Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 144
Eu quero e preciso confiar em você!




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# 02/04 #

Foi a primeira vez que aquela baixinha de cabelo cacheados, na mais bela cor amaranth, mencionou que viveu uma mentira. Do que ela estava falando? Seria da sua decepção com Sophie? Seria algo mais antigo? Teria a ver com sua vida amorosa? Seria algo do seu passado? Teria a ver com Patrick?

— Pode parar, André. Se você voltar a ter ciúme daqueles dois vai enlouquecer. — repreendeu-se enquanto caminhava até o ponto perto do parque. — Eles não fariam isso com você, de novo! — lembrando de um deslize e um juramento. — Para, André! Quem remói passado não consegue ser feliz com o presente!

Ele sabia que aquela pontadinha de ciúme era boba, pois a vida e o tempo provou que podia confiar naqueles dois, por mais que os outros desconfiassem."Mas uma provocaçãozinha pra ter certeza não mata ninguém." Foi o que ele pensou ao pegar o celular.

Enquanto atravessava o parque para o outro lado, ele ligou para o companheiro de 10 anos, cheio de afeto.

— Oi, cher[1]. Pode vir me buscar? Estou no ponto de táxi do parque, não do lado da Maitê, do outro lado. Vim ajudar "um amigo" a resolver um problema, mas deixei o carro na boate e estou sem dinheiro para o táxi.

André não era do tipo que andava desprevenido, tampouco que saía da boate hora antes dela abrir para os clientes. Aquela história estava muito mal contada.

— Ele é fornecedor da boate, cher. Você não o conhece. E ele não pôde me levar de volta porque demoramos e ele tinha outras entregas para fazer. E você sabe que eu sempre entro mais cedo às 3ªs feiras justamente por ser o dia que eles apar....

Ele nem mesmo conseguiu terminar de falar. Patrick era um homem ciumento.

— Não, cher. Eu não estava galinhando. Você sabe que na minha vida e no meu coração só existe você.

André nunca foi um homem muito açucarado. Dizia coisas carinhosas ao esposo, mas sem melação e na maioria das vezes quando estavam sozinhos. Na verdade, Patrick sempre foi o mais açucarado e até estranhava quando o marido era.

— Meu Deus. Patrick. Se eu sou carinhoso você desconfia, se eu não sou você reclama! Assim fica difícil, sabia!? Que merda!

André sabia que aquela provocação ia render reclamações e mais reclamações, mas fazer o quê; ele só queria sentir, através da voz daquele decorador, que era amado e assim ter certeza que seu ciúme de Maitê era mesmo infundado. Mais tarde, quando o tivesse em seus braços, desmentiria aquela historinha e aguentaria os xingos e até o sofá duro por uma noite – ou duas.

Se Patrick desconfiava da melação, da rispidez então...

— Nossa. É bom saber que você confia tanto em mim ao ponto de achar que eu iria até a boate, deixaria meu carro lá, sairia com outro cara no carro dele, te trairia e depois ainda teria a capacidade de te ligar para pedir carona. Que belo julgamento você faz de mim! 10 anos te tratando com um príncipe e é assim que você me vê. Quer saber, o erro foi meu em ter te ligado. Eu devia apenas ter entrado num táxi e voltado para a boate.

Se Patrick visse o contentamento nos olhos do seu cher por ouvir suas indagações enciumadas, sentado no banco do ponto de táxi, gesticulando ao taxista que esperava pela sua próxima viagem, dispensando o serviço, de certo bateria nele, percebendo que aquele teatrinho todo era só para testar seus sentimentos por ele.

Patrick odiava ser feito de bobo ou ter seus sentimentos em prova. Ele era sincero e não escondia o que sentia ou pensava, de ninguém, tampouco vivia uma relação que não fosse verdadeira para ele. Talvez por isso André, mesmo após 10 anos, vez ou outra ainda se pegava enciumado em relação à Maitê, pois sabia que Patrick nunca teria vivido aquela relação complicada por tanto tempo se não fosse especial, se não tivesse amado e desejado aquela baixinha, por um longo tempo, como mulher, e não somente como amiga.

André conhecia a real natureza daquele amor nos últimos 10 anos e por isso se achava tolo em sentir ciúme e mais tolo ainda em provocar ciúme com uma mentira infantil. Mas Patrick era o motivo dele querer voltar para casa todos os dias e este amor o fazia, às vezes, um tolo desconfiado.

— Você realmente acha que eu te liguei por conta de uma carona ou porque minha consciência está pesada? Eu vou te dizer por que te liguei, cher. Eu te liguei porque eu te amo e estou com saudade.

