A Dama Solitária escrita por Alice Zahyr


Capítulo 30
A Jornada da Imortal - Parte II




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/453300/chapter/30

Gwen afastou-se de Angelo e pôs-se em pé, estalando os dedos rapidamente. No mesmo instante, ele sentiu sua consciência e força voltarem, mas ainda era incapaz de confrontá-la.

O anjo balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos tenebrosos que invadiam sua mente. Conseguia sentir a presença de Serena ao seu lado, mas lutava contra si mesmo para não olhá-la. Se Gwen tivesse feito algo a ela, torturado-a ou ferido-a, ele não saberia se conseguiria se manter firme o bastante para pensar num plano de fuga.

A bruxa pisava com força no chão, seus saltos altos e finos fazendo um barulho que o deixava irritado, como agulhas caindo do teto. Ela andava em direção a uma mesa retangular comprida que ficava na outra extremidade da sala onde estavam.

Angelo observou o que ela fazia. Provavelmente estava tentando criar alguma poção nova, como de praxe. Era o que ela vinha fazendo desde que ele a observava.

– O que pretende fazer com isso aí? - ele perguntou, indicando um béquer fino que ela segurava com suas enormes unhas prateadas.

Gwen levantou o olhar para ele e disse:

– Não está em condições de fazer perguntas, anjinho.

– Vamos lá, Gwen. - Angelo tentou novamente. - Sei que é uma bruxa esperta, mas talvez devesse aproveitar o pouco de conhecimentos que ainda me resta.

Os olhos azuis elétricos de Gwen finalmente admitiram que ela havia sido engodada pelo papo do anjo ao fitarem-no instantaneamente. Ela tirou os fios escuros que lhe caíam por sobre os olhos e largou o béquer que segurava.

– Você é só um anjo. Não sabe nada sobre feitiços. - Ela riu com desdém. Contudo, ele sabia que ela estava apenas jogando. Era Gwen, afinal, e ela simplesmente não resistia a um bom jogo.

– Está enganada - Angelo retrucou, respirando fundo. - Sou um anjo bem experiente, se é que me entende - arqueou as sobrancelhas - e conheço a Dimensão como a palma de minha mão. Ou quase.

– Sei que conhece. - Gwen parou de sorrir, recordando do fato de que fora ele o anjo a lançar a maldição que criou a Dimensão. - Mas não tanto, não é mesmo? Senão, não precisaria do Pergaminho Sagrado.

Angelo arquejou e prendou o ar nos pulmões, tentando esconder a surpresa por ter sido pego na própria armadilha. E agora, como fingiria não saber do que ela estava falando?

"Pense, Angelo, pense!" ele falava consigo mesmo. "As aulas de James devem ter servido pra alguma coisa!". Buscava na própria mente o que o mentalista faria naquela situação. Jogaria contra? Mudaria de assunto? Mudaria a estratégia?

– Não acho que eu precise do Pergaminho Sagrado para conhecer por completo o lugar que criei. Mas acho que você precise de mim para recuperar seus poderes. Por quê? Tem medo de Mirty? - agora ele estava jogando sujo, tocando na ferida. - Saiba que ela não tem se ocupado de você ultimamente.

Definitivamente, mudar de assunto. E jogar contra, e mudar a estratégia. Excelente James!

Gwen pisoteou ferozmente até Angelo, agachou-se e apontou o dedo para seu rosto.

– Não tenho medo daquela dama velha. - Pontuou, furiosa. Seus olhos o fuzilavam. - E muito menos preciso de você para recuperar meus poderes.

Angelo estava quase lá, a um passo de descobrir porque Gwen o capturara.

– Então por que arrancou minhas asas? - ele perguntou, lutando intensamente para não demonstrar fraqueza. Mas aquela altura, Gwen já sabia que a fraqueza de qualquer anjo era suas asas.

A bruxa deu um risada cínica e piedosa ao perceber que ele não tinha ideia do real motivo.

– Ah, anjinho... Ou devo dizer, meio anjinho... - ela riu novamente. - Os meus planos estão além de sua esperteza.

Angelo curvou os lábios numa expressão de decepção e virou o rosto acidentalmente para a esquerda, onde Serena estava pendurada pelos braços, como ele, por algemas de aço.

Mas ela não estava consciente, nem parecia bem, como ele. Sangue escorria de seu ouvido e havia um buraco em sua armadura, no lado do coração.

