Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 126
Não quero passar por isso de novo


Notas iniciais do capítulo

Aqui dá início ao eixo do Lys.
É um eixo logo.



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# 02/04 #

Nunca a distância entre o sobrado e a Place Wilson foi tão longa, seus passos estavam vagarosos e os 5 minutos gastos para fazer aquele percurso quase que triplicaram naquela manhã. Era como se aquele rapaz não desejasse sair do lugar. Mas não era a preguiça de ir para a escola que fazia o irmão caçula do dono da Lemaitre se arrastar, mas uma conversa que ele desejou nunca ter ouvido.

Quando tenso ou nervoso por algum motivo, Lysandre saía de casa mais cedo, pois o cheiro do orvalho da manhã sobre a grama, as flores e copas das árvores da praça, há 5 quadras de onde morava, lhe acalmava. Ele preferia a Promenade e praças ligadas a ela, e até o Parc Castel, mas a linha de ônibus que ele usava para ir a escola passava na frente daquela praça. Embora ele não gostasse da vida na fazenda, algumas coisas lhe faziam falta às vezes, como a paisagem e o cheiro de ar puro. Geralmente, 15 minutos sentado no banco da praça, com seu bloco de notas e sua caneta em mãos, era o suficiente para ele sentir a mente aliviar, mas apesar do cheiro das árvores estar inebriante, sua mente não se acalmou. Uma aluvião de pensamentos estava tirando sua paz de espírito.

Por que ele havia ouvido aquela conversa? Ele preferia não saber de nada até o momento de ouvir o irmão, novamente, lhe dizer adeus; pelo menos assim ele sofreria apenas no dia da despedida e nos posteriores.

Lysandre já havia passado por aquilo com o irmão e por isso tinha certeza que ele só lhe contaria sobre a mudança para Paris quando já estivesse de malas prontas, assim como fez há quase 4 anos, quando saiu da fazenda para estudar. Até o último momento ele fez o caçula acreditar que não iria para a escola técnica cursar Ciência e Tecnologia Agrícola como o pai queria, porém, não lhe contou que ao invés disso iria para Cannes cursar Moda. Na cabeça do mais velho, omitir aquela informação era diminuir o sofrimento do caçula.

Até ouvir o irmão e a cunhada planejando a tal mudança Lys não concordava com aquela forma de pensar do mais velho, ele preferia saber da verdade desde o momento em que o irmão começou a cogitar a ideia de cursar Moda em Cannes, ainda mais porque Cecília iria junto. Ele se sentiu enganado e excluído, e isso o magoou profundamente, aumentando ainda mais a dor da despedida, pois além da separação, ele não teve tempo para se preparar psicologicamente para aquele momento. Mas depois do que ouviu na loja, embora odiasse ser enganado, se pudesse esquecer tudo o que já havia ouvido, com certeza o faria, pois doía demais saber que Leigh o deixaria de novo.

Lysandre até queria ter raiva do Leigh, mas o amava demais para conseguir nutrir qualquer sentimento ruim pelo irmão. Mas ele estava magoado e por mais que a situação fosse parecida, era diferente. Leigh havia jurado que nunca mais esconderia nada dele e principalmente, que nunca mais o deixaria. Descobrir que o irmão esqueceu sua promessa doía mais que pensar em se ver longe dele novamente, na fazenda; e mais que isso, se Leigh havia esquecido a promessa, reafirmada diante do túmulo da avó, era sinal que ele não era mais tão importante na vida dele e que Rosa importava mais que ele.

Rosa, essa Lysandre conseguia odiar. Um ódio que o feria, pois apesar de tudo ele gostava da cunhada; mas ele estava com raiva e até este sentimento passar não conseguiria perdoá-la, tampouco conviver no mesmo espaço que ela. Para Lys, Rosa o via exatamente como sua mãe, um garoto incapaz de se virar sozinho e um peso na vida do irmão. Por que ele não conseguia esquecer aquele risinho dos dois na cozinha? Por que Leigh não o defendeu quando ela fez aquele comentário maldoso, como ele sempre fazia quando sua mãe falava coisas daquele tipo?