Desta vez ele não brincou, fingiu ou sorriu. Ele realmente estava sentindo a mudança de rotina do seu companheiro e provavelmente esta carência tenha motivado seu ciúme da amiga.

— Você passou o final de semana inteiro cobrindo os eventos do Buffet e eu mal pude te ver. Ontem foi nossa folga, mas você foi naquela feira com a Sophie e voltou super tarde e cansado que nem se quer me notou. Hoje pela manhã você foi para o Buffet e agora à noite eu sei que tem evento, então não nos veremos até a madrugada, quando ambos chegaremos em casa, cansados demais para sentir o cheiro da pele um do outro. Eu não vou mentir. Eu liguei pela carona, sim, e por um motivo bem mesquinho. Eu pensei em te seduzir dentro do carro, te instigar até você lembrar que és o decorador daquela merda de Buffet e não o cerimonialista ou promoter, e que sua obrigação não é substituir a Maitê porque a garota que ficou no lugar dela não dá conta, mas cuidar do seu marido, antes que ele enlouqueça e te amarre no pé da cama, porque não suporta a ideia de chegar em casa e não te encontrar deitado nela, esperando por ele.

Patrick ficou sem reação do outro lado da linha. Se tinha uma coisa que o quebrava era ouvir a voz grave de certo francês de pai e mãe porto-riquenhos dizer, à moda dele, que o amava, o desejava e principalmente, que enlouqueceria se não o encontrasse esperando por ele em casa, todos os dias, com as mãos - e todo o resto - prontas para fazê-lo relaxar. Num rompante ele desligou o telefone, pegou a chave do carro e saiu. André respirou fundo e sorriu. Ele sabia; sua carona estava a caminho. Quem dera poder ir direto para casa ao invés da boate.

 

***

Patrick, além de ciumento e possessivo, era lascivo e teimoso. Ele não sossegava enquanto não tinha o que queria, mesmo que fosse em 10 minutos no quartinho da dispensa, enquanto os demais funcionários esperavam o relógio marcar 20h00 para abrir a boate, ainda mais sabendo que a funcionária da limpeza, única a ter coragem de interromper sua "conversa" com o marido, ainda estava de licença maternidade. Ele adorava uma pegada rápida e forte, o acalmava até a manhã seguinte, horário que ele adorava fazer amor com seu cher, depois dele ter dormido por umas 4 horas.

Mas se para André e Patrick as coisas estavam ótimas, no apartamento da violácea o clima não era dos melhores.

Depois de deixar a tia e o amigo dela na garagem do prédio, Sol foi para o apartamento, indo direto para o chuveiro. Ela estava com muito sono, sentindo o corpo pesado e lento, mas queria tirar o cheiro de hospital, impregnado em suas narinas. Quando Maitê entrou no apartamento ela estava saindo do banheiro, já meio desperta pelo banho, enrolada numa toalha e com o cabelo molhado escorrendo nas costas, pois esqueceu de pegar seu roupão e só tinha uma toalha de banho limpa no banheiro, culpa dela mesma que tinha a tarefa de trocar as toalhas e não fez, por preguiça.

— Você deve estar com fome. Vou pedir algo para jantarmos. — disse Maitê. — Que tal ravióli? Você gosta tanto de massas. — mas Emília a ignorou, entrando no quarto e batendo a porta.

Maitê teria se zangado com aquilo, mas diante daquela situação, entendeu, pois sabia que a sobrinha estava chateada e a culpa era dela. Não dava mais para protelar. Ela tinha que conversar com a garota.

Depois de ligar para um pequeno restaurante de massas caseiras e pedir duas poções de ravióli ela foi resolver aquele problema. Diante da porta do quarto de Emília ela respirou fundo, preparando-se para aquela choradeira, mas ao abrir a porta encontrou uma Emília bem calada e que amarrou a cara quando a viu, virando-se de lado na cama.

— Emília. Eu já disse pra você não dormir de cabelo molhado. Vai acabar ficando doente. — falou afavelmente, adentrando no quarto, pegando a toalha que estava pendurada no encosto da cadeira, indo na direção da cama. Assim que se aproximou Sol sentou e ela tentou secar seu cabelo, porém a garota não queria saber daquela atenção.

— Eu sei secar o meu cabelo. — disse, fugindo do toque da tia, puxando a toalha das mãos dela. — A senhora não precisa se incomodar. Eu já posso me virar "sozinha". — agulhando-a, sem nem mesmo lhe olhar.

Maitê sentiu uma dorzinha no peito. Ela nunca imaginou que um dia Emília pudesse tratá-la daquele jeito. Ela sabia que tinha feito por merecer, mas não era, de todo, culpada.

