Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 99
Quem está falando. - Parte 1-2




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# 31/03 #

Emília despertou por volta das 8h30 naquele último domingo de março, até que bem descansada, mas cheia de preguiça, então enrolou na cama, pois embora o sol já se fizesse presente do lado de fora, a temperatura do dia ainda continuava amena e confortável.

 Sua semana foi bem corrida. Voltar para a escola depois de ficar uma semana inteira de licença não foi difícil; ela teve que fingir que não percebia os olhares curiosos de alguns alunos, mas tirou de letra, pois seguiu os conselhos do seu amigo mais gentil e ignorou cada olhar. E todas as vezes que alguém lhe perguntou alguma coisa, sorriu, disse que já estava bem e agradeceu pela preocupação, mesmo sabendo que a pessoa estava curiosa e não preocupada.  Mas nem todos os olhares foram fáceis de ignorar. A cada vez que ela percebia o olhar do Nathaniel em sua direção seu coração batia mais forte, mas sua consciência - ou covardia - a impedia de retribuir aqueles olhares com um sorriso ou mesmo com um olhar. Bastava ele olhar na direção dela para seu olhar fugir para o lado oposto e sua cabecinha ficar repetindo sem parar: "Será que ele ainda está me olhando?" ou então "Será que ele realmente estava olhando pra mim?". E todas às vezes ela lembrou daquele salinho, tão inocente e tão significativo.

— Ahhhh... Que preguiça. Bem que hoje ainda podia ser sábado e não domingo. — balbuciou enquanto se espreguiçava, pensando se levantava ou continuava deitada com suas lembranças daquela semana. — Eu dormi demais ontem e nem curti o sábado. Mas minha cama está tão boa... — cobriu-se novamente, virando de lado para enrolar mais 5 minutinhos.

Assim que seus olhos fitaram seu varalzinho de fotos na parede ela lembrou do seu amigo ruivo.

— Até que aquele chato se vira bem na cozinha. — falou consigo mesma ao ver a foto dos dois recebendo o envelope com o prêmio do concurso. — Só espero que ele se comporte quando formos à pizzaria hoje a noite.

Depois do concurso Castiel parou de infernizá-la. Ele ainda a perturbava, mas não mais como antes. Embora ele ainda continuasse com suas ironias e deboches, suas piadinhas não tinham mais o sarcasmo de outrora. Eles ainda brigavam, mas parecia mais briguinha de irmãos que de inimigos. Seus amigos de cabelos nevados, Rosa e Lys, estavam certos; bastou eles se tornarem amigos e ela parar de dar importância as provocações dele que ele parou; e ela sabia que só não havia cessado totalmente porque tinha coisas que ela não conseguia deixar passar e ele, como o filho da puta que era, aproveitava-se da sua pouca paciência para certas coisas para irritá-la, sendo uma delas a sua proximidade com a tia dela.

Na 2ª feira sua tia fez um delicioso pudim de leite condensado de sobremesa no jantar e pela manhã preparou dois potinhos para ela levar para a escola, colocando-os numa pequena bolsinha térmica vermelha de poá branco e que mais parecia uma bolsinha de mão dos anos 50.  - Só de lembrar a boca dela salivou, com vontade levantar só para atacar a geladeira. - Ela não queria levar para a escola, por vergonha, pois nenhum dos seus amigos levava lanchinho de casa, mas a tia disse que era uma tremenda besteira. Como a pequena bolsinha térmica da tia era bem discreta ela acabou levando, achando que assim que pegasse as sobremesas para comer ia ser um tremendo mico. E ela teria deixado na bolsinha, para comer em casa, afinal, a tia nem saberia, mas como um dos potinhos era para o "Castiel", não teve como evitar. Mas no fim a sobremesa fez sucesso e ela teve que dividir seu pudim de leite condensado com as amigas, e ainda foi intimada a levar uma poção maior numa próxima vez. Ela até teve vontade de dar a poção do Castiel para as amigas, mas sua tia a mataria. Ela foi bem clara ao dizer: "— Este é para o Castiel. Não esqueça de entregar a ele no almoço. Nada de bancar a gulosa e comer tudo sozinha, mocinha." Tudo bem que a tia dela estava feliz por ele tê-la ajudado no concurso de culinária e por eles estarem se dando bem, mas não precisava daquele mimo todo. Ele também ganhou nota pela atividade e foi premiado no concurso.