"Simples. Leigh também esta começando a achar a mesma coisa. E talvez ele esteja certo." foi o que pensou o rapaz, o que ele deduziu, e este pensamento fez um choro silencioso marcar seu rosto entristecido, fazendo sua pele alva ganhar um tom avermelhado.

— "Eu tenho medo do dia em que você precisar ficar sozinho, filho. Dormir do lado de fora da casa por perder as chaves vai ser uma rotina na sua vida." — Sua mãe nunca foi otimista em relação a ele, minando toda autoconfiança que Cecília tentava lhe implantar. — "Como assim, você colocou fogo na cozinha do seu irmão? Você está bem? Não se machucou? Eu sabia que algo assim ia acontecer cedo ou tarde... Você nunca vai poder viver sozinho, Lysandre. Sua condição não te permite isso, filho, infelizmente." — não tinha como não se lembrar das palavras dela, palavras que ouviu a vida toda.

A face de Lysandre estava marcada por um pesar quase que de luto. Cabisbaixo, sua ascot[1] acetinada turquesa, num tom quase verde, aparava as lágrimas que pingavam de seu queixo após percorrer aquela face triste. Pela primeira vez aquele banco de madeira marrom envernizada lhe pareceu duro e desconfortável.

— Minha condição... — murmurou enquanto olhava para o concreto abaixo de seus pés e para as árvores no canteiro diante dele; elas não mais lhe pareciam ser mais verdes que a as da fazenda. — Até que ele me aguentou por muito tempo.

Lysandre começou a se sentir um estorvo na vida do irmão, pensamento que foi interrompido pelo toque do celular. Castiel lhe enviou um SMS, perguntando se ele havia lembrado dos aventais e colares das meninas. Um meio sorriso ganhou seus lábios e a tristeza que habitava seu olhar deu espaço para uma leve satisfação. A raiva não era uma boa conselheira. Ele não se importou em voltar para casa para pegar a sacola que havia esquecido. Castiel já estava a caminho da praça quando o encontrou retornando.

 

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11h00. Por fim, as garotas cansaram de pedir ao Lysandre que lhes mostrasse o que havia dentro da sacola cartonada preta que ele tinha ao pé da carteira, bem lacrada. Elas sabiam que eram os aventais e os colares tipo coleirinha, mas queriam ver se combinavam com seus vestidos. Todas estavam de vestido, como pedia o castigo, duas com vestido tubinho, duas com vestido de saia evasê e uma, Rosa, com vestido de saia meio godê. Das cinco, Rosa, Charlotte e Mariana, por gostarem de roupas mais ousadas, não se acanharam em usar vestidos mais curtos. Já que era para pagar mico, que fosse em grande estilo.

Charlotte perguntou a Rosa se Lysandre havia lhe mostrado os aventais, se eram bonitos e se tinham sido feito pelo Leigh, mas ela estava tão às escuras tanto quanto todas do grupo, que só diferiam dela no ânimo; Rosa passou a manhã calada, atendo-se apenas a responder o que lhe perguntavam, dando, por sua apatia, a desculpa de estar cansada por ter ido dormir muito tarde na noite anterior; mas na verdade ela estava chateada com a indiferença do cunhado, que não trocou uma única palavra com ela desde o episódio do café da manhã.

Assim como as garotas, os rapazes também estavam empolgados e curiosos, mas nem mesmo Castiel havia visto o que tinha dentro da sacola e tampouco se atreveu a perguntar, pois Lysandre estava mais calado que o normal naquela manhã e com certeza alguma coisa o incomodava e já fazia dias. O ruivo conhecia bem o amigo, ao ponto de saber que aquele olhar distante do platinado não era de devaneio; alguma coisa estava tomando sua atenção e não era coisa boa, pois a forma com que ele apoiava o rosto no punho fechado e brincava com a caneta entre os dedos indicava que ele estava tenso, preocupado e provavelmente, chateado.

O único garoto que não demonstrou interesse no almoço daquele dia foi o Nathaniel. Não que ele não quisesse ver as garotas pagando aquele mico, ainda mais vestidas daquela forma, afinal de contas, por mais sério que fosse, ele ainda era um garoto; mas ele só conseguia pensar em Emília. Se antes de vê-la junto com a Melody ele já queria ter uma conversa com a garota, depois de vê-las juntas aquilo se tornou necessário. Bem ou mal o trabalho no grêmio o ajudava a dispersar seus pensamentos, mas como ele não podia se esconder entre papéis, por mais que tentasse, a imagem daquelas duas juntas não saía da sua cabeça. "O que a Melody disse para a Sol?" era o pensamento que mais martelava sua cabeça. Tanto ele quanto Lysandre tiveram a atenção chamada algumas vezes por não prestarem atenção nas aulas daquela manhã.

