Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 70
De volta a praia.


Notas iniciais do capítulo

Como sabemos, Maitê já guarda 2 segredinhos do Cast, um é que ele se sente deixado de lado pelos pais e que tem seus momentos de fragilidade e o outro é que ele tem paúra de agulhas. Apesar de terem acabado de se conhecer ele já percebeu que pode confiar nela. Mas e ela, será que pode confiar nele?

IMPORTANTE: Como sabemos, a banda favorita do Cast, Winged Skull, não existe de verdade, então, como eu acho que seria estranho o ruivo ser super fã da banda x, mas só ouvir e citar músicas de outras bandas, para poder ter uma referência musical da WS na fic, vou utilizar o repertório da banda Creed como se fosse da WS. Então, sempre que eu mencionar uma musica da banda favorita do Cast, saibam que a referida música é da banda Creed.
Essa mudança do nome da banda foi feita na revisão da fic, então pode acontecer de nos capítulos posteriores vocês encontrarem o nome Creed, por eu ainda não ter revisado aqueles capítulos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/452438/chapter/70

 # 13/03 #

 O sol do meio dia avermelhava a pele dos jovens banhistas que resolveram passar a 4ª feira na praia. Uns se protegiam sob a sombra de seus guarda-sóis, outros cobriam suas peles de bronzeador e se arriscavam a amorenar com a ajudinha do astro rei – que decepção será ao se verem vermelhos, ardidos e descascando – enquanto a maioria se refrescava dentro da água límpida e azul esverdeada do mar de Nice.

Sobre o calçadão enfeitado com seus coqueiros, amigos, casais, pais e filhos, e alguns corações solitários caminhavam com suas cabeças cobertas por grandes chapéus de sol ou bonés, enquanto os ciclistas pedalavam sobre a ciclovia, sentindo a brisa em seus rostos protegidos apenas pelos óculos de lentes escuras, tendo a comodidade da sombra dos coqueiros em partes do percurso.

— A Sol sabe que a senhora se demitiu do Buffet? — perguntou Cast a Maitê enquanto subia a rampa de acesso à praia, voltando para o calçadão, uns 2 metros acima do nível da água agitada e dos seixos que alguns turistas gostavam de levar como suvenir.

Um grupo de crianças que brincavam com pistolinhas de água passou correndo por eles atingindo a capa de couro do violão de Cast com um jato de água salgada, preso a suas costas pela alça que Lysandre um dia lhe comprou e que até pouco tempo tinha uma presilha enfeitando – ele não quis deixá-lo no carro por medo dele despertar a atenção de algum marginal, já que o porta-malas estava cheio com as coisas da Maitê, e ele teria que deixá-lo a vista, sobre o banco. Ele teria dito alguns desaforos se não estivesse preocupado com Maitê.

— Não! E não quero que ela saiba! — respondeu pedindo ao ruivo que não contasse nada a ninguém, principalmente Emília.

— A senhora está me ofendendo pedindo isso. Eu nunca contaria, nem contarei a ninguém qualquer coisa relacionada a senhora. — disse ele de cara fechada, visivelmente ofendido, — Além de não ser do meu feitio fala da vida dos outros, seria muita cachorrada minha expor seus problemas a quem quer que fosse. Confiança é algo que deve ser mútuo e se eu confio na senhora, devo mostrar-me confiável e ser confiável! — parando e cruzando os braços.

— Desculpe-me, Castiel. Eu não quis te ofender. — desculpou-se parando a alguns passos à frente dele, voltando-se. — Mas como você e Emília são amigos, talvez se sinta mal em guardar segredo sobre algo que tem relação com ela.

— Olha, dona Maitê. Eu sei que eu tenho 16 anos e que só isso já seja motivo para uma mulher adulta não confiar em mim. Mas eu não sou um moleque irresponsável ou imaturo ao ponto de não saber entender certas coisas. Minha amizade com a Emília não é motivo o suficiente para eu expor seus problemas a ela. Nada seria motivo o suficiente.

Percebendo que realmente havia ofendido ou no mínimo, chateado o Castiel, Maitê se desculpou novamente, justificando-se:

— Eu só me deixei levar pela preocupação. Emília acabou de se mudar para cá e ainda está se adaptando a não ter os pais por perto, os amigos... E acabou de ter uma crise nervosa. Você entende?

— É claro que eu entendo, dona Maitê. Esse não é o melhor momento para a senhora conversar com a Emília sobre isso. Mas a senhora sabe que não vai poder esconder isso dela por muito tempo.

— Sim, eu sei. Mas é uma situação temporária, então não tem o porque eu preocupá-la com isso.