— O Castiel gostou do pudim, Emília? — imitou a tia, desdenhando, ao perguntar sobre a sobremesa.

Que importância tinha se ele havia gostado ou não? Pior foi ouvi-la dizendo "Que bom." Ao saber que ele havia gostado e agradecido.

— Pra quem ela fez a sobremesa afinal, para nós ou para ele? — resmungou como se estivesse falando com a tia. — Da próxima vez eu vou repetir pra senhora as exatas palavras dele para ver se vai continuar achando-o educadinho: "Pelo menos alguém naquela casa sabe fazer uma sobremesa descente!" — cobrindo a cabeça para tentar esquecer aquele ruivo conquistador de tias - no sentido fraternal e não romântico -, que para piorar, passou a tarde e metade da noite da 5ª feira enfiado no apartamento delas, com sua tia o "cobrindo de agradinhos" - na visão dela, claro.

Mas a culpa foi dela, que caiu na besteira de pedir que ele a ajudasse com um trabalho de Educação Física, sobre Jovens Atletas. O prof. Boris passou um questionário com várias perguntas e eles teriam que entrevistar algum adolescente que fosse atleta de competição. Como ela sabia que o ruivo fez parte do time de luta greco-romana da escola, sendo a estrelinha do time, pensou que ele poderia ajudá-la. No começo ele recusou, dizendo que não era o Deglane[1], que ela só veio a descobrir quem era depois de perguntar ao Sr. Google, mas no final do dia de aula, já no portão, ela engoliu o orgulho e pediu ajuda de novo. Ele fez cara de "não sou a Madre Tereza", mas acabou aceitando, porém, deixando claro que ela ia pagar o lanche, porque ele estava com fome e não ia ficar ali, com ela, sem comer nada e respondendo um questionário idiota sabe-se lá por quanto tempo. Como ela também estava com fome e estava sem dinheiro - assim como ele - acabou chamando-o para ir ao apartamento dela, pois lá ela faria algo para eles comerem sem gastar nenhum centavo. Até que as duas horas que ficaram juntos foi tranquila. Ele fez suas piadinhas, como sempre, mas nada que a incomodasse; na verdade, ela até riu. Ele não era tão chato quanto ela imaginava. Mas depois das 18h00, quando ela achou que ele havia ido embora, eis que o ruivo voltou e sua visão sobre ele mudou de novo. Ele era chato demais - o ciúme é uma merda mesmo.

Por uma coincidência, sua tia chegou na mesma hora em que ele estava saindo e ao vê-la cheia de sacolas da hortifrut é claro que se ofereceu para ajudá-la a carregá-las até o apartamento, e nisso acabou sendo convidado para o jantar, e é claro que ele aceitou. E Maitê, fazendo a política de tratar bem as visitas, caprichou no cardápio, com direito a saladinha de frutas com creme de leite fresco e caldinha de limão de sobremesa. E como se não bastasse ainda fez um agradinho, colocando um pouco da salada de frutas num potinho para ele levar para o tio, afinal, o ruivo falsificado deixou de jantar com o tio para jantar com elas. Cast até recusou, dizendo que não era necessário, mas Maitê insistiu. Se fosse apenas isso, Sol não teria se incomodado - teria sim -, mas durante as horas "a mais" que o amigo ficou no apartamento, ela sentiu que a tia deu mais atenção a ele que a ela, e ele foi todo educadinho e solicito, como só ele sabe ser quando quer agradar, a dissimulação em pessoa. Só não lavou a louça porque Maitê não deixou, afinal, ele era visita. E é claro que quem acabou com a barriga na pia foi ela, pois a dona do ap fez o jantar, então a "agregada" tinha que limpar a bagunça enquanto a mais velha fazia sala para a visita. E isso, para Emília, não foi nada agradável. Ela mais prestou atenção na conversa dos dois que na sua louça.

— Aquele dissimulado é bem comunicativo quando quer agradar. Pra responder o meu questionário ficou fazendo doce, mas não se incomodou nem um pouco em contar a minha tia sobre suas "lutinhas" pela equipe da escola.  — resmungou, de braços e pernas abertas na cama, olhando para o teto. — Quer saber, cansei de ficar na cama. Deixa eu levantar logo, antes que eu acabe cochilando e tenha pesadelos com aquele chato.