— Professor. — Lys caminhou até a mesa do docente, pedindo sua atenção por um instante. — O senhor me permite ir ao toalete? — pediu.

— Eu não deveria permitir. — respondeu o químico de baixa estatura e cabelos grisalhos pela idade avançada, sentado em sua cadeira, enquanto esperava os alunos tentarem resolver o exercício que ele havia acabado de explicar. — Afinal de contas, você não fez nada hoje, a não ser devanear. — chamou-lhe a atenção, novamente.

— Tudo bem, professor. Eu entendo. E desculpe-me por hoje. — o platinado voltou para o seu lugar sem insistir.

Lysandre sempre foi um bom aluno, apesar do seu déficit de memória. Quando criança, a psicopedagoga da escola em que estudou até o dia em que se mudou para Nice, ensinou-lhe algumas técnicas de memorização e de concentração, como associar informações a serem lembradas com fatos e situações importantes para ele e que lhe gerem emoções. Guardar os pertences sempre no mesmo lugar e dizer a si mesmo, em voz alta, onde estava guardando, também o ajudava a memorizar, mas como ele tinha o péssimo habito de deixar as coisas pelo caminho e não lembra que precisa ser metódico, acaba perdendo seus pertences com facilidade, mesmo dentro de casa.

— Você tem 5 minutos Lysandre! É bate e volta! — dificilmente algum professor negava alguma coisa ao platinado; embora ele não fosse muito participativo ­– salvo nas aulas que ele gostava como Artes, Filosofia, Literatura e Psicologia – era silencioso e tinha excelentes notas.

Lysandre entregou a sacola ao Castiel, pedindo para que ele não deixasse ninguém mexer, e depois saiu. E assim que este deixou a sala Rosa sentou no lugar dele, ao lado do ruivo, querendo sondar se ele sabia o porquê o cunhado estava tão arredio com ela.

— Eu não acredito que o problema do Lysandre seja você, Rosa. A impressão que eu tenho é que ele esta com algum problema e isso está afetando seu humor. Como você passa a maior parte do tempo com ele e não dá uma folga pro cara, acaba sentindo na pele os efeitos do mau humor dele. — cochichou. Castiel não queria que o professor o ouvisse.

Track! Sem paciência, Castiel quebrou a régua do Álisson e ajeitou a sacola entre as pernas. Mais uma investida e o curioso conseguiria soltar os grampos com a régua.

— Você fala como se eu vivesse grudada nele.

— Ah, Rosa. Qual é!? Você passa 8 horas nesta escola com ele e ainda reclama feito uma velha ranzinza quando o cara faz dupla comigo em alguma atividade, fica na loja no mesmo horário que o Lysandre trabalha lá e ainda passa parte da noite na casa dele com o Leigh, sem contar os finais de semana que você passa enfiada na casa do cara.

Lysandre já havia comentado com o amigo que havia momentos em que ele sentia falta da privacidade que tinha quando vivia na fazenda, pois com a Rosa enfiada na casa dele praticamente o dia inteiro e todos os dias, ele não se sentia a vontade nem mesmo para ficar sem camisa ou conversar com o irmão sobre assuntos que só diziam respeito a ele(s).

— Qualquer hora seu pai obriga o Leigh a casar contigo e sua mãe manda suas malas pra lá!

Rosa não gostou do comentário.

— Eu vou fingir que não ouvi isso, Castiel, mas só porque eu estou preocupada com o Lys-fofo. Eu realmente acho que ele está zangado comigo, pois quando eu tento conversar ele me ignora e quando eu insisto, ele é frio. Eu sinto como se ele estivesse apenas sendo educado ao me responder e isso me magoa.

Pela expressão da albina, Cast sentiu que ela realmente estava receosa do platinado estar de cara virada com ela.