– O QUE FEZ COM ELA? - Angelo gritou, estarrecido. Não, não, não, não podia ser o que ele estava imaginando.

Gwen levou um susto com a reação dele, mas logo voltou a si.

– Arranquei o coração dela. - Respondeu, fria. Foi quando Angelo entendeu o que ela realmente queria com aqueles instrumentos químicos para feitiços.

Ao olhar para a mesa retangular mais uma vez, atentou-se para um sistema de destilação fracionada que estava no centro. Havia algo vermelho dentro do balão de destilação, algo que parecia uma bola... Ou um... coração.

Angelo arregalou os olhos, sentindo seu estômago revirar.

– Você é louca - ele disse. - Louca - repetiu. - Como pode fazer isso? Está... está cozinhando o coração de Serena? Ela... Ela morreu...

– Shhh! - Gwen silenciou-o, revirando os olhos. - Ela não está morta, seu tolo. Está apenas adormecida. E ficará assim até que alguém tenha a boa vontade de dividir, ou doar, um coração a ela. É uma pena que seu príncipe encantando também esteja sob meus domínios! Hahaha! - A bruxa gargalhou alto.

Espere... Príncipe encantado?

Angelo fechou os olhos, tentando entender o que acontecia.

"Ah, não."

Finalmente, as loucuras de Gwen fizeram sentido. Ela achava que Serena era o amor de Angelo, pois há muitos anos, quando Angelo e Serena estavam brincando na Clareira das Ilusões, ele recebera uma visão sobre a única pessoa por quem se apaixonaria. Um corvo de Gwen observara tudo e, por isso, ela entendera que Serena era a paixão impossível do anjo. Para bruxas como Gwen, o amor é o elemento mais poderoso que existe para se fazer um feitiço. O sangue é a vida, e nas asas de um anjo pode-se obter o poder original - o poder divino.

"O amor de um anjo... O sangue da amada... E o poder original... O que Gwen quer com tudo isso?" Angelo perguntou-se.

Os olhos de Gwen acompanhavam-no em seu raciocínio, atentos a qualquer sinal de reconhecimento de seu plano. A mente de Angelo estava a mil, buscando na memória o máximo que podia sobre algum feitiço que requeresse os tais elementos citados.

Com o poder original... Gwen recuperaria suas habilidades completamente, podendo enfim destronar as damas.

Com o sangue da amada... Gwen poderia obter os poderes de Serena, o que claramente era algo invejável para qualquer caído na Dimensão.

E com o amor de um anjo... Gwen seria capaz de seduzir qualquer ser. Qualquer um.

As batidas do coração de Angelo começaram a acelerar rapidamente, até que ele suasse frio. "Descobri" ele pensou.

O que Gwen planejava era reinar na Dimensão e seduzir Angelo e Levi, colocando-os ao seu lado. Havia fatos interessantes sobre os dois anjos que explicavam o interesse infortúnio da bruxa. Angelo, que fora membro da Primeira Tropa no Céu antes de ser expulso, possuíra o dom da palavras, sendo capaz de abençoar ou amaldiçoar qualquer ser ou lugar no universo. Ele era muito talentoso e forte, um grande anjo. Levi, por sua vez, não pertencia a nenhuma tropa, pois não era um anjo de batalha. Ele pertencia a um principado responsável por guardar a ilha britânica, logo, era um anjo protetor. Chefiava a guarda do principado e estava abaixo apenas de um arcanjo. Embora os dois anjos tivessem funções distintas e sequer se conhecessem, as vezes eram encarregados de serviços materiais, que envolviam contato com os humanos. Foi numa dessas vezes que Angelo conheceu uma mulher e apaixonou-se por ela, apesar de, muito tempo depois, entender que ela não fora o seu amor verdadeiro. De alguma maneira, ela havia sido só uma paixão. Em suma, ter anjos tão habilidosos ao seu lado era, claramente, uma enorme vantagem.

Assim, o feitiço que Gwen estava buscando fazer só podia ser esse: Móno kyriarchía. Em grego, significa "dominação única". Foi o feitiço que Lúcifer, ou Belial, tentou lançar quando cobiçou o trono celestial. No entanto, o feitiço voltou-se contra ele mesmo, criando uma versão pior, e eterna, da Dimensão: o Inferno.