Já era quase 10h00. E acreditando que estava sozinha em casa, a jovem ligou a TV e colocou no You Tube, para ouvir música enquanto arrumava o apartamento. Poucos minutos depois Maitê, um pouco abatida, saiu do quarto e pediu que ela abaixasse o volume, pois estava com dor de cabeça.

— C-Claro, tia. Desculpa. Eu achei que a senhora estava trabalhando. — justificou-se, estranhando a tia estar em casa em pleno domingo. — A senhora está bem?

— Estou sim, querida. É só uma leve indisposição. Nada que um pouco de descanso não cure.

— A senhora já tomou café? Quer que eu faça um suco e algo pra senhora comer? — preocupou-se.

— Eu só quero dormir um pouco mais, querida. Então só faça silêncio.

Emília olhou a tia voltar para o quarto e se preocupou. Ela não era de faltar no trabalho. Na verdade, ela sempre foi super dedicada ao Buffet, de perder muitos eventos de família por estar trabalhando. Se ela estava em casa só podia ser por estar doente.

O silêncio tomou conta do apartamento.

 

***

 

Apesar de já ser 8h00, Maitê, tomada por uma forte dor de cabeça pelo estresse, não quis saber de levantar da cama. Ela passaria o domingo inteiro deitada e nada a faria levantar e encarar o mundo. Ela só levantou para fazer xixi porque sua bexiga tinha vontade própria, do contrário, nem isso.

Sua semana não foi das mais proveitosas. Ela entregou currículos em todos os grandes Buffets da região, empresas de Organização de Eventos e até em algumas agências publicitárias embora não quisesse mais trabalhar com isso.

Algumas empresas a chamaram para entrevista, mas nenhuma das propostas apresentadas eram viáveis. Por mais que ela precisasse conseguir um novo emprego, não ia se deixar explorar. Infelizmente, devido ao reflexo da crise econômica, muitas empresas estavam se aproveitando para conseguir mão de obra barata, mesmo a economia já estando mais estabilizada. E como se não lhe bastasse isso, ela sentiu em três entrevistas que não houve uma boa recepção a sua pessoa. A frase "— Entraremos em contato soou falsa aos seus ouvidos." Mas ela estava tentando manter o pensamento positivo. Muitos empresários do ramo já tentaram contratá-la antes, mas por gratidão ela sempre escolheu permanecer no LeBras. Algum deles ia voltar os olhos para o currículo dela. 

***

11h40 da manhã.

Toc, toc, toc.

Preocupada, Sol bateu na porta do quarto da tia querendo saber se ela estava melhor. Da cama Maitê lhe respondeu que sim, mas que ia continuar deitada.

— Posso entrar, tia? — a jovem queria ter certeza que a tia estava realmente bem.

— Claro, querida. — permitiu. — Mas deixe a luz apagada, por favor. — A claridade incomodava-lhe a vista devido à dor de cabeça.

Maitê ainda estava com o semblante abatido, mas com seu sorriso habitual no rosto.

— Eu sei que a senhora gosta do seu trabalho, tia, mas não devia se desgastar tanto. — Sol imaginou que toda aquela indisposição era por excesso de trabalho. — Vai acabar ficando doente. Não quero que a senhora passe mal como eu.

— Não me olhe com essa cara, meu amor. Não estou doente. Só estou cansada e com um pouco de fome. — O coração dela apertou. Ela queria contar a verdade, mas precisava só de mais um pouco de tempo. Ela sabia que a sobrinha ia ficar preocupada em excesso e não queria isso. — Me diz, o que você fez para o almoço?

— Ah, tia. Não vou mentir. Como a senhora não está bem eu fiquei com medo de cozinhar e fazer besteira, então liguei para a Cantine Anquier[2] e pedi o almoço. — contou, sem graça, mas sem culpa, pois ela também não estava com vontade de comer sua própria gororoba. — Daqui a pouco eles entregam.

— Só você mesmo, Emília. — sorriu, pois sabia que a sobrinha havia encontrado a desculpa perfeita para não ter que cozinhar. — Pegue o dinheiro na minha bolsa.

— Não precisa, tia. Eu pago com a minha mesada, afinal de contas, eu é que tinha que cozinhar.

