Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 94
Sevian


Notas iniciais do capítulo

Cast, Lys e Kage tem um gosto em comum, a música e o Rock in Roll.
Foi um ótimo final de sábado....



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# 17/03#

Nem todos os moradores de Nice haviam despertado para o domingo com disposição. As quase 9 horas de sono não foi suficiente para fazer Nicole esquecer as palavras do esposo ao filho.

"Por que tem que ser assim?" Perguntou-se no silêncio de sua mente enquanto ouvia o silêncio instalado na copa daquela casa. O esposo, ela e os filhos fizeram o desjejum juntos, como uma verdadeira família, mas nenhuma palavra foi dita durante aqueles minutos. Jhonatan foi o primeiro a sair da mesa; o olhar de chateação de Nicole o feria.

Quando Jhonatan queria pensar ele se trancava dentro do escritório e só saía de lá quando seus pensamentos estavam em ordem, mas naquele domingo foi diferente, não eram seus pensamentos que precisavam ficar em ordem, mas suas emoções, seus sentimentos. E o único lugar daquela propriedade em que ele se sentia verdadeiramente tranquilo estava na garagem, protegido por uma capa empoeirada de lona marrom.

— Olá, velho amigo. — cumprimentou seu Honda NSX 1994 vermelho depois que tirou a capa. — Faz muito tempo que não passamos um tempo juntos. — disse passando a mão sobre o teto preto do seu velho carro de solteiro. — Só você me escuta sem me questionar ou me acusar. — desabafou entrando no carro e sentando no banco de couro preto e vermelho e que para ele era infinitamente mais confortável que sua cadeira de couro de búfalo do escritório.

Jhonatan adorava aquele velho carro, um clássico dos carros esportes. Tudo nele lhe remetia a uma lembrança, até o cheiro; cheiro este que por sinal já havia sumido, pois fazia quase três meses que ele havia levado o carro para lavar e polir.

Desde que Nathaniel nasceu aquele Honda foi deixado de lado, na garagem, pois como todo carro esporte, ele não tinha espaço para uma criança e a primeira coisa que Nicole fez quando o filho nasceu foi pedir que ele comprasse um carro mais espaçoso. Com o tempo ele foi usando menos o NSX e usando mais o Sedan comprado a gosto da esposa, até que seu companheiro, seu presente de formatura, seu prêmio por ter sido o melhor aluno da turma de Administração no ano em que se graduou, com louvor, a prova de que seu pai sentiu orgulho dele pelo menos uma vez na vida, foi deixado de lado, relegado, guiado apenas uma vez ao mês até o Makellos, lava rápido do filho do antigo motorista de sua mãe, e que ele frequentava desde que ganhou o esportivo.

Para Jhonatan não bastava apenas entrar no Honda, tampouco desabafar a ele seus tormentos, ele tinha que ouvir seus conselhos, que chegavam aos seus ouvidos através do som do ronco do motor daquele esportivo vermelho e veloz. Só o ato de girar a chave e dar a partida já o fazia se sentir 20 anos mais jovem. Ouvir o ronco do motor e cruzar os portões da propriedade em direção a rua o fazia se sentir livre. Não que ele quisesse deixar sua família, muito pelo contrário; mas havia momentos em que ele se sentia sufocado.

Da janela do quarto Nicole observou o leito vermelho e preto onde seu primogênito foi concebido, após uma noite romântica regada a teatro, um dos melhores restaurantes árabes de Cannes e champanhe, afastar-se rápido, sumindo no horizonte. De certa forma ver Jhonatan dirigindo seu carro esportivo de solteiro fez seu coração acalmar, visto que ele sempre voltava revigorado dos "passeios" ao Makellos, como se o maior dos problemas não fosse tão grande assim, tampouco o impossível não fosse possível de conseguir.

 

***

 

— Bom dia, Sr. Chevalier. — cumprimentou o filho caçula do proprietário do Makellos, um rapaz de 18 anos, esperto e de cabelo castanho cortado no estilo militar. Ele estava empolgado por vê-lo.

— Bom dia, Sevian. Como você está? — cumprimentou com um sorriso enquanto descia do carro. Os 3 km que ficou atrás do volante do Honda já foram o suficiente para lhe dar uma injeção de ânimo.