Mas se Gwen sempre odiara tanto a Dimensão, por que de repente passou a desejar dominá-la? Será que ela esperava criar uma espécie de novo céu, ou novo inferno?

– Eu sei o que está pensando. - Gwen disse.

– Não pode ler meus pensamentos. - Ele retrucou. - Não ainda.

Gwen estreitou os olhos.

– E você não pode saber de tudo. Não ainda.

Angelo suspirou.

– Está enganada, Gwen. Não é difícil esperar uma ideia louca vinda de pessoas loucas por poder como você.

Ela encarou-o por mais alguns segundos, em silêncio, até dizer:

– Não importa o que você acha, anjinho. Eu sempre consigo o que quero.

O anjo arqueou as sobrancelhas, reflexivo. Se Gwen contava mesmo com o amor dele por Serena para que seu plano desse certo, ela teria uma grande frustração.

– Seria uma pena se o seu feitiço de repente não funcionasse. - Ele comentou. - Não é mesmo?

Mas Gwen já havia se teletransportado para longe dali, provavelmente porque seu irmão a chamara.

– É, seria uma pena. - Angelo respondeu a si mesmo.

***

– Como está indo? - Logan perguntou, ansioso.

Maya estava extremamente concentrada numa poção capaz de impedir, ou atrasar, a contaminação pelas sombras em Elizabeth. A garota estava deitada sobre a maca, ao lado de Logan, num estado de letargia que vinha o incomodando há horas. Mesmo assim, ele não saíra de perto dela. Temia que, caso se afastasse, ela morresse. Não que achasse que sua presença pudesse mantê-la viva, mas Logan sentia-se mais confiante sabendo que ela tinha acesso ao calor e vitalidade de seu corpo enquanto estivesse cinza e meio-viva.

Pensar dessa forma causava-lhe arrepios.

A Dama da Terra finalmente terminou o que estava fazendo.

– Ah, acabei - ela suspirou, virando-se para os dois. Seus olhos verdes estavam bem abertos, talvez pelo adrenalina, atentos ao mínimo movimento. Suas madeixas ruivas, bagunçadas sobre os ombros, formavam nós aqui e ali. Não era preciso observar muito para perceber que Maya passara horas se esforçando em salvar os dois bellatores. - Encontrei algo muito raro que vai atrasar a contaminação em Elizabeth - Maya anunciou, orgulhosa, embora parecesse cansada - e estabilizar a ligação vital entre vocês dois.

Logan respirou fundo, aliviado.

– Mas antes de aplicar a poção nela, preciso limpar seus ferimentos e retirar essa adaga daí - Maya apontou para o estômago da transmorfa. Logan sentiu náuseas ao ver o líquido cinza que escorria do local.

– Certo. - Dispôs-se. - Do que precisamos?

Maya pôs as mãos sobre o peito, surpresa.

– Oh, não, querido! Você não pode de jeito nenhum por a mão aí. Vai acabar sendo contaminado também. Só fique tomando conta dela enquanto vou buscar a pessoa ideal para retirar a adaga - a Dama ordenou e desapareceu, deixando-os sós.

Logan olhou para os lados, procurando não encarar Elizabeth. Em alguns minutos, Maya reapareceu, trazendo consigo um ser que Logan nunca vira na vida.

– Olá! - a pequena criatura cumprimentou, esticando a mão. Mas Logan franziu o cenho e afastou-se, com estranheza.

– Quem é essa coisa aí? - questionou.

A criatura desfez a expressão alegre e pareceu brava.

– Não sou coisa - defendeu-se.

Maya passou as mãos uma na outra, sem graça.

– Logan, ela é uma fada - explicou, falando baixinho e olhando para cima e para os lados incessantemente. - Uma fada. Seu nome é Ellya.

Fada? – Logan fez uma careta, analisando a criatura dos pés à cabeça. - Eu nem sabia que elas existiam de verdade! - ele exclamou.

Ellya revirou os olhos e arrebitou o nariz.

– Olha aqui, querido, nós, fadas, somos super reais, ok? - ela mexeu o dedo indicador para deixar claro. - E saiba que é super demais ser uma fada. Estou aqui para ajudar Maya, e não você. Agora tire a mãozinha da transmorfa para eu poder por as minhas.

Logan rapidamente retirou as mãos ao receber uma olhadela intimidadora de Maya.

