Procura-se um Sangue Azul escrita por Mia Peckerham


Capítulo 24
Capítulo Bônus - O Retorno


Notas iniciais do capítulo

NOVO CAPÍTULO ZSSDFGHJDHUATSFDAHFO IAEGHWFYIVWAOSEIDFH DUOSGHVUOASGDYIGSEIVOZUSGFIUSGFUOGHSPVHERSOGHOSGHVFIPE TYWEIGV
Porque eu simplesmente não aguentava mais vocês pedindo mais um capítulo, e também não queria abandonar essa fic. Eu amo essa fic. ESSA FIC É TUDO O QUE EU TENHO ASDFGHJKL

Enfim, sei que demorei um pouco (20 dias asdfghjkl wooow), mas tá aqui! Boa leitura! Divirtam-se ;D

EEEEEEEEEEEEEEEEEE:
Obrigada do fundo do meu core ♥ à Meow, que favoritou a fic!! ;D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/452787/chapter/24

Erica estava sentada na amurada do navio. Baruc dizia mil vezes por dia que era muito perigoso, mas ela não se importava. Naquele dia, resolvera acordar ainda mais cedo que o homem. Baruc vinha agindo de forma estranha, e deveria saber que Erica o conhecia bem o bastante para perceber isso. A moça imaginou que talvez, se acordasse cedo e o pegasse desprevenido, ele acabaria contando algo. Fazia isso sempre quando era pequena; acabava descobrindo presentes surpresas e festas secretas de aniversário que o ferreiro preparava para ela. Erica tinha esperanças de que isso não houvesse mudado.

Baruc saiu de quarto do capitão bocejando e ainda vestindo a calça e blusa de malha simples que sempre usava para dormir. Quando viu Erica o encarando com seus olhos azuis cortantes, suas bochechas coraram.

– Já de pé? – Ele disse. – Você costuma acordar perto do meio-dia...

– Perdi o sono – ela deu de ombros. Era mentira. – Além disso, o nascer do sol acontece em poucos minutos, e não quero perder. Deve ser lindo visto do meio do mar.

– E é – Baruc concordou debruçando-se na amurada ao lado da garota.

– Em quanto tempo vamos atracar no próximo porto? – A garota perguntou sem mais rodeios.

Baruc e Erica viviam do comércio de iguarias e frutos do mar, tal como os pais de Erica viviam, mas Baruc ainda produzia suas armas e as vendia. Não tinham local fixo de venda como antes, na casa do ferreiro, mas sempre conseguiam um bom dinheiro atracando em portos dos reinos que viam pelo caminho. Com o tempo, Baruc e Erica acabaram decorando as distâncias entre os reinos e o tempo que levariam até lá. Tinham, também, uma casa construída nas Ilhas de Verão, mas a rotina os incomodava e descobriram que seu lugar era em alto-mar.

O homem de grossas sobrancelhas titubeou. Não queria dizer a Erica quanto tempo levariam para chegar porque sabia que ela já fizera suas próprias contas.

– Na verdade não sei... – Ele disse. – Talvez umas três horas?

– Três horas? Mas então estaríamos de volta a Porto das Naus. Acabamos de sair de lá, não há nada mais próximo nessa faixa de tempo. - Baruc abaixou a cabeça e desviou o olhar. - Para onde estamos indo?

Ele resmungou algo num tom inaudível e suspirou:

– Venha aqui um minuto.

Erica o acompanhou até o gabinete do comandante e sentou-se diante dele na mesa de mogno coberta por cartas e contratos vencidos com reinos que os pagavam para receber mercadorias periodicamente. Era um negócio simples e lucrativo, e garantia a eles a aventura em alto-mar de que precisavam para quebrar a calmaria.

– Assinei um novo contrato – Baruc foi dizendo. Passou a Erica um envelope azul-escuro, simples e compacto.

– De qual reino? – A garota perguntou.

– Veja você mesma – Baruc sorriu tristonho. Um arrepio correu pela coluna de Erica.

