Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 75
Os que foram.




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Ele olhou para as paredes e, quando muitos acharam que mudaria sua expressão e viraria seu rosto para outro lado, acabaram se decepcionando porque continuou encarando a parede da exata mesma forma que fazia antes. Era como se estivessem esperando que alguém importante dissesse algo importante, mas esse alguém importante estava com a cabeça em outro lugar do mundo, em outro lugar daquela simulação.

D e vez em quando isso acontecia, de vez em quando até o Sábio tinha suas divagações, e eram muitas. Era o Mario que mais tinha vivenciados ciclos solares e por isso podia chamar-se de mais velho. Tentar dizer que foi o que viveu por mais tempo era difícil, até porque a noção que eles tinham de o que era tempo era bastante diferente do que a noção banal que qualquer outra civilização inteligente tenha chegado à conclusão. Era difícil conseguir, mesmo sabendo o que o tempo representava, explicar a sua existência em palavras. Ele presenciou tanto do tempo, e ao fim de sua divagação, antes de olhar para os girassóis que cresciam ao fim do templo de mármore enquanto as rosas de outrora morriam, reconheceu que preferia não o ter presenciado. Sua sanidade estaria em melhores condições, se não fosse por tudo que tivesse passado.

Ele era um homem velho, e também existe outro homem velho que está há uns capítulos esperando que voltemos a sua história enquanto não pode se mover muito em um local que não conhece. Você sabe muito bem o seu nome.

Wilson olhou aos arredores e não encontrou formas de vida, não encontrou nenhuma flora e nenhuma fauna, não encontrou oceanos ou sequer oceanos ao horizonte. Wilson não sabia como tinha sobrevivido ao embate misterioso que teve contra um Vril nos Confins do Universo. Suspeitava que as membranas foto-acumuladoras protegiam-no até certo ponto das condições adversas do planeta, que não parecia propício à vida. De qualquer maneira, agradeceu ao autor. Sentir-se-ia bastante chateado caso morresse sem antes ser devidamente trabalhado. Mas... Qual era o propósito que o universo esperava que ele tivesse numa terra tão distante? Era algo que ele precisaria descobrir por ele mesmo nos próximos parágrafos, mas pensava primeiro em sua segurança.

Não sobreviveria por muito tempo naquele planeta danoso ao seu organismo, mesmo com toda a resistência e força de um Imperador Solar. Era um ser humano ainda, querendo ou não, e tinha as suas limitações.

Poderosos raios solares cuja radiação nunca foram sentidas por seu corpo em tamanha intensidade deixavam-no com uma energia que emanava por todo o seu ser. Os limites de seu corpo vibravam como se dizendo a Wilson que alguma parte daquela energia precisava ser liberada, que não conseguiria armazenar tanto disso. Com toda a concentração que conseguia ter numa situação dessa, muita, por conta do treinamento intensivo que passara em épocas passadas, aconchegou a radiação em seu corpo como se suas células as abraçassem. Wilson estava melhor agora, melhor de uma maneira que não se sentia desde os seus dezenove anos de idade.

A atmosfera do planeta tinha cor esverdeada e os céus pareciam ser expandir para o sempre em uma planície sem fim. Era estranho, era como uma bola artificial feita perfeitamente para que cumprisse as exigências de um campeonato de futebol, era como um gigante geoide espacial que flutuava no espaço em sua órbita ao redor de geoides maiores.

O único momento da rotina pacífica de Wilson que ele estava acostumado a raciocinar era quando brincava com as palavras-cruzadas que conseguia na papelaria suja e empoeirada da pequena vila ao meio do deserto em que morava. Eram poucos os dias que tinha que lutar contra Vris que buscavam os cristais que representavam o hormônio de crescimento do universo. Mas quando acontecia, acontecia, e não podia mentir que isso tinha acontecido muitas vezes. Mas nos últimos anos tinha conseguido aproveitar seus dias sentado e fazendo as coisas mais simples da vida, que sentia falta nos dias mais movimentados de guardião galáctico. Foi um dos movimentos pelo qual disse não ao seu mestre Ramon quando foi convidado a sucedê-lo como o ser humano que rege o universo.

