar tudo. Não queria recomeçar sua vida. Distante da sociedade, da montanha, conseguia observar até onde o horizonte acabava. Alguns dias, enquanto refletia, percebera que não tinha sentido em recomeçar nada, pois logo teria que recomeçar o que tinha recomeçado. Era um ciclo. Vida nascia para que morresse, para que algo novo dali nascesse. Se não poderia recomeçar sua vida, se não poderia proteger esse recomeço para que ele não acabasse como o seu começo, do que adiantaria recomeçar? Sentiria o ardor e a tristeza que sentia agora mesmo, logo após de perder tudo. Perderia tudo para sempre, porque nunca deixaria de existir.

Foi quando sentiu novamente o calor humano e o contato com os outros, com seu primeiro aprendiz, que percebeu que ainda existia motivos para tentar recomeçar. Existiam bons momentos nesse recomeço, que geralmente se seguiam pela perda de tudo. Os outros eram fracos, os outros morriam e iam para distante de seu toque, mas ainda tinha as memórias deles. Assim, tudo valia a pena.

Tentou muito proteger os mais fracos, porque tinha chegado a conclusão que ele era forte, ele era diferente. O que tinha acontecido naquela noite tinha mudado quem ele era, o Cristal que foi guardado em seu coração mudou fez com que expandisse seu corpo e sua mente, mas ainda era humano, só não conseguia mais se reconhecer como um. Não conseguia mais ver sentido na rotina humana, apesar de achá-la a vida bela, os pequenos atos belos. Com sua força, tentou salvar os fracos, mas percebeu que não conseguiria, percebeu que seriam sugados para a continuação do ciclo e não poderia mudar isso. Com isso, chegou a uma certeza, percebeu que a única coisa que conseguiria fazer era proteger o ciclo, precisava ter certeza que ainda existiriam momentos de paixão, mas não poderia excluir os momentos de ódio. Ambos eram essenciais um para o outro, e não poderia tentar terminar com o ódio.

Com essa contradição, ascendeu aos mais distantes locais do céu de onde poderia tudo enxergar e de longe defender qualquer ameaça que ousasse terminar com o ciclo. Seu maior inimigo era os Vril, apesar de Ramon não conseguir entender o que eles significavam e qual era seu propósito, mas sentia que a cada passo que eles davam a vida estava mais próxima de ser destruída.

Fazia sentido, afinal foram invocados pelo Grande Cristal para que retirassem todas as energias dos universos, fazendo com que a vida se deteriorasse e nada mais pudesse nascer nos geoides que giravam ao redor de estrelas cheias que também estariam apagadas. Apenas restaria a matéria, inerte, que lentamente deteriorariam liberando lentamente sua energia.

Muitos universos já tinham perdido seus cristais, o universo que Ramon nascera – que, para deixar bem esclarecido, é o mesmo em que toda nossa história principal passa em maior parte – inclusive. Ramon nunca descobrira o significado desses Cristais, mas sentia-se atraído por eles por conta de ter um em seu coração. Inconscientemente sentia que eram importantes para que o ciclo fosse mantido. Lutara incontáveis vezes contra os outros que os buscavam, fossem humanos em busca de armas mais poderosas ou os próprios invocados pelo Grande Cristal. Em uma ocasião perdera-os para os Vril, mas conseguia encontrá-los usando sua intuição Cristal quando precisava. Os Cristais estavam presentes em diversos lugares do universo, principalmente onde havia vida. Isso, entretanto, foi causado pela deterioração dos outros universos que tiveram sua energia retirada pela retirada de seus Cristais e será explicado no parágrafo abaixo.

A energia no multiverso é sempre a mesma. Uma estrela, que tem uma grande quantidade de energia dentro dela, explode, liberando toda essa energia, e fazendo com que de sua morte nasçam duas novas. Essas duas novas podem ter uma energia igual, menor ou até mesmo maior do que a energia daquela que lhes pariu. A energia de antes, de quando apenas existia uma estrela, para a de depois, quando existia duas, pode ser e muitas vezes é diferente. A energia se expande da forma mais aleatória possível, fazendo com que ela não se propague com igualdade ao que ela era antes. Entretanto, toda a energia foi projetada no início de tudo, quando ainda não existia Tempo.

Com a morte de outros universos, os universos ainda vivos começaram a se expandir mais rapidamente e em maior quantidade, porque a energia do início do universo agora estava concentrada em menos universos do que estava antes. Com essa grande quantidade de energia surgindo, Cristais novos foram surgindo ao redor dos universos, porque a concentração de grande energia gera cristais, assim como o contrário também.

Todos os universos tem não a mesma quantidade de energia, mas a mesma quantidade de propagação aleatória de energia. Com a adição do Cristal Vril no peito de Don Ramon, que claramente não é daquele mesmo universo, a aleatoriedade foi alterada para que mais cristais fossem formados. Então, é possível concluir que o universo de Ramon nunca perderia a vida, porque a quantidade de cristais aumenta a cada segundo. Mas, a cada segundo, mais frágil se torna o universo também. Um evento comum como a explosão de uma estrela pode acabar interagindo com uma grande quantidade de energia Vril dentro de um Cristal, fazendo com que o universo acabe. O universo pode acabar, pode ter acabado, e quem sabe já até acabou e você apenas está lendo uma das linhas do tempo caso esse universo não tivesse acabado. Mas obviamente algumas linhas do tempo já foram destruídas por causa da explosão desses Cristais.