As mãos da garota tremiam enquanto ela abria o envelope. Tirou de lá de dentro duas grandes folhas de papel. A primeira era uma carta solicitando os recursos da tripulação do Santa Helena, o navio de Erica e Baruc. A segunda folha determinava os ganhos e gastos do contrato, bem como os períodos em que a mercadoria deveria ser entregue, e quem a receberia. Por fim, um selo de cera azulada carimbada pelo anel do rei com sua assinatura logo abaixo.

Erica sentiu todo o ar de seus pulmões ir embora.

Ezekiel Lew Piero Bellafonte de Lionsgrow – ela leu enquanto passava a mão sobre a tinta levemente borrada da assinatura de Zeke. – Podia ter me contado, Baruc...

– Eu não sabia como você iria reagir – o ferreiro deu de ombros. – Eu, particularmente, não vejo problema algum em voltar para lá. Não visitamos Kirk desde que fomos embora, e temos conhecidos no bairro. Às vezes faz bem nos lembrarmos deles.

Erica balançou a cabeça.

– Estão pagando bem, também... No final das contas, negócios são negócios... – A garota olhou pela janela do gabinete e tudo ainda estava escuro lá fora. – Estamos a três horas de Porto das Naus. Vamos atracar em Lionsgrow uma hora depois do nascer do sol, não é?

– Acho que conseguimos pegar a aurora – Baruc estudou o céu pela janela. – Se formos mais rápido, é claro. É possível.

Erica concordou e saiu da sala. Ainda estava vestindo seus pijamas velhos e desgastados. Entrou em seu quarto e foi se arrumar.

Erica olhou-se no espelho e pensou que o tempo não a havia alterado. Agora que recebia mais dinheiro do que nunca e que tinha ainda o dinheiro que Ezekiel entregara, Erica vestia-se bem, comia bem, era tratada bem. Usava vestidos de alta costura que a lembravam de Jade; ela jamais sonhara que compraria tantos vestidos algum dia, mas tinha três baús cheios deles.

Suspirou e ajeitou os cabelos. Não conseguia usá-los soltos nem deixá-los crescer. Sempre os cortava na altura das axilas e os prendia num coque bem feito com uma trança enrolada a ele, fixando-o no lugar. Era o penteado que sua mãe costumava fazer em seus cabelos, coques ou tranças, às vezes os dois.

Desceu até o estábulo e trouxe Kahal para o convés. Tal como Baruc previra, estava atracando no cais de Liosngrow. Erica observava o espetáculo que era aquele reino todo iluminado pela luz laranja do sol nascente. Os mercadores do porto montavam suas feiras ali as pressas, esperando os navios da manhã atracarem e levarem seus produtos. Em meia hora ou mais um encarregado do palácio apareceria para recolher as mercadorias do Santa Helena e lhes pagar, e então voltariam ao navio e partiriam para o próximo reino.

Baruc baixou a rampa que ligava o navio ao porto e Erica desceu puxando Kahal pelas rédeas atrás de si. Adorava aquele cavalo. Era lindo, veloz e forte, e não dava trabalho algum, era muito dócil. Erica montou sua sela e gritou para Baruc:

– Vou visitar Kirk. Volto logo.

O ferreiro assentiu e ficou no navio esperando o funcionário do reino que buscaria os produtos. Erica tocou o cavalo em frente rumo à Notteria.

Chegou até a árvore em pouco tempo. Já sabia de cor o caminho. Às vezes, em alto-mar, fechava os olhos e mesmo cercada por tanta água, conseguia traçar mentalmente um mapa com todas as ruas de Lionsgrow. Fizera bem toda aquela caminhada pelo reino antes de ir à Arena; Erica conhecia Lionsgrow como a palma de sua mão.

Parou seu cavalo e o amarrou num galho baixo da árvore e caminhou até o lugar onde ficava o túmulo de seu irmão. Para sua surpresa, havia flores ali, deixadas por alguém que o visitara. Eram flores pequenas e brancas, de miolo amarelo, delicadas e suaves. Várias delas, espalhadas aos montes pela grama que crescera por cima da terra revirada do túmulo. Erica ouviu um cantarolar e uma garotinha que devia ter no máximo oito anos chegou saltitando e colocou mais um buquê daquelas pequenas flores sobre o túmulo de Kirk. A garotinha era loira e tinha profundos olhos verdes, apesar de serem um pouco mórbidos, abatidos. Usava um vestido rosa-claro e bege, as saias arrastando levemente no chão.

