Entre Segredos e Bonecas escrita por Lize Parili


Capítulo 11
Pelos corredores do mercado.


Notas iniciais do capítulo

Dizem que uma boa noite de sono resolve tudo. Mas para Sol e Maitê isso não funcionou... E a noite de sono nem foi tão boa assim...

REVISADO E EDITADO - 26/07/2017



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#06/03#

O dia amanheceu mais cedo, pelo menos era o que parecia para Emília, que mal conseguiu dormir. Ela não se conformava de ter respondido a tia daquela forma. Para tentar remediar as coisas ela preparou o café da manhã, pela primeira vez, pois sua tia sempre o fazia.

Maitê também dormiu mal, acordou com olheiras e seu semblante não era o mesmo; ela estava calada e séria. Emília não conseguiu identificar se a tia estava com raiva ou triste. Ela tomou o café preparado pela sobrinha e saiu para trabalhar. As únicas palavras que disse foram para lembrar Emília de ir ao mercado comprar leite para o resto da semana, nada mais, nem mesmo um "tenha um ótimo dia" ou "até mais tarde", como sempre fazia antes de sair.

— Emília, você é mesmo uma idiota! — murmurou a jovem, enxugando as lágrimas que percorriam seu rosto, cobrando-se. — Eu e minha boca grande!

Naquela dia Emília levou o triplo do tempo para arrumar o apartamento, perdendo a sua 4ª feira sem aula faxinando seu quarto. Enquanto os jovens do bairro curtiam o dia no parque, ela lavava, secava, passava, dobrava e organizava suas roupas na cômoda, lustrava os seus móveis, encerava o chão, organizava os livros na prateleira, arrumava o guarda-roupa...

Depois de tudo pronto, ela mesma se surpreendeu, o quarto parecia ter dobrado de tamanho. Ele estava como no dia em que entrou nele pela primeira vez. Além disso, assim que seu deu conta que já havia passado das 15h00 e que ela estava arrumando aquele quarto desde a hora que a tia havia saído, descobriu que não tinha vantagem nenhuma em deixar a bagunça acumular para depois arrumar. Ela perdeu o dia inteiro por conta daquilo.

Depois de um banho demorado, ela trocou de roupa e foi ao mercado, e enquanto caminhava observava os jovens indo ou voltando de algum lugar divertido, rindo alto, chateando-se. Sua preguiça a havia feito perder a 4ª feira.

No mercado ela pegou uma cesta e foi caminhar pelos corredores, a procura do leite desnatado que sua tia gostava e de outras coisas que ela precisava. Como as caixas de leite pesariam na cesta, ela preferiu começar pelo corredor da perfumaria. Seus protetores diários estavam acabando.

— Com perfume ou sem perfume? Eis a questão. — disse Castiel, parando ao lado dela, que rubra de vergonha, deixou os pacotinhos caírem. Ele deu um sorriso malicioso, pegou os pacotinhos e colocou no cesto dela. — Na dúvida, leve os dois. — deixando-a em seguida, rindo da expressão dela. E ao escutar o riso do garoto ela ficou tão brava que não pensou duas vezes, se deixando tomar pela impulsividade.

— Ei, Castiel! — chamou-o, indo na direção dele, a passos rápidos. — Espere, por favor! — pediu, e ele a esperou, com ar de "sou irresistível!".

— Pegue, é seu! — colocou um dos pacotinhos na mão dele, sem lhe dar a chance de recusar. — Não preciso de tantos, então pode ficar com o perfumado.

— E o que eu vou fazer com isso, garota? — perguntou, irritado com a petulância de Emília.

— Hummm. O que fazer ou não fazer com isso? Eis a questão. — ironizou, com a mão no queixo e cara de pensador. — Sei lá. Problema seu! — dando de ombros e o deixando sozinho sem resposta, com cara de taxo, voltando às compras. Ele até pensou em jogar o pacotinho nas costas dela, mas como tinham outras mulheres no corredor apenas resmungou e o jogou na prateleira de sabonetes, indo para a seção de produtos capilares, em busca do seu xampu para cabelos tingidos.

Enquanto ela andava pelo corredor de congelados, pensando em comprar algum prato pronto para o jantar, o que pouparia sua tia de comer a sua macarronada horrorosa, ela encontrou Rosalya, que estava fazendo compras para o namorado.

— Olá, Sol! Que bom te encontrar aqui! — cumprimentou-a.

Como ambas faziam aula de Economia Doméstica juntas, acabaram se conhecendo, mesmo sendo de ciclos diferentes, pois Rosa era do 1º ano do Ensino Médio. Mas elas se aproximaram mesmo nas duas semanas anteriores as provas, graças a uma atividade em grupo de ECDO, pois tinham que se falar constantemente fora da aula, por conta da atividade.

— Aproveitou bastante o dia de hoje? — perguntou.

— Olá, Rosa! Sim, aproveitei... e muito. Fiz faxina o dia inteiro! — respondeu, debochando de si mesma.

— Mas que chato! Você não podia ter deixado para outro dia e aproveitado hoje pra sair? O dia estava perfeito para ir as compras!