Agora, ele tinha que pensar. Queria pensar em como fazer para sair dali, mas de um instante para outro percebeu que era como se uma música estivesse ecoando em seus ouvidos. Uma música calma, simples e que era como suas tardes tomando chá de camomila observando a movimentação nas ruas. Pequenas vozes inexistentes aconchegavam o homem ao ambiente desconhecido e guiavam as descargas elétricas em seus neurônios para que seus pensamentos se voltassem para a região de sua mente em que suas memórias, sua vida estava. Não percebia essas vozes e também não existiam, era apenas o ambiente que estava ditando os seus pensamentos.

Em um breve momento de excitação, a música soou como estrelas que piscavam distantes no céu acompanhadas do espírito que Wilson sentia no natal no campo com sua família. A melodia permaneceu nesse ritmo, até que um novo momento adentrasse e a melodia tornasse-se etérea. Não houve nenhuma outra mudança de ritmo, e nesse instante Wilson já tinha como foco a sua vida inteira... Toques de piano aconteceram e pessoas que tocaram seu coração apareceram na sua mente. Elas estavam tão distantes agora que sua mão não tentaria tocá-las nem se subitamente aparecessem num passo de mágica à sua frente. Elas apareceram e sumiram... Como a areia do deserto que passou os dias mais recentes da sua vida observando.

Essas pessoas participavam das tempestades de seu deserto cuja direção era diferente em cada situação. Não precisava se lembrar de todos os exatos momentos para conseguir definir a sua vida, e não conseguiria mesmo que quisesse. Alguns aleatórios tinham um enfoque maior na música que estava sendo tocada aos seus ouvidos, e eram momentos que não tinha ideia do motivo de estar pensando nele agora.

Depois de um tempo que não esperava ter passado pensando em sua vida, lembrou-se da situação que se encontrava. Seus olhos tinham voltado a abrir ao invés de deixar que o sono o levasse. Não sabia que o sono estaria de volta. Suas tentativas de resistir a ele sem saber que ele existisse e estivesse influenciando sua mente falharam sem que conseguisse lembrar que falharam.

“Está tudo bem, Wilson”, era a voz da sua pessoa amada. Cuja vida fora perdida há anos distantes demais para que pudesse lembrar da data. Não lamentava a perda, jurou a si mesmo que lamentá-la faria com que os bons sentimentos e as boas lembranças fossem consumidos pela mágoa e pela tristeza. Com seu jeito positivo e conformista, deixou as lembranças do jeito que queria que elas estivessem, fazendo com que sentisse os sentimentos que queria sentir nos momentos mais comuns e valiosos da sua vida.

Jogavam xadrez e a pessoa amada estava em sua vez de jogar. Wilson não conseguia reconhecer a situação de como estava o jogo, não conseguia sequer lembrar uma situação em que jogavam xadrez. Estava começando a considerar essa memória como algo inventado pela sua mente, mas quando viu a leveza com que ele se movimentou percebeu que isso devia ter acontecido. Sentiu risinhos enquanto pensava nesse caso, e jogou qualquer peça para qualquer lugar. Ouviu a voz querida dizendo que esse não era um movimento permitido. Rindo e sem jeito, feliz por apenas estar pensando nos momentos mais simples e felizes da sua vida longa e por partes cruéis e vazias, disse que era porque não sabia as regras desse jogo de tabuleiro.

— Está tudo bem, Wilson. Eu te ensino.

Com a resposta inesperada, até porque Wilson tinha certeza que não se lembrava da situação, Wilson disse tudo bem, e ouviu as palavras do amado. Era estranho esse sentimento, com essa música ao fundo e o ambiente belíssimo ao fundo. Estava nos dias mais belos de sua vida, em um quadro pintado por um pintor que chorou enquanto pintava. Nunca tinha pintado algo tão belo assim.

Em alguns instantes era estranho estar se lembrando de uma memória que não se lembrava, mas estava bem assim, estava bem aconchegando esse sentimento no fundo do seu peito e queria continuar lembrando essa memória inexistente. Continuou pelo ritmo da música.