– As fadas não se contaminam com as sombras. - Maya explicou. - Ellya está fazendo um grande favor para nós, Logan, entende?

Ele assentiu, hesitante.

– Por que nunca as usamos antes, então? - perguntou.

Maya fez um gesto com o dedo para pedir silêncio absoluto dele.

– Não fale sobre isso. Nunca. Jamais. Não posso deixar que as outras damas saibam - ela encolheu-se em seu vestido verde de mangas cheias, como uma princesa.

– Mas por que não? Se as fadas são super demais? – Logan questionou, imitando Ellya. A criatura lançou um olhar fulminante para ele.

Maya começou a assobiar, desconversando.

– Tudo bem - Ellya disse, enquanto tirava a adaga com muito cuidado do corpo de Elizabeth. - É que nem todas as fadas são confiáveis. Algumas trabalham para as sombras. E algumas... bem, elas se deixam levar por barganhas e presentes, mudando de lado muito fácil. - Logan arregalou os olhos. - Mas não se preocupe! Não sou assim!

– Hum. - Logan murmurou, observando Elizabeth atentamente.

Ellya revirou os olhos.

– É sério. Não me importo com essas coisas. São coisas fúteis, e o que me interessa é o conhecimento! - Ela exclamou, batendo palmas rapidamente e voltando ao serviço, nervosa.

– O que você ganha nos ajudando, então? - o bellator perguntou.

Maya fez surgir em suas mãos um pequeno livro, de capa de couro marrom. Ele cheirava a terra molhada. Talvez estivesse mofado.

Ellya fez um barulho parecido com um ganido ao retirar a adaga por inteiro.

– Consegui! - ela gritou, tapando a boca instantaneamente. Maya respirou fundo. - Perdão - Ellya encolheu os ombros.

– Tudo bem. Essa toca fica bem distante do castelo. - A Dama tranquilizou-a. - Só espero que Mirty não acabe me descobrindo.

– Ótimo, agora me dê esta belezinha - Ellya puxou o livro das mãos de Maya.

– Obrigada, Ellya - Logan disse, cedendo à gentileza. Maya deu um sorriso sutil. E num estalar de dedos, a fada havia sumido.

Elizabeth ainda estava desacordada depois de ter a adaga retirada de seu estômago. Mas a cor acinzentada que estava tomando conta de seu corpo começava a dar lugar ao tom normal de sua pele. Logan sorriu ao ver aquilo.

– Hora de acordar a fera! - Maya anunciou, extasiada. Riu de si mesma por causa do trocadilho.

A Dama pegou um pequeno pote negro que estava sob um tronco de árvore baixa cortado ao meio e aproximou-se da maca de Elizabeth, uma espécie de galhos e folhas entrelaçados capazes de suportar seu peso.

Com cuidado, Maya fez Elizabeth beber o líquido escuro que havia dentro do pote. Aos poucos, o líquido cinza que saía do ferimento em seu estômago evaporou e sumiu.

Logan aproximou-se de seu rosto e ficou esperando para ver o que acontecia.

– E agora? - ele perguntou, ansioso.

– Espere... - Maya disse - espere e...

De repente, Elizabeth abriu os olhos. Com vagareza, esticou os braços e as mãos, como que certificando-se de que ainda existia. Hesitante, levou a mão até seu estômago, tateando em busca da adaga e das sombras.

– Tá tudo bem, Liza - Logan sussurrou, segurando sua mão. Ele ajudou-a a levantar, mas ela estava atordoada. - Liza?

A bellator olhou para os lados, tentando se encontrar. Mas sua expressão era de confusão. Ela parecia completamente perdida.

– Onde estou? - perguntou. - E quem é essa? - ela apontou para Maya.

A Dama da Terra cobriu a boca num gesto de surpresa e medo. Elizabeth arqueou as sobrancelhas, esperando resposta.

– Hum... Não se lembra de nada? - Logan perguntou.

Elizabeth negou com a cabeça, o que o fez desmoronar por dentro. "Ah, não..." Logan pensou.

– Maya, você não disse que isso poderia acontecer! - Ele falou.

– Isso o quê? - Elizabeth questionou. - Logan, o que aconteceu?

– Espere! Se lembra de mim? - Logan perguntou.

A garota assentiu, franzindo o cenho como se fosse algo óbvio.