— Esse foi o problema, eu deixei tantas vezes para outro dia, que hoje não tive escapatória. — contou, lembrando da discussão com a tia, entristecendo o semblante.

— Mas que carinha é essa, Sol? Por que ficou chateada de repente? — perguntou Rosa, vindo a saber que a parceira de grupo havia discutido com a tia e que esta estava fria com ela.

— Nossa, Sol. Que chato! Eu nunca imaginei que você fosse geniosa. Você me parecia tão calma!

— Eu não sou geniosa — até parece. — O problema é que eu estava com raiva de outra pessoa e acabei descontando nela! — explicou, sem entrar em detalhes.

— Pior ainda. Isso de descontar na pessoa errada é coisa de gente que guarda rancor por muito tempo, ai quando explode, sobra pra todo mundo. — comentou Rosa, que era do tipo que explodia e resolvia na hora, deduzindo como era o gênio da amiga. — Acertei?

— Sei lá...

— E você estava com raiva de quem? Posso saber? Não vá me dizer que é do Castiel? Eu só vejo vocês dois brigando! — perguntou, enquanto caminhavam pelos corredores, lembrando das infinitas discussões dos dois por conta da atividade de Economia Doméstica.

Embora Castiel fosse aluno do 2ºème, assim como Rosa, também era da mesma turma de Economia Doméstica que Emília, disciplina extra do currículo e que era mista, tendo alunos do 3ème, último ano do Fundamental, e do 2ème, primeiro ano do Médio. Por uma ironia do destino, Sol foi colocada no mesmo grupo que Castiel, junto com a Rosalya e o Lysandre. Cada vez que se encontravam para fazer a atividade era uma rusga. O grupo que ela sempre fazia parte só tinha meninas da sua turma, mas a professora fez questão de grupos mistos para aquela atividade, então a colocou no grupo deles, pois Kim se voluntariou para trocar, por querer ficar com a amiga Violette.

— Nem me fale do Castiel, ele me tira do sério com aqueles comentários idiotas! — reclamou, mostrando certa antipatia pelo ruivo. — Se acha o mais irresistível dos homens!

— Então é dele mesmo!? — deduziu, erroneamente.

— É claro que não! Ele não é tão importante assim para me fazer perder as estribeiras. — disse, com desdenho, perguntando em seguida do Leigh. Ela não queria falar sobre seus pais. Porém Rosa achou que ela não queria falar do Castiel.

— Está na loja. Ele mal tem tempo livre e quanto tem, não quero que passemos fazendo compras no mercado. — contou, dando a entender que todo o tempo livre dele era passado com ela em momentos mais interessantes. — Então eu faço as compras pra ele, que depois só vem me buscar.

— Eu acho chato fazer compras de mercado sozinha. — comentou, e Rosa revelou que não estava sozinha.

— Eu sempre arrasto o Lys-fofo comigo. — contou, rindo. — Ele não gosta, mas sempre me acompanha, afinal, as compras são para ele também.

— E onde ele esta? — perguntou Sol, descobrindo ali que ele havia encontrado o Castiel no mercado e trocou a companhia dela pela do amigo ruivo.

— Aqueles dois não se desgrudam não? — perguntou, deixando Rosa incomodada. Ela não gostava que ninguém fizesse insinuações sobre seu cunhado.

— O que você quis dizer com isso? — indagou, séria.

— Nada, Rosa! Você me entendeu errado. O problema é que o Castiel já me fez a gracinha do dia. E justo hoje que eu estou preocupada. — Rosalya riu um pouco, pois sabia o quanto o ruivo gostava de perturbar Emília.

— Eu já te falei, Sol, e acredito que o Lys também já tenha dito. O dia em que você parar de dar importância às provocações, ele para.

— Pode até ser, mas que ele é chato, ah isso é. — disse, pegando três caixas de leite desnatado, e com isso, lembrando da tia, mudando o semblante de novo.

Rosa aconselhou a amiga a comprar um mimo para a tia, uma sobremesa bem gostosa, para adoçar a fera.

— Isso sempre funciona comigo quando o Leigh está chateado por algo que eu disse ou fiz. — comentou, sorrindo, guiando a amiga para a confeitaria do mercado. — Nada como um docinho... e no meu caso, uns beijinhos.

Emília comprou algumas bombas de chocolate, que a tia tanto gostava, torcendo para que desse certo. Ela não suportaria perder o carinho da tia por uma idiotice dela.

Assim como Emília, Rosa também já havia comprado o que precisava. Elas foram para o caixa juntas, vendo, de longe, Lysandre conversando com um garotinho do lado de fora. Castiel já havia ido embora.

— Por favor, devolva o meu bloco de notas! — pediu Lys ao garoto, cuja cara já mostrava que era um pentelho. Um bad boy em miniatura.

— E quem me garante que ele é seu!? — respondeu o garoto, com um sorriso maldoso na cara.

— Meu nome está no verso da capa. É só olhar. — disse Lys, apontando para a caderneta.

— E quem me garante que você é o tal Lysandre? Não tem sua foto aqui! — rebateu o moleque, debochando do jovem poeta, que não perdeu a calma.