— Se o problema dele realmente for você é sinal que fez algo que o deixou muito puto. Diga Rosa. Além de não dar espaço pro cara, o que você fez de tão grave para acabar com o bom humor do eduardino?

Rosa não sabia se contava ou não, afinal de contas Castiel era amigo do Lysandre e na certa comentaria com ele sobre o que ela dissesse e o Lysandre ficaria mais possesso com ela. Mas ao mesmo tempo, se eles eram amigos, Cast já deveria saber de alguma coisa, pois eles confiavam um no outro.

"Mas se nem para o Leigh ele falou sobre o que sente pela Sol, por que teria dito ao Cast se ele sempre conversa primeiro com o Leigh?" pensou, lembrando do tipo de relação que o cunhado tinha com o irmão "Mas tem coisas que ele só compartilha com o Cast que eu sei, pois o Leigh brigaria com ele se soubesse." e com o amigo.

— Pela sua cara você deve ter aprontado uma das boas, em Rosa. — a cara da albina denunciava sua inquietação. — Anda, fala logo. O que você fez pro Lysandre?

— Eu conto. Mas você tem que jurar que não vai comentar nada com ele, principalmente se ele não tiver te contado. — Ela não queria piorar sua situação. — Vai ficar na sua e fingir que não sabe de nada, mesmo quando ele mesmo te contar.

— Está me achando com cara de potins[2]. Eu não sou como certas garotas que eu conheço! — alfinetou-a. Suas sobrancelhas arqueadas deixaram claro para Rosa que ele se ofendeu. — E quer saber de uma coisa, vá se aconselhar com o seu namorado. Ele conhece o eduardino melhor que eu! — Ele a teria enxotado da cadeira do amigo se pudesse, mas como não podia, voltou seus olhos para frente, fitando a lousa, cujo professor já estava corrigindo o exercício, que por sinal, ele não terminou, e nem ela.

— Olha aqui, Castiel. Já basta o Lysandre me alfinetando! E para o seu governo, se eu insistir neste assunto com o Leigh ele vai acabar brigando com o Lys-fofo e eu não quero isso.

Castiel respirou fundo, bufando, pois ele mesmo já estava começando a se cansar. Mas como ele também estava preocupado com o amigo, voltou sua atenção para Rosa novamente.

— Então desembucha logo! O que tu fez pro Lysandre? E se enrolar pra falar eu mesmo vou te mandar a merda!

— Castiel. Por favor, venha à lousa e resolva o exercício! — o professor podia ter cabelos brancos e estar quase em idade de se aposentar, mas surdo ele não era; o ruivo devia ter falado ainda mais baixo. Enquanto levantava ele fuzilou Rosa com o olhar. — Rosalya. Você resolverá o seguinte.

 

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— D-Desculpa, Sol. E-Eu sou uma desastrada. — lamuriou Violette, por ter jogado farelo de casca de ovo sobre a amiga. — E-Eu devia prestar mais atenção por onde ando.

— Não foi sua culpa, Vio. Você tropeçou, isso acontece. — elas haviam ido ao jardim a pedido do professor de Ciências. Ele queria um pouco de húmus vegetal para que os alunos olhassem pelo microscópio. Jade aproveitou e pediu a Violette que pegasse o pote com cascas de ovos quebradas para ele poder moer, e esta, ao fazer isso, tropeçou e derrubou sobre a amiga.

— M-Mas caiu no seu olho.

— Esquece isso, Vio. É só um pedacinho de nada, um cisco. — difícil convencer a amiga que não era nada com ela coçando o olho, que lagrimejava, e piscando compulsivamente. — Leve o húmus para o professor antes que ele canse de tanto esperar. Eu vou lavar o olho e já vou pra sala.

Violette fez o que a amiga pediu, mas continuou se sentindo culpada e uma tremenda atrapalhada. Ela quase trombou com Lysandre ao ir para o laboratório no 3º piso – a sala de aula do Lys é no 2º piso –. Ele estava tão ou mais distraído que ela.

 

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Sentir a água da pia do toalete sobre o rosto não era o suficiente para tirar aqueles pensamentos da mente do platinado. Ele estava tão tenso que tirou a casaca e a ascot do pescoço, desabotoou o colarinho da camisa e passou a mão molhada no pescoço e nuca, molhando-os, na esperança daquilo o fazer relaxar um pouco; o que não deu certo.