Maitê não teria concordado com aquilo, mas na atual circunstância não se fez de rogada. Toda economia era bem vinda.

— Como foi você quem decidiu pedir o almoço eu vou aceitar que pague, mas só a sua parte. Eu pagarei metade. Mas nada de pedidos no jantar. Apesar da comidinha caseira da Sra. Anquier ser deliciosa, a senhorita vai para a cozinha. Sua mesada é para suprir os seus gastos pessoais; e ainda assim, se você não começar a economizar, nunca vai conseguir comprar aquele vestido da Lemaitre.

— Um vestido da Lemaitre custa o equivalente a uns três na C&A, tia. Não estou podendo me dar a este luxo agora. Primeiro eu preciso do meu guarda-roupa bem sortido de opções mais baratinhas. — comentou. Ela estava apaixonada por um vestido da última coleção do Leigh, mas ainda precisava renovar todo o seu guarda-roupa e pagar caro numa única peça não ia lhe permitir fazer aquilo tão cedo.

Maitê ficou feliz em ver que sobrinha estava sabendo escolher suas prioridades.

"YOU'RE SO GOOD TO ME BABY BABY

I WANT TO LOCK YOU UP IN MY CLOSET, WHERE NO ONE'S AROUND..."

— Pelo visto você ainda não diminuiu o volume do seu celular. Posso ouvi-lo daqui. — disse Maitê, rindo da sobrinha que saiu correndo para atender. Ela deixava o toque no volume máximo porque tinha o costume de largá-lo em qualquer lugar do apartamento. Por pouco não meteu a cara no chão por tropeçar no tapete da sala de jantar.

— Alô! — atendeu dando um longo suspiro para recuperar o fôlego, voltando para a sala.

— Bom dia, Emília! — cumprimentou-a num tom quase que formal. Ela não reconheceu a voz, tampouco o número do telefone.

— Quem está falando?

— Vai me dizer que não reconhece minha voz?

— Não. Sua voz está baixa e estranha e não dá para saber de quem é. Fala mais alto, por favor!

— Talvez eu carregue uma prancheta pra cima e pra baixo. — falou calmamente, despertando um sorriso nos lábios de Emília, sorriso este que findou rapidamente. — Que pena, eu nem de prancheta gosto! Pode parar de sorrir. — debochou deduzindo a reação da amiga.

— Olha. Eu tenho mais o que fazer. Vai se identificar ou não? — reclamou, querendo saber quem estava de gracinha do outro lado da linha.

— Eu não acredito que você não saiba quem sou eu. Minha voz é tão diferente assim no celular? — perguntou. A ardência já havia sumido, mas o excesso de água gelada na noite anterior somado ao ar-condicionado lhe rendeu uma leve rouquidão, além de uma irritação na garganta.

— Você quer dizer seu nome logo. Estou perdendo a paciência! — ralhou tentando adivinhar quem era, mas sua preocupação com a tia não lhe deixava pensar direito, mesmo sendo tão óbvio. Ela olhou de novo para o número no visor para ver se lembrava, mas não conseguiu ligá-lo a ninguém que conhecia.

— Aposto que se eu tivesse uma voz melodiosa você saberia quem eu sou! Quem sabe se eu te pedir para procurar alguma coisa. — debochou novamente, ainda cheio de formalidade em sua voz. — Que pena, eu não perdi nada. Eu nunca perco nada!

— Escuta aqui, seja lá quem você for. Eu não estou com humor pra charadinhas idiotas. Minha tia não está bem e eu...

— C-Como assim, a Maitê não está bem? O que ela tem, Sol? — perguntou, preocupado, interrompendo a amiga, que pelo novo tom de voz desconfiou de quem se tratava. — Ela está doente?

— Castiel! É você? Que voz é esta?

— Não! É a Madre Tereza de Calcutá com a garganta irritada! É claro que sou eu, lesada! — respondeu grosseiramente, querendo saber da Maitê. — Agora me fala, o que a Maitê tem?

— Eeepaaa. É "Dona Maitê" pra você, abusado! Ela não é uma das suas amiguinhas da escola para essa intimidade toda. — ralhou, indignada. Além de lhe passar um trote ainda estava esquecendo "o lugar dele".

Do outro lado da linha ele franziu as sobrancelhas, percebendo que tinha que ser mais cuidadoso, afinal, Maitê não era uma adolescente para, justamente, a Emília entender que eles podiam ser amigos.