Cracker nunca entendeu muito porque os seus colegas de equipe de assassinos em ação o chamavam de Richard, mas depois do terceiro dia seguido sendo ignorado ao dizer que seu nome era Cracker e não Richard desistiu de se importar com isso. Ele até gostava desse apelido, seja lá de onde ele viera, não se lembrava de ter dado nenhum motivo para que seus colegas o chamassem assim.

Ah, agora conseguia se lembrar, foi assim que Anna o chamou quando primeiro se viram. Não era ainda do time e tinha uma vida diferente de quando esteve nos Salvadores, mas foi assim que ela o chamou. Estava andando pelos tubos de trânsito populacional que só abriam durante o horário do rush para comprar o sanduíche que seria seu almoço e então uma moça o chamou. “Ah, desculpe, pensei que você fosse o Richard”.

Estranho lembrar-se disso agora porque durante todo o tempo que esteve trabalhando com Anna não conseguia se lembrar desse pequeno acontecimento. Talvez fosse aquela história de que quando você está prestes a morrer é em momentos aleatórios da sua vida que você pensa, e esse era sem duvida um momento aleatório, tão aleatório que afundou no mar do esquecimento de seus pensamentos. Não, não era isso, chegou a conclusão que não fazia sentido. Já estava morto por um tanto tempo e já tinha se conformado com isso. Estava sentado agora, ou achava que estava sentado. Olhando as marés do oceano que se movimentava a sua frente sentado numa das rochas que lhe proporcionavam a melhor vida daquele ambiente.

Por que tinha morrido mesmo? Ninguém tinha explicado ao jovem rapaz e também não conseguia entender por si só, os poucos momentos que conseguia lembrar que antecederam a fatalidade eram bastante complicados de se entender. Parecia que só tinha algumas partes do quebra cabeça e com elas não conseguia entender que a figura que devia montar era da branca de neve. E, mesmo se soubesse, como montaria? Não é como se o fato de saber o resultado fosse fazer com que pudesse criar as outras peças ou algo assim.

Uma voz distante do céu disse que foi por causa de uma eventualidade do espaço-tempo.

“Ah...” disse, balançando os pés a beira do mar. “Era o que eu esperava mesmo”. Gostava de fazer piadinhas mesmo sem público, mesmo morto.

Queria saber se a voz no céu era deus, mas percebeu que era melhor não saber, assim como preferia ficar em dúvida se aquilo era o paraíso ou era só um sonho que estava tendo nos últimos segundos que seu cérebro estava consciente. Levantou e começou a andar por aí na grama além das rochas, na direção que o sol estaria se pondo algumas horas depois.

Hmm, então é isso, eu morri. Minha vida teve bons momentos, não acho que ela foi ruim. Eu comi, trabalhei, me apaixonei e morri apaixonado por causa de uma eventualidade no tempo-espaço. Era de se esperar. Não é como se houvesse a possibilidade de eu ser feliz em algum momento da minha vida.

A voz no céu disse que, segundo a teoria comprovada da infinidade das possibilidades e a tendência dos universos de se tornar cada vez mais infinito, muito provavelmente existia um universo em que Cracker e Sabaneta eram felizes.

Ah, é claro, não como se eu fizesse parte desse universo. Não consigo imaginar um Cracker feliz, apesar de tudo. Mas deve existir um... Queria ser ele. E sorriu, sem se perguntar como que deus sabia do nome da sua amada. Deus sabia de tudo.

Então era isso, estava no céu e deus estava conversando com ele de vez em quando? Quando seria a próxima vez que deus se intrometeria nos seus pensamentos? Por favor, deus, deixe-me em paz pelo menos enquanto estou morto. Ou pelo menos me deixe sonhar em paz nos últimos segundos de atividade cerebral, querida representação de deus ou... Ah, cansou-se de tentar arrumar palavras e só prosseguiu caminhando na mesma direção de antes.