— Eu sinto muito, Emília. Sei que está zangada comigo por hoje, mas eu não sabia que você havia se machucado. Eu nunca a teria deixado sozinha naquele hospital se soubesse... — tentou se explicar, mas Sol não queria saber de conversa.

— A escola tentou te avisar, mas ninguém conseguiu te encontrar. Justo hoje a senhora esqueceu de ligar seu celular; se bem que eu nunca precisei te encontrar antes pra saber se a senhora tem o hábito de manter o celular ligado.

Cobrança não era o forte de Emília, então suas palavras soavam mais como um lamento sutilmente irônico.

— Ou então a senhora devia estar muito ocupada fazendo outra coisa que não o ouviu tocar.

— Por favor, Emília. Não pense besteiras só porque o André estava comigo. Meu celular quebrou. Eu não tiv...

— Ah, tá bom, tia, isso não importa mais. — interrompeu-a, sem acreditar na história da tia, secando o cabelo vagarosamente. Embora sua voz mostrasse indiferença, seus olhos não escondiam sua mágoa e até sua zanga.

Maitê preferia que ela gritasse, chorasse, esperneasse e até a xingasse ou batesse, pois pelo menos ela extravasava a mágoa. Mas Sol estava indiferente e além disso a machucar, indicava que a garota estava voltando para o seu mundinho silencioso, coisa que ela não queria que acontecesse.

— É claro que importa, meu amor. Você precisou de mim e eu não estava lá. — falou, colocando a mão sobre a perna de Emília, que tinha muita coisa entalada na garganta, louca para colocar pra fora, mas sem coragem. — Mas eu prometo a você que isso nunca mais vai acontecer.

— A mamãe também me prometia muitas coisas. — resmungou baixinho, levantando-se da cama e saindo do quarto. Maitê se chateou. Sara raramente cumpria suas promessas. Ela foi atrás da sobrinha na área de serviço.

— Por favor, tia. Eu não quero mais falar sobre isso. Vamos esquecer, está bem!? — falou a jovem Solles, colocando a toalha no cesto de roupas sujas, assim que viu Maitê na cozinha. — Eu vou dormir. — passando por ela, querendo na verdade evitar uma desavença com a tia que ela tanto amava.

— Não faça isso, Emília. Se está zangada comigo, diga. — Maitê se posicionou na frente dela. — Não finja que está tudo bem, porque eu posso ver nos seus olhos que não está. — evitando que ela fosse para o quarto.

Os olhos da adolescente arderam.

— E-Eu estou cansada, tia. Deixe-me ir dormir, p-por favor. — pediu. Ela estava começando a fraquejar e sua voz já soava chorosa.

Maitê não queria ser cruel, nem fazer a garota chorar, ela só queria resolver aquilo antes de virar um tsunami dentro do coração da sobrinha, que de certo ia ficar remoendo aquilo até não aguentar mais e tudo transbordar.

— Converse comigo! — os olhos de Maitê também ardiam.

— M-Mas eu não quero conversar, e-eu quero dormir. — falou, tentando passar pela tia, que se manteve na frente dela. Já estava ficando difícil segurar o choro. — P-Por favor...

Sol não estava acostumada a ser pressionada a conversar. Sua mãe sempre fugiu das conversas e nunca pareceu se importar com o que ela pensava ou sentia. Aquela insistência da tia era perturbadora. Ela não queria conversar porque tinha medo de ouvir coisas que a magoassem e até de dizer tais coisas a tia. Ela tinha medo daquela conversa abalar o amor que Maitê sentia por ela.

— Não! — Maitê não ia deixar aquele pequeno copo encher novamente. — Dormir não vai resolver os nossos problemas. Nós somos uma família e precisamos resolver isso. Eu não quero que você fique remoendo essa mágoa de mim. — com os olhos a lagrimejar. — Converse comigo! D-Diz pra mim o que você esta sentindo!

Ver as lágrimas se formarem nos olhos da tia fez ela mesma sentir uma vontade enorme de chorar, pois ainda não se sentia pronta para ter aquele tipo de conversa. Seu medo era maior que sua mágoa. Como ela não tinha como entrar no quarto tentou ir para o banheiro, mas a tia a segurou pelo braço. Daquela vez ela não ia se esconder pra chorar como sempre fez depois que tentava conversar com a mãe e esta a ignorava.

— Pare de fugir, Emília! Até quando você vai preferir se calar a enfrentar os problemas de frente? — questionou-a, mas a garota não queria conversa. Ela puxou o braço e foi para o banheiro, para nervoso da tia.