– Como ela pode se lembrar só de mim? - O bellator falou sutilmente com Maya.

– Bem, vocês agora estão ligados - ela respondeu.

Logan respirou fundo e suspirou, encarando Elizabeth com as mãos no rosto. Ela deu de ombros, numa expressão que dizia "sinto muito".

– É. - Ele engoliu em seco. - Estamos ligados.

***

Quando a dor nos pés enfim venceu-a, Gabriela decidiu que era hora de descansar um pouco. As Planícies de Prata eram um lugar cem por cento capaz de tirar qualquer um de seu juízo perfeito, pois por mais que alguém andasse, o horizonte nunca parecia alcançável. A mesma visão se repetiria por dias a fio, caso o andarilho não tivesse noção de aonde quisesse chegar. Graças a Mirty, Freia ou a si mesma, Gabriela não havia se perdido. Depois de quatro dias andando sem parar pelas planícies, finalmente já podia enxergar seu fim e o início de novas terras - terras que a levariam até o Deserto da Morte.

Havia uma pequena vila logo a frente, onde a Imortal planejava parar e ficar por uma noite. O céu - uma ilusão temporal - já mudava suas cores do amarelo para o azul escuro, dando lugar a estrelas de mentira. "Ah..." ela suspirou, "antes a Dimensão parecia tão fantástica para mim..."

Gabriela adentrou a vila por uma estrada única que a repartia ao meio. Havia grandes cogumelos que serpenteavam as margens da estrada, mas ela só percebeu serem casas quando viu uma criaturinha parecida a um gnomo de jardim saindo dele e indo em direção aos bosques que rodeavam a vila.

"Espere" pensou ela. "Gnomo de jardim?"

Gabriela dava uma rápida olhada pelo lugar quando, de repente, sentiu um cheiro peculiar chegar às suas narinas. Ela farejou mais, andando até um cogumelo gigante que ficava no centro da vila.

– Argh, que cheiro é esse? – ela perguntou.

Uma mãozinha enrugada e dura bateu em sua perna.

– Ei! - alguém chamou-a.

Gabriela, assustada, virou para trás. Olhou para o chão. Havia um... um ser esquisito empurrando sua perna. Ela franziu a testa e virou a cabeça, curiosa.

– Quem é você? O que faz aqui? Você cheira a morte! - o ser reclamou. Ela segurou-se para não rir do comentário. "É óbvio que cheiro. Imagine se você desse de cara com a própria morte, então."

– Meu nome é Gabriela. - Ela apresentou-se, tentando soar gentil. Por mais fácil que devesse ser, estava sendo difícil. Talvez fosse seu instinto predador. - Venho de Cineres, mas estou apenas de passagem. Você... Por acaso seria um gnomo? Um... Um gnomo de verdade? - ela perguntou.

O homenzinho apertou os olhos, tentando descobrir se o que dizia era verdade. Quando detectou que sim, abriu a boca numa enorme surpresa.

– G-Gabriela? - perguntou. - Quem te mandou? Nós somos criaturas de Maya, a Dama da Terra. Foi ela quem te mandou?

– Ah, bem, eu conheço Maya - Gabriela assentiu, sorrindo. - É como se ela tivesse me mandado, sim. Mas você é um gnomo de verdade?

– É, é, sou, sou! - ele respondeu, ríspido. - E você, é o que? Por que tem esse fedor assim, você tá morta, menina?

Gabriela ofendeu-se.

– Não fale assim! Sei que não é o melhor perfume que já sentiu... Mas me dê um desconto, estou há dias andando nessas malditas planícies! Além do mais, você também não cheira lá essas coisas! - Ela disse, assustando-o com sua força de voz. - Caham - Gabriela pigarreou, controlando-se. - E estou bem vivinha, se quer saber. Agora, será que me permitiria passar a noite em sua vila?

O gnomo a olhava como se fosse perigosa. E, bem, ela era, de qualquer forma. Ela só não poderia contar que era a Imortal, pois talvez os gnomos planejassem matá-la ou entregá-la a alguém.

– Não é comigo que deve falar. Vou levá-la ao guardião da vila, para que possa perguntar a ele.

Gabriela hesitou. Não tinha tempo para burocracias, precisava ser ágil.