— É bom vê-lo novamente, Sr. Chevalier. Senti saudades. — disse abraçando-o apertado pela cintura, colando o rosto em seu peito.

— Também senti saudades de você. É bom revê-lo. — retribuiu o abraço. — Vejo que mudou o visual. Ficou bom!

— Obrigado. Cortei hoje. — disse o rapaz, deixando os braços de Jhonatan e passando as mãos sobre o cabelo. — Eu já não aguentava mais aqueles chachos. Eles me deixavam com cara de anjo e eu sou um homem. — contou ajeitando seus óculos de armação quadrada e lentes bifocais que não escondiam o brilho dos seus olhos castanhos curiosos. Jhonatan riu da cara do garoto ao dizer aquilo.

— E sua mãe? Ela já viu seu novo visual?

— Ainda não. Ela vai ter um chilique. — coçou a cabeça, sorrindo como uma criança que acabara de aprontar uma travessura. — Ela gostava do meu cabelo, mas cachinhos é coisa de menina e eu sou um homem.

— Foi seu pai ou seu irmão quem te levou para cortar o cabelo? — perguntou, não pela curiosidade, mas porque gostava de conversar com o rapaz cuja inocência infantil lhe acompanharia a vida inteira.

— Não foi ninguém. Eu fui sozinho! Um homem não precisa de companhia pra cortar o cabelo.

— Sozinho!? — admirou-se. Sevian nunca fazia nada sem a supervisão de um adulto, tampouco ia a algum lugar sem a companhia de alguém da família. — Seu pai sabe disso?

— Sim. Foi ele quem me mandou ir sozinho. Eu até dei uma gorjeta para o barbeiro.

— Sevian. O Sr. Chevalier veio aqui para que cuidemos do carro dele e não para ficar de papo com você. — disse o pai do garoto, aproximando-se deles. — Aposto que você ainda nem perguntou o que ele quer que seja feito. Errei?

— Ah, papai. Eu não preciso perguntar isso pra ele. O Sr. Chevalier sempre pede a mesma coisa. Eu já sei o que ele quer. — disse com ar de deboche infantil, que leva as pessoas a rirem ao invés de se zangarem.

— Ah é. Eu sou tão previsível assim? Diga-me então, Sevian. O que eu quero que seu pai faça no meu carro? — questionou Jhonatan cruzando os braços, com cara de sério, mas sem perder a tranquilidade.

— Isso mesmo, Sevian. Diga-me o que eu preciso fazer no carro do nosso cliente vip?

— Isso é fácil. O Sr. Chevalier quer que o seu Honda NSX 94 seja lavado a seco por dentro e por fora, que ele seja encerado com a cera própria para a cor do carro, e lustrado ao ponto de fazê-lo ver o sorriso da esposa dele refletido no capô. Os vidros também devem ficar tão limpos que mesmo de janelas fechadas dê a impressão de estarem abertas. As rodas devem ficar pretinhas como se nunca tivessem tocado o asfalto e as calotas cromadas brilhando como a prataria do palácio de Buckingham. Embaixo também deve ser bem limpo, assim como os escapamentos. E não podemos esquecer do sache especial, que dará ao carro um perfume de Honda esportivo novinho em folha, como se tivesse acabado de sair da loja. — contou, sem titubear um segundo se quer para pensar.

— É isso ai, garoto. Por isso que eu não vou a outro lugar. Só aqui eu consigo encontrar um funcionário tão eficiente. — elogiou-o. — Agora vá pedir aos rapazes para cuidarem do meu carro. — pediu, entregando-lhe as chaves.

Estranhamente Sevian conseguia despertar em Jhonatan uma tranquilidade que seus filhos não conseguiam, mesmo Ambre, sua queridinha, não conseguia deixá-lo tão sereno quanto aquele garoto. Sevian conseguia fazer Jhonatan sorrir mesmo nos seus piores dias; Sevian era especial.

— Não se preocupe, Sr. Chevalier. Eu vou cuidar do seu carro pessoalmente. Os rapazes vão deixá-lo como novo. — falou, deixando o cliente junto com seu pai, indo até onde os funcionários do Makellos estavam.