— QUE DROGA, EMÍLIA! QUANDO É QUE VOCÊ VAI AMADURECER? — bradou. — QUANDO É QUE VOCÊ VAI ENTENDER QUE NEM TUDO É COMO A GENTE QUER, E QUE QUASE TUDO NA SUA VIDA É DEFINIDO PELAS SUAS ESCOLHAS E QUE FUGIR NÃO É A MELHOR DELAS?

Sem soltar a maçaneta Sol desatou a chorar, parada diante da porta do banheiro, que ela nem mesmo abriu. Maitê não conseguiu segurar e seus olhos começaram a minar. Ela não queria ter perdido a paciência, ela não queria ter gritado; ela mesma estava no limite.

— D-Desculpa, meu amor. Eu não queria ter me exaltado com você. — só o que ela queria naquele momento era abraçar a sobrinha, que soluçava, e o fez.

— V-Você me deixou sozi-inha... — exprimiu. — O p-papai me deixou... A m-mamãe me deixou... — revelando seu maior medo. — Eu s-só t-tenho você e você me deixou s-sozinha...

Por mais que Emília sorrisse, não falasse do assunto e mostrasse não se importar, ter sido abandonada pelo pai e deixada para trás pela mãe causaram feridas que ainda doíam em seu peito. Não ter a tia por perto no momento em que precisou fez estas feridas sangrarem novamente, pois não conseguiu não temer ser deixada, novamente, por uma pessoa que amava.

— E-Eu sinto muito, querida. Eu n-não sabia o que tinha acontecido. E-Eu não tinha como saber... — desculpou-se, chorando, mas sem perder o controle de si, pois isso não a ajudaria a resolver aquele problema com a sobrinha, que estava mais que triste e com medo de ser abandonada de novo, ela estava com raiva.

— V-Você teria sabido se tivesse atendido o celular! V-Você esqueceu de mim quando o desligou para ficar com seu amigo. — cobrou-a, afastando-se dela, indo para perto do sofá. — A m-mamãe nunca desligava o celular, mesmo ela não se importando comigo!

O comparativo magoou Maitê, que entendeu bem o que a sobrinha quis dizer. Se a mãe, que ela acreditava não se importar, não desligava o celular, ela tendo desligado só podia indicar que se importava menos ainda.

— C-Como você pode pensar isso de mim, Emília? Eu n-nunca faria algo assim de propósito. Eu já disse a você, meu celular parou de funcionar e eu não tenho porque menti-ir.

— Se é assim, por que não me contou que mudou de emprego? — indagou, ríspida, secando os olhos com a barra da sua camiseta rabiscada do antigo colégio. Ela queria se sentir amada, mesmo que através da lembrança de seus antigos colegas e amigos. — A escola ligou para o Buffet, sabia? A senhora nem mesmo lembrou de atualizar o telefone no meu prontuário da escola!

O silêncio que veio a seguir fez Sol entender que a tia não ia lhe contar a verdade. Os lábios dela tremularam novamente enquanto um bico se formava, bico que ela mordeu enquanto desviava o olhar, zangada e mais magoada que antes. Para ela a tia era perfeita e descobrir que não era bem assim a desapontou.

Maitê sentou na poltrona e em meio a um suspiro longo quebrou aquele silêncio.

— Eu não troquei de emprego, Emília. Eu me demiti... — contou, consciente que uma conversa levaria a outra, mais íntima e que ela não queria ter. Mas ela não podia mais protelar aquilo sem prejudicar a relação dela com a sobrinha. — E agora eu estou desempregada.

— D-Desempregada!? — surpreendeu-se. Aquela não era a verdade que ela esperava ouvir. Saber que a tia havia "perdido" o emprego a desarmou e até a fez parar de chorar. — Mas a senhora saía para trabalhar todos os dias? — questionou, sentando-se no sofá. — Eu não estou entendendo. — confusa. — Por que a senhora não me contou?

— Eu achei que seria uma situação passageira, que conseguiria outro emprego rápido e quando eu te contasse já estaria tudo bem.

— Mas se a senhora não ia trabalhar, aonde a senhora ia? Por que fingiu que ainda está trabalhando?

— Eu ia a entrevistas de emprego e depois a praia, caminhar e me acalmar. Eu não queria chegar em casa chateada ou estressada por não ter conseguido nada. Eu não queria que você descobrisse antes de eu estar novamente empregada.

— A senhora deve me achar muito infantil mesmo, para pensar que eu não entenderia, pra mentir pra mim. — exprimiu, visivelmente magoada.