— Por favor, garoto. Devolva o meu bloco de notas! Ele é importante pra mim. — pediu novamente, mas o moleque não estava nem ai. E ao perceber que Lysandre não ia ser agressivo com ele, sentiu que podia montar em cima, e só para provocar ameaçou de arrancar uma folha, deixando Lys tenso.

— Espere! Não faça isso! Por favor. — pediu, levando o garoto a rir debochadamente dele.

— Nossa, que cara mais bobão. Há, há, há!

Sol já tinha pago suas compras, e desconfiada que alguma coisa estava errada, deixou Rosa no caixa e foi até o estacionamento.

— O que está acontecendo, Lysandre? — perguntou ao colega, visivelmente chateado. — Quem é este garoto?

— Eu perdi o meu bloco de notas dentro do mercado e ele encontrou, mas não quer me devolver.

"Como assim, não quer devolver?", pensou Emília, afinal de contas era só um pirralho de no máximo 10 anos de idade. Por que Lysandre não tomava a caderneta dele e o colocava para correr logo?

"Se fosse o Castiel, este moleque já tinha se ferrado!", pensou, repreendendo-se em silêncio. Ela não gostava sequer de pensar no ruivo.

— E por que você não tomou dele? — perguntou. — É só um moleque folgado! — referiu.

— Porque ele é uma criança, Emília. Eu não vou medir forças com um garoto com metade do meu tamanho e bem mais novo que eu. — respondeu, fazendo Sol entender que além de calmo e gentil, ele era bem centrado, embora vivesse perdido em seus pensamentos e perdendo suas coisas.

— Você tem razão. Não dá para medir forças com uma criança. Mas nós podemos fazer outra coisa! — disse ela, virando-se para o garoto, propondo-lhe uma troca.

— Ei garoto. Você sabe que este caderninho pertence ao meu amigo e ele o quer de volta. Para você ele não tem serventia nenhuma, então eu faço uma troca. Você me dá o bloquinho e eu te dou estas bombas de chocolate.

O garoto ficou com a boca cheia d'água. Os doces da confeitaria daquele mercado eram deliciosos. Mas ele, querendo ver se conseguia aumentar a oferta de troca, enrolou para decidir. Mas Sol quis ser mais esperta.

— Então, vai trocar ou não? Decide logo. O bloco não é meu e eu tenho que ir embora. Além do mais, ele pode comprar outra caderneta.

— Mas esta tem um monte de versos idiotas escritos. Coisas sobre "um amor que queima a pele, consome a alma e entorpece os pensamentos..." — leu os versos, fazendo Lysandre corar e cerrar o punho. Ele havia chegado ao seu limite. Mas Sol, que sabia que o colega não gostava que lessem suas anotações fez o garoto parar a leitura, aumentando a oferta, como ele queria.

— Ok, ok! Você venceu! Eu te dou as bombas de chocolate e minha caixa de bombons. É o que eu tenho, a não ser que você também queira o leite desnatado. O garoto aceitou a oferta e fez a troca, pegando os doces e jogando o bloco de notas no chão, nos pés de Lysandre, que pegou e guardou.

— Obrigada, Emília. Mais uma frase lida e eu teria feito uma loucura. — agradeceu o rapaz, que passou a ter uma dívida com a colega de escola. — Eu estou sem dinheiro agora, mas vou repor o que você perdeu com aquele garoto e isso não tem negociação.

— Não se preocupe com isso, Lysandre. Quando puder você me paga.

— Combinado. Mas até lá, o que eu posso fazer para agradecer pela ajuda?

— Pode começar me chamando de Sol! Eu acho estranho ser chamada de Emília pelos meus amigos.

— Você me considera seu amigo? — perguntou o rapaz, ficando feliz em saber que sim.

— Então, já que somos amigos, pode me chamar de Lys. Só não de fofo. É constrangedor. Já basta a Rosa.

"Se ele não gosta, por que deixa a Rosa o chamar deste jeito? Eu não consigo entender este garoto!" Pensou ela, mas antes que dissessem mais alguma coisa, Leigh apareceu no estacionamento. Rosa havia ligado do caixa avisando que ele já podia ir buscá-los.

Eles deram uma carona para Sol até o prédio em que morava, mas ela não permitiu que Lysandre a ajudasse com as sacolas. Ela queria evitar mais aborrecimentos com a tia, que não queria garotos em casa sem que ela estivesse presente. Eles se despediram e ela entrou.

 

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Notas finais do capítulo

"Um amor que queima a pele, consome a alma e entorpece os pensamentos?" Sobre quem Lysandre estava falando? Ele falava de alguém em especial? O que ou quem o inspira?

[1] Na França, no ano de 2013 (quando a fic começou a ser escrita) não havia aula às 4ªs feiras. Os dias letivos eram 2ª, 3ª, 5ª, 6ª e sábados (meio período), com 1h ou 1h30 de almoço. Hoje nas 'escolas públicas' tem aulas nas 4ªs, sendo que alguns municípios suprimiram as aulas de sábado ou diminuíram as horas de aula diárias, outros inseriram atividades extracurriculares.