— Desculpe-me pelo Sevian, Jhonatan. Você sabe como ele é. Adora ficar de papo, ainda mais com você, o ídolo dele. — falou o pai do garoto que via em Jhonatan o retrato do que ele queria ser quando crescesse, um grande empresário, casado com uma linda esposa e com filhos lindos.

— Deixa disso, Saul. Nós só estávamos tendo uma conversa de homens enquanto você não aparecia para cortar nossa interação. — disse rindo. Eles não eram os melhores amigos, muito menos confidentes, mas se davam super bem, pois se conheciam desde a infância, sendo assim, a relação dos dois já havia deixado a casa da formalidade há muitos anos.

— Agora me fala. O que está acontecendo com o Sevian? — perguntou. — Ele parece mais seguro, independente, muito diferente de quando o vi pela última vez.

— Isso é resultado da nova escola. Eu nunca vou poder agradecer o que você fez por ele conseguido a vaga no instituto.

— Eu já falei que não fiz nada. Só apresentei o Sevian para o conselho do instituto e ele fez o resto. — disse. Na verdade Jhonatan pediu ao pai que intercedesse pelo garoto junto aos amigos Valstisianos que faziam parte do conselho de um dos melhores Institutos Educacionais para Crianças com Sindrome de Down da França, cuja unidade mais próxima se localizava em Bourdeaux, há 362 km de Nice.

— Pare com isso, Jhonatan. Eu sei que se não fosse sua influência Sevian não teria conseguido a vaga, visto que é uma escola disputadíssima, pois além de ser referência no país em "Educação Especial", é gratuita.

O Instituto Educacional Lisa Finder – "IELF" – é uma escola filantrópica para crianças Down aberta pelas damas do Vasltis Club de Paris na década de 80, quando uma delas de deparou com a dificuldade de educar a única filha, Lisa Finder, e temeu por seu futuro, visto que ela e o esposo não tinham outros filhos ou parentes jovens para cuidarem dela caso eles faltassem. Com os anos vários grupos de senhoras da alta sociedade parisiense, do Vasltis Club de diversas sedes e de outros clubes sociais, adotaram a causa e o IELF cresceu e ganhou notoriedade nacional devido sua excelente estrutura e pelos profissionais altamente qualificados. O Instituto cresceu e de 15 alunos, todos em regime de semi-internato, passou para 30, 50, 80... e atualmente atende em média 200 alunos em cada unidade, sendo 5 ao todo. Duas em Paris, uma em Lion, uma em Nancy e uma em Bourdeaux. O IELF é totalmente financiado por estes grupos. As famílias arcam apenas com a alimentação e seguro saúde dos alunos.

— Se quer agradecer a alguém, ligue para o meu pai. Foi ele quem conseguiu a vaga.

— Mas só porque você pediu a ele.

— Ok. Eu aceito seu agradecimento em forma de sache aromatizador para os outros carros. — brincou, querendo mudar o assunto, pois ele não havia feito aquilo em troca de agradecimentos. Ele realmente gostava do Sevian e queria o melhor para ele. — E me fale. Como Sevian esta se saindo na escola? Ele já se adaptou totalmente? Eu lembro que ele chorava muito quando tinha que voltar para lá.

— Pois agora ele não vê a hora de voltar. — respondeu sorridente.

— Agora ele é um homem! — comentou Jhonatan, lembrando da conversa sobre o corte de cabelo.

— Ele já te contou a história do cabelo, não foi?

— Sim, e com empolgação.

— Alguém numa das paradas que fizemos no caminho de Bourdeaux para cá, sexta à noite, disse que ele parecia um anjinho com seus cachinhos e como a referência de anjos que ele tem são aquelas imagens de criancinhas de cabelos cacheados e asas brancas, ficou irritado. Ele não queria mais parecer com um anjinho, pois no Instituto dizem que ele já é um homem.

— Então você o deixou cortar o cabelo e como ele já é um homem o mandou fazer isso sozinho.

— Isso mesmo. O que me mata é que minha esposa vai reclamar por horas quando o ver, mais por eu tê-lo deixado ir ao barbeiro sozinho do que pelo corte de cabelo.