Por mais que quisesse ser diferente, ao olhar para o espelho a única coisa que via era o reflexo de um garoto de 16 anos, apegado demais a um irmão que provavelmente já estava cansado de ser responsável por ele. Maldita hora que ele ouviu aquela conversa.

Sua vontade era enfiar a cabeça debaixo da torneira; quem sabe ele dava sorte e a água corrente levaria seus pensamentos pelo ralo e faria aquele medo que o consumia desaparecer. E era isso mesmo que ele ia fazer, mas não ali. Ele precisava ir ao vestiário.

— Bom dia, rapaz. Você pode me dar uma informação?

— Claro, senhor. O que deseja saber. — respondeu Lys, parando perto da escada. Aquele homem de curtos cabelos loiros e barba bem feita parecia estar meio perdido.

— Você pode me dizer as horas? Meu relógio parou e eu deixei o celular no carro. Tenho um encontro com a corretora de imóveis às 13 horas e ainda preciso buscar meus filhos antes de irmos ver os apartamentos. — ele parecia preocupado com a possibilidade de se atrasar.

— São 11h25, senhor. Se me disser o nome de um dos seus filhos e que turma ele estuda, posso ir chamá-lo na sala enquanto o senhor busca o outro. Assim economiza tempo.

— Obrigado por sua boa vontade, mas não será necessário. Meus filhos não estudam nesta escola. Na verdade nos mudaremos para está cidade no verão e eu estou aproveitando que vim a cidade a trabalho para conhecer algumas escolas. Eles vieram comigo, mas como vamos embora hoje à noite pediram para passar o dia no shopping. Ao que parece tem lançamento de algum jogo novo e meu filho mais velho respira games. — contou. Ele tinha ido a Sweet Amoris para conhecer a estrutura, e após conversar com a diretora e o coordenador pedagógico caminhou um pouco pela escola, acompanhado do inspetor, conhecendo suas dependências, mas este teve que resolver um probleminha com um aluno e o deixou sozinho. — Bom, eu vou indo. Assim eu almoço com os garotos antes de ver a corretora. Obrigado pela atenção.

Assim que aquele homem foi embora Lysandre olhou novamente para o relógio e vendo que eram quase 11h30 lembrou do almoço. Ele olhou para a porta da sua sala, mas ao invés de voltar para lá, desceu a escada, indo para o 1º piso. Ele ainda precisava esfriar a cabeça.

— Sol. Você está chorando? — mal o platinado virou o corredor, deu de cara com a amiga passando a mão sobre o olho direito, secando as lágrimas. Os olhos dela estavam vermelhos e lagrimejavam muito. — Aconteceu alguma coisa?

— Oi Lys. Eu estou bem. Caiu um farelo de casca de ovo no meu olho e eu não consigo tirar. — não havia mais nada nos olhos de Emília, mas a sensação de ardor não passava. De tanto coçar ela acabou machucando o olho.

— Casca de ovo!? — ele não entendeu muito bem, então Sol lhe contou o que aconteceu.

— Ah, Sol. Só com você para acontecer esse tipo de acidente. — sorriu, — Agora pare de coçar esse olho. Vai irritar ainda mais. — segurando a mão dela para que parasse de cutucar o olho. — Você já tentou lavar o olho?

— Sim. E quase me molhei toda de tanta água que passei neste olho, mas não adiantou nada. — ela não conseguia parar de piscar. — Esse cisco maldito não quer sair de jeito nenhum.

— Deixe-me dar uma olhada. — como se não bastasse os olhos vermelhos, as bochechas dela ruborizaram. Lysandre tocou-lhe o queixo e levantou seu rosto, direcionando-o para ele, deslizou seus dedos por sua bochecha, praticamente num carinho, e puxou sua pálpebra inferior para baixo. — Olhe pra cima. — pediu, aproximando-se para olhar, curvando-se pela diferença de altura. As bochechas de Emília queimaram. Lys estava perto demais e toda vez que ele ficava a um palmo de distância dela ele ficava diferente, estranho.