– Oi! – A menininha sorriu e inclinou a cabeça. - Meu nome é Constance. E o seu?

– Erica – a mulher respondeu um pouco confusa. Não estava acostumada com crianças. Trocou olhares com a garota e arqueou as sobrancelhas: - Porque está pondo flores aqui?

A loira deu de ombros. Erica não insistiu numa resposta. A menininha curvou-se diante dela, pegou uma pequena cesta cheia de flores e virou as costas. A plebeia, ainda sem entender nada, ajoelhou-se ao lado do túmulo de seu irmão e rezou repetidas vezes para que ele estivesse em paz ao lado de Ophélia.

***

Ezekiel vestiu seu melhor traje, uma grossa camisa verde-escura com pinos dourados nas mangas e colarinho e sua calça de montaria. Optou por não usar a capa púrpura do rei e nem carregar o cetro, mas a coroa era obrigatória de qualquer maneira.

– Eu não gosto dessa cor – sua pequena herdeira abraçou-lhe as pernas. Aparecera repentinamente em seu quarto, silenciosa como um gato de rua à procura de comida. – Coloque a azul.

Ezekiel a olhou da cabeça aos pés e depois dos pés à cabeça, e torceu o nariz. Tirou alguns fiapos de grama de seu cabelo loiro e abaixou-se para levantar a barra de seu vestidinho rosa.

– Constance, quantas vezes terei de lhe pedir que não ande por aí sozinha, e que tente permanecer limpa por mais do que três horas?

A menininha deu uma espalmada na terra que sujava sua roupa e riu:

– É só terra, pai! Não vou morrer por causa de um vestido sujo... – Ela estendeu a cestinha repleta de flores para o rei: – Fui colocar isso no túmulo.

Zeke não pode deixar de sorrir. Ele nunca contara de fato o que significava aquele túmulo, nem nada do que havia acontecido, mas Constance acabara pegando gosto pela coisa, e sempre que via o pai sair para pôr flores no túmulo de Kirk à garotinha ia junto. Agora que já estava crescida, acabava indo sozinha, e isso incomodava Ezekiel.

– Você vai tirar essa camisa verde? – Constance repetiu. – A azul lhe cai melhor. Ou quem sabe a vermelha...

O rei bagunçou os cabelos de sua filha:

– Tudo bem. Agora, vá procurar Leila para que ela lhe dê um belo banho. E você está atrasada para as aulas de costura. – Ele a abraçou e fez cócegas em sua barriga, tal como sua esposa costumava fazer. - Não fique zanzando por aí.

Assim que a garotinha saiu, Zeke tirou a camisa verde e vestiu uma azul-escura. Tirou do bolso da camisa que usava antes uma carta com sua assinatura. Leu a carta duas, três, quatro vezes. Era um comprovante de seu acordo com um novo navio de mercadorias.

Mas não era qualquer navio. Era o Santa Helena. Ezekiel queria ter feito esse contrato antes, mas quando se casou com Elizabeth concordou em manter contrato vitalício com os mercadores do reino dela. Agora que o pai de Elizabeth havia falecido, Zeke se viu livre para contratar os serviços de qualquer outro navio mercantil que pudesse existir, mas só lhe veio à cabeça o Santa Helena.

Zeke desceu aos estábulos onde Frey, seu criado pessoal, o esperava já montado em seu cavalo. O rei montou Odil e encarou o criado:

– Não há necessidade de me acompanhar, Frey.

O criado, parecendo quase ofendido, ajeitou seu monóculo e a gola da camisa e respondeu:

– Mas é claro que há, majestade. Meu dever é acompanhar o senhor aonde quer que vá e...

– Hoje, não – Zeke sorriu. – Hoje vou tratar de assuntos um tanto quanto particulares, e acho que será mais agradável que fique no palácio e tome conta de Constance.

O criado deu de ombros, desceu do cavalo e curvou-se:

– Como quiser, meu senhor.