— Tenha paciência, Saul. Quando vocês menos esperarem, Sevian será realmente um homem com espírito de criança, capaz de se virar, e ela vai entender que tudo foi feito pensando no melhor para ele.

— Mas até lá, ela me tira do sério! Você é que tem sorte, Jhonatan. Sua esposa te ouve e não questiona suas ações. Ela entende que tudo o que você faz é pensando no melhor para os seus filhos. — comparou, sem nem imaginar que a vida familiar do seu cliente e colega de juventude não era tão tranquila quanto parecia ser e que Jhonatan já não estava mais tão certo da "compreensão" de Nicole em relação a suas ações.

— Bom, o que importa neste momento é que ele está gostando do IELF. — disse Jhonatan mudando o rumo do prosa, pois estava tomando caminhos que os direcionavam para sua família e seus conflitos, e se tinha uma coisa que ele não gostava e não fazia era expor seus problemas, fosse a quem fosse. Nem mesmo com o pai ele compartilhava suas aflições; eles não eram amigos, apenas pai e filho.

— Ele está adorando. Em seis meses eles fizeram mais por ele que nós em anos. — admitiu. — Lá ele é responsável por si mesmo e é tratado como uma pessoa normal, capaz de fazer e conseguir o que quiser. — contou. — Enquanto aqui todo mundo fazia tudo pra ele, inclusive eu.

— E isso era um perigo pra ele, que precisa ser capaz de sobreviver e se virar sem vocês.

— Eu sei disso. Mas se já é difícil deixar os filhos ditos "normais" voarem sozinhos, é pior quando estes têm alguma limitação. Sevian será uma criança a vida inteira. — desabafou.

— Mas pela ordem natural, a vida inteira dele vai além da que a sua e da sua esposa possa durar. Como será quando vocês faltarem? Seu primogênito tem a própria família para cuidar, pois como você ele começou a produção cedo. — disse, lembrando que Saul foi pai com 16 anos e que o filho fez o mesmo, diferenciando apenas no fato dele não ter forçado o garoto a se casar com a namorada na época, como seus pais fizeram com ele, resultando num divórcio aos 23 anos, quando conheceu sua atual esposa e se apaixonou.

— E é nisso que eu me apego toda madrugada de 2ª feira quando o levo de volta para a escola. São às 4 horas mais longas da semana. — comentou.

— Mas valerá à pena. Você sofre hoje para que Sevian não sofra amanhã.

— Tudo o que eu quero é que meu filho tenha garantido seu futuro, em todos os sentidos. — disse colocando as mãos nos bolsos do macacão jeans que ele usava para trabalhar. — Eu só queria que Camile entendesse isso. Ela sente muita falta do garoto e basta ele chegar em casa na 6ª feira à noite para os mimos começarem. Ela já foi advertida pela psicóloga do Instituto, pois ao invés de ajudá-lo a progredir, ela acaba colaborando para sua regressão.

— Mulheres!? Que mania elas tem de achar que mimos excessivos são a resposta para tudo com os filhos. — comentou Jhonantan, observando de longe o jovem Sevian lavando seu carro pessoalmente, junto com mais dois funcionários.

— Tem horas que ela me enlouquece. Eu tenho que puxá-la de canto para que ele não nos veja discutindo por conta dele, e obrigá-la a deixá-lo se virar sozinho.

— E o Sevian? Como ele encara esta autonomia fora do ambiente escolar?

— No começo foi difícil. Ele tinha medo de tudo e a Camile alimentava a insegurança dele. Mas agora ele está mais seguro de si, mais confiante. Para falar a verdade ele faz questão de fazer tudo sozinho, ao ponto de reclamar quando a mãe se oferece para ajudar. — contou. — Eu odeio dizer isso, mas sair de casa foi o melhor que poderia ter acontecido a ele.

— Você fala como se ele tivesse arrumado as malas e ido embora para um kit qualquer há quilômetros de distância daqui. — comentou Jhonatan fechando um pouco os olhos. A nuvem que encobria o sol daquela manhã foi levada pela brisa e a claridade incomodou a vista do empresário.

— Eu sei disso, Jhonatan. Mas a sensação é a mesma.

— Ele não saiu de casa. Ele foi para uma escola especializada! — lembrou-o. — Depois fala da sua esposa. — comentou numa leve ironia.