Um cisco, este foi o motivo de Lys ter aproximado seu rosto do de Emilia. Nem a água fria teria sobre ele aquele efeito. Aquele perfume... um dedinho atrás da orelha... Emília sentiu os pelos de sua nuca eriçarem quando sutilmente ele inalou seu perfume... Um cisco, era isso que Lys procuraria, mesmo com a mente inebriada pelo doce veneno de íris.

"E-Ele... ele não precisava ficar tão perto para ver meu olho. Parece até que vai me beijar." pensou ela, movendo os olhos para cima e não só pelo cisco; ela tinha medo de encarar Lysandre numa distância como aquela, ainda mais olho no olho. Aquele Lys que ela não sabia lidar estava de volta, ela podia sentir isso.

"Por que ele ainda está segurando a minha mão? E desta forma?" Seu inexperiente coração estava começando a descompassar, pois Lys entrelaçou seus dedos aos dela, que manteve a mão aberta. Ele era sutil e rápido, como um vampiro que envolve sua vítima sem que ela se desse conta disso.

— Quer que eu assopre? — Sol apenas moveu os ombros, dando a entender que a escolha era dele. A voz dele estava aveludada, como daquela vez na Lemaitre, sobre a poltrona. Mas o problema não era sua voz, sua aproximação ou seus dedos entrelaçados ao dela, era sua boca. Lys estava com o rosto perto demais e isso a deixava apreensiva, nervosa, confusa. Ela podia sentir o ar de suas narinas e o calor do seu hálito tocar sua face.

— Continue olhando para cima. — pediu ele, com um sorriso e uma tranquilidade que a deixava ainda mais apreensiva, pois ela não sabia o que esperar.

Lysandre puxou a pálpebra inferior para baixo novamente, aproximou sua boca do olho de Emília e deu um sopro rápido e forte. Ela piscou e tentou levar a mão ao olho para coçá-lo, mas Lys segurou-a com mais firmeza, impedindo-a de soltar da mão dele. Ela cerrou os olhos, numa mistura de sensações. A mão dele era macia e forte, a respiração dele calma, porém profunda e o hálito dele... quente e convidativo. Ele passou a mão em seu rosto, acariciando com delicadeza metade da sua face. Sol prendeu a respiração com a certeza que ele ia beijá-la naquele instante, soltando o ar assim que o sentiu abrindo seu olho, puxando sua pálpebra inferior com o polegar e a superior com o indicador. Uma interrogação enorme ocupou o pensamento da jovem, que a cada dia tinha mais certeza que não conseguia decifrar os gestos do amigo de cabelos levemente prateados, quase brancos. 

— Ainda está incomodando? — perguntou ele, após soprar novamente. Ele não segurava mais suas pálpebras, mas mantinha a mão sobre sua face, acariciando-a levemente com o polegar. Aquele sorriso dele enquanto falava era assustadoramente encantador. 

— E-Está. — respondeu ela, sem entender o porquê ele ainda segurava sua mão, mantinha a outra sobre sua face e não afastava seu rosto do dela. E mais ainda, sem entender o porquê ela se deixava envolver por ele e não se afastava. Pergunta esta que outra pessoa também se fazia.

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Notas finais do capítulo

[1] ASCOT - antecessor da gravata. Surgiu no final do século XIX (1880). Era um acessório masculino padrão para trajes diurnos. O acessório se tornou centro das atenções quando o Rei Eduardo VII o vestiu para ir as corridas The Royal Ascot; daí vem o nome. O que o Lysandre usa no 1º traje é um jabot (gravata de babados), usada no século XVII e até meados do XVIII. Apenas quando o Lys troca de vestimenta, usando um terno acinturado, sua vestimenta passa a seguir o estilo vitoriano.

[2] Potins - fofoqueiro(a). Potin - Fofoca.


Enquanto usn tem medo de agulhas e outros de não ser aprovado pelo pai e até de não ser amada, Lys tem medo de ficar sozinho, não no sentido de solidão, mas no sentido de cuidados, como uma criança que tem medo de se perder e não ser mais encontrada. Culpa da mamãe, e até do Leigh que protegeram e protegem ele demais... Mas Cecília fez um bom trabalho, basta ele acreditar em si mesmo...

Neste momento, estou ouvindo Set Me Free de Place Vendome, músicas assim me inspiram e me fazem sentir o Lys mais perto...rs