Entrou pela escadaria da torre e sumiu pelos corredores do palácio. Zeke viu-se livre outra vez e lembrou-se das madrugadas em que fugia com Erica para treinarem sob os galhos de Notteria. Não havia palavras para descrever o quanto Ezekiel estava ansioso por um reencontro com a moça. Dez anos haviam se passado sem que se vissem, e o rei já não podia esperar mais um segundo. Pôs seu cavalo a trote e passou pelos portões, sorridente.

A fina neve que caía não era o suficiente para cobrir as casas, mas o chão estava úmido e o sol brilhava forte. Devia ser quase oito e meia da manhã. Pelas ruas, o povo o saudava. O maior desejo de Zeke agora era poder correr o mais rápido que conseguia com seu cavalo, mas não podia ignorar os cumprimentos do povo, nem se arriscar a deixar a coroa cair de sua cabeça.

O rei passou pela Arena e ouviu gritos. Já estivera ali naquela manhã, às sete. Um homem franzino, baixo e tímido ganhara de todos os outros oponentes. Era a segunda vez que isso acontecia. Na primeira, o lutador era Eric. Zeke sorriu; aquela arena talvez fosse a melhor construção de todo o reino. Se não fosse ela, ele jamais teria conhecido Erica.

O porto de Lionsgrow se tornou visível, mas ainda distante. Zeke ainda cumprimentava o povo pelas ruas. Passou perto da casa de Erica, que antes ficava na área pobre e suja do reino. Agora, não existia área pobre e suja. Zeke, em seu reinado, direcionara investimentos aos pobres, fazendo com que o reino fosse dividido em classes média e alta, apenas. Já não havia pessoas como Erica e Kirk.

Ezekiel parou seu cavalo e desmontou. Um mercador na entrada do cais se ofereceu para tomar conta do alazão, e o rei aceitou a ajuda de bom grado. Caminhou como se fosse um cidadão qualquer dando uma volta pelo porto, e respondia com afeto a todos os meneios e gracejos que lhe eram lançados.

Havia mil e um navios no porto, mas foi fácil encontrar o Santa Helena: o navio era pequeno, mas suas velas se projetavam por todos os lados, grandes e claras, varrendo o céu, com as letras SH pintadas em azul. O rei caminhou até ele, forçando-se a manter a calma, e logo que chegou encontrou Baruc.

O homem estava de costas para o rei, mas Zeke reconheceria em qualquer lugar: o cabelo crespo cortado curto, a espessa barba que podia ser vista de todos os ângulos, o corpo parrudo, forte, as roupas brancas e marrons contrastando numa combinação simples e leve. A única coisa que havia mudado era os fios brancos que lhe cresciam na cabeça e na barba.

Ezekiel pigarreou e Baruc virou-se em sua direção. Arqueou as grossas sobrancelhas – nas quais também cresciam fios brancos – ao ver o rei, mas não se curvou diante dele.

– Pensei que algum criado viesse buscar as mercadorias – ele disse.

– E vem – Ezekiel confirmou. – Eu vim até aqui por motivos pessoais.

Baruc riu, debochando, e apontou para o cavalo de Zeke no fim do cais:

– Se veio atrás de Erica, é melhor ir andando. Ela não está aqui, e não sei quando vai voltar.

Zeke entristeceu-se. Viu a cena do dia em que Erica foi embora repetir-se em sua memória. Não podia correr o risco de deixá-la partir outra vez.

– Ótimo – o rei concluiu. – Ficarei esperando.

***

Erica rezou sua última prece para Ophélia e escutou o miado de Sören ao seu lado. Mesmo depois de tanto tempo, aquele gato ainda era um mistério. Aparecia e sumia sem mais nem menos em todos os lugares.

Erica afagou as orelhas do bichano e pegou as rédeas de Kahal, mas não montou. Puxou o cavalo pela estrada, caminhando ao seu lado, com Sören correndo por todo canto, indo e voltando, sumindo de vista e reaparecendo atrás de uma moita.

Numa dessas voltas do gato, Erica escutou uma vozinha estridente:

– Calma, gatinho! – a dona da voz dizia. – Não vou machucar você!

Sören, arrepiado como num dia de chuva, pulou na sela de Kahal e fungou, nervoso. Constance apareceu no meio da estrada e caminhou até o gato, tentando acariciá-lo, mas Erica a impediu:

– Sören é meio arisco. Não se dá nada bem com desconhecidos.