— Você diz isso porque seus filhos estão em casa. Quero ver você pensar assim quando Nathaniel for para a Universidade! — comentou, fazendo Jhonatan lembrar do dia em que o filho contou durante um almoço em família, suas pretensões universitárias aos avôs: Havard, Stanford, Cambridge ou Oxford. Naquele dia ele se sentiu inflado pelas escolhas do filho e ao mesmo tempo enciumado, pois seu primogênito, com 15 anos na época, estava pedindo conselhos a seu pai e seu sogro e não a ele sobre o que poderia ajudá-lo a ser aceito nas melhores Universidades do mundo. Ele não conseguiu enxergar que na verdade Nathaniel preferiu conversar com os avôs sobre a Universidade para que estes vissem que Jhonatan estava fazendo um bom trabalho em relação a sua educação.

— Pelo que me lembro ele quer ir para os Estados Unidos ou para a Inglaterra. O que significa que nem nos finais de semana você o terá em casa. — falou sem a intenção de ferir o colega e cliente. Ele apensa quis exemplificar a saudade imensa que sentia do filho de uma forma que Jhonatan sentisse, pois só assim entenderia. — Quando este momento chegar você vai entender o que eu sinto toda vez que deixo o Sevian no Instituto e mais ainda, vai entender a enorme alegria que eu sinto quando o telefone toca e eu vejo o nome dele escrito no visor, e principalmente, quando vejo ele vindo na direção do meu carro nas noites de 6ª feira.

Jhonatan não disse nada. Por sorte Sevian os interrompeu para oferecer um café expresso ao cliente, visto que o carro ainda ia demorar um pouco para ficar pronto. Jhonatan agradeceu e aceitou, pedindo a Sevian que o acompanhasse. Ele precisava encerrar aquela conversa com Saul.

Até o carro do empresário ficar pronto ele e Sevian conversaram sobre tudo o que o garoto quis compartilhar. Sobre o Instituto, garotas bonitas, caminhões, que por sinal ele sabia muita coisa, e principalmente, sobre os sonhos do rapaz.

— Eu fico lisonjeado que você queira ser como eu, Sevian. Mas você não devia se preocupar com isso agora. — disse ao garoto, sentindo o coração apertar, pois sabia que aquele era um sonho impossível de ser alcançado por ele, um rapaz de 18 anos, forte, esperto, educado e carinhoso, mas com síndrome de down. — Dirigir uma transportadora nos tempos atuais não é tão fácil, tampouco cuidar de esposa e filhos, ainda mais adolescentes.

— Eu sei, Sr. Chevalier. Meu pai sempre reclama da economia, da mamãe e pega no meu pé por causa da escola e das garotas. — falou o rapaz com ar de adulto. Sevian era galanteador e já tinha arrumado uma paquera na escola, da mesma idade que ele. — Mas mesmo assim, eu quero ser como o senhor. Eu quero ter uma empresa com muitos caminhões, me casar com uma mulher bonita e carinhosa e ter dois filhos, uma menina bem bonita e um menino inteligente, como o seu filho, para eu lhe ensinar tudo o que eu sei. — reiterou seu desejo, que há pelo menos três anos repetia para aquele homem tão atencioso e carinhoso com ele.

Jhonatan não soube o que dizer, então apenas sorriu e olhou para o pai do garoto que estava perto da porta do escritório observando o trabalho dos funcionários, que assim como ele sabia que aquele sonho nunca deixaria de ser apenas isso, um sonho. Sevian e Jhonatan estavam sentados perto da mesa do escritório.

— Sr. Chevalier. — chamou sua atenção, pois percebeu que ele se distraiu um instante. — Bem que o senhor podia me vender o seu Honda. Ele vive guardado na sua garagem e um carro bonito como ele tem que estar na estrada. — disse enquanto ajeitava o óculos, pois sem os cachos para segurar as hastes, tinha a sensação dele estar sempre solto no rosto. — Com ele eu poderia ir para a escola sozinho e chegaria lá rapidinho.

— Sevian. O Sr. Chevalier não veio aqui para vender o carro, mas para deixá-lo como novo. Não seja inconveniente! — chamou-lhe a atenção. Saul não era duro como Jhonatan, mas era firme. O garoto se desculpou, mas Jhonatan não se incomodou.