— E eu não acredito que você me ligou de outro telefone só para perturbar, Castiel! — ralhou, furiosa. — É ser muito desocupado mesmo. Vai pentear macaco!

— Quando é que você e o Castiel vão parar de brigar, Emília? — perguntou Maitê ao sair do quarto, vestida com seu penhoar de seda turquesa puxado para o verde na altura da coxa, vendo-a desligar o telefone na cara do rapaz. Sua cara ainda era de sono. — Isso já está virando rotina. Parece até namoro! — comentou indo em direção ao banheiro.

— C-Castiel e eu?... N-Namoro?... — surpreendeu-se com aquele comentário. Ela nunca havia pensado naquela possibilidade. — Cruzes tia! Não diga isso nem de brincadeira. Ele é uma peste! — fez o sinal da cruz, como quem quisesse se benzer para evitar que aquilo acontecesse, indo até a mesa da cozinha americana, que servia de divisória entre cozinha e salas, batendo três vezes para isolar.

"Quem desdenha quer comprar." pensou Maitê rindo da reação dela.

— Ah, Emília. Pare com isso. Castiel é um garoto bonito e gentil. Você que implica demais com ele.

— Castiel? Gentil? Desde quando? — indagou pensando: "Bonito pode até ser.", sem esperar por uma resposta. — Pois saiba a senhora que ele ligou de outro telefone só para me passar um trote.

— E isso é motivo para se estressar tanto? Na certa ele só estava brincando com você.

— Ah, tia! A senhora acabou de conhecê-lo e não sabe da missa a metade. Mas como ele é educadinho com a senhora acha que ele é bonzinho. Aquele tomate podre, além de folgado e mal educado, não vale nada!

— Eu não sou uma garotinha ingênua, Emília. Eu sei reconhecer a natureza das pessoas e seu amigo não tem cara de ser esse bad boy que você quer pintar pra mim. Não julgue as pessoas desta forma. E nada de apelidinhos ofensivos; você sabe que é errado e magoa. — repreendeu-a.

"Mas ele sempre da um jeitinho de se desfazer de mim sem se preocupar se está me magoando." pensou em dizer, mas o toque do seu celular não a deixou abrir a boca.

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— Meu Deus, Emília. Abaixa o toque deste celular. Você não é surda!

— Desculpa, tia. Prometo que vou abaixar. — disse tirando o aparelho do pequeno bolso do short jeans. Era o mesmo número de minutos atrás. Maitê soube quem estava ligando só pela expressão no rosto dela.

— O que você quer agora? Não estou para brincadeiras, Castiel! — atendeu grosseiramente, sendo repreendida pela tia.

— Seja educada, Emília!

A jovem respirou fundo e a obedeceu.

— Fala, Castiel. O que você quer? — perguntou calmamente, querendo na verdade desligar o telefone na cara dele novamente.

Castiel estava pronto para mandar Emília à merda, mas ouviu a voz de Maitê de fundo, o que o fez abrandar ao telefone, pois só ligou de novo por estar preocupado com ela. E era com ela que ele queria falar, mas não ia pedir para Emília passar o telefone para a tia. Se pelo menos ele soubesse o número do celular da violácea teria se arriscado a ligar para ele.

— Você disse que sua tia não estava bem. Eu fiquei preocupado, só isso. — respondeu com certa secura. Ele não queria que ela pensasse besteira. — Ela está doente?

— Não, Castiel. Minha tia não está doente! — respondeu — Ela só está indisposta! — incomodada com toda aquela preocupação do ruivo. Maitê era tia dela e não dele.

Castiel se sentiu aliviado ao ouvir aquilo. Ele teria desligado o telefone, mas o que ouviu em seguida o fez manter a ligação. Seu coração acelerou.

— Deixe-me falar com ele, Emília. — pediu Maitê, estendendo a mão para que a sobrinha lhe desse o celular. — Por favor, dê-me o celular. — refazendo o pedido, pois Sol titubeou para lhe entregar o aparelho. Sua cabecinha já estava começando a caraminholar.

— Bom dia, querido! Como você está?

— Eu que pergunto. Como a senh... voc... Ahh... — enrolou-se todo, sem saber como chamá-la depois do esporro da Sol. Ele sentia como se a garota pudesse ouvi-lo, apesar de saber que não. — Você está bem mesmo? — perguntou.