— Temporária? Tem certeza? Nos últimos anos emprego não é algo fácil de arrumar no nosso país! — comentou Cast, referindo-se a crise financeira que assolou a Europa de uma forma geral e que deixou milhares de desempregados. — Mesmo a situação tendo se estabilizado as coisas ainda não estão fáceis pra ninguém.

Maitê sabia que ele estava certo e que se ela não arrumasse outro emprego logo as coisas começariam a apertar para ela e Emília. Mas ela também sabia que o desespero não a ajudaria a conseguir trabalho, muito pelo contrário, só ia complicar mais ainda, pois Sol descobriria e se preocuparia, além de encher a cabecinha de caraminholas.

— Eu sei que as coisas não estão fáceis para ninguém e que eu me arrisquei ao pedir demissão do Buffet. Mas só o fiz porque sei que vai ficar tudo bem. — disse a ele, sorrindo, voltando a caminhar pelo calçadão, como se tudo estivesse sob o mais absoluto controle, mas o brilho que iluminava seu rosto quando sorria não se fez presente daquela vez.

 Castiel, cujos pais muitas vezes encararam vôos fora de escala, exaustos, só para evitar ir parar na listinha de "funcionários dispensáveis" sabia bem que ela estava camuflando sua preocupação, pois seus pais fizeram isso, disseram que estava tudo bem, mas no fundo não estava.

— Não precisa se preocupar com isso!

Cast a puxou pelo pulso.

— Se fingir que está tudo sob controle te faz lidar melhor com essa situação, tudo bem, finja então. Mas o faça com os outros, não comigo!

Maitê não conseguiu olhar para ele, mantendo o olhar fixo no horizonte enquanto ele falava.

— Eu sei que aos seus olhos eu não tenho idade para te entender e até que não somos amigos, pois além de eu ser novo demais para fazer parte do seu ciclo de amizades, acabamos de nos conhecer; e se a senhora está aqui, comigo, agora, é por ser gentil e abnegada e nada além disso. No seu lugar eu também não ia me sentir confortável conversar comigo sobre isso. Mas eu sei bem como é. Vi meus pais passarem por isso há alguns anos, quando a crise começou. Eles se submeteram a todo tipo de exploração pra manter seus empregos, fingindo que estava tudo bem, enquanto seus amigos eram demitidos num corte de funcionários. Eles achavam que eu não perceberia que tinha alguma coisa errada, mas eu percebi sim. — contou, querendo fazer com que ela entendesse que não contar a Emília não significava que ela não iria perceber.

Maitê se manteve quieta e ouvindo.

— Eu cheguei a pensar que o problema era eu, pois eles mudaram. Era como se não sentissem minha falta, como se eu não existisse. Eu já estava acostumado a vê-los pouco, pois suas viagens sempre foram prioridade pra eles, mas quando estavam em casa eu era o único foco da atenção deles. Mas naquela época foi diferente. Eles simplesmente sumiram, chegando a ficar semanas seguidas sem me ver e quando apareciam era por um dia e passavam ele todo dormindo. — ele queria que ela entendesse que deduzir a verdade, supô-la, era pior que conhecê-la.

— Foi a época em que mais dei trabalho pros irmãos da minha mãe, ao ponto deles não quererem mais ficar comigo, obrigando meus pais a contratarem uma babysitter, o que complicou a situação, pois eles não podiam dispor de dinheiro pra isso. Por sorte eu já tinha bolsa integral no Sweet Amoris por ser da equipe de luta, pois só os 30% de desconto que a escola oferece aos filhos de alguns funcionários da empresa aérea que meus pais trabalham não ia mais ser suficiente para me manter na escola. Foi só por isso que eles me contaram o que estava acontecendo. Foi ai que eu descobri que eles estavam com medo de serem demitidos e por isso aceitavam os abusos sem questionar.  — contou, aproximando-se dela, que mesmo se estivesse calçada com sua anabela salto 8cm e que carregava na mão por estar com os pés sujos por caminhar pela água, ainda seria mais baixa que ele, parando a um passo de poder apoiar o queixo sobre a cabeça dela. — Mas uma baba custava caro e eu não queria que meus pais tivessem gastos desnecessários — além do fato dele odiar ser vigiado, é claro. — Eu tinha 14 anos e passei a viver sozinho. Meu tio Kage, irmão do meu pai, ou meus avós, pais deles, sempre apareciam quando eu precisava, mas como pôde perceber, não sou muito de pedir ajuda, então eu passei quase todo o tempo sozinho. Foi neste período que eu "me emancipei" dos meus pais.