Não tinha notado como estava vestido, mas foi então que percebeu a roupa listrada completamente fora de moda que estava usando. Isso já estava começando a passar dos limites. O céu é estranho, ou meu sonho. Esperava que teria um sonho revelador em que uma parte do seu cérebro que nunca teve acesso lhe diria qual o sentido da vida antes que de vez partisse para o vazio. Estava errado, a não ser que o sentido da vida fosse observar a maré e andar pelos gramados usando roupas listradas. Se era, não tinha cumprido com a vida e duvidava se existia alguém que teria sucedido em viver por fazer isso. Ah, mas é claro que existe, tanto que essa voz do céu vai vir de novo e falar da teoria da infinidade dos universos. E veio.

Tudo bem se esse for o objetivo da vida, é tão sem sentido quanto o quão sem sentido eu pensava que a vida fosse. Na verdade, qualquer que fosse esse sentido faria da vida bastante sem sentido. Bem, esse movimento era bastante sem sentido, esse que estava vivendo agora, mas não achava que estava vivo. Decepcionado, porque achava que com a morte viria o fim dos eventos sem sentido como a eventualidade do espaço-tempo que o matara, decidiu que talvez fosse melhor só deixar de existir. Mas isso não podia.

Sentou-se porque estava cansado disso tudo e fechou os olhos porque queria se isolar de toda essa ladainha filosófica que estava tendo. A vida não faz sentido e o fato de estar ali depois, ou enquanto morria, de morrer não mudava nada. Foi quando fechou os olhos que a música de seu amor subitamente começou a tocar. Como um bom questionador, queria saber o motivo disso acontecer tão repentinamente sem avisos prévios. Tudo bem, é melhor do que qualquer outro pensamento que eu tiver agora. Deixe-me ir até você, Sabaneta.

Cracker queria muito só manter os olhos fechados e dormir, não que se sentisse cansado, mas não queria pensar no que poderia ter acontecido com Sabaneta. Não se lembrava muito bem do que havia acontecido, mas tinha a impressão de que a tinha abandonado em um momento importante, um momento muito importante.

Tinha a impressão que choramingar por causa desse momento não faria bem também. Não conseguia se lembrar nem um pouco da situação que estavam, mas era desesperadora. Obviamente que como qualquer outro personagem escrito por esse autor Cracker tem algumas características além do que o corpo humano geralmente pode alcançar, mas isso não seria o suficiente para derrotar aquele que seria seu inimigo final. Mas sentia que não foi... Sentia que de uma hora pra outra tudo tinha ficado bastante doido e a última coisa que lembrava era alguém chamando-o de Richard e a mão de uma pessoa conhecida e querida. Podia ser a de Sabaneta, podia ser a de Anna. Podia ser de outra pessoa que guardava uma grande afeição, mas existiam poucas pessoas assim na sua vida. Podia ter esquecido-se dessa pessoa, até porque mostrara-se bastante útil no quesito de esquecer seus últimos momentos da vida.

Ele sentia uma dor naquilo que seria seu coração, mas não era seu coração, até porque aquele não era seu corpo físico. Era o... Paraíso? Ele não acreditava em coisas assim, mas talvez existissem. Não acreditava em nada muito sobrenatural ou espiritual, na verdade não se importava, apenas seguia para o próximo dia, para o próximo sanduíche no almoço e para a próxima soneca. Foi assim por bastante tempo até que algo bastante estranho aconteceu.

Muitas histórias começam quando algo estranho acontece, algo que o protagonista não está acostumado e por isso a história segue um rumo inesperado. Bem, no caso de Cracker esse era o rumo esperado, não se sentia nada surpreso com isso. Não fazia parte dos seus planos, mas também não se surpreendeu, e pretendo passar para quem está lendo sua história a mesma sensação que Cracker teve: a de estar apenas sendo levado pelo vento.

Ele nunca pensou na sua vida como algo grande, apenas pensava que era uma pequena partícula interagindo, ou, na maior parte do tempo, evitando de interagir, com outras partículas que encontrava no dia a dia. Acreditava que uma hora ou outra, como toda boa partícula, encontraria aquela outra partícula na qual orbitaria ao redor para sempre. Era assim que esperava que sua vida seria, depois de tanto tempo sendo jogado de lado para o outro emprego após emprego. Então, veio o emprego que seria o seu último, não que ele pensasse que esse era o emprego dos seus sonhos, mas porque ele acabou morrendo exercendo sua função.