— Eu estou bem, Castiel. Só com um pouco de dor de cabeça. Não precisa se preocupar comigo.

O tom de voz acolhedor e a forma carinhosa de Maitê ao falar com o Castiel inflamou o ciúme de Emília, que olhava para a tia com cara de criança que não está muito feliz por ter ganhado um "irmãozinho". Maitê já conhecia aquela expressão e não ligou.

— Eu sei que você só está dizendo isso pra me deixar mais tranquilo. Você está preocupada com a sua situação, não é? Pelo visto ainda não contou pra Sol. Não precisa fingir comigo, Maitê.

Por um instante ela se lembrou do seu amado amigo Patrick. Ele que sempre falava com ela daquela forma, cobrando-lhe que tirasse a máscara de mulher forte diante dele, seu anjo protetor. E essa lembrança, ou melhor, semelhança, a fez sorrir. O bico da Emília, que a observava do sofá, só aumentou.

— Você é que parece não estar muito bem. Está gripado?

— Eu só estou rouco. Abusei do gelado ontem à noite e o ar condicionado fez o resto. — contou sem entrar em detalhes. — Mas eu não liguei para falar de mim.

Maitê não queria que ele se preocupasse com ela, tampouco que perdesse seu domingo preocupado com um problema que era só dela.

— Eu fico feliz que tenha ligado para saber como eu estou depois que a estabanada da minha sobrinha predileta e mais amada disse que eu não estava bem. — falou olhando para Sol com um sorriso largo, indo até ela e batendo de leve o dedo em seu nariz, fazendo-a entender, pelo menos por aquele instante, que era amada, muito amada.

Sol deu um sorriso disfarçado e olhou para o lado, como se não estivesse prestando atenção naquela conversa.

— Ok. Já entendi. A Sol ainda está ai. — Ele percebeu que Maitê não podia entrar em determinado assunto naquele momento. — Eu só quero que você saiba que estou aqui. E não deixe isso te derrubar! Até porque foi você mesma quem disse que tudo ia ficar bem. Então não desanime! — disse num tom animador, querendo levantar seu astral.

Maitê sentiu o coração apertar por seu problema estar causando preocupação no seu jovem amigo, mas ao mesmo tempo sentiu-se feliz por ele se preocupar com ela. Estranhamente ela sentiu falta do som do violão naquele instante, assim como ele sentiu por não poder dedilhá-lo para ela novamente.

— Não se preocupe, querido. Eu vou descansar bem e mais tarde estarei novinha em folha. — Cast entendeu que ela estava disfarçando por conta da Sol, que na opinião dele tinha que saber sobre a situação profissional da tia. — Agora vou passar o telefone para a Emília., pois se me lembro bem, vocês iriam a pizzaria hoje, então deve ter ligado para combinar isso com ela. E vocês dois também se devem um pedido de desculpas.

— Desculpas? Desculpas de quê? Ela foi grossa comigo e eu ainda tenho que me desculpar? — questionou Cast sem se alterar, mais como um deboche do que reclamação.

— Sim. Ela foi grossa com você. — referiu olhando para Sol que a olhou com cara de "Não acredito que ela está me culpando!" — E você ficou desdenhando dela no telefone. Trote é coisa de garotinhos desocupados, assim como grosseria é coisa de garotinhas sem educação! — Castiel riu do outro lado da linha e Sol fez cara de "Ok, entendi o recado!" — E por favor, Castiel. Não brigue mais com ela. Isso sim me deixa chateada. Amigos não brigam por besteiras. — pediu. Ele só ouviu a parte em que ela disse que ficava chateada. Ele nunca faria nada para chateá-la.

— Tudo bem, Maitê. Eu vou me entender com a birrenta da Sol. Por você!

— Obrigada, querido. Tchau. — agradeceu devolvendo o celular para Emília, entrando em seguida no banheiro. Ela precisava de um banho demorado.

Enquanto Sol e Castiel conversavam, sem brigar, ela deixava a água do chuveiro lavar sua alma enquanto expurgava de si seu estresse e sua carência, pois ao contrário do que Castiel pensava, o desemprego não era a única coisa que a afligia. Mas ela não ia mais chorar por quem não merecia.