– Sören é um belo nome – a menininha sorriu. – Para onde vocês estão indo?

Erica espantou-se com a mudança repentina de assunto; aquela criança conversava demais.

– Para o porto – a moça respondeu.

– Ah, isso é otimo! Meu pai está lá também. Posso ir com vocês?

Vocês, Erica pensou sorridente. Ela trata Sören como uma pessoa. Kirk era assim...

– Claro – ela respondeu. Tirou Sören da sela de Kahal e ajudou Constance a subir.

Puxou as rédeas do cavalo em silêncio pelo resto do caminho, enquanto a menina cantarolava O Baile da Rosa, a música que Ezekiel e Erica haviam dançado no baile. Erica sorriu e permitiu lembrar-se daquela noite, e por alguns segundos perguntou-se como estaria Ezekiel agora. A plebeia virou-se por um breve momento e, por cima do ombro, viu a torre do castelo, distante. Conseguia ver dali a janela do quarto de Zeke, mas sabia que agora que ele era rei provavelmente se acomodara no quarto de Daragh. Suspirou, forçou-se a esquecer e olhou para a estrada. Em questão de segundos estaria de volta ao cais.

***

Ezekiel sentia seu estômago se revirando a cada segundo que se passava. Alguns minutos atrás se distraía observando os mercadores e prestando atenção ao som da água do mar, mas agora vira algo familiar na entrada do porto.

Mesmo de muito longe o rei ainda conseguia distinguir os pelos alvos de Kahal no meio da multidão. Uma mulher formosa, dotada de belas curvas e cabelos esplendidamente negros, usando um vestido verde de longas saias, puxava o cavalo pelas rédeas, mas não estava montada. Um gato rajado de pelos ruivos caminhava ao seu lado, as patinhas ligeiras saltitando pelo píer.

E, quando ele mais queria encarar Erica por horas a fio, seus olhos perceberam algo que parecia deslocado naquela situação: Constance vinha montada no cavalo.

A garotinha sorriu e acenou para ele. Ezekiel estreitou os olhos. Erica percebeu sua presença, mas sua atenção estava toda voltada para a pequenina. Quando chegaram, a plebeia suspirou. Ezekiel ousou descuidar de sua filha por um minuto para encarar a mulher, que pegou Constance no colo e a pôs no chão. A garotinha correu e agarrou-se às pernas do rei.

– Constance – Zeke se ajoelhou para ficar na mesma altura da pequenina -, pensei que havia sido claro quando disse que você deveria ficar no castelo.

A menininha sorriu torto, mas o olhar severo do pai a repreendeu:

– O que você pensa que vou fazer se algo lhe acontecer pelas ruas? Como acha que vou me sentir? – O rei suspirou, exaurido. – Não pode andar por aí, sozinha e desprotegida e...

– Eu não estava sozinha – Constance resmungou. – Estava com Erica.

Ezekiel mordeu a própria língua. Olhou para Erica; tinha esperado dez anos por este reencontro, e agora não sabia ao certo o que fazer.

– Eu vejo... – ele disse, levantando-se. Erica endireitou sua postura sem necessidade, pois já era perfeita. – Obrigado por trazer Constance.

Uma carroça vazia entrou no porto e estacionou ao lado do Santa Helena, e os encarregados do reino desceram para buscar os mantimentos no navio. Baruc pigarreou, fez um gesto com a mão e guiou os homens para o convés, deixando Erica, Ezekiel e Constance sozinhos. O rei limpou a garganta procurando algo para dizer, mas não havia nada em sua mente agora. Estava dividido entre Constance e Erica. Resolveu que seria melhor unir as duas pontas.

– Levarei minha filha de volta ao castelo – ele disse, exibindo seu melhor sorriso. – Nos daria a honra de sua companhia?

Zeke viu as bochechas de Erica assumirem um tom róseo. Teria achado graça disso antes, mas agora sentia que as suas também estavam rosadas, portanto manteve a pose e não fez nenhum comentário.

– Claro – a morena sussurrou.