– E-eu... Não tenho tempo. - Ela disse. - Por favor, me deixe ficar. É só não dizer a ninguém. - O gnomo, porém, mantinha-se impassível. - Tudo bem. - Gabriela suspirou, vencida pelo cansaço. - O que quer em troca?

Ela não tinha certeza de que poderia realizar o pedido daquele homenzinho, mas precisava arriscar sua última carta.

– Você tem poderes? - ele perguntou. A garota assentiu, fazendo seus olhos brilharem. - Oh... Nossa! Será que poderia me conceder mesmo o que quero?

– Vá em frente. - Ela encorajou-o, sentindo-se, pela primeira e estranha vez, confiante.

– Eu desejo... Ah, sim, sim, lembrei! Desejo o chapéu gnômico dourado!

Gabriela fez uma careta.

– O o quê?

– O chapéu, gnômico, dourado. Garota! É o chapéu mágico dos gnomos! Ele dá o poder de governar ao gnomo que o tiver. Há anos nós, aqui da vila, procuramos por ele, para poder enfim restabelecer o reinado dos gnomos.

– Ele está perdido? O que aconteceu com esse chapéu? - Gabriela perguntou.

– Você sabe, Gwen roubou. Ela rouba tudo de todo mundo. Maya não pôde impedi-la, mas lançou um feitiço que fez o cabelo da bruxa cair. Agora, ela certamente usa peruca, ou mais feitiços. - O gnomo deu de ombros.

Gabriela sentia as pálpebras fechando sem seu consentimento - resultado de dias sem dormir nem por um minuto. Decidiu dar logo aquele tal chapéu para aquele tal gnomo, antes que alguém acabasse encontrando-a e a enchesse de mais perguntas.

– Certo. E como é esse chapéu? - Ela requereu.

Enquanto o gnomo a informava sobre os detalhes da aparência do objeto, Gabriela concentrava-se para visualizá-lo. Sua mente acabou sendo levada a uma enorme sala de pedras, onde havia uma mesa retangular em uma das extremidades. Em cima dessa mesa, béqueres, filtros e sistemas de separação de misturas formavam uma verdadeira bagunça. Gabriela perscrutou o local em busca do chapéu, encontrando-o logo acima da mesa, pendurado por uma haste de metal na parede rochosa. Porém, antes de ir embora daquela sala, algo chamou sua atenção.

Havia mais alguém ali. Ela podia sentir. A energia estava fraca, mas ainda assim estava ali.

Foi quando Gabriela sentiu seu coração acelerar e palpitar rapidamente. O que estava acontecendo? Ela nunca tivera aquela experiência antes!

"Gabriela? É você?!"

– Angelo! - ela exclamou, mas não conseguia encontrá-lo naquela sala. - Não consigo te ver, onde você está?

"Gabriela! Estou aqui! No fundo da sala! Acorrentado à pare..."

Mas a conexão falhou e ela o perdeu.

A mente da Imortal voltou ao lugar onde ela estava, na vila. Suas mãos, mesmo dentro das luvas negras de couro, formigavam intensamente. Ela vira Angelo. Ela vira Angelo!

– Oh, muito obrigada! - o gnomo agradeceu, pegando o chapéu e tirando-a de seus pensamentos. - Pode ficar onde quiser, até mais! - ele saiu saltitando - Agora sou o rei, agora sou o rei... - e cantarolando.

– Angelo estava naquela sala... Mas... Aquela sala é de Gwen. - Ela falava consigo mesma. - Oh, não! - Gabriela levou as mãos ao rosto, aterrorizada. - Gwen capturou-o!

A garota correu em direção aos bosques, indo o mais longe que seus pulmões permitiam. Ela precisava estabelecer alguma conexão com algum elementar. O mais rápido possível.

Antes que Angelo fosse morto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ooooooooooooooi gente!!!!! Eu passei esse dia 26 de dezembro TODO, literalmente TODO, escrevendo esse capítulo. Foi muita pesquisa pra escrever a parte dos anjos (pra dar um pouco de cultura presse povo), quebrei a cabeça pra ter criatividade na última parte e também me esforcei buscando informações em outros capítulos pra tentar lembrar vocês de algumas coisas! Aqui estão alguns caps pra vocês lembrarem de MUITA coisa que aconteceu:

https://fanfiction.com.br/historia/453300/ADamaSolitaria/capitulo/16/
https://fanfiction.com.br/historia/453300/ADamaSolitaria/capitulo/11/