Ele não se orgulhava disso, na verdade nem tentava refletir muito, mas acabou se tornando apenas mais um que matava. Não era um trabalho difícil nem estranho, dentro de si a chama de sua antiga vida queimava quando estava exercendo seu cargo. Não se sentia empolgado nem excitado por matar, mas apenas sentia, e isso era algo tão estranho e tão inesperado em sua vida. Essa era provavelmente a parte mais inesperada, sentir alguma coisa, e sentiu bastantes coisas durante esses anos.

O que foi que mais sentiu e que foi mais inesperado? Não foi o fato de ter passado do trabalho de calibrador de teletransportador de matériais de construção para assassino neoliberal contratado para matar sindicalistas, mas foi o fato de se apaixonar. Ah, e que paixão, a única coisa que conseguia pensar agora que estava morto era em Sabaneta. Onde ela estava agora? Estava bem? Teria morrido naquela última situação desesperadora pelo fato de não estar lá para protegê-la.

Não, a morte muito provavelmente era iminente. Não só para ela, mas para todos os seus outros dois companheiros que estavam ali, Anna e Karl. Karl teria morrido naquela situação uma segunda vez se já não estivesse morto pouco antes de terem encontrado a última pessoa, ou coisa, que encontrariam. As mulheres tinham habilidades melhores que a de Cracker, mas sabia que aquilo tinha uma força além do que qualquer força antes presenciada por eles.

Eles não lutavam normalmente contra seres imortais e eternos mas foi isso que acabou acontecendo, e, tudo bem, até, foi aonde a sua vida o levou. Queria pensar que estava tudo bem, porque era geralmente isso que seu cérebro pensava quando se deparava com qualquer situação, seja ela uma situação que outras pessoas catalogariam como inesperada ou simplesmente esperada. Mas não conseguia. Sabaneta...

O que aconteceu, Sabaneta?Sabaneta estava tomando um café, num universo muito distante dali.

Nesse momento, a mente de Cracker já estava viajando demais, tanto que não percebera a voz supostamente divina dizendo que "Apesar das outras partes da simulação não serem perfeitas, essa ainda funciona perfeitamente". E ele realmente não deveria ouvir, mas queriam saber se ouviria, porque isso significaria que essa parte da simulação não estava realmente perfeita. Num estado de espírito bem próximo do que se poderia se chamar felicidade, mas distante disso pelo fato dos técnicos que analisavam o teste não conseguirem sentir esse tipo de descarga elétrica mais comum em seres orgânicos, anotaram mentalmente que sim, pelo menos essa parte está perfeita.

É difícil explicar isso para leitores cuja existência seja ainda resumida pela vida material, mas Cracker é a mesma mente que há milênios no futuro do seu nascimento e em uma outra linha do tempo, atirava em extraterrestres apertando o gatilho de armas a laser com seu dedo robótico. As descargas elétricas que aconteciam nos positrônios desse robô tem a mesma intensidade e mesmas características que a do nosso querido personagem, que até agora se mostra o protagonista dessa história.

Por conta da dificuldade de conseguir explicar isso e até mesmo de entender, foi decidido que é melhor não comentar, já que mais comentários e mais explicações seriam inúteis, pois até quem escreve essa obra tem sua existência retrista ao mundo material. Incapaz de transcender ou de entender as transcendência, qualquer explicação ou tentativa de explicação torna-se inútil. Por fim, não haverá mais explicações nem mais explicações sobre o fato de não haver mais explicações sobre o assunto, porque mais e mais explicações só deixariam a coisa toda bastante sem sentido.

— Ah, Cracker, por que você me chamou pra esse encontro mesmo?

Cracker não se lembrava dessa cena, não se lembrava nem de, no momento do acontecimento também estar se perguntando de não se lembrar. Não parecia ser uma cena, parecia ser real. Cracker estava realmente ali, conversando com Sabaneta depois de sua morte infeliz.