Ezekiel sentiu algo que beirava um prazer mortal. Dez anos haviam se passado desde que ele não ouvia a voz de Erica, e aquela única palavra que saíra de sua boca fez com que os pelos de sua nuca se eriçassem.

Céus, ele pensou, amo essa mulher...

Engoliu em seco, assentiu em silêncio, pôs Constance em seu cavalo e seguiu pela estrada ao lado da plebeia, rumo ao castelo.

***

Erica não sabia o que pensar sobre essa visita ao castelo. Queria desesperadamente poder levar Baruc consigo para tornar as coisas menos embaraçosas entre ela e Zeke.

O fato de Zeke ter seguido com sua vida, ter se casado, ter tido um filha, deixava Erica mais constrangida ainda. Não queria de modo algum ir ao castelo, conhecer a rainha. Ela sentia-se feliz pelo rei, mas de certa forma tudo aquilo ainda doía. Era uma ferida que ela jamais conseguiria cicatrizar.

As ruas do reino pareciam diferentes. As pessoas pareciam mais alegres, e os bairros que antes eram periféricos e pobres agora estavam radiantes, limpos e movimentados. Crianças corriam por todos os lados sem medo de serem abordadas por estranhos. Guardas protegiam quase todas as esquinas das ruas, armados e sorridentes, parecendo amigáveis, porém prontos para entrar numa briga caso precisassem. Erica sorriu. Se ela tivesse sido a rainha de Ezekiel, teria feito essas mesmas melhorias em Lionsgrow. Não poderia ser diferente.

Ela ergueu o olhar e viu os enormes portões de ouro do palácio. Dois homens apareceram na torre de vigia e fizeram um sinal positivo, e um terceiro abriu as grades para passarem. Constance acenou para eles, sorridente. Ezekiel a pôs no chão e beijou sua bochecha, e a menina correu pelo jardim, logo se perdendo de vista. Um homem de meia-idade, alto e magro com cabelos negros em cujas entradas despontavam alguns fios prateados, usando um traje real com a insígnia do reino e um monóculo torto no olho esquerdo apareceu e fez uma reverência ao rei:

– Majestade – ele disse enquanto pegava as rédeas de Odil e Kahal. – Permita-me levar os animais ao celeiro.

Ezekiel assentiu sem dizer nada, mas sorrindo, e o homem se retirou com os cavalos. Erica não se lembrava daquele criado. Provavelmente era novo no palácio. Ela deduziu que fosse o criado pessoal de Zeke.

O rei caminhou calmamente pela estrada curta que levava à entrada principal do palácio. Erica o seguiu o tempo todo se lembrando da primeira vez que fizera aquele mesmo trajeto, no dia em que fora pega na Arena. Dois guardas a arrastaram por ali, mas ela ainda teve tempo de absorver o perfume das rosas e a beleza das borboletas voando pelo jardim. Não pode deixar de reparar que isso não havia mudado: o jardim ainda estava perfeito, exalava o mesmo aroma, despertava a mesma emoção. As rosas ainda tinham a cor do mais perfeito rubi. As borboletas ainda voavam. Era como voltar no tempo.

Mas, quando chegaram à escadaria da entrada, o coração de Erica disparou mais forte. Não havia mais as estátuas de Daragh e Orla, nem as de Arthur e Martin. Agora havia apenas três estátuas: a primeira delas era Ezekiel e Constance; a estátua havia sido refeita, e agora ele estava mais velho do que na estátua anterior, e não usava mais o traje de príncipe, e sim o de rei. Constance estava em pé ao seu lado. Erica se perguntou o motivo de terem feito duas estátuas numa só. Do outro lado da escadaria estava a estátua da rainha. O queixo de Erica caiu. Era uma mulher maravilhosa e jovem. Seu cabelo volumoso estava preso numa trança grossa e escorria por sobre seu ombro, caindo com leveza até sua cintura. Seu rosto era ameno como o mar num dia tranquilo, os olhos carinhosos e calmos, um sorriso suave e pequenas covinhas em suas bochechas, quase imperceptíveis. O olhar da rainha parecia dizer “Está tudo bem, tudo sempre estará bem, nada de mal acontecerá jamais”. No pedestal da estátua havia uma pequena gravura; Erica a leu e arrependeu-se imediatamente. Ali dizia: “Elizabeth Lawrence Bellafonte, rainha de Lionsgrow. Descanse em paz”. A plebeia engoliu em seco e percebeu que Ezekiel a encarava, tristonho.

