Olhando pela janela quadriculada ela podia ver a serena chuva que caia naquela fria noite de julho, a qual presenciou toda sua tortura. Sentiu seu cachecol se mexer enrolado ao seu pescoço graças a fina brisa de inverno que passou por ela, entrando pela janela aberta. Respirou fundo e fechou os olhos, sentindo o cheiro de chuva que havia no ambiente e - que ela tanto gostava – e a leve brisa tocar seu rosto, abriu os olhos novamente olhando para fora mais uma ultima vez, e em seguida fechando a janela e se virando para a cama que havia no quarto.

Aquele quarto branco lhe trazia memorias ruins que ela tentava esquecer, mas que no fundo sabia que nunca conseguiria tal privilégio, aquele quarto branco estava mais uma vez trazendo uma nova memoria para ser guardada em suas lembranças. Mas dessa memoria ela não queria se esquecer, não permitiria a si mesma tal ato. Tinha até medo de esquecer o que havia enfrentado. Ali naquela cama de hospital em sua frente havia deitado um rapaz, o mesmo rapaz que um dia ela desejou que sumisse de sua vida e nunca mais aparecesse novamente, o mesmo rapaz que a importunou até não aguentar mais, o mesmo rapaz que ela tanto desprezou, o mesmo rapaz que deu a vida por ela, o mesmo rapaz, que agora ela sabia, que amava.

Ela tarde demais, percebeu que demorou muito para perceber o que realmente queria, e que deveria ter deixado seu orgulho de lado, apenas que por um segundo, por um único segundo que fosse, já teria sido o suficiente. Ela andou até a cama onde, agora jazia o corpo inerte do rapaz, sentou-se na beirada da cama, e pôs-se a observa-lo. Ele era lindo, agora ela percebia, mesmo com todos os arranhões que obtivera, e com o rosto agora pálido e gélido, todo seu rosto era perfeito, como uma pintura que por anos o pintor trabalhou nela, sempre a aprimorando, e guardando-a pra si, com medo de que a roubassem dele.

Ela se lembrou de seus olhos cinza, que continham tanta alegria e vida, que mesmo nos piores momentos tinham um brilho feliz e brincalhão, mas que agora estava ali, a sua frente, sem brilho, sem felicidade, sem vida. Ela nem percebeu, mas enquanto admirava o rapaz, lagrimas silenciosas corriam por seu rosto, se fossem em outra ocasião ela teria as limpado no mesmo segundo, pra começar não teria permitido nem que elas escorressem, mas na ocasião que se encontrava, só deixou que as lagrimas rolassem por seu rosto, numa vaga esperança de que aliviasse um pouco a dor que estava sentindo.

Ficou ali, parada, admirando o rapaz, numa esperança falha de que ele abrisse os olhos e olhasse para ela gargalhando e dizendo que tudo fora uma piada, e a chamando de boba por ter caído, mas ela sabia que isso nunca aconteceria. Ela ficou ali por horas a fio, desejando com todas as suas forças que fosse ela em seu lugar, mas sabia que não teria tanta sorte. Ela olhou pela janela, depois do que pareceu uma eternidade, e reparou que já estava amanhecendo. Uns minutos depois, apareceu um senhor, com um olhar de pena, e pediu que ela se retirasse. Relutante ela olhou uma ultima vez para o rapaz. E apenas com um movimento de lábios, sem nenhum som formou as palavras:

-Eu te amo.

Ela sabia que ele entenderia, independente de onde estivesse. Ela se virou e saiu da sala.

Ela sentia-se como se toda a felicidade e todos os momentos bons tivessem se esvaído de seu corpo.Começou a pensar em todos os momentos que passara com ele, todas as risadas, brincadeiras, conversas e brigas. Um sorriso triste brotou em seus lábios.

Ela continuou andando, sem ver certamente para onde ia. Ela iria para onde o destino a levasse. Com esperança de que um dia aquela dor lancinante que estava sentindo acabasse. Poie ela sabia que só o tempo e o destino a ajudaria nesse momento. Mas ela não tinha certeza do que estaria por vir. Por que essa é uma dupla muito estratégica, ousada e até mesmo incompreensível.

Mas, talvez, afinal, não tenha sido tudo em vão, por que apesar de imprevisível, essa dupla, tempo e destino, sempre sabem o que fazem.