Quebrou a visão de espectador por mover seus braços e olhar para os próprios. Aquilo não era real, não era o mundo que estava vivo. Já tinha passado por uma experiência como essa e não foi assim que tinha acontecido, porque não se lembrava de não se lembrar que foi assim que tinha acontecido na hora, e também não se lembrava dessa ser a maneira que isso aconteceu, de ter morrido antes de acontecer.

Era essa a parte da morte em que você reve sua vida inteira? Mas essa não era a sua vida inteira, porque, se fosse, teria começado com seu nascimento ou com sua primeira lembrança. Tinha certeza que sua primeira lembrança era de ter quebrado um brinquedo que gostava muito e ter chorado por muito, muito tempo. Será que as lembranças não apareciam em ordem cronológica?

Cracker estava confuso demais e decepcionado. Passou a vida inteira pensando que apenas a vida era complicada e com a morte tudo seria mais simples, melhor. A morte era tão ou mais complicada do que a vida. Provavelmente porque não conseguia entender a morte, provavelmente porque não estava presenciando a morte da forma que um humano normalmente presenciaria. Na verdade, humanos geralmente não presenciam a morte, simplesmente tem seu sistema desligado e pronto. Talvez algumas últimas horas de sonhos caso o cérebro permancesse intacto nos últimos segundos de vida, mas Cracker não entrava nessa lista.

Cracker estava na lista de testes. Ele estava morto e nesse exato momento criaturas de forma indefinida e de inteligência inimaginável examinavam a criação de descargas elétricas criadas em um meio parecido ao que as de Cracker aconteciam e com as mesmas características que as de Cracker. Era bem difícil de ser feito, mas não era como se tivessem dificuldade em qualquer coisa, eram inteligentes demais para isso. Nasceram para ser inteligentes, nasceram para inventar, mas eram criaturas que se libertaram de suas correntes ao ascender para além do mundo material. No mais alto dos locais do cosmos, conseguiam observar a tudo e ao mesmo tempo se importar com pouco. Toda a dinâmica sem sentido do universo era conhecida por eles, e pouco se interessavam por isso. Interessavam-se na possibilidade de consertar um universo quebrado, corrompido, podre.

É difícil definir as criaturas da forma que são porque, na verdade, não são criaturas. São entidades com ideias infinitas e completamente diferente das criaturas que já foram uma vez enquanto residiam o mundo físico. Agora, no mais abstrato dos planos, não tinham formas nem cores, mas modelavam-se caso necessário. Quando como, por exemplo, entendiam que a melhor forma de uma outra criatura compreender a sua existência caso estivessem certa forma e cor. Eram várias entidades, quase que infinitas. Infinitos testes aconteciam e infinitas descargas como as da mente de Cracker estavam sendo simuladas para criar a sua própria simulação, seu próprio paraíso.

O grande problema, aparentemente, era ainda a dificuldade em conseguir criar um ambiente para que as descargas fossem geradas como eram quando ainda aconteciam em mentes vivas e operantes. Era por isso que a simulação em que Cracker estava era tão incompleta, imperfeita. Tinham muito a trabalhar ainda, mas tinham certeza que conseguiriam fazer isso antes do Fim de Tudo.

— Cracker, você parece estranho.

Talvez, além de não passarem em ordem cronológica, os acontecimentos da sua vida que passavam após a morte também eram interativos. Isso era legal, não estava apenas revendo a sua vida, estava literalmente revivendo, apesar de ter a impressão que seja lá quais fossem suas escolhas nada mudariam.

— Nós morremos? - Cracker perguntou, para saber se aquilo era real. Tinha duvidas ainda, mas acabaram quando as palavras de sua mente passaram a se tornar o som. Não reconhecia a sua voz, era diferente.

Outra imperfeição na simulação, analisou uma das entidades. Nada muito problemático, mas conseguiam perceber a dificuldade que Cracker estava tendo em assimilar aquilo com a realidade. O ideal seria que o indivíduo fosse induzido pelo ambiente ao seu paraíso e que acontecesse como real nas percepções do indivíduo.