– Ela era muito bela – Erica disse sem olhar nos olhos do rei. – Deve ter sido horrível. Eu sinto muito.

Zeke balançou a cabeça:

– Ela faleceu durante o parto de Constance. Faz oito anos.

Erica fez as contas. Ezekiel tivera sua filha dois anos depois de ela ter ido embora do reino; provavelmente havia se casado um ano antes de Constance nascer, ou até mesmo no ano em que Erica partiu. De qualquer forma, Zeke governava sozinho havia oito anos.

Não disseram mais nada. Subiram o restante da escadaria e adentraram o castelo. Nada havia mudado, nem mesmo uma moldura fora do lugar, desde a última vez que Erica estivera ali. Os corredores também eram os mesmos, e Zeke a guiou através deles, o que não era realmente necessário. Erica decorou os caminhos no pouco tempo que passou ali.

Pararam diante de uma porta com um guarda fazendo a vigia. O rei acenou com a cabeça e o guarda se curvou, mas Zeke o dispensou. Ao abrir a porta também dispensou os outros guardas ali dentro e convidou Erica a entrar.

Era a sala dos tronos. Havia três tronos dourados de um lado, o do centro maior e mais detalhado por ser o trono do rei, e os outros dois mais simples, mas ainda assim ricos e belos. Erica imaginou a rainha falecida sentada naquele trono, um ar de leveza enchendo o local, o sorriso trazendo calma e serenidade a todos os que por ela passavam, e depois imaginou Constance, pequenina e encolhida naquele enorme trono. Pensou, um pouco entristecida, que se a rainha estivesse sentada em seu trono Constance não estaria viva. Ophélia compensa as perdas e os ganhos. Era a vida de uma ou da outra, e a Constance vencera a batalha.

Os quadros nas paredes eram diferentes, assim como as estátuas. Havia dois quadros de Constance, dois da rainha e um quadro grande de Zeke, no qual ele usava uma camisa verde semelhante à que vestia agora, porém mais requintada. A coroa em sua cabeça parecia leve no quadro, mas pessoalmente Erica quase conseguia sentir seu peso em sua própria cabeça.

Zeke a encarou.

– Anos atrás eu já havia me convencido de que você jamais retornaria, e agora... – Ele não ousou terminar a frase, quase como se tivesse medo de estragar tudo caso o fizesse. – Você simplesmente não envelheceu.

Erica podia dizer o mesmo sobre ele. A não ser por algumas pequenas olheiras, quase imperceptíveis, e pelas entradas do cabelo terem aumentado, Ezekiel ainda era exatamente o mesmo.

O rei deu um passo à frente e estendeu a mão. Tocou de leve o ombro de Erica e recuou, como se tivesse esbarrado numa barra de ferro quente. Depois a segurou pelos ombros delicadamente e acariciou seus braços. Sorriu:

– Não parecia real.

Erica arrepiou-se ao sentir novamente o toque de Zeke, mesmo sobre as mangas longas de seu vestido. Por algum motivo, sentiu-se frágil. Não era mais a Erica que lutava na Arena, e agora sentia que não precisava ser. Sentia que podia fazer o papel de donzela e deixar um pouco de suas emoções fluírem.

E, quando deu por si, tinha lágrimas embaçando suas vistas. Ezekiel esboçou um frágil sorriso e abriu os braços, e Erica, sem pensar duas vezes, atirou-se neles.

– Senti saudades – o rei sussurrou.

– Eu também – a moça respondeu, a voz carregada de alívio.

Zeke a apertou ainda mais contra si:

– Você sabe que não vou te deixar ir embora dessa vez, não sabe?

Erica riu:

– Sei.

– Então isso é um sim?

O sorriso de Erica se alargou ainda mais:

– Sim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Diz aí o que acharam!
E, é claro: VAI TER UM CAP BONUS PRO CASAMENTO ♥ ASDFGHJKL



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Procura-se um Sangue Azul" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.