— Que graça você vê em passar trote, Castiel? Você não acha que já passou da idade de fazer isso? — perguntou Emília, levantando do sofá para pegar o controle da TV.

— E quem disse que eu estava passando trote? Você que é lesada e não reconheceu minha voz. — falou. — Devia lavar os ouvidos mais vezes. — debochando.

— Mas você está rouco!

— E daí? Minha voz não mudou tanto assim. Você é lesada mesmo e precisa ser apresentada ao cerumim[3]! — falou. Se Sol estivesse ao seu lado teria visto seu sorriso debochado.

— Então por que ligou de um número que não é o seu?

— Porque o meu celular está descarregado. Não deu para deduzir isso? — Ele nunca mencionaria que sumiu com o carregador, não ele que nunca perdia nada.

— A regra de educação não diz que eu tenho a obrigação de deduzir nada, mas diz que aquele que telefona tem a obrigação de se identificar.

— Você está confundindo de pessoa. Já falei que nem de prancheta eu gosto! — debochou, referindo-se ao Nath, pois ele sim tinha o hábito de cumprir as regras.

— Ok, Cast. Agora me fala, o que você quer? Por que me ligou? — perguntou, segurando para não responder a altura. Ela não queria iniciar outra discussão, pois não queria irritar a tia.

— Se você se lembra bem, nós temos um compromisso hoje.

— É mesmo. Você me irritou tanto com esse trote que eu já tinha esquecido. Mas minha tinha não está bem. Não sei se é bom eu deixá-la sozinha.

— Pensei a mesma coisa. Não é bom que ela fique sozinha se não está muito bem. Então vamos deixar para 4ª feira, apesar de hoje ser o melhor dia do mês para irmos.

— Por que hoje é o melhor dia do mês? O que tem de bom lá hoje?

— Hoje é o último domingo do mês. É a noite do túnel Rockabilly. Os clientes que gostam do estilo vão vestidos como se estivessem nos anos 50 ou 60 e tem apresentação de alguns covers de cantores e bandas da época. Foi até por isso que te liguei. Quando combinamos de ir hoje eu não me liguei que cairia bem na noite Rockabilly e o legal é ir a caráter. Eu queria te avisar, pra ver se íamos à caráter ou não.

Sol se empolgou. Ela queria muito ir, mas como faria com sua tia?

— Nossa. Que legal. Agora fiquei empolgada. Nós podemos ir lá na próxima noite Rockabilly. Que tal?

— Pelo volcher não vai dar. Ele só tem validade de 15 dias e a noite Rockabilly só acontece no último domingo do mês. Se não formos hoje perderemos a noite temática. — para ele tanto fazia ir na noite temática ou em noites comuns, pois ele já conhecia a noite temática, tendo ido várias vezes, com o tio, os amigos e até com a ex-namorada, mas como Emília não conhecia o lugar, o legal mesmo era ir naquele domingo. Apenas por isso se chateou.

Sol ficou ouriçada e ao mesmo tempo chateada. Ela queria muito ir na noite temática, mas não queria deixar a tia sozinha e parecer uma sobrinha insensível. Ela pensou um pouco e como a tia ficou insistindo que estava bem, resolveu conversar com ela antes de remarcar o passeio.

— Eu te ligo daqui a pouco, Cast. Vou falar com a minha tia.

— Ok. Mas não enrola. O Kage não vai me deixar usar o celular dele a vida inteira.

— Kage? Quem é Kage? — perguntou curiosa, ficando no vácuo, pois o ruivo encerrou a ligação antes mesmo dela perguntar.

— Ô pressa! — comentou olhando para o aparelho, colocando-o sobre a mesinha de centro. Assim que a tia saísse do banheiro ela lhe pediria permissão para sair com Castiel naquela noite. "Tomara que o banho a tenha feito relaxar de verdade." pensou louca para que a tia estivesse bem, pois assim ela poderia sair sem dor na consciência.

 

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Notas finais do capítulo

[1] Henri Deglane (1902-1975) foi um lutador de luta greco-romana francês, vencedor da medalha de ouro na categoria de mais de 82,5 kg em 1924, em Paris.

[2] Cantine Anquier. Restaurante fictício de comida caseira que fica perto de onde elas moram.

[3] Cerumim: remédio para amolecer a cera do ouvido.



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