Tudo parecia real, menos a sua voz.

— Não morremos, seu tolo - disse Sabaneta, do outro lado da mesa. À esquerda de Cracker, conseguia ver as estrelas. Não queria olhar as estrelas, pelo menos não agora, queria olhar para a mulher a sua frente. - É assim tão bom estar comigo que faz parecer com que esteja no Paraíso? - Riu.

Não se parecia com a risada de Sabaneta que se lembrava, mas bola pra frente.

— É só que... Eu estava em outro lugar e agora estou aqui.

— É, eu percebi, sua mente realmente estava em outro lugar.

Não, as últimas páginas não foram um devaneio de Cracker.

— Então, Ri... Cracker. Vou ter dificuldade em conseguir gravar seu nome.

— Ah, eu vou conseguir gravar o seu, Sabaneta. É bem único.

Cracker se lembrava que nessa época ainda não estava perdidamente apaixonado por Sabaneta. Nessa época Cracker estava apenas deixando que a maré o jogasse para outra praia. Mas agora estava apaixonado, e não conseguia controlar a sua paixão. Não conseguia olhar para ela como a olhava antes de estar apaixonado, não conseguia deixar seu coração calmo e sereno como antes de estar apaixonado. Nunca conseguiria, era como se tivesse esquecido de como era olhá-la e apenas vê-la da mesma forma que via as outras pessoas que ignorava quando passava pelos tubos de transição de distrito para comprar seu sanduíche, mas ainda lembrava-se dessa época.

— É? Você é um rapaz adorável.

— Você é uma rapaz adorável.

— Somos rapazes adoráveis, então.

— Eu não ligo de ser um rapaz adorável com você, eu gosto.

— Eu também gosto...

Se fosse da natureza das entidades sentir orgulho de seu trabalho estar dando certo, sentiriam. Cracker estava totalmente imerso na simulação que esquecera do seu atual estado. Tinha já se esquecido de duvidar se aquilo era real ou não, se estava morto ou não, se era uma lembrança ou se estava revivendo o momento.

— Você quer... Sair comigo outro dia?

— Quero, mas chega de tomar chá e café. É chato.

— Eu concordo, só te convidei para cá porque não tinha idéia de onde poderíamos ir.

— Mas você não me convidou, eu que te encontrei - disse Sabaneta.

— Mas, você não lembra? Eu que te chamei, querida.

Algo estranho estava acontecendo com a simulação, algo que não estava dentro das probabilidades calculadas nas mentes brilhantes das entidades. Tinham calculados muitas probabilidades, mas essa não estava entre elas. Era de zero por cento, e o zero por cento estava acontecendo. O clima estava mudando.

A aparência da simulação estava começando a desmoronar e passou a se tornar lentamente um lugar vazio e morto. Um lugar que Cracker não conseguia se lembrar, mas foi onde pela última vez esteve no universo em que lembrava ter nascido. Foi o local que o desespero tomou controle de sua alma e seu coração se encheu de agonia por perceber que tudo estava acabado. Não era o sentimento comum de que "ah, é só mais um acontecimento na minha vida, triste ou feliz, inesperado ou esperado, é só mais um", estava realmente desolado e angustiado pela sua morte iminente.

— Eu te encontrei uma voz, encontrar-te-ei novamente e clamarei aquilo que é meu.

A descarga que representava Cracker foi desligada. A simulação foi desligada. Não podiam se entreolhar, pois não tinham olhos e mesmo se tivessem não precisariam demonstrar suas ideias ou seus receios por meio de expressões ou gestos. Mas, para maior entendimento do leitor, pode-se traduzir que as entidades se entreolharam. Infinitas e com suas infinitas diferentes ideias, entreolharam-se e consensualmente decidiram que precisavam discutir um pouco. Simultaneamente desligaram suas simulações e, antes de discutirem, houve um segundo de silêncio e reflexão, como se estivessem preparando seus corpos inexistentes e mentes infinitas para a ocasião.