— Não é nada disso, querida. Faz pouco tempo que você chegou e eu fiquei com medo de que pensasse que isso me faria desistir de cuidar de você. Eu só não queria te preocupar! — falou Maitê. Apesar do principal motivo dela não contar a Emília sobre sua demissão ser evitar ter que falar de Sophie, ela não mentiu; realmente tinha receio da sobrinha pensar que aquela situação as separaria.

— Isso não é justo! Não está certo a senhora me usar para justificar a sua mentira! — reclamou, com razão.

Pela primeira vez a garota estava dizendo o que realmente pensava, sem medo de ser repreendida ou magoar alguém. Se ela podia ser magoada, então também podia magoar. Ela já estava se cansando se ser "só ela a sofrer".

Ah, se ela conhecesse as profundezas dos corações a volta dela.

— A senhora vive me cobrando honestidade e até brigou comigo quando eu menti para os meninos. E olha só, a senhora está mentindo pra mim sabe-se lá desde quando.

— P-Por favor, querida, não fale assim. — pediu, com o olhar triste e marejado. — Eu sei que errei, mas eu não menti pra você. Eu só protelei para contar a verdade.

Maitê sabia que estava errada, mas ela precisava justificar suas ações antes de Emília querer se aprofundar mais naquela conversa. Fora que sua consciência a punia, pois no fundo, sabia que a sobrinha estava certa. Ela não foi e não estava sendo um bom exemplo, então como poderia cobrar dela uma postura mais correta.

— Mentir ou omitir da no mesmo! A senhora foi desonesta comigo. A senhora não confia em mim. — cobrou-a, com os olhos voltando a minar, pois seu coraçãozinho estava doendo. — Toda aquela conversa de que somos uma família e que devemos confiar uma na outra é só conversa mesmo.

— Ah, Emília... V-Você está deduzindo as coisas a sua maneira e está entendendo tudo errado. — falou Maitê, chorosa, com as lágrimas a percorrer seu rosto. Ela não tinha escolha. Ela precisava se expor para se fazer entender. — Eu não fiz isso por não confiar em você. E-Eu só não queria...

— A s-senhora contou pra ele, tia? — mas a garota tinha uma pergunta mais importante a fazer que ouvir aquelas justificativas. Ela já tinha certeza da resposta, mas mesmo assim perguntou. — O Castiel sabe que a senhora está desempregada?

Sua esperança era ouvir que ela não sabia.

Maitê emudeceu. Ela soube ali que havia perdido a sobrinha, pelo menos até a zanga dela passar e ela conseguir sentar e conversar com a garota com calma, o que poderia levar dias e até semanas, visto que a garota era do tipo que guardava e remoia mágoa.

— Eu s-sabia. A s-senhora confia mais nele que em m-mim. — lamuriou-se, passando a mão no rosto para enxugar as lágrimas. — E-Ele até parece mais da sua família que eu.

— N-Não diga i-isso. — falou, levantando-se da poltrona. — V-Você é m-minha sobrinha... e e-eu te amo! — indo na direção da sobrinha de coração quebrado, louca para abraçá-la apertado até que entendesse que ela era especial, a filha que ela nunca teve.

— De q-que adianta a senhora me amar s-se não confia em mim e me t-trata como se eu fosse uma garotinha boba, incapaz de entender q-que a senhora está passando por um prob-blema. — desabafou enquanto sentia o carinho da tia – que sentou ao seu lado – em seu cabelo. — E-Eu sei que não entendo nada da v-vida, m-mas eu não s-sou mais uma criança. A senhora d-disse que eu sou infanti-il e preciso amadurecer. M-Mas como eu posso fazer i-isso se a senhora ainda me trata como c-criança? — remoendo o que a tia havia falado antes, quando ela tentou fugir daquela conversa, fazendo o coração da tia apertar ao ver o quanto aquelas palavras a magoaram.

Ia demorar para Emília esquecer tais palavras.

Maitê teria dito "perdoe-me" se não tivesse serrado os dentes para evitar que o choro explodisse, engolindo-o.

Emília levantou e foi para o quarto, deixando a tia com um último lamento, desta vez, dito com seriedade, controlando o choro:

— A senhora é igual à mamãe! Vive me cobrando as coisas, dando lições de como eu devo ser, mas sempre faz o contrário do que diz.

Assim que a porta do quarto da garota bateu e ela se trancou lá dentro, Maitê vomitou o choro que havia engolido a pouco, deitando e encolhendo-se naquele sofá de três lugares, agarrando-se a uma almofada, sufocando seu pranto nela. Seu copo estava cheio demais e ela não podia mais evitar que ele transbordasse.

Emília enfiou a cara no travesseiro e chorou de inchar os olhos, até o sono a dominar.

 

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Notas finais do capítulo

[1] Cher = pessoa amada em francês.