Assim como qualquer fator binário, o fator explosão de Cristal/não explosão de Cristal, acaba criando diferentes linhas do tempo. A cada segundo, além de cada decisão e cada movimento diferente que cada partícula em nível subatômico faz, esse fator explosão/continuação também interfere. A cada segundo, novas linhas do tempo são criadas e algumas delas são continuadas e, as outras, terminadas.

Óbvio que Don Ramon não sabe da Teoria por trás disso tudo. Na verdade, do que foi escrito acima, ele só sabe que encontra mais cristais por aí e guarda-os nos Confins do Mundo. Ou melhor, guardava, porque Shangri La não trabalha mais no setor de rotações de quadrado. Mas ele queria muito sair logo dali e voltar para as costas do dragão, onde poderia observar melhor e proteger o ciclo do universo.

Ramon não interferia nas guerras e nas batalhas porque fazia parte do ciclo, mas gostaria de evitá-las. Foi por isso que treinou Molly, Wilson, Krom e Xupa. Foi para que passasse seu ensinamento para os humanos, para que as batalhas terminassem, ou diminuíssem para que a paz se prolongasse. Mas percebeu que tinha sido um erro. A batalha que seus aprendizes lutaram foi uma das mais sangrentas que já havia visto em seus anos nas costas do dragão. Ele sabia que nada poderia fazer sobre isso, e que era apenas da natureza da passagem do tempo, mas sentiu-se cansado.

Queria que Wilson dissesse sim e que fosse o novo Guardião de Tudo, mas sabia do fundo do coração daquele homem que não era isso que aconteceria. Sabia que Wilson negaria e negou. Sem esperanças e desanimado, sabendo que seria fadado a proteger aquilo que depois de milênios de reflexão ainda não sabia se julgava precioso o suficiente para proteger, animou-se ouvindo o sim de um jovem rapaz que passara por experiências horrendas num laboratório. Don Picone seria o novo Guardião, depois que Ramon partisse.

Ramon queria partir derrotando seu maior inimigo, ou pelo menos tentando. Sabia que o Plano de Shepard não era seu maior inimigo, mas sabia que com uma ameaça a menos tudo ficaria melhor e se preocuparia menos morto. Picone poderia cuidar de tudo depois, e o aprendiz de Picone depois. Se a vida continuasse até o aprendiz de Picone ficaria feliz no seu pós-vida. Não tinha muitas esperanças que a vida duraria tanto assim, tudo parecia estar tão próximo do fim nesses últimos anos.

Tommy estava enrolando, lá, mudando a forma de Ramon e fazendo com que ele presenciasse cada segundo da sua vida na forma que ele era naquele tempo. Era doloroso para Ramon, ou deveria ser, porque nada sentia. Há muito tempo perdera sua humanidade. Não lamentou quando viu novamente a morte de sua pessoa amada ou a destruição da sua vida como lamentou nos dias que se seguiram desse fato. Não lamentou quando reviu as guerras ou se alegrou quando viu os bosques cheios de pássaros e insetos. Apenas assistiu aquilo tudo, de novo, e se lembrou em como estava cansado de aquilo tudo.

Repentinamente, tudo rebobinou para o momento que estava na caverna. Sua amada com as mãos na ferida causada pela pólvora dos invasores, sangrando, sentiu a mesma dúvida que sentira naquela época, se ela sobreviveria. De repente voltou a sentir como se sentia naquela época, como realmente estivesse se sentindo aquela época. Surpreendeu-se tanto que deixou de pensar em como estava cansado e nas suas preocupações, no que estava acontecendo no mundo enquanto estava preso naquele plano Astral.

Moveu seus braços para arrancar do seu manto sujo um pedaço para fazer o curativo na sua amada. Talvez ela ficasse bem, talvez, e torcia para isso. Ele segurou a mão dela, aquela pessoa que não conhecia e cruzaram os olhos pela primeira vez enquanto corriam dos tiros enquanto os guerreiros defendiam a terra sagrada com a espada que tinham. Correram juntos até aquela caverna e foi quando percebeu que estava ferida. Não trocaram muitas palavras, pois mal se conheciam, mas olhavam um para o outro chocados e com a vontade de poder acordar amanhã como se hoje tivesse sido só um pesadelo. Ela sentiu a ferida ardendo cada vez mais e seu sangue fluindo para fora do seu corpo. O ferimento ela na barriga.

Ela colocou sua mão trêmula com suor frio no braço de Ramon enquanto esse, tenso, ajeitava o curativo para tentar estancar o ferimento. Ela parecia fraca demais para sorrir ou para agradecer, ou para esboçar suas preocupações. Sentindo seu toque, Ramon a olhou com seu olhar mais honesto, como o ser frágil que era, dizendo-a apenas com seus olhos tudo o que seus olhos tinham a dizer. Ela fazia o mesmo, com seus olhos fracos e quase fechados de tão próxima que a morte estava, dizia tudo o que seus olhos tinham a dizer antes que fosse embora.

Ela tinha sido a última coisa que Ramon agarrou sua vida à. Ele tinha sido a última coisa que ela agarrou sua vida à.

O tempo não passou, ela não morreu. Nenhum espírito surgiu para injetar o Cristal dentro do peito de Ramon. Ramon não dormiu e acordou triste, Ramon não subiu a montanha para refletir. O tempo não se seguiu. Ficaram naquele momento, se olhando. Ramon morreu enquanto estava no plano Astral, e esse momento é o paraíso que sua faísca reproduz.


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