Não tinham bocas para discutir, o que realmente faziam era que misturavam suas existências entre eles mesmos e todas as suas ideias eram compartilhadas um com o outro. Todas, sem exceção, inclusive as que pouco tinham em comum com o assunto da discussão.

— Está seguro aqui. Estamos seguros.

— Sabemos, entretanto continuará a encontrar Cracker enquanto existir.

— Há de deixar de existir, então.

— Providências serão tomadas.

— Temos a providência. Ainda não está entre nós.

— Providência sugerida tem probabilidade maior do que a margem de erro de se opor ao nosso ideal e de não entender nossa existência.

— Expandir sua existência necessário, todavia, expansão torna inútil.

— Ideiais tolas, há de ocorrer um imprevisto como esse, e há de agirmos por nós mesmos.

— Falta de meios para representação no mundo real.

— Alteração na linha do tempo necessária, descarga incapaz de ser feita livremente por uma forma de vida em uma probabilidade maior que 8 em 10. Ineficaz.

— Alteração apenas em situações complicadas.

— Ocorrerá pelo bem do universo.

Seria uma conversa infinita, múltiplas conversas infinitas acontecendo ao mesmo tempo. Cada entidade envolvia com as outras infinitas entidades em infinitas discussões sobre infinitos assuntos. No final, infinitas ideias eram retiradas e eram infinitesimalmente separadas em uma escala em dois planos. Seja o plano X de 0 até 1000, cujo significado é que quanto maior o número maior é a chance de sucesso. Seja o plano  Y de 0 a 1, cujo significado é quanto maior o número a alteração das regras é maior.

— Ideia 0,222222222222122222223 no plano X e 0,3333455555 é com menor risco de infrigir as regras do universo e de maior capacidade de sucesso.

— Sucesso baixo.

— Idiotas, parem de ser estúpidos, não conseguem ver que não existe a necessidade de um plano? Olhe para as linhas do tempo. - O vermelho chegou, depois de uma longa viagem de descobertas.

— Linhas do tempo permanecem com necessidade de alteração para que as formas de vida por si só detenham o ser que busca as descargas que se encontra em nossa simulação CD45B-1.

— A lei de improbabilidade prevê que não.

— Utilização de leis da improbabilidade não estão dentro de manual de restauração universal,

— O manual é furada.

— Favor não desrespeitar o manual ou tudo pelo qual prezamos.

Vermelho estava ficando enfurecido e não, não ficava mais vermelho quando ficava enfurecido.

— O manual é desnecessário, muitas leis estão sendo excluídas da jornada de salvação pela falta de motivo.

— Pelo fato da ambiguidade e contrariedade com a lógica e com a origem metafísica do universo.

— Não estaremos interagindo diretamente com formas de vida orgânica, que é o que mais temem. Estaremos interagindo com os números e com a equação de improbabilidade universal.

— Isso é ridículo, Vermelho, estou cansado de você. - Verde deixou a sala.

— Ainda assim estaremos interagindo indiretamente e causando extremas mudanças no espaço e no tempo. Vai acontecer muita merda, você sabe disso,

— Conseguiremos isolar o inimigo e neutralizá-lo sem que intervenhamos diretamente, essa é a nossa melhor chance.

— Mexer com os números que regem o universo é uma infração maior que interagir com seres orgânicos e intervir em sua dinâmica social.

— Mas é só uma vez.

— Tempo está se esgotando e a probabilidade de se esgotar com essa alteração é...

Uma descarga em uma das simulações começou a se formar subitamente por si só, não houve qualquer ordem por parte das entidades para que a descarga acontecesse. Simplesmente aconteceu por sua própria vontade. Surpresas, separaram-se e observaram a descarga 345CDDDDDDD-2 queimar.

— Descarga mostrar padrão incomum.

— Descagar instável. Formar-se por pura e inexistente estática.

— É um sinal - disse o Vermelho.

— Não existem coincidências.

— Simulação demonstrar padrão incomum e descarga com intensidade de múltiplas descargas.

— Seria outra entidade?

— Uma convergência.


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