De costas Maitê estava, de costas ela permaneceu. Ela não queria demonstrar de jeito nenhum que estava preocupada, mas o medo de que as coisas não dessem certo a fez querer saber como os pais de Cast deram a volta por cima, então perguntou, mantendo o olhar fixo no horizonte a sua frente.

— A situação dos meus pais se estabilizou. A empresa aérea ganhou novos acionistas e eles até tiveram um aumento de salário e tudo voltou ao "normal", eles viajando pelo mundo e eu sendo "vigiado" pelos irmãos da minha mãe. — contou, descontraindo um pouco no final, por sentir no tom de voz dela que estava preocupada, embora não quisesse admitir. — O resto já conhece. Eu dei trabalho, pois não aceitava a forma que eles me tratavam, eles se cansaram de ter que me vigiar, eu fingia que estava tudo bem para os meus avós paternos, porque não queria preocupá-los e nem dar trabalho a eles, então meus pais "oficializaram" minha emancipação e agora eu sou, como diz meu tio, um vira-lata sem coleira.

— Viu só, Cast. No final ficou tudo bem! — riu um pouco, querendo apegar-se a sorte do piloto e da aeromoça, afastando-se do rapaz, sentando-se na mureta de pedra daquele calçadão.

— Mas eles tiveram sorte! Muitos dos amigos deles ainda estão com dificuldades.

— Ah, Cast, meu querido. Pare de me olhar com estes olhos acizentados e preocupados e sente aqui, do meu lado. — pediu ela, que só o que queria era mudar o foco daquela conversa. — Eu sei que a situação é delicada e que as coisas podem se complicar, mas me desesperar não vai me ajudar, pelo contrário. Quando me demiti eu sabia dos riscos, mas eu precisava me libertar.

— Mas, Dona Maitê...

— Sem pessimismo. — pediu ela com um sorriso, pensando no quanto aquele rapaz era maduro para a idade que tinha. — Quando eu não consegui a vaga de trainne numa grande empresa de promoção de eventos há uns 12 anos, um amigo muito querido me disse que eu não devia desistir e tentar quantas vezes fossem necessárias, até conseguir, e caso eu não conseguisse, era sinal que meu destino apontava para outro lado. — contou saudosa. — Ele costumava dizer que "cair é natural, levantar é uma aventura e se manter de pé é pura adrenalina!" — Ela parecia gostar daquele amigo. — Recomeçar nunca foi um problema pra mim, querido, então não fique preocupado.

Mesmo com o sorriso sem o brilho que fascinava o ruivo, ele se encantou ao ouvi-la falar. Naquele dia ele percebeu que Maitê era mais que a tia da sua amiga. Ela era uma mulher corajosa e que não tinha medo de se arriscar, o que aos olhos dele a tornavam uma mulher fascinante e muito diferente da sobrinha.

— E quer saber de uma coisa, vamos mudar de assunto. A tarde está linda, estamos na praia e você está com este violão pendurado nas costas, o que significa que sabe tocar. — deu ela um ponto final àquela conversa. — Então tire-o da capa e toque alguma coisa pra mim. — pediu de uma forma tão descontraída e sorridente que Cast foi incapaz de negar.

— Quer que eu toque algo em especial? — perguntou tirando o Gibson da capa, entregando para ela, que dobrou ao meio e colocou sobre o colo. — Uma dos Roling Stones? — sugeriu sabendo que ela era fã, cruzando a perna e apoiando o instrumento na coxa.

— Toque algo que você gosta. — foi sua resposta. Cast dedilhou "My Sacrifice", da Winged Skull, pois o grunge era sua paixão, deduzindo que ela devia conhecer, pois era da época em que ela, provavelmente, devia estar na faculdade (1999). Maitê recostou a cabeça no ombro dele, que se deixou levar e colocou voz na canção. Ele não tinha o talento vocal de seu amigo Lysandre, mas não fazia feio. Sua voz era grave e afinada.

Castiel sentiu seu ombro molhado. Maitê não conseguiu mais segurar e silenciosamente chorou. Ele não soube o que fazer, queria abraçá-la apertado, mas não teve coragem, então continuou tocando até ela se acalmar... até o entardecer.

"Se libertar? Do que? De quem? E por quê?" este foi o pensamento de Cast enquanto aparava as lágrimas de Maitê com o ombro, enquanto embalava seu choro silencioso com seu violão. Ele sabia que só o desemprego não seria suficiente para fazê-la sofrer, não ainda.

Eles foram vistos.

 

~~~~§§~~~~


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Quem será que os viu? E o que será que pensou? Mas tinha alguma coisa para pensar?????

LINK DA MÚSICA: https://www.youtube.com/watch?v=unfP_B6xQEY



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Segredos e Bonecas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.