— Olha, Sevian. Eu não posso te vender meu Honda por três motivos. 1º porque seu pai adora te levar e te buscar na escola. Ele diz que durante aquelas horas vocês podem conversar coisas de pai e filho, coisas de homens e que em casa não dá porque sua mãe não entenderia.

— É verdade, pai? — perguntou o garoto que sorriu de canto a canto da boca ao ouvir que sim. Ele e Jhonatan não haviam combinado nada, mas não mentiram. Sevian abraçou o pai e disse que o amava, ouvindo um "eu também te amo, Sevian!" com resposta.

— Mas e o 2º motivo, Sr. Chevalier, qual é? — perguntou enquanto o pai fechava a ordem de serviço de Jhonatan, pois seu carro já estava pronto.

— Você precisa economizar para comprar seu primeiro caminhão. Se comprar um carro esporte, ainda mais um clássico, seu sonho de ter uma transportadora vai por água abaixo.

— É verdade. Eu não pensei nisso. — disse, ficando pensativo por alguns segundos. — Eu quero meu caminhão, Sr. Chevalier. Pode ficar com o seu Honda. — Jhonatan e Saul riram da forma que ele falou, como se estivesse falando em trocar pequenos hot welles.

— E qual é o 3º motivo, Sr. Chevalier? Diga-nos! — perguntou Saul enquanto separava uns saches perfumados para ele levar, tendo sua pergunta reforçada pelo filho, mais pela curiosidade do que outra coisa, pois não queria mais comprar aquele Honda.

Jhonatan pensou um pouco e enquanto observava o funcionário dirigindo seu carro, coisa que o incomodava, mas que aceitava por ser necessário, respondeu:

— Porque há 16 anos que o Honda não me pertence mais.

— O quê? — espantou-se o rapaz com a revelação. Saul já sabia do que se tratava, então apenas sorriu. — De quem é o carro então? Como ele fica com o senhor se não é seu? — Sevian ficou curiosíssimo.

— Ele pertence ao meu filho mais velho. — contou, entrando no carro. — Quando ele for para a faculdade, será pilotando um Honda NSX 94. — disse, emudecendo-se em seguida, lembrando do que Saul havia dito. Estados Unidos ou Inglaterra não era tão perto assim para ele ir dirigindo; aquilo mexeu com ele.

— Nossa. Que presentão! Seu filho tem muita sorte. O Sr. deve amá-lo muito. — comentou o garoto, entusiasmado.

Saul notou os olhos do seu cliente e colega avermelharem e sua expressão facial mudar. Querendo evitar que Sevian continuasse perturbando seu colega de infância, lembrou-o que ele tinha que ajudar os rapazes com o trabalho.

— Esta bem, papai. Eu já estou indo.

— Tchau, Sevian. Foi bom te ver de novo. — disse Jhonatan ao se despedir.

— Tchau, Sr. Chevalier. E cuide bem do presente do seu filho.

Jhonatan se despediu de Saul sem mais delongas e foi embora.

Durante aquela hora em que ficou no Makellos Jhonatan espaireceu e até se divertiu com Sevian, mas aquela conversa com Saul fez seu coração se afligir, não como estava antes ao sair de casa, nervoso, agitado; naquele último instante no lava rápido ele teve um pensamento feliz que deixou seu coração triste. Ele ainda não estava pronto para voltar para casa; ele apenas dirigiu e dirigiu, sem rumo.

 

 

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Notas finais do capítulo

Jhonatan Chevalier III. Um homem austero, imponente, autoritário e rigoroso. Mas como todo ser humano tem suas qualidades. Pena que ele não consiga demonstrá-las, nem direcioná-las a quem realmente precisa.

O modelo NSX da Honda, lançado no ano de 1994 é considerado um clássico e um dos melhores carros esportes da marca já lançados no mercado. Airton Senna, nosso saudoso campeão de Formula 1 ajudou a projetar o veículo e foi proprietário de um, vermelho como o do Jhonatan. Até hoje sua família tem o Honda.

Sevian foi inspirado num jovem de 18 anos com deficiência mental que